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Proc. n.º 190/04
3ª Secção Relator: Conselheiro Gil Galvão
Acordam, em Conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
I – Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal Central Administrativo, em que é recorrente A. e recorrida a Fazenda Pública, o recorrente impugnou no Tribunal Tributário de 1ª Instância do Porto liquidações adicionais de IRS, referentes aos exercícios de 1996 e 1997. Por decisão de 27 de Janeiro de 2003, a impugnação foi julgada procedente, anulando-se a liquidação.
2. Inconformada com essa decisão, a Fazenda Pública interpôs recurso para o Tribunal Central Administrativo, pedindo a revogação da sentença. Contra-alegou, então, o ora recorrente, nos termos seguintes:
“[...] 1 - A prova produzida nos presentes autos confirma integralmente a matéria de facto invocada pelos impugnantes. Matéria de facto que, aliás, nem foi efectivamente contrariada pela Fazenda Pública. Deve, assim, ser mantida a douta decisão proferida em matéria de facto, designadamente a referida sob a alínea f) que se transcreve:
'A empresa B. pagava aos seus trabalhadores no estrangeiro uma verba por cada dia para fazerem face às despesas com alimentação e alojamento naqueles países dado que tinham residência em Portugal'.
2 - Acresce que, A decisão respeitante , à matéria transcrita tem por base o depoimento de testemunhas, cuja isenção e conhecimento pessoal dos factos nem a Recorrente questiona. Mal se compreende, assim, como pode sustentar a respectiva alteração, que indirectamente pretende alcançar - conclusões 9 e 11.
3 - É indefensável a posição da Fazenda Pública quando reconhece como domicílio fiscal do impugnante o local de sua residência habitual, mas pretende repudiá-lo como inócuo para efeitos do tratamento da verba de ajudas de custo recebida. Nenhuma disposição legal, nem qualquer entendimento doutrinário conhecido faz depender a validade da atribuição da verba de ajudas de custo à deslocação do local de trabalho habitual, a não ser para os funcionários públicos. Para estes, ' Dispõe a lei - art. 87° do Código .Civil - que têm domicílio necessário no lugar de exercício das respectivas funções. Assim como dispunha a lei aplicável durante os exercícios de 1996 e 1997 - Decreto-lei n.º 519-MI79, de 28 de Dezembro, depois revogado pelo Decreto-lei n.º 106198, de 24 de Abril - que só em caso de deslocação da residência oficial
(domicílio necessário) haveria lugar ao abono de ajudas de custo para os funcionários públicos. Para os trabalhadores vinculados a empresas privadas durante os exercícios de
1996 e 1997 regem os princípios estabelecidos pelo Ofício n°. 34.931/95, de 30 de Agosto, da D.G.C.I., transcrito na petição inicial. Ou seja, vigorou a liberdade de estabelecimento dos abonos de ajudas de custo e das condições em que os mesmos são abonados. Liberdade que só recentemente foi subordinada à observância dos pressupostos da sua atribuição aos servidores do Estado - art. 400 da Lei 3-8/2000, de 4 de Abril.
4 - A posição defendida pela Recorrente é, no fundo, uma de duas: a) A aplicação retroactiva daquela disposição inserida no Orçamento do Estado para 2000, retroactividade que seria ilegal por violação do disposto na lei - art. 12° da Lei Geral Tributária - e na Constituição - art. 103°, ou b) A desnecessidade da mesma disposição legal, conclusão que seria ilegal - a lei dos servidores do Estado não pode ser aplicada aos trabalhadores das empresas privadas sem ofensa do disposto no art. 11 ° do Código Civil. Além disso, ofenderia o entendimento escrito constante da aludida circular da própria administração fiscal.
5 - A lei laboral - art. 87° do RJCIT - admite expressamente as ajudas de custo devidas por deslocações feitas em serviço da entidade patronal, ou novas instalações. A deslocação do Recorrido, em serviço da sua entidade patronal está nitidamente constatada no caso sub judice: ao início e ao fim do contrato de trabalho, mas em serviço da entidade patronal. A lei não exige que haja mudança do local de trabalho - exige apenas que haja deslocação em serviço. A deslocação relevante é a do trabalhador e não do local de trabalho. Só nesse sentido se compreende a expressão deslocação em serviço usada no Parecer 109/88 PGR, de 29/3/89, in DR 31/5/89, II Série. Essa deslocação verificou-se, em serviço.
