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Proc. n.º 101/04
1ª Secção Relatora: Conselheira Maria Helena Brito
Acordam, em conferência, na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
I
1. A., tendo sido notificada do Acórdão n.º 215/04, proferido por este Tribunal, em 30 de Março de 2004 – que indeferiu a reclamação por si deduzida do despacho através do qual o Tribunal do Trabalho de Lisboa não admitiu o recurso de constitucionalidade que pretendia interpor –, veio, sem invocar qualquer preceito legal, arguir a nulidade do acórdão “por considerar que o mesmo enferma de falta de fundamentação, omissão de pronúncia e erro manifesto”.
No requerimento apresentado, sustenta a reclamante que:
“1. A questão da inconstitucionalidade da norma do artigo 83° n.º 1 do Código de Processo do Trabalho foi suscitada de modo e em tempo processualmente adequados, no exacto momento em que o pode ser – ou seja, quando lhe foi ordenada a prestação de caução.
2. E não o podia ter sido antes: só nesse momento a questão foi colocada.
3. Porém, no douto Acórdão (após o respectivo «relatório»), nenhuma menção é feita a tal arguição e, consequentemente, nenhuma pronúncia, apreciação ou julgamento, é emitida, considerando-a ou desconsiderando-a expressamente – e fundamentadamente.
[...].”
2. Notificada para se pronunciar sobre o requerimento apresentado, disse a reclamada B.:
“1. Como se afirma a fls. 7 do douto acórdão, foi a reclamante que requereu que fosse admitida a «prestar caução, por depósito ou fiança bancária». Só, posteriormente, veio levantar o problema da inconstitucionalidade do n.º 1 do art° 83 do C.P. Trabalho.
2. A ora reclamante já vem apresentando reclamações sucessivas no processo, sem qualquer razão ou fundamento.
É manifesto que é mais dos muitos requerimentos e reclamações sem fundamento e contra o solicitado e requerido pela própria. Trata-se, por consequência, de mero expediente dilatório.
3. Na verdade, vem a reclamante fazendo uso manifesto e reprovável com a finalidade de protelar, entorpecer e impedir a acção da justiça, sem fundamento sério, como é patente na presente reclamação. Desta sorte, além de indeferida a reclamação, deve a reclamante ser condenada como litigante de má-fé, nos termos do art° 456 do C.P. Civil, em multa, indemnização à reclamada no montante de 2.000 euros e em igual quantia como honorários do advogado signatário.
[...].”
Cumpre apreciar e decidir.
II
3. Na reclamação agora deduzida, a reclamante começa por imputar ao Acórdão n.º 215/04, proferido nos autos, o vício de falta de fundamentação.
Nos termos do artigo 668º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil (aplicável ex vi do artigo 69º da Lei do Tribunal Constitucional), a sentença é nula “quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”.
No presente processo, o acórdão reclamado decidiu indeferir a reclamação deduzida por A. (nos termos do artigo 76º, n.º 4, da Lei do Tribunal Constitucional) do despacho que, no Tribunal do Trabalho de Lisboa, não admitiu o recurso de constitucionalidade que a reclamante pretendia interpor.
O fundamento da não admissão do recurso no tribunal a quo tinha sido a não verificação, no caso dos autos, dos pressupostos de admissibilidade do recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional – tipo de recurso não indicado pela requerente, mas o único susceptível de ser utilizado no caso, tendo em conta as circunstâncias do processo. Designadamente, entendeu-se no despacho proferido pelo Tribunal do Trabalho de Lisboa (fls. 355/357) não ter sido suscitada durante o processo a questão de inconstitucionalidade que a ora reclamante pretende submeter à apreciação do Tribunal Constitucional (questão relativa à norma do artigo 83°, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho).
No acórdão sob reclamação confirmou-se o despacho que, no Tribunal do Trabalho de Lisboa, não admitiu o recurso de constitucionalidade, por se ter verificado que a ora reclamante não tinha dado cumprimento ao ónus de suscitar a questão de inconstitucionalidade, de modo processualmente adequado, perante o tribunal que proferiu a decisão de que pretendia recorrer (ónus exigido pelos artigos 70º, n.º 1, alínea b), e 72º, n.º 2, da Lei do Tribunal Constitucional).
