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Processo n.º 162/04
2.ª Secção Relator: Conselheiro Mário Torres
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. Relatório
A., vem reclamar para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 78.º-A da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (LTC), da decisão sumária do relator, de 24 de Março de 2004, que, no uso da faculdade conferida pelo n.º 1 do mesmo preceito, decidiu não conhecer do objecto do recurso, por inadmissibilidade do mesmo.
1.1. A decisão sumária reclamada é do seguinte teor:
“1. A., interpôs recurso do acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, de 14 de Janeiro de 2004, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro (doravante designada por LTC), pretendendo ver apreciada a inconstitucionalidade – por alegada violação dos artigos 20.º, 103.º, n.ºs 2 e 3, 104.º, n.º 2, e 165.º, n.º
1, alínea i), da Constituição da República Portuguesa (CRP) – das normas dos artigos 7.º do Decreto-Lei n.º 264/92, de 24 de Novembro, e 7.º do Decreto-Lei n.º 31/98, de 11 de Fevereiro (preceitos que, no âmbito da reavaliação do activo imobilizado corpóreo das empresas, definem quais os custos ou perdas que não são dedutíveis para efeitos fiscais), inconstitucionalidade essa que teria sido suscitada nos artigos 1.º, 8.º a 10.º e 13.º a 17.º da petição inicial e nas partes II, ponto A, e III das alegações de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo.
O recurso foi admitido por despacho do Conselheiro Relator do Supremo Tribunal Administrativo, decisão que não vincula o Tribunal Constitucional (artigo 76.º, n.º 2, da LTC), e, de facto, entende-se que, no caso, o recurso era inadmissível, o que possibilita a prolação de decisão sumária de não conhecimento, nos termos do n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC.
2. Tendo o presente recurso sido interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, a sua admissibilidade depende, para além da verificação do requisito de a questão de inconstitucionalidade haver sido suscitada «durante o processo», «de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (n.º 2 do artigo 72.º da LTC), da constatação de que as normas cuja inconstitucionalidade é suscitada foram efectivamente aplicadas pela decisão recorrida, como sua ratio decidendi.
Este último requisito manifestamente não se verifica no caso sujeito.
Na verdade, face a recurso jurisdicional de sentença do Tribunal Tributário de 1.ª Instância de Braga, que, em impugnação judicial das liquidações do imposto sobre o rendimento de pessoas colectivas relativas aos anos de 1995 a 1999, declarara a caducidade do direito de impugnação em causa e indeferira o pedido de apreciação da questão sob a óptica da acção para o reconhecimento de um direito (artigo 145.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário – CPPT), o acórdão recorrido negou provimento a esse recurso com base na seguinte fundamentação:
«A impugnação judicial vem baseada na nulidade das autoliquidações, pelo que poderia ser proposta a todo o tempo, já que fundadas aquelas na inconstitucionalidade dos ditos diplomas que estiveram na base dos actos impugnados. Todavia, como é jurisprudência uniforme deste STA, os actos de liquidação (ou autoliquidação, sublinhe-se) de tributos que aplicam normas inconstitucionais não são, só por esse facto, inconstitucionais, pelo que a impugnação judicial respectiva tem de ser deduzida no prazo legal para impugnação de actos anuláveis – fora dos casos de violação do conteúdo essencial de um direito fundamental. Cf. abundante citação jurisprudencial no Acórdão deste Tribunal, de 2 de Maio de 2001, in Acórdãos Doutrinais, n.º 484, pág. 492, que, aliás, aqui se segue de perto. Como ali se refere, “trata-se de um regime equilibrado, pois são diferentes, a nível da segurança jurídica, que é o interesse protegido com a imposição de preclusão de prazos para o exercício de direitos, as situações em que o acto foi impugnado e está a ser discutida a sua validade com fundamento na existência de vícios diferentes da aplicação de norma inconstitucional e aqueles em que não houve impugnação”. Na verdade, no primeiro caso, a situação jurídica não está estabilizada, pelo que se não podem gerar expectativas dignas de tutela jurídica relativas à validade do acto impugnado mas, antes e essencialmente, razões de disciplina e economia processual. Mas já não assim no segundo, por aí se gerar uma situação de permanente insegurança económica susceptível de fazer perigar o desempenho estadual das funções que lhe competem em satisfação dos respectivos fins de interesse e utilidade pública. Cf. o Acórdão do Plenário deste STA, de 30 de Maio de 2001, recurso n.º 22 251. E, mais recentemente, os Acórdãos de 28 de Maio de 2003, recurso n.º 742/02, de
15 de Janeiro de 2003, recurso n.º 1629/02, e de 31 de Outubro de 2001, recursos n.ºs 26 392 e 26 932. Por outro lado, e como parece óbvio, o não conhecimento de meritis pela existência de obstáculos que o impeçam na disponibilidade do recorrente – como seja a extemporaneidade da petição –, não concretiza qualquer violação do acesso ao direito e à justiça constitucionalmente previstos.