6 - Porque a deslocação dura todo o tempo do contrato em que a verba . de ajudas de custo está prevista no contrato de trabalho, poderia unicamente a parte que exceder as despesas normais, e só essa, ser considerada retributiva - nesse sentido os Acórdãos do ST J de 20/1/1999 in BMJ 483 p.122, do ST J de 8/3/1995 in A.D. n° 407, p. 1249, do STA de 29/3/1977 in A.D. n° 186, p. 507, da Relação de Lisboa de 15/3/1995 in CJ, II, p. 167, e da Relação de Coimbra de 12/10/1995 in CJ, IV, p. 65, entre outros.
7 - O Recorrido fez a prova da existência das despesas cuja compensação é assegurada pela verba auferida de ajudas de custo. Deve, assim, ser-lhe reconhecida a isenção legal de tributação em IRS da verba de ajudas de custo que auferiu, ao abrigo do disposto no n° 3, e) do artigo 2° do CIRS. O valor recebido não constitui retribuição, como tem sido unanimemente reconhecido na doutrina - Bernardo da Gama Lobo Xavier, Introdução ao estudo da retribuição, Revista de Direito e Estudos Sociais, Ano I (2ª. Série), n° 1,p. 84
- ou na supra citada jurisprudência.
8 - O Recorrido teve de suportar despesas de alojamento e alimentação quanto a dois locais - residência, onde permaneceu o seu agregado familiar, e local de trabalho. Tipicamente, a retribuição salarial cobre apenas as necessidades inerentes ao local de residência. Daí a normalidade na atribuição da verba de ajudas de custo. Ao distinguir entre trabalhadores destacados para o estrangeiro e trabalhadores contratados para determinada obra no estrangeiro ao abrigo de contrato a prazo, recusando a estes a atribuição de ajudas de custo que admite para aqueles, está a Recorrente a defender um tratamento injustamente desigual para os contratados a prazo, que viola o princípio da igualdade consagrado no art. 13° da Constituição. EM CONCLUSÃO, Deve a douta decisão recorrida ser mantida, na íntegra [...].”
3. O Tribunal Central Administrativo, por acórdão de 11 de Novembro de 2003, decidiu conceder provimento ao recurso, decisão que fundamentou nos seguintes termos:
“[...] Vejamos, então, se a AT logrou demonstrar a verificação dos requisitos que lhe permitissem a alteração do rendimento colectável declarado: O Contribuinte marido foi contratado para trabalhar no estrangeiro. Porque o local de trabalho contratualmente estipulado era um dado país estrangeiro, não pode considerar-se que o trabalho por ele aí prestado tenha implicado mudança alguma de local de trabalho nem, consequentemente, tenha implicado a realização de deslocações por força da prestação ocasional do trabalho fora do local habitual ou por força da transferência das instalações da sua entidade patronal. Ou seja, não é pelo facto de o trabalho ser prestado no estrangeiro, sem mais, que a entidade patronal pode suportar a título de ajudas de custo as despesas de alojamento e alimentação do trabalhador. Isto, mesmo que o trabalhador tenha residência no território nacional e a entidade patronal também aqui tenha a sua sede pois, como bem salientou a Recorrente, para efeitos de tributação em IRS, são «inócuos o local da sede da entidade patronal ou o local de residência habitual do trabalhador» (cfr. conclusão com o n.º 5). Relevante, para efeitos da atribuição de ajudas de custo, é apenas que o trabalhador esteja deslocado relativamente ao seu local de trabalho e que, por força dessa deslocação, incorra em despesas que devem ser suportadas pela entidade patronal porque efectuadas ao serviço e a favor desta. Foi com base no entendimento de que os montantes abonados ao Contribuinte marido pela entidade patronal dele não tinham carácter compensatório, uma vez que do contrato de trabalho celebrado entre ambos consta que «na sua cláusula 1ª, que o serviço a efectuar se localiza no estrangeiro, e na cláusula 9ª, que é abonado ao trabalhador uma determinada quantia a titulo de ajudas de custo por cada dia de trabalho efectivo» e, assim, que «não estão reunidas as condições legais para atribuição de 'ajudas de custo' (verbas destinadas à compensação de custos incorridos pela deslocação do local normal de trabalho ao serviço da empresa»), que a AT concluiu que «as designadas 'ajudas de custo' pagas são remunerações acessórias, pelo que constituem rendimentos do trabalho dependente e como tal enquadráveis no artigo 2° do código do IRS, estando assim sujeitas a IRS pela categoria A», motivo por que procedeu à correcção do rendimento declarado e, consequentemente, às liquidações adicionais ora impugnadas. A nosso ver, contrariamente ao que decidiu a sentença recorrida, as liquidações não enfermam da ilegalidade que lhes vem assacada pelos Contribuintes. Nesse sentido, tem vindo a decidir este Tribunal Central Administrativo em situações idênticas[1].
