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Proc. n.º 850/03
2ª Secção Conselheiro Benjamim Rodrigues
Acordam, em conferência, no Tribunal Constitucional:
A – O relatório
1 - A. e outros reclamam para a conferência, ao abrigo do n.º 3 do art.º 78º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versão, da decisão sumária proferida pelo relator, de não conhecimento do recurso interposto para o Tribunal Constitucional do acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo proferido nos autos.
2 - A decisão sumária reclamada tem o seguinte teor:
«1 - A. e Outros recorrem para este Tribunal Constitucional do acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo, de 1 de Outubro de 2003, que negou provimento ao recurso jurisdicional interposto do acórdão da referida Secção, de 30 de Junho de 1998, pretendendo a apreciação de inconstitucionalidade da “interpretação normativa do artigo 5º, n.º 4, alínea a), do Código das Expropriações de 1991 (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 438/91, de 9 de Novembro) no sentido de que o prazo de exercício do direito de reversão ali previsto já terminou, antes mesmo de se iniciado”, por violação do direito fundamental da propriedade privada assegurado pelo art.
62º da Constituição da República Portuguesa.
2 - Conforme decorre do seu requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, este foi interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do art. 70º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versão
(LTC), ou seja, de “decisões dos tribunais que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo”.
3 - Por se entender que não pode conhecer-se do objecto do recurso, como adiante se demonstrará, elabora-se a presente decisão sumária, ao abrigo do disposto no n.º 1 do art. 78º-A da LTC.
Senão vejamos. Antes de mais cumpre notar que o simples facto do recurso ter sido admitido pelo tribunal a quo não vincula, de acordo com o disposto no art. 70º, n.º 3 da LTC, este Tribunal Constitucional a conhecer dele.
Constitui pressuposto do recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade que foi interposto que a norma ou dimensão normativa de certo preceito legal obtida por via interpretativa, cuja constitucionalidade se sindica, tenha sido aplicada pela decisão recorrida como fundamento normativo do seu conteúdo, ou seja, como ratio decidendi da decisão (cfr., entre muitos, os Acórdãos n.º 157/2000 e n.º 232/2002, publicados, no Diário da República II Série, de 7/10/2000 e 15/7/2002, respectivamente). Trata-se de uma exigência que
é postulada pela própria natureza da função jurisdicional, aqui exercida no domínio do controlo concreto da constitucionalidade, pois não cabe aos tribunais conhecer de questões que não se traduzam na resolução de concretas controvérsias. Se a norma não foi utilizada pelo tribunal como fundamento legal do seu juízo decisório, o conhecimento que dela se fizesse teria a natureza de conhecimento efectuado a título simplesmente hipotético ou académico. Por outro lado, constitui ónus da parte, decorrente do princípio de autonomia processual, a definição da norma cuja constitucionalidade pretende sindicar através do pertinente processo constitucional, contendo-se nesse conceito de norma determinada dimensão ou significado normativo que haja sido extraído de certo preceito legal e aplicado como ratio decidendi da decisão recorrida. Assim como o direito ao recurso constitucional constitui uma dimensão de tal princípio - estando na disponibilidade da parte exercê-lo ou não - também a identificação/definição do seu objecto constitui expressão do mesmo princípio. Deste modo não cabe ao Tribunal Constitucional definir a norma objecto do recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade, assumindo-se a definição feita pelo recorrente como um dado do processo constitucional. E é no requerimento de interposição do recurso que a parte tem de cumprir esse ónus processual, por, como acaba de dizer-se, a definição da norma constituir o objecto do recurso e o exercício do seu direito ser feito através daquele requerimento (cfr., entre outros, Acórdão n.º 367/94, publicado no Diário da República II Série, n.º 207, de 7.9.1994, e Acórdão n.º 20/97, publicado no mesmo jornal oficial, de 1 de Março de 1997).