Na verdade, através do requerimento de fls. 270/286, A. interpôs recurso de apelação da decisão proferida pelo Tribunal do Trabalho de Lisboa e, com o objectivo de obter efeito suspensivo para tal recurso, requereu que lhe fosse admitido “prestar caução, por depósito ou fiança bancária”, invocando o disposto no artigo 83º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho. Por despacho de fls. 313, foi determinada a notificação da Ré “para prestar caução pelo valor em que foi condenada no prazo legal”. Só no requerimento de fls. 333/335, em que pediu esclarecimento “quanto a saber se o recurso foi, ou não, admitido”, a Ré A., “por cautela de patrocínio”, invocou a “inconstitucionalidade das normas dos n.ºs 1 e 2 do artigo 83º do Código de Processo do Trabalho”.
Concluiu-se por isso no acórdão reclamado ser manifesto que a reclamante não suscitou a questão da inconstitucionalidade em momento adequado, sendo certo que teve oportunidade processual de o fazer, concretamente quando requereu que lhe fosse admitido “prestar caução, por depósito ou fiança bancária”, com o objectivo de obter efeito suspensivo para tal recurso, precisamente invocando a norma do artigo 83º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho – ou seja, teve oportunidade processual de suscitar a questão da inconstitucionalidade no requerimento de fls. 270/286.
Nestes termos, não enferma o acórdão reclamado do vício de falta de fundamentação apontado pela reclamante.
4. Em segundo lugar, a reclamante argui a nulidade do acórdão por omissão de pronúncia.
Nos termos do artigo 668º, n.º 1, alínea d), primeira parte, do Código de Processo Civil, a sentença é nula “quando deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar”.
No presente processo, ao Tribunal Constitucional competia apreciar se estavam ou não verificados os pressupostos processuais do recurso interposto.
Foi efectivamente essa a questão apreciada no ponto n.º 5 do acórdão reclamado, como acima se demonstrou amplamente.
5. Por último, a reclamante invoca “erro manifesto”, alegando que, contrariamente ao que se afirma no acórdão, suscitara no processo a inconstitucionalidade da norma que pretendia ver apreciada no âmbito do recurso interposto para o Tribunal Constitucional.
Relativamente a tal questão, é patente que não é esta a sede própria para a sua apreciação. Na verdade, e como decorre do preceituado nas várias alíneas do artigo 668º do Código de Processo Civil, não constitui nulidade da sentença a incorrecção de que ela porventura padeça. Dito de outro modo, tal incorrecção, a existir, consubstanciaria erro da decisão e não vício susceptível de ser sanado mediante a anulação do acto. Ora, a correcção de um eventual erro da decisão apenas poderia ser considerada no âmbito de um pedido de reforma, ao abrigo do disposto no artigo 669º, n.º 2, do Código de Processo Civil, pedido que a reclamante não apresentou a este Tribunal.
Assim sendo, não pode conhecer-se da arguição de nulidade, no que diz respeito ao último fundamento indicado.
6. Pretende a reclamada B. que este Tribunal condene a reclamante como litigante de má fé, por considerar que é intenção da presente arguição de nulidade “protelar, entorpecer e impedir a acção da justiça, sem fundamento sério”.
Embora seja patente uma finalidade dilatória, não pode até este momento reconhecer-se que exista, por parte da reclamante, “um uso manifestamente reprovável” de meios, cuja falta de fundamento não ignora, com o fim de “entorpecer a acção da justiça”.
III
7. Pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide:
a) Desatender a reclamação apresentada;
b) Não condenar a reclamante como litigante de má fé.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em quinze unidades de conta.
Lisboa, 5 de Maio de 2004
Maria Helena Brito Carlos Pamplona de Oliveira Rui Manuel Moura Ramos