Finalmente, como de igual modo é jurisprudência uniforme do STA, a acção para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo constitui um meio complementar dos restantes meios previstos no contencioso tributário, apenas podendo ser proposta quando for o mais adequado para assegurar uma tutela plena, eficaz e efectiva do direito ou interesse respectivos, face à globalidade dos primeiros – reclamação, impugnação judicial ou revisão do acto tributário e recurso contencioso.
A acção para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária, prevista no artigo 145.º do CPPT, insere-se na necessidade de tutela judicial efectiva, postulada no artigo 268.º, n.º 4, da Constituição da República.
Tais acções, como tem sido acentuado na jurisprudência e na doutrina, assumem um carácter complementar, que não alternativo ou subsidiário, só podendo ser utilizadas quando forem o meio mais adequado para assegurar essa tutela, de modo plenamente eficaz e efectivo.
O que aliás logo resulta do disposto no n.º 3 do mesmo artigo 145.º:
“as acções apenas podem ser propostas sempre que esse meio processual for o mais adequado para assegurar uma tutela plena, eficaz, e efectiva do direito” respectivo.
É o que se tem designado por teoria do alcance médio.
Cf., desenvolvidamente, sobre o ponto, Jorge de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado, 3.ª edição, pág. 694 e seguintes.
Como se refere no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 435/98, de
16 de Julho de 1998, in Diário da República, II Série, de 10 de Dezembro de
1998, pág. 17 477:
“O legislador constitucional pretendeu assim criar, no quadro da justiça administrativa, um modelo garantístico completo, de forma a facultar ao administrado uma tutela jurisdicional adequada sempre que esteja em causa um interesse ou direito legalmente protegido.
Porém, não pode afirmar-se que o legislador constitucional tenha pretendido uma duplicação dos mecanismos contenciosos utilizáveis. Com efeito, o que decorre do n.º 5 do artigo 268.º da Constituição é que qualquer procedimento da Administração que produza uma ofensa de situações juridicamente reconhecidas tem de poder ser sindicado jurisdicionalmente.
É nesta total abrangência da tutela jurisdicional que se traduz a plena efectivação das garantias jurisdicionais dos administrados.”
Cf., ainda, Vasco Pereira da Silva, Em busca do acto administrativo perdido, 1996, pág. 666.
Ora, nos autos, estão em causa autoliquidações, contra o que o contribuinte podia reagir tempestivamente, desde logo, através de reclamação ou impugnação judicial.
Não pode, pois, dizer-se que, no caso concreto, a acção proposta seja o meio mais adequado para assegurar ao contribuinte a «tutela plena, eficaz e efectiva» do direito pretendido fazer valer através da presente acção, uma vez que os meios processuais acima referidos permitiam perfeitamente concretizar tais objectivos.
De outro modo, estaria irremediavelmente prejudicado o carácter
“complementar” das ditas acções, carácter assegurado pelo vocábulo «apenas» inserto no dito n.º 3 do artigo 145.º do CPPT.