4 - Ora os recorrentes questionam a inconstitucionalidade do artigo
5º, n.º 4, alínea a), do Código das Expropriações numa dimensão normativa, que precisam em tal requerimento de interposição de recurso, que não foi aplicada como ratio decidendi da decisão recorrida. Na verdade, os recorrentes pretendem a apreciação da inconstitucionalidade daquele preceito legal enquanto entendido
“no sentido de que o prazo de exercício do direito de reversão ali previsto já terminou, antes mesmo de se ter iniciado”. Não foi, porém, nesse sentido que a norma foi interpretada e aplicada pela decisão recorrida, pelo que um eventual juízo de inconstitucionalidade que se fizesse sobre ele, nunca poderia determinar uma alteração do decidido pelo tribunal a quo. Os termos em que os recorrentes definem a norma/dimensão normativa constitucionalmente sindicanda correspondem não ao entendimento que do referido preceito legal o acórdão do Plenário da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo inferiu e aplicou, mas antes ao entendimento do direito ordinário que os mesmos defenderam nas instâncias e que não foi acolhido pelo tribunal a quo.
5 - O acórdão recorrido abonou-se nos seguintes fundamentos:
«II. DIREITO
O presente recurso jurisdicional pretende a revogação do que se decidiu no douto Acórdão da Secção de 30/6/98 - que negou provimento ao recurso contencioso do indeferimento tácito que recaiu sobre o requerimento dirigido pelos Recorrentes ao Sr. Ministro do Planeamento e Administração do Território, em que lhe pediam que ordenasse a reversão dos prédios que lhes pertenceram e que foram expropriados pelo GAS - com o fundamento de que o mesmo fizera errado julgamento quando considerou que, à data em que os Recorrentes 'requereram a reversão em causa, já este direito tinha cessado, inexistindo, por isso, na (sua) esfera jurídica' e que, porque assim, não havia lugar à reversão por eles pretendida. E funda a discordância com o assim decidido no facto de a expropriação ser um instituto excepcional - que só a prevalência do interesse público sobre o interesse particular justifica - e que, por isso, o seu cabimento cessa quando os princípios constitucionais que salvaguardam o direito de propriedade saem feridos. O que o leva a concluir que, não tendo os prédios em causa sido aplicados nos fins que fundamentaram a expropriação, o direito de reversão não podia ser considerado prescrito e que, nesta conformidade, a interpretação que o Acórdão recorrido deu ao art. 5º, n.º 4, al. a) do Código das Expropriações/91 o torna inconstitucional por ser violadora do direito de propriedade consagrado na nossa Lei Fundamental. Todavia, como se irá demonstrar, não é assim,
1. O Código das Expropriações aprovado pelo DL n.º 845/76, de 11/12, não previa a possibilidade de direito de reversão a favor de particulares - só o admitia a favor de autarquias locais (art. 7º, n.º 1) - o que levou a jurisprudência deste Tribunal a, repetidamente, afirmar a inconstitucionalidade deste regime (Neste sentido podem ver-se entre outros, os seguintes acórdãos:
- de 27-5-1999, do Pleno, rec. n.º 30230, publicado no Ap. ao DR de 8-5-2001, pg. 788;
- de 28-9-1999, da Secção, proferido no recurso n.º 30231;
- de 19-1-2000, do Pleno, proferido no recurso n.º 36061,
- de 19-1-2000, do Pleno, proferido no recurso n.º 37652;
- de 27 -1-2000, proferido no recurso n.º 37656;
- de 21-2-2001, proferido no recurso n.º 45117;
- de 6-2-2002, do Pleno, proferido no recurso n.º 35272. No mesmo sentido também se pronunciou o Tribunal Constitucional no Acórdão n.º
827/96, de 26/6/96, proferido no processo n.º 726/92, DR, 2ª Série, de 4-3-98, pg. 2776).
Regime que foi, contudo, revogado pelo Código das Expropriações aprovado pelo DL n.º 438/91, de 9/11, que passou a estabelecer o seguinte : Artigo 5º Direito de reversão
1 - Há direito de reversão se os bens expropriados não forem aplicados ao fim que determinou a expropriação no prazo de dois anos após a adjudicação ou, ainda, se tiver cessado a aplicação a esse fim, sem prejuízo do disposto no n.º
4.
2. - ...................
3. - ....................
4. - O direito de reversão cessa: a) Quando tenham decorrido 20 anos sobre a data da adjudicação; b) Quando seja dado aos bens expropriados outro destino, mediante nova declaração de utilidade pública; c) Quando haja renúncia expressa do expropriado.
