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Processo n.º 649/2004
3ª Secção Relatora: Conselheira Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. A. recorreu para o Tribunal Constitucional do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 17 de Março de 2004, ao abrigo do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, “pretendendo que o Tribunal aprecie a inconstitucionalidade material, suscitada pelo Recurso intercalar de
27/11/2002, por força da violação do princípio do ‘juiz natural’ consagrado no artº 32º, n.º 9 da C.R.P.”. O recurso não foi admitido, por não ter sido suscitada durante o processo “a questão da inconstitucionalidade” (despacho de fls. 428). Veio então o recorrente reclamar para o Tribunal Constitucional do despacho de não admissão do recurso, “porquanto o aqui recorrente, ao contrário do que o douto despacho defende, arguiu a inconstitucionalidade material no Recurso intercalar de 27/11/2002, por força da violação do princípio da ‘juiz natural’ consagrado no artigo 32º, n.º 9 da C.R.P.”. Notificado para o efeito, o Ministério Público pronunciou-se no sentido de que
«Face ao teor das conclusões da motivação do recorrente, extractadas no acórdão, proferido pela Relação, a fls. 333, é manifesto que o ora reclamante não suscitou, durante o processo e em termos procedimentalmente adequados, qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, susceptível de constituir objecto idóneo do recurso interposto com base na alínea b) do n.º 1 do art. 70.º da Lei n.º 28/82. Importa, aliás, notar que o recorrente continua a não identificar qualquer “norma” que, na sua óptica, integra o objecto do recurso no próprio requerimento de interposição, persistindo, aliás, na mesma omissão na reclamação ora apresentada, sem curar de especificar minimamente a que norma ou interpretação normativa pretende dirigir o recurso – o que implica naturalmente a improcedência manifesta desta reclamação.»
2. Pelo acórdão recorrido, o Tribunal da Relação de Coimbra, julgando diversos recursos interpostos do acórdão do Tribunal Judicial de Oliveira do Bairro que, no que se refere ao ora reclamante, o condenou na pena de 5 anos de prisão pela prática dos diversos crimes descritos a fls. 295 e no pagamento de determinadas indemnizações, julgou o recurso interposto pelo mesmo reclamante, segundo se pode ler a fls. 331 e segs., da decisão de se julgar territorialmente competente o referido Tribunal de Oliveira do Bairro, confirmando-a.
Julgou, assim, “nos termos do disposto nos artigos 21º/2, 24º(1/c),
28º/c), 29º/1 todos do Código de Processo Penal”, que o Tribunal de Oliveira do Bairro era “o competente para os termos e julgamento deste processo”.
Admite-se que seja a este recurso intercalar que o ora reclamante se refere.
3. A verdade, todavia, é que a presente reclamação é manifestamente improcedente, porque o reclamante não definiu, nem no requerimento de interposição de recurso – que seria o momento adequado para o fazer –, nem, sequer, na reclamação, qualquer questão de constitucionalidade normativa que o Tribunal Constitucional possa apreciar. Como se sabe, o recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade de normas interposto ao abrigo do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, como é o caso, destina-se a que este Tribunal aprecie a conformidade constitucional de normas, ou de interpretações normativas, que foram efectivamente aplicadas na decisão recorrida, não obstante ter sido suscitada a sua inconstitucionalidade “durante o processo” (al. b) citada), e não das próprias decisões que as apliquem. Assim resulta da Constituição e da lei, e assim tem sido repetidamente afirmado pelo Tribunal
(cfr. a título de exemplo, os Acórdãos nºs 612/94, 634/94 e 20/96, publicados no Diário da República, II Série, respectivamente, de 11 de Janeiro de 1995, 31 de Janeiro de 1995 e 16 de Maio de 1996). Ora é naturalmente ao recorrente que incumbe a definição do objecto do recurso, sendo o requerimento de interposição o momento adequado para o efeito (cfr. o nº 1 do artigo 75º-A da Lei nº 28/82, que exige ao recorrente que defina a norma cuja constitucionalidade impugna, bem como os Acórdãos n.ºs 366/96 ou 589/99, Diário da República, II série, de 10 de Maio de 1996 e de 20 de Março de 2000, respectivamente). Torna-se, assim, impossível saber se foi ou não invocada oportunamente a inconstitucionalidade de qualquer norma que o Tribunal Constitucional pudesse apreciar.
4. Nestes termos, indefere-se a reclamação do despacho de não admissão de recurso para o Tribunal Constitucional. Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 18 ucs.
Lisboa, 21 de Junho de 2004
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Vítor Gomes Luís Nunes de Almeida