Como refere Jorge de Sousa, ob. cit., págs. 700-702: a
“possibilidade de utilizar a acção para obter o reconhecimento judicial de um direito não reconhecido, por força da referida regra da complementaridade, estará condicionada à inexistência de outro meio contencioso, que permita assegurar adequadamente a obtenção dos efeitos jurídicos pretendidos. Assim, à face do preceituado no n.º 3 deste artigo 145.º, só quando, por estes meios, não for possível obter uma tutela judicial efectiva, nos termos atrás indicados, poderá utilizar-se a acção para obter a tutela judicial do direito ou interesse legítimo em matéria tributária”.
Por outro lado, como já aliás resulta do exposto, não se está a contrariar «o princípio constitucional da plenitude da garantia jurisdicional administrativa».
Este, como assinala Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, pág. 467, significa que “a qualquer ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos e a qualquer ilegalidade da administração deve corresponder uma forma de garantia jurisdicional adequada (artigos 268.º, n.º 4, e seguintes)”; e, por outro lado, a revisão constitucional de 1997
“consagrou definitivamente a eliminação do clássico principio da tipicidade das formas processuais de contencioso administrativo e a relativização do princípio tradicional da decisão prévia”.
Todavia, como acima se disse, a acção para reconhecimento de um direito não tem agora, segundo a mais moderna jurisprudência e doutrina, qualquer carácter subsidiário, mas, antes, complementar.
O punctum saliens da questão é a concretização da tutela jurídica efectiva que, no caso, é plenamente assegurada pela impugnação judicial e respectiva execução de sentença.
O exposto constitui, aliás, jurisprudência uniforme deste STA.
Cf., por todos, os Acórdãos de 2 de Julho de 2003, recurso n.º
1905/02, de 26 de Março de 2003, recurso n.º 164/03, de 12 de Março de 2003, recursos n.ºs 163/03, 1517/02, 1908/03 e 1907/02, de 26 de Fevereiro de 2003, recurso n.º 1906/02, de 12 de Fevereiro de 2003, recurso n.º 1516/02, e de 29 de Janeiro de 2003, recurso n.º 1514/02.
Termos em que, com a presente fundamentação, se acorda em negar provimento ao recurso.»
Como se constata pela mera leitura desta fundamentação do acórdão recorrido, nele não se fez aplicação das normas cuja constitucionalidade a recorrente pretende ver apreciada – as normas dos artigos 7.º do Decreto-Lei n.º 264/92, de 24 de Novembro, e 7.º do Decreto-Lei n.º 31/98, de 11 de Fevereiro, que definem quais os custos ou perdas que não são dedutíveis para efeitos fiscais. O acórdão recorrido aplicou, tão-só, o entendimento normativo de que, por um lado, os actos de liquidação ou autoliquidação de tributos que apliquem normas inconstitucionais não são, só por esse facto, nulos, mas meramente anuláveis (fora dos casos de violação do conteúdo essencial de um direito fundamental), pelo que a impugnação judicial respectiva tem de ser deduzida no prazo legal para impugnação de actos anuláveis, e, por outro lado, a acção para reconhecimento de direito prevista no artigo 145.º do CPPT tem carácter complementar (e não alternativo), só podendo ser utilizada quando for o meio mais adequado para assegurar a tutela jurisdicional efectiva do interessado, o que não era o caso destes autos.
Ora, jamais a recorrente questionou, durante o processo, nem sequer no requerimento de interposição do presente recurso, a constitucionalidade destas dimensões normativas.
Em suma: as normas cuja constitucionalidade a recorrente pretende ver apreciadas não foram aplicadas na decisão recorrida, e as normas efectivamente aplicadas nessa decisão não foram arguidas de inconstitucionais pela recorrente.
Conclui-se, assim, pela inadmissibilidade do presente recurso.”