5-.
6 - A reversão deve ser requerida no prazo de dois anos a contar da ocorrência do facto que a originou, sob pena de caducidade, sem prejuízo de assistir ao expropriante, até ao final do prazo previsto na alínea a) do n.º 4, o direito de preferência na alienação dos bens para fins de interesse privado.
7- ..................
8- .................. Deste modo, e de acordo com o que se estatui neste preceito, a Expropriante estava obrigada a aplicar os bens objecto da expropriação na finalidade que a determinou no prazo de dois anos a contar da sua adjudicação sob pena, de não o fazendo, nascer na esfera jurídica dos Expropriados o direito de reversão, isto
é, o direito a reaverem os bens expropriados. Este direito, contudo, não era um direito ilimitado susceptível de ser exercido a todo o tempo já que se operava a sua caducidade quando esse exercício não se fizesse no prazo de dois anos a contar da ocorrência do facto que o originou. Todavia, e para além da caducidade do direito de reversão, a lei previa também a possibilidade da sua cessação, a qual ocorria sempre que decorressem 20 anos sobre a data da adjudicação – vd. n.º 4, al. a) daquele art. 5º. Ou seja, o direito de reversão não só caducava pelo seu não exercício no prazo de dois anos a partir do momento do seu nascimento, como também prescrevia quando fossem decorridos vinte anos sobre a data da adjudicação dos bens. Ora, foi justamente por considerar que entre o momento da adjudicação dos bens -
10/8/73- e o momento em que o pedido de reversão foi formulado - 4/2/94 - tinham decorrido mais de 20 anos e que o decurso deste prazo tinha determinado a prescrição desse direito que o Acórdão recorrido negou provimento ao recurso contencioso e, desta forma, confirmou a bondade do indeferimento da pretensão dos Recorrentes. E, como se irá ver, bem.
2. O art. 62º da C.R.P. estabelece que:
“1 - A todos é garantido o direito à propriedade privada e à sua transmissão em vida ou por morte, nos termos da Constituição.
2 - A requisição e a expropriação por utilidade pública só podem ser efectuadas com base na lei e mediante o pagamento de justa indemnização”.
No entanto, e ainda que seja certo que o direito de propriedade é um direito fundamental também o é que - tal como este Tribunal o vem dizendo - não é um direito absoluto, insusceptível de qualquer restrição e que, por isso, o mesmo não se sobrepõe inapelavelmente a todos os outros direitos e a todos os princípios com idêntica protecção constitucional. O que bem se compreende.
Na verdade, e desde logo, deve dizer-se que o legislador constitucional teve por finalidade primordial a realização do bem comum e que, sendo assim, os direitos e os princípios que melhor contribuíssem para a concretização dessa finalidade deviam merecer protecção prioritária. E é por isso que, por exemplo, o direito de propriedade cede quando está em causa a realização do interesse público e se procura a satisfação do bem geral - vd. o caso da expropriação. Ponto é que essa expropriação respeite os cânones legais, designadamente os que se referem ao pagamento de uma justa indemnização e, neste particular, nenhuma queixa foi feita. Ora, um dos princípios mais importantes no nosso ordenamento jurídico, por ser um dos que mais contribui para a paz jurídica e social, é o da estabilidade. É ele que, sendo raiz e pressuposto da segurança jurídica, conduz, em inúmeros casos, à consolidação das relações jurídicas existentes e as jurisdifica com carácter definitivo, contribuindo, dessa forma, para a mencionada pacificação. E foi precisamente em função da importância e do valor desta estabilidade e segurança que o legislador estatuiu que a posse do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo mantida por certo lapso de tempo faculta, por regra, a aquisição do direito a cujo exercício aquela actuação corresponde. É o chamado instituto da usucapião. – art.s 1287 e seg.s do Código Civil. E, da mesma forma, estatuiu que o não exercício de um direito por um determinado lapso de tempo determinava a sua prescrição – vd. n.