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Processo n.º 524/04
1ª Secção Relator: Conselheiro Pamplona de Oliveira
ACORDAM NO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
A. pretende recorrer para o Tribunal Constitucional do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1 de Abril de 2004, acusando o aresto de ter aplicado norma inconstitucional – a do artigo 400º n.º 1 alínea d) do Código de Processo Penal. Porém, no Tribunal Constitucional decidiu-se não conhecer do objecto do recurso por decisão sumária do seguinte teor:
O assistente A. pretende interpor recurso para este Tribunal, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei 28/82 de 15 de Novembro (LTC), do acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça em 1 de Abril de 2004 que lhe não admitiu o recurso do acórdão da Relação do Porto que confirmara o aresto do Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia pelo qual improcedera a acusação formulada contra o arguido – que foi absolvido – e, bem assim, os pedidos cíveis de indemnização.
No requerimento de interposição de recurso, diz o recorrente:
“Visa o presente recurso, suscitar, mediante fiscalização concreta da constitucionalidade, a apreciação da inconstitucionalidade do artº 400º n.º1 alínea d) do Código de Processo Penal, na medida em que a interpretação que do mesmo fez o Supremo Tribunal de Justiça, aplicando-o ao caso concreto, fere o princípio do duplo grau de jurisdição, dado que – ressalvado o devido respeito – e no que tange somente à questão de direito que se qualificou de prévia, levantada pelo recorrente em sede própria no tribunal da Relação por ser esse o
único momento oportuno, não foi apreciada superiormente, como em seu entender deveria tê-lo sido.”
O recurso foi admitido mas, como é sabido, tal decisão não vincula este Tribunal
(n.º 3 do artigo 76º da LTC).
O recurso previsto na alínea b) do n. 1 do artigo 70º da LTC, como é o caso presente, apenas cabe das decisões dos tribunais que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida em termos desse tribunal estar obrigado a dela conhecer - artigo 72º n. 2, da LTC.
A suscitação atempada, ou seja, durante o processo, significa que a questão deve ser levantada em momento anterior ao de o tribunal recorrido proferir a decisão final. E, como o Tribunal Constitucional tem repetidamente afirmado, o recorrente só pode ser dispensado do ónus de suscitar a inconstitucionalidade durante o processo em casos excepcionais ou anómalos em que de todo não tenha tido possibilidade de processualmente o fazer.
Ora, a questão da inadmissibilidade do recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça, foi levantada pelo Ministério Público em promoção (cfr. fls. 789) sobre a qual o recorrente foi ouvido. Não quis pronunciar-se sobre ela, é certo; não obstante, deve aceitar-se que teve, então, oportunidade de suscitar a questão de inconstitucionalidade que pretende agora colocar, não podendo argumentar ter sido surpreendido com a aplicação da norma no acórdão recorrido.
Deve, portanto, concluir-se que a questão de inconstitucionalidade trazida no presente recurso não foi adequadamente suscitada no Tribunal recorrido, conforme impõe o n. 2 do artigo 72º da LTC.
Não se mostram, em suma, preenchidos os pressupostos do recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC, razão pela qual se decide, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78º-A da mesma Lei, não tomar conhecimento do presente recurso.
O recorrente mostra-se inconformado com esta decisão sumária e formulou a seguinte reclamação:
“(...)
1- O Recorrente não se conforma com a douta Decisão Sumária, pelo que ora reclama.
2- A referida Decisão sustenta-se exclusivamente no facto de o digno Ministério Público ter levantado a questão da inadmissibilidade do recurso interposto junto do Venerando Supremo Tribunal de Justiça entendendo que, como o Recorrente não se pronunciou sobre a mesma, perdeu a oportunidade de suscitar a inconstitucionalidade, encontrando-se por isso inibido de argumentar ter sido surpreendido com a aplicação da norma no Acórdão recorrido.
3- Salvo o devido respeito, tal entendimento encontra-se ferido de raciocínio cujas consequências não podem ser extraídas do caso em apreço.
4- Desde logo porque, não pode em bom rigor considerar-se a singela afirmação produzida pelo digno Ministério Público como verdadeiro e próprio parecer, na medida em que não vem fundamentado como competiria.
5- Por outro lado, é consabido que tal 'parecer' não é vinculativo para nenhum dos intervenientes processuais, não o sendo naturalmente e por maioria de razão para o Venerando Supremo Tribunal de Justiça, o qual poderia e deveria sufragar entendimento diverso na medida em que em sede de motivações o Recorrente alegara a inconstitucionalidade que da interpretação dos artigos 123.º e 127.º do Código de Processo Penal fizera o ilustre Tribunal da Relação.