1.2. A reclamação deduzida desenvolve a seguinte argumentação:
“A A. (doravante A.) recorreu para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de fls. ... e seguintes, pretendendo a apreciação da constitucionalidade das normas constantes do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º
264/92, de 24 de Novembro, e do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 31/98, de 11 de Fevereiro.
Sucede que a A. foi agora notificada da decisão sumária que decidiu não tomar conhecimento do recurso, pois não teria sido suscitada «de modo processualmente adequado perante o Tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer» e da «constatação de que as normas cuja inconstitucionalidade é suscitada [não teriam sido] efectivamente aplicadas pela decisão recorrida».
Salvo o devido respeito, a A. entende que se mostram preenchidos todos os requisitos que a lei exige para a interposição de um recurso para o Tribunal Constitucional ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, nomeadamente a arguição de uma questão de inconstitucionalidade normativa ao longo do processo. Vejamos:
A questão da inconstitucionalidade dos preceitos constantes nos mencionados artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 264/92 e artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 31/98 foi o ponto de partida e o sustentáculo do processo iniciado pela A..
Com efeito, foi a partir do conhecimento da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Administrativo, de 5 de Julho de 2000, que julgou inconstitucional, por violação dos artigos 103.º e 165.º da Constituição da República, a limitação à dedutibilidade de parte dos custos decorrentes da reavaliação do activo imobilizado das empresas, que a A. entendeu impugnar os actos tributários de autoliquidação que haviam aplicado aqueles preceitos.
Para o efeito, a A. invocou expressamente, logo na petição inicial, a inconstitucionalidade normativa daqueles preceitos e sustentou que os actos de autoliquidação em causa se encontravam, por esse facto, viciados de nulidade. A A. entende que o regime de dedutibilidade de custos constante dos preceitos em causa envolve a violação do conteúdo essencial do direito fundamental consagrado no n.º 3 do artigo 103.º da Constituição da República, pelo que a impugnação poderia ser deduzida a todo o tempo, ao abrigo do preceituado na alínea d) do n.º 2 do artigo 133.º do Código do Procedimento Administrativo e do n.º 3 do artigo 102.° do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
A viabilidade da impugnação apresentada, nomeadamente no que concerne à respectiva tempestividade, dependia, desde logo, da análise da contrariedade com a Constituição das referidas normas constantes dos decretos-lei de reavaliação do imobilizado para efeitos fiscais.
Na verdade, somente a consideração de estarmos diante de uma inconstitucionalidade normativa grave, ao ponto de se verificar a violação do conteúdo essencial do direito fundamental, é que tornaria tempestiva a impugnação apresentada. Por esse motivo, a A. procurou desde logo, nomeadamente ao longo da petição inicial, demonstrar a contrariedade com a Constituição da República das normas em causa, designadamente a infracção dos princípios da legalidade tributária, consagrado nos artigos 103.º, n.º 2, e 165.°, n.º 1, alínea i), da Constituição, e da tributação pelo lucro real constante do n.º 2 do artigo 104.° da Constituição, na medida em que os preceitos em causa, sem estarem habilitados por competente autorização legislativa, estabelecem restrições à dedutibilidade fiscal de determinados custos – e bem assim, consequentemente, o direito fundamental consagrado no artigo 103.°, n.º 3, da Constituição.
Após a prolação da sentença do Tribunal Tributário de 1.ª instância de Braga, a A. intentou evidenciar no Supremo Tribunal Administrativo as razões pelas quais a decisão do tribunal a quo não se poderia manter, mantendo a arguição da inconstitucionalidade normativa.
No modesto entender da A., a questão da inconstitucionalidade foi arguida durante o processo, tendo sido colocada ao Tribunal (quer ao Tribunal Tributário de 1.ª Instância de Braga, quer ao Supremo Tribunal Administrativo) de molde a que a mesma fosse apreciada pelas diversas instâncias, pelo que se mostra preenchido o requisito exigido pela lei para a interposição do recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82. Mais uma vez, a A. afirma que as questões de inconstitucionalidade acima elencadas decorrem passim das peças apresentadas pela recorrente, tendo sido expressamente invocadas nos artigos 1.°, 6.° a 8.°, 11.° a 15.° da petição inicial e na parte II, ponto A, e parte III das alegações do recurso interposto da sentença do Tribunal Tributário de 1.ª Instância de Braga.