º 1 do art. 298º e 309º, ambos do Código Civil. Ou seja, em homenagem àqueles princípios e à necessidade da certeza e da segurança nas relações jurídicas a aparência de um direito prolongada por um determinado lapso de tempo transformava essa aparência em realidade, transformação essa que poderá ocorrer mesmo quando haja má fé - vd. art.s 1294º e 1285º do Código Civil. E, que se recorde, nunca se viu defender a inconstitucionalidade destes institutos. Deste modo, não só não surpreende, como é de todo natural e consoante os princípios que enformam o nosso edifício jurídico, a opção legislativa que impede que uma situação perfeitamente estabilizada ao longo de 20 anos possa ser irrazoavelmente alterada. E, porque assim, teremos de concluir que o entendimento que levou o legislador do CE,/91 a estabelecer que a consolidação definitiva do direito de propriedade dos bens identificados nos autos na esfera jurídica da Expropriante em função do decurso daquele prazo não constitui uma restrição inaceitável do direito de propriedade e, como tal, não pode ser vista como uma ferida no desenho constitucional daquele direito. O condicionamento do exercício do direito de reversão a um tempo determinado (“a reversão deve ser requerida no prazo de dois anos a contar da ocorrência que a originou” e “o direito de reversão cessa quando tenham decorrido 20 anos sobre a data da adjudicação” – nºs 6 e 4, al. a), do art. 5º do CE/91) em nada viola o direito de propriedade consagrado no art. 62º da CRP.
3. Os Recorrentes sustentam que, ainda que se pudesse admitir a legalidade e constitucionalidade da mencionada norma do CE/91, certo era que - nos termos dos art.s 306º e 329º do Código Civil - a contagem do prazo para a cessação do direito de reversão só se iniciava a partir do momento em que ele podia ser exercido o que, in casu, significava que a contagem desse prazo só se podia fazer a partir da entrada em vigor daquele Código e que, sendo assim, tal prazo ainda se não poderia considerar decorrido. Sem razão, já que os mencionados preceitos estabelecem a regra geral de contagem daqueles prazos nada impedindo o legislador de, em face de outras circunstâncias, optar por uma forma diferente de contagem do prazo e de fixar um termo a quo diferente do estabelecido naquelas normas. Foi o que aconteceu neste caso e, porque assim, também neste ponto o Acórdão recorrido não mereça censura.
Em suma: a expropriação dos autos traduziu-se num desapossamento das parcelas sobre que incidiu e na integração no património do Estado inteiramente legal, uma vez que não só teve a justificá-la razões de interesse e ordem pública, mas também porque a acompanhá-la esteve o pagamento de uma justa indemnização. Esta situação consolidou-se por mais de 20 anos, o que significa que a mesma se estabilizou na ordem jurídica. A ocorrência de tais factos determina a cessação do direito de reversão. A cessação deste direito pelas razões acabadas de referir não se pode configurar como um ataque ilegal e inconstitucional ao direito de propriedade nem, tão pouco, como uma violação das normas invocadas pelos Recorrentes.
Face ao exposto os Juízes que compõem este Tribunal acordam em negar provimento ao recurso e em confirmar a douta decisão recorrida. Custas pelos Recorrentes.».
Por seu lado, o acórdão confirmado, da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo discreteou, em sede de fundamentação, pelo seguinte modo:
«3 - Conhecendo do Direito
3.1 - Vem interposto recurso contencioso do acto de indeferimento tácito formado na sequência do requerimento que os recorrentes dirigiram em 4 de Fevereiro de
1994 ao Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território, solicitando que fosse autorizada a reversão dos prédios de que foram proprietários e expropriados pelo GAS, sem que tivessem sido afectados ao fim de utilidade pública que justificou a sua expropriação.
Os recorridos, nas suas respostas e alegações, suscitaram diversas questões, a saber (para além da questão prévia de carência de objecto de recurso; já apreciada e afastada pelo acórdão de 1/7/97 (folhas 143/147):
- a cessação, por prescrição, do invocado direito de reversão - se alguma vez existiu - por “entre a respectiva adjudicação ao expropriante e a apresentação do requerimento da reversão terem passado mais de 20 anos”, previstos pelo art. 5º, nº 4, al. a), do novo Cód. Expropriações, aprovado pelo DL n. 438/91, de 9/11;
- a extinção desse direito pelo facto de os bens expropriados terem sido alienados a favor de terceiros;
- a não aplicação ao caso do art. 5º do Cód. Exp., por não ser esta disposição passível de aplicação retroactiva;
- a afectação dos prédios ao fim público visado no acto expropriativo.