É claro que poderiam ser devidas ajudas de custo ao trabalhador no caso de ter sido contratado para prestar o trabalho num determinado local do país estrangeiro e, temporariamente, houvesse de o prestar em local diferente do estipulado[2] . No entanto, esta é hipótese que se não coloca nos autos. Na situação dos autos, o trabalhador foi contratado para prestar o trabalho no estrangeiro e nada consta no sentido de que tenha efectuado deslocações ao serviço e em favor da entidade patronal. As denominadas 'ajudas de custo' foram estipuladas contratualmente, com natureza normal e permanente, sendo-lhes fixado um determinado valor certo por dia de trabalho efectivamente prestado, independentemente da existência de quaisquer deslocações ocasionais efectuadas em serviço ou mudança de instalações da entidade patronal, motivo por que nada autoriza a que se considerem como não integrando a remuneração (cfr. art. 82.º, n.º 3, da referida Lei do Contrato de Trabalho). Na verdade, as referidas prestações apenas poderiam ser qualificadas como ajudas de custo caso se destinassem a reembolsar o Contribuinte marido por despesas que tivesse de efectuar em serviço e a favor da entidade patronal, com carácter, temporário e fora do local habitual de trabalho. Os elementos dos autos levam a concluir que tais prestações constituem antes uma prestação regular e periódica, um complemento de retribuição correspectivo da sua prestação de trabalho. Afastada que ficou a natureza de ajudas de custo dos montantes que a esse título foram abonados ao Contribuinte marido pela entidade patronal dele, estes não podem deixar de considerar-se como rendimento colectável para efeitos de IRS, não sendo sequer de equacionar a aplicação ao caso do art. 2.º, n.º 3, do CIRS. Por tudo o que ficou exposto, a sentença recorrida, que decidiu em sentido contrário, não é de manter .
[...]”
4. Veio, então, o impugnante, ora recorrente, interpor recurso, “nos termos dos arts. 75º, n.º 2 e 70º, n.º 1, al. b) da Lei 28/82, de 15 de Novembro”, para este Tribunal, através de um requerimento com o seguinte teor:
“[...] em recurso interposto pela Fazenda Pública, notificado do douto acórdão proferido que concedeu provimento ao recurso, vem interpor recurso para o TRIBUNAL CONSTITUCIONAL, ao abrigo do disposto na alínea b) do n° 1 do artigo 70° da Lei 28/82, considerando violado o princípio da igualdade, questão que suscitou em contra-alegação no presente recurso, considerando ainda violado o direito a um processo equitativo, questão não previamente suscitada dada a imprevisibilidade do modo e extensão com que se procedeu à alteração da fixação da matéria de facto no acórdão recorrido, questões com expressão no estatuído pelos artigos 13° e 20° da Constituição.[...]”
5. Na sequência, foi proferida pelo Relator do processo neste Tribunal, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro, decisão sumária no sentido do não conhecimento do objecto do recurso (fls. 402 a 405). É o seguinte, na parte decisória, o seu teor:
“5. Cumpre, antes de mais, decidir se pode conhecer-se do objecto do recurso, uma vez que a decisão que o admitiu não vincula o Tribunal Constitucional (cfr. art. 76º, n.º 3 da LTC).