Por último, a A. entende que as decisões recorridas, ao considerarem válidos os actos de autoliquidação, julgaram constitucionais as normas constantes dos artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 264/92, de 24 de Novembro, e do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 31/98, de 11 de Fevereiro, mantendo a respectiva aplicação.”
A recorrida não apresentou resposta à reclamação.
Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
2. Fundamentação
A Decisão Sumária reclamada entendeu que o acórdão recorrido não fez aplicação, como ratio decidendi, das normas cuja inconstitucionalidade a recorrente suscitara durante o processo – as normas dos artigos 7.º do Decreto-Lei n.º 264/92, de 24 de Novembro, e 7.º do Decreto-Lei n.º 31/98, de 11 de Fevereiro, preceitos que, no âmbito da reavaliação do activo imobilizado corpóreo das empresas, definem quais os custos ou perdas que não são dedutíveis para efeitos fiscais – e que, por outro lado, jamais foram arguidas de inconstitucionais pela recorrente as interpretações normativas efectivamente aplicadas na decisão recorrida, a saber: o entendimento de que os actos de liquidação ou autoliquidação de tributos que apliquem normas inconstitucionais não são, só por esse facto, nulos, mas meramente anuláveis, e, assim, sujeitos a prazo de impugnação, e o entendimento de que a acção para reconhecimento de direito prevista no artigo 145.º do CPPT tem carácter complementar (e não alternativo), só podendo ser utilizada quando for o meio mais adequado para assegurar a tutela jurisdicional efectiva do interessado, o que não era o caso destes autos.
Na sua reclamação, a recorrente – aceitando não ter suscitado a inconstitucionalidade destas interpretações normativas assumidas pela decisão recorrida – sustenta que “as decisões recorridas, ao considerarem válidos os actos de autoliquidação, julgaram constitucionais as normas constantes dos artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 264/92, de 24 de Novembro, e do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 31/98, de 11 de Fevereiro, mantendo a respectiva aplicação”. Basta, porém, a leitura da fundamentação do acórdão recorrido, atrás transcrita, para se constatar que em parte alguma se afirma a não inconstitucionalidade das mencionadas normas ou a validade dos actos de autoliquidação. O que aí se refere é que a aplicação de normas inconstitucionais (assim admitindo, ao menos em termos hipotéticos, que esse seria o caso das normas dos artigos 7.ºs dos Decretos-Leis n.ºs 264/92 e 31/98) nos actos de autoliquidação é, por regra, geradora de mera anulabilidade, e não de nulidade, pelo que não era aplicável o regime do artigo 102.º, n.º 3, do CPPT, que dispõe: “Se o fundamento for a nulidade, a impugnação pode ser deduzida a todo o tempo”. A recorrente – repete-se – não suscitou a inconstitucionalidade da interpretação normativa, reportável à norma do artigo
102.º, n.º 3, do CPPT, conjugada com a norma do artigo 133.º, n.º 2, alínea d), do Código do Procedimento Administrativo (“2 – São, designadamente, actos nulos: (...) d) Os actos que ofendam o conteúdo essencial de um direito fundamental; (...).”), segundo a qual não é nulo, mas meramente anulável (e, por isso, sujeito a prazo de impugnação) o acto de autoliquidação que faça aplicação das normas (hipoteticamente inconstitucionais) dos artigos 7.ºs dos Decretos-Leis n.ºs 264/92 e 31/98. Não o tendo feito, o presente recurso era inadmissível, e, por isso, não há que conhecer do seu objecto.
3. Decisão
Em face do exposto, acordam em indeferir a presente reclamação.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em
20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 19 de Maio de 2004.
Mário José de Araújo Torres Paulo Mota Pinto Rui Manuel Moura Ramos