O Exmo Magistrado do Ministério Público neste S.T.A. suscitou ainda a questão de, à data do exercício do direito de reversão, ainda não ter terminado o prazo de dois anos previstos no n.º 1 do art. 5º do C. Expr., para a entidade expropriante aplicar os bens aos fins que determinou a expropriação, sendo, assim, intempestivo o recurso.
Conheçamos dessas questões, começando pela primeira das suscitadas pelos recorridos.
3.2 - Como se escreveu no acórdão de 19/1/95, rec. 31.955, e constitui jurisprudência corrente deste S.T.A., «a reversão não é um efeito da adjudicação dos bens expropriados, que apenas formaliza a transferência da propriedade operada pela expropriação, sendo, antes, um instituto jurídico diferente e autónomo do da expropriação, não obstante a conexão existente entre ambos. Tanto assim que podem não coexistir o direito de expropriação e o direito de reversão, como, aliás, sucedia no domínio da vigência do anterior Código das Expropriações. (...) Assim, a reversão é um efeito, não da adjudicação do bem expropriado, a regular pelas regras vigentes ao tempo daquela, mas da garantia constitucional do direito à propriedade privada, afirmado no art.. 62º da Constituição da República (cfr. Alves Correia, “As garantias do particular na expropriação por utilidade pública”, pág. 162), ferida por uma conduta omissiva do expropriante após a adjudicação do bem.».
Esse direito (de reversão) não era reconhecido, como regra, pela lei anterior
(art. 7º do C. Exp. de 1976), vindo o actual Cód. Expropriações reconhecer, no seu preâmbulo, que se impunha “a consagração inequívoca do exercício do direito de reversão, por forma a, por um lado, moralizar a actuação da Administração
(...) e, por outro lado, a possibilitar aos particulares expropriados a recuperação dos bens que não fossem aplicados ao fim que determinou a expropriação”.
Assim, o actual Código das Expropriações veio instituir “ex novo” o direito de reversão como direito de carácter universal, definindo os seus pressupostos, quer quanto ao sujeito activo quer perante o sujeito passivo (art.º 5) e as necessárias regras adjectivas (art. 70º e segs.). Deste modo, o direito de reversão dos recorrentes - tal como estes reconhecem, no art. 7º da sua p. i. - só foi adquirido (ou readquirido) com o novo (e actual) Código das Expropriações, aprovado pelo DL n° 438/91, que o rege, em função dos factos ocorridos na sua vigência, por aplicação directa do art. 12º do C. Civil.
3.3- Dispõe o art. 5º do referido (e actual) Cód. Expropriações:
“1 - Há direito de reversão se os bens expropriados não forem aplicados ao fim que determinou a expropriação no prazo de dois anos após a adjudicação ou, ainda, se tivesse cessado a aplicação a esse fim, sem prejuízo do disposto no n.º 4.
.................................................................................................................................
4- O direito de reversão cessa: a) Quando tenham decorridos 20 anos sobre a data da adjudicação; b) Quando seja dado aos bens expropriados outro destino, mediante nova declaração de utilidade pública; c) Quando haja renúncia expressa do expropriado.
.................................................................................................................................”. Depois de elencar os factos que podem originar o direito de reversão – n.º 1 do referido art. 5º - este normativo logo ressalvou o disposto no n.º 4, que dispõe
“cessar” o direito de reversão em três situações, a primeira das quais quando tenham decorridos 20 anos sobre a data da adjudicação (dos bens expropriados).
Decorre dessa disposição - al. a) do referido n.º 4 - que:
- Se a adjudicação ocorreu 20 ou mais anos antes da entrada em vigor do actual Cód. Expropriações, o direito de reversão não chegou sequer a constituir-se na esfera jurídica dos expropriados;
- Se ainda não tinham decorridos 20 anos sobre a data da adjudicação, quando entrou em vigor o referido Código, mas o expropriado não exerceu logo o seu direito, deixando completar esse prazo, o direito de reversão cessou logo que se completou tal período de 20 anos, fixado nessa disposição.