6. Sendo certo que, pese embora sobre a absolvição do Arguido não fosse admitido recurso, o mesmo Supremo Tribunal de Justiça deveria ter apreciado a questão da inconstitucionalidade suscitada nos moldes supra enunciados.
7- Sendo tal apreciação esperável pelo Recorrente, o qual por consequência efectivamente se surpreendeu perante o douto Acórdão que se refugiou no Art.º
400.º do mesmo citado código para deixar por decidir tal questão.
8- Questão que, sendo prévia às restantes, e face à ausência de Decisão por parte de Tribunal superior, ficou por ser sindicada, com grave violação do princípio do duplo grau de jurisdição.
9- Ou seja, uma vez que o ilustre Tribunal da Relação fundamentou a sua Decisão de negação de provimento ao pedido de nulidade do Julgamento por força da deficiência técnica de gravação das cassetes (com indiscutível prejuízo do direito de defesa e do recurso à reapreciação da prova gravada do Recorrente e ainda do princípio que subjaz à documentação em acta) na interpretação que realizou do Art.º 123.º do mesmo referido Código, na opinião do Recorrente claramente inconstitucional, e na medida em que o Supremo Tribunal de Justiça não sindicou tal questão atempadamente suscitada, não pode considerar-se que para o Recorrente fosse expectável tal omissão.
10- Não se vislumbrando porque motivo não poderia o Supremo Tribunal de Justiça apreciar tal questão prévia.
11- Questão que o Recorrente procurou que fosse objecto de apreciação, por forma a esgotar o poder jurisdicional, por configurar condição de admissibilidade do recurso junto do Venerando Tribunal Constitucional.
12- Acresce que o Recorrente não se encontrava obrigado a responder ao
'parecer', pelo que não deve ser penalizado pelo facto de ter confiado em douta Decisão do ilustre Tribunal que aguardava ser tomada de forma menos formalista e mais consentânea com a justiça material de direito que lhe assistia face ao entendimento de doutos Acórdãos que secundam a perseguida nulidade por deficiência técnica impeditiva de reapreciação da prova, sobretudo quando está em causa a vida do Recorrente que viu posta em perigo por comportamento que pretendia demonstrar, através dessa reapreciação que lhe foi vedada por motivo exclusivamente imputável a mau funcionamento dos meios do órgão jurisdicional, ser devido ao Arguido, que considera o Recorrente ter sido mal julgado.
13-E apesar de ciente este último de que o Venerando Tribunal não está consagrado como um tribunal de apelo, não pode deixar de julgar que suscitou questões de inconstitucionalidade fundamentais num estado de direito, em momento oportuno e sede própria tendo em consideração os fundamentos supra expendidos.
14- Parafraseando um douto Acórdão do Venerando Tribunal Constitucional: 'O que verdadeiramente importa é que o Tribunal recorrido tenha podido pronunciar-se sobre a questão da inconstitucionalidade, cuja decisão depois, se pede no recurso para este Tribunal'. Pelo exposto, Requer a V.Ex.ª se digne admitir a presente reclamação, dignando-se consequentemente tomar conhecimento do recurso interposto junto desse Venerando Tribunal.”
Os recursos interpostos ao abrigo da alínea b) do n. 1 do artigo 70º da LTC, como é o presente, só podem ser interpostos pela parte que haja suscitado a questão da inconstitucionalidade de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer (artigo 72º n. 2 da LTC). Acontece que o recorrente não suscitou perante o Tribunal recorrido a questão que pretende ver aqui debatida. Aliás, o recorrente não contesta que não foi por si suscitada durante o processo a questão de inconstitucionalidade normativa que agora pretende ver solucionada. O que diz, em suma, é que foi surpreendido com a aplicação da norma no acórdão recorrido, assim querendo colocar-se ao abrigo dos casos em que, excepcionalmente, o Tribunal tem admitido conhecer da norma impugnada, mesmo sem suscitação prévia da questão de inconstitucionalidade normativa. Mas sem sucesso, pois na verdade o recorrente foi até expressamente alertado para a previsível a aplicação da norma no parecer do Ministério Público de que foi notificado, o que lhe deu a indiscutível possibilidade processual de suscitar a questão de inconstitucionalidade, tal como se disse na decisão sob reclamação.
Subsistem, portanto, os motivos que fundamentaram o despacho reclamado. Por esta razão, decide-se negar provimento à reclamação, confirmando a decisão de não conhecimento do recurso. Custas pelo reclamante, com taxa de justiça que se fixa em 20UC.
Lisboa,13 de Julho de 2004
Carlos Pamplona de Oliveira Maria Helena Brito Rui Manuel Moura Ramos