5.1. O presente recurso vem interposto, “ao abrigo do disposto na alínea b) do n° 1 do artigo 70° da Lei 28/82”, do Acórdão do Tribunal Central Administrativo, de 11 de Novembro de 2003. Considera o recorrente que “foi violado o princípio da igualdade, questão que suscitou em contra-alegação no presente recurso”. Ora, basta ler a contra-alegação que supra se transcreveu integralmente, para se verificar que nunca o ora recorrente, ao contrário do que afirma, suscitou qualquer questão de constitucionalidade normativa. Para o demonstrar recorde-se apenas, mais uma vez, a passagem em que o ora recorrente se refere ao princípio da igualdade e em que imputa a violação da Constituição ao comportamento da Fazenda Pública e não a qualquer norma ou interpretação normativa:
“Ao distinguir entre trabalhadores destacados para o estrangeiro e trabalhadores contratados para determinada obra no estrangeiro ao abrigo de contrato a prazo, recusando a estes a atribuição de ajudas de custo que admite para aqueles, está a Recorrente a defender um tratamento injustamente desigual para os contratados a prazo, que viola o princípio da igualdade consagrado no art. 13° da Constituição.” Tanto basta para que, sem necessidade de mais considerações se tenha de concluir, quanto a este ponto, não ser possível conhecer do objecto do recurso, por não estarem preenchidos os seus pressupostos de admissibilidade, dado não ter sido colocada, de forma processualmente adequada, durante o processo, nenhuma questão de constitucionalidade normativa que o Tribunal Constitucional possa apreciar
5.2. O recorrente considera ainda “violado o direito a um processo equitativo, questão não previamente suscitada dada a imprevisibilidade do modo e extensão com que se procedeu à alteração da fixação da matéria de facto no acórdão recorrido.” O recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC visa, porém, como resulta do disposto no artigo 280º da Constituição e nesse artigo, submeter à apreciação do Tribunal Constitucional a apreciação da constitucionalidade de normas jurídicas e não das decisões judiciais que as apliquem. É, por isso, jurisprudência pacífica e sucessivamente reiterada (cfr., entre muitos nesse sentido, o Acórdão n.º 20/96, in Diário da República, II série, de 16 de Maio de
1996) que, não estando em causa uma dimensão normativa do preceito legal aplicado na decisão, mas sim a própria decisão em si mesma considerada, não há lugar ao recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade vigente em Portugal. Na verdade, ao contrário dos sistemas em que é admitido recurso de amparo, nomeadamente na modalidade de amparo dirigido contra decisões jurisdicionais que, alegadamente, violam directamente a Constituição, o recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade vigente em Portugal não se destina ao controlo da decisão judicial recorrida, como tal considerada, como sucede quando a discordância se dirige a esta última, mas, pelo contrário, ao controlo normativo de constitucionalidade da norma aplicada. Ora, independentemente de qualquer juízo sobre a afirmação feita pelo recorrente quanto ao “modo e extensão com que se procedeu à alteração da fixação da matéria de facto no acórdão recorrido”, resulta claro desta afirmação que, também neste ponto concreto, a inconstitucionalidade, por eventual violação do artigo 20º da Constituição, não é imputada a qualquer norma, dirigindo-se, pelo contrário, à própria decisão recorrida.
6. Por tudo o exposto, há que concluir que não pode conhecer-se do objecto do recurso interposto ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, por falta dos seus pressupostos legais de admissibilidade.[...]”
6. É desta decisão que vem interposta, ao abrigo do disposto no art. 78º-A, n.º
3 da LTC, a presente reclamação para a Conferência, que o reclamante fundamenta da seguinte forma:
“[...] Recorrente nos autos à margem indicados, notificado da douta decisão proferida que decidiu não tomar conhecimento do recurso e condenou o recorrente em custas, vem reclamar para a conferência, ao abrigo do disposto no n° 4 do artigo 78°-A da Lei 28/82, com os seguintes fundamentos:
1 - Nos termos dos nºs 5 e 6 do artigo 75°-A, devia, salvo melhor opinião, ter sido o recorrente convidado a prestar a indicação da norma ou normas cuja inconstitucionalidade pretende que o Tribunal aprecie.
2 - Tal convite não foi efectuado, nos presentes autos.
3 - Podendo e, salvo melhor opinião, devendo sê-lo, senão quanto a ambas as questões suscitadas - violação do princípio da igualdade e violação do direito a um processo equitativo - pelo menos quanto à última delas.
4 - Quando, porém, assim se não entenda, Requer a reforma da decisão proferida quanto a custas, nos termos previstos pelo artigo 716° do CPC, fixando-se a taxa de justiça no valor mínimo de 1 UC, ao abrigo do disposto no n° 2 do artigo 9° do DL n° 303/98. Trata-se de questão suscitada por trabalhador assalariado; que não beneficia de outros rendimentos e pugna por redução da tributação incidente sobre pagamentos da entidade patronal, representando, para si grande sacrifício económico o pagamento de custas do montante de 6 UC, fixado na decisão reclamada.
5 - Por mera cautela e na hipótese do indeferimento ainda que parcial da presente reclamação, por iguais motivos requer a fixação da taxa de justiça a ap1icar no referido mínimo de 1 UC. [...]”
7. Notificada para responder, querendo, à reclamação do recorrente, a recorrida nada disse.
Cumpre apreciar e decidir.
III – Fundamentação
8. O recorrente vem reclamar da decisão sumária e, para o caso de não ter sucesso, vem pedir a reforma da decisão quanto a custas. Vem requerer, ainda, que, no caso de a reclamação não ter êxito, a “fixação da taxa de justiça a ap1icar no referido mínimo de 1 UC”.