Por outras palavras: não é possível exercer o direito de reversão logo que decorrido (ou por ter decorrido) o prazo de 20 anos a contar da adjudicação dos bens expropriados, pela simples razão de que esse direito cessou, se é que chegou a constituir-se, nos termos ou pelas razões apontadas.
3.4 - No caso “sub judice” o Gabinete da Área de Sines foi judicialmente investido na posse dos três prédios expropriados, ora em causa, em 13 de Agosto de 1973- cfr. Alíneas C), D), e E) da matéria de facto especificada - tendo os recorrentes requerido a reversão dos referidos prédios em 4 de Fevereiro de
1994, decorrido, pois, o prazo de 20 anos fixado na alínea a) do n.º 4 do art.º
5º do vigente Código das Expropriações, aprovado pelo DL n.º 438/91 de 9 de Novembro, e entrado em vigor em 7 de Fevereiro de 1992 (art. 2º desse diploma legal).
Daí que, quando requereram a reversão em causa, já este direito tinha cessado, inexistindo, por isso, na esfera jurídica dos recorrentes, nesse momento.
O acto decorrido observou, pois, a referida disposição - a citada al. a) do n.º
4 do art. 5º do vigente Cód. Expropriações - tal como sustentam os recorridos e o Exmo Magistrado do Ministério Público.
Não lhes assistindo o direito que pretendiam fazer valer, a pretensão dos recorrentes não podia obter deferimento, impondo-se, pois, a improcedência do presente recurso, e ficando prejudicado o conhecimento das restantes questões invocadas pelos recorridos e pelo Ex.mo Magistrado do Ministério Público.
4- Pelos fundamentos expostos acordam em negar provimento ao recurso. Custas pelos recorrentes, solidariamente, com taxa de justiça de 60. 000$00 e procuradoria de 30.000$00, sem prejuízo do apoio judiciário concedido.».
6 - Conforme se infere do acórdão recorrido - e da aceitação da definição e aplicação do direito feita pelo acórdão da Secção que o mesmo confirmou - o tribunal a quo entendeu a norma aqui constitucionalmente sindicada no sentido de que “o direito de reversão cessa quando tenham decorrido 20 anos sobre a data de adjudicação” se aplica a uma situação de expropriação por utilidade pública, como era aquela que os recorrentes colocaram ao tribunal, que tinha sido levada a cabo sob a vigência do Código das Expropriações de 1976, em que a adjudicação dos bens ocorrera em 10 de Agosto de 1973 (data da sentença que adjudicou a propriedade dos bens expropriados), em virtude do direito de reversão ter nascido com a entrada em vigor do disposto no n.º 1 do mesmo artigo
5º, ou seja, com a entrada em vigor, em 7 de Fevereiro de 1992 (art. 2º do diploma a seguir mencionado), do Código das Expropriações de 1991 (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 438/91, de 9 de Novembro), e haverem decorrido mais de 20 anos entre a referida data de adjudicação e o momento em que os recorrentes requereram a reversão dos prédios expropriados à entidade expropriante, em 4 de Fevereiro de 1994, e que o prazo se contava desde aquela data - e não desde a entrada em vigor do Código das Expropriações de 1991 como os recorrentes defendiam apelando para o disposto nos arts. 297º, n.º 1, 306º e 329º do Código Civil - em virtude do legislador poder “optar por uma forma diferente de contagem do prazo e [de] fixar um termo a quo diferente do estabelecido naquelas normas”.
Resulta assim claro que a decisão recorrida, em ponto algum, interpretou o preceito em causa “no sentido de que o prazo de exercício do direito de reversão ali previsto já terminou, antes mesmo de se ter iniciado” . O que resulta da decisão recorrida é que esta entendeu o preceito cuja inconstitucionalidade se pretende cogitar no sentido de que o direito de reversão regulado nesse artigo nasceu para os recorrentes em 7 de Fevereiro de
1992 (data da entrada em vigor do C. Expropriações de 1991) e que o prazo de 20 anos se contava, não obstante o nascimento do direito apenas em tal altura, desde o momento da adjudicação da propriedade em 10/8/73 e que, por conseguinte, o mesmo estava já extinto quando os recorrentes vieram exercê-lo, em 4 de Fevereiro de 1994, por virtude dos 20 anos se terem completado depois de nascido o direito de reversão e antes dos recorrentes o exercerem. Na racionalidade fundamentadora do acórdão, os recorrentes haviam, assim, disposto do prazo compreendido entre 7 de Fevereiro de 1992 e 10 de Agosto de 1993, para exercer o direito de reversão. Ora, tendo o acórdão tomado em conta a aplicabilidade do prazo de 20 anos fixado em tal disposição porque o seu termo ocorreu depois, quer da adjudicação (dies a quo), quer do início de vigência da disposição legal que o fez nascer na esfera dos recorrentes, sendo este momento anterior (mais de um ano) àquele em que o exerceram, não se pode ver nela aplicada uma dimensão normativa no “no sentido de que o prazo de exercício do direito de reversão ali previsto já terminou, antes mesmo de se ter iniciado”.
Cabe, por último, referir que não cabe ao Tribunal Constitucional pronunciar-se sobre se, no plano da interpretação do direito ordinário, a solução interpretativa a que o acórdão recorrido chegou é um bom ou mau direito. No recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade, essa interpretação tem a natureza de um dado ou pressuposto, traduzindo-se a tarefa do Tribunal Constitucional em apurar se ele é ou não conforme com a Lei Fundamental.
7 - Temos, portanto, que os recorrentes pretendem a apreciação de inconstitucionalidade do preceito do art. 5º, n.º 4, alínea a) do Código das Expropriações de 1991 com um sentido que não foi aplicado na decisão recorrida. Deste modo, não se pode tomar conhecimento do recurso.
Custas pelos recorrentes com taxa de justiça que fixo em 6 UC.».
3 - Refutando a decisão reclamada, dizem os reclamantes na reclamação:
«[...]
2. O Código das Expropriações de 1991, que entrou em vigor em 07 de Fevereiro de 1992, instituiu “ex novo” o direito de reversão.
Anteriormente o particular não dispunha de direito de reversão.
Segundo o Cod. Expropriações de 1991, art.º 5º, n.º 4, alínea a), este direito de reversão - que é o corolário da garantia constitucional da propriedade privada - cessa quando tenham decorridos 20 anos sobre a data da adjudicação.
Quer dizer:
O direito de reversão foi instituído em 1992.
Foi então, em 1992, criado um prazo de 20 anos para o seu exercício sob pena de extinção.
Este prazo novo estabelecido em 1992, para um direito novo, instituído também em 1992, podia já estar a decorrer antes de ser criado?
Salvo o devido respeito, é isso mesmo que se retira do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de que recorre:
“Ora, foi justamente por considerar que entre o momento da adjudicação dos bens - 10/8/73- e o momento em que o pedido de reversão foi formulado - 4/2/94 - tinham decorrido mais de 20 anos e que o decurso desse prazo tinha determinado a prescrição desse direito que o Acórdão recorrido negou provimento ao recurso contencioso e, dessa forma, confirmou a bondade do indeferimento da pretensão dos recorrentes”».
4 - O recorrido Secretário de Estado Adjunto do Ordenamento do Território respondeu, pugnando pelo indeferimento da reclamação.
B – A fundamentação
5 - Como decorre dos fundamentos da reclamação acima reproduzidos, os reclamantes em nada contradizem as razões em que se fundou a decisão reclamada e que, brevitatis causa, se resumem a os recorrentes pretenderem a apreciação de inconstitucionalidade do preceito do art. 5º, n.º 4, alínea a) do Código das Expropriações de 1991 com base em um sentido que não foi o aplicado na decisão recorrida ou seja, de um sentido do direito ordinário que entendem ser o correcto, mas que não foi o aplicado pelo acórdão recorrido. Desta sorte a reclamação tem de improceder.
C – A decisão
6 - Destarte, atento tudo o exposto, o Tribunal Constitucional decide indeferir a reclamação.
Custas pelos reclamantes, com taxa de justiça que se fixa em 20 UC.
Lisboa, 27 de Abril de 2004
Benjamim Rodrigues Maria Fernanda Palma Rui Manuel Moura Ramos