Quanto à reclamação, alega que deveria ter sido convidado, nos termos dos n.ºs 5 e 6 do artigo 75º-A da Lei do Tribunal Constitucional, a indicar “norma ou normas cuja inconstitucionalidade pretende que o Tribunal aprecie”. A reclamação ora em apreço não afecta, porém, minimamente, o que é referido na decisão reclamada e é feita em termos que revelam que o ora reclamante não terá entendido o verdadeiro fundamento normativo dessa decisão. Senão vejamos.
8.1. Uma decisão sumária é proferida, nos termos do n.º 1 do artigo 78 – A da LTC, entre outros casos, se o relator “entender que não pode conhecer-se do objecto do recurso.” A respeito do convite a que se refere o artigo 75º-A da LTC, importa distinguir entre pressupostos de admissibilidade do recurso e requisitos do requerimento de interposição do recurso. O referido convite visa permitir que o recorrente supra a falta de algum dos requisitos previstos naquele artigo, no pressuposto de que tal suprimento é essencial para que se possa decidir sobre o conhecimento do recurso, não podendo nem devendo ser utilizado quando, nos termos do artigo 137º do Código de Processo Civil, configure um acto inútil.
Ora, no caso dos autos, num recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC, a razão porque, decisivamente, se concluiu pela impossibilidade de conhecer do objecto do recurso não foi a falta de qualquer requisito do requerimento, mas sim o facto de não estarem verificados pressupostos de admissibilidade do recurso. Na verdade, no caso dos autos, o recurso não poderia ser admitido por manifesta falta de um dos pressupostos de admissibilidade do recurso – a suscitação de uma questão de constitucionalidade normativa. Ora, como claramente se demonstrou na decisão ora reclamada, o ora reclamante nunca, nem durante o processo, nem no próprio requerimento de interposição do recurso, imputou a inconstitucionalidade a qualquer norma, mas antes, quando muito, à própria decisão recorrida.
Em suma: a ratio decidendi da decisão reclamada não se encontra num vício do requerimento de interposição do recurso, susceptível de ser corrigido na sequência de um despacho de aperfeiçoamento, mas num vício anterior - a não suscitação de qualquer questão de constitucionalidade normativa que pelo Tribunal Constitucional devesse ser apreciada – vício esse logicamente insusceptível de ser ultrapassado pela resposta a um despacho de aperfeiçoamento do requerimento de interposição do recurso.
Assim sendo, e também pelas razões já constantes da decisão reclamada, que mantém inteira validade e em nada é infirmada pela presente reclamação, é efectivamente de não conhecer do objecto do recurso que o ora reclamante pretendeu interpor.
8.2. Vem o ora reclamante requerer igualmente a reforma da decisão quanto a custas, invocando os preceitos do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de Outubro, aplicável ao Tribunal Constitucional.
De acordo com o disposto no artigo 6º, n.º 2 do citado Decreto-Lei n.º 303/98, nas decisões sumárias, a taxa de justiça é fixada entre 2 e 10 unidades de conta. Por seu turno, nos termos do artigo 7º do mesmo diploma, nas reclamações, incluindo de decisões sumárias, a taxa de justiça é fixada entre 5 e 50 unidades de conta. Por sua vez, nos termos do n.º 1 do artigo 9º daquele Decreto-Lei, a taxa de justiça é fixada tendo em atenção a complexidade e a natureza do processo, a relevância dos interesses em causa e a actividade contumaz do vencido.
No presente caso, o ora reclamante está representado por advogado constituído no processo e nada justifica que o Tribunal se afaste dos padrões médios de aplicação das regras sobre a fixação da taxa de justiça. Foi isso que foi feito na decisão reclamada, pelo que também nada lhe há a censurar quanto à condenação em custas.
III – Decisão
Nestes termos, decide-se indeferir a presente reclamação, bem como o pedido de reforma da decisão sumária quanto a custas. Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 28 de Abril de 2004
Gil Galvão Bravo Serra Luís Nunes de Almeida
[1] Vide os seguintes acórdãos deste Tribunal Central Administrativo:
- de 11de Dezembro de 2001, proferido no recurso com o n.º 2527/99;
- de 16 de Abril de 2002, proferido no recurso com o n.º 6274/02;
- de 30 de Setembro de 2003, proferido no recurso com o n.º 700/03.
[2] Neste sentido, vide o voto de vencido lavrado no acórdão deste Tribunal Central Administrativo de 8 de Abril de 2003, proferido no recurso com o n.º
69/03.