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Proc. n.º 958/2003
2ª Secção Relatora: Conselheira Maria Fernanda Palma
Acordam em Conferência no Tribunal Constitucional
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que figura como recorrente A. e como recorridos o Ministério Público e B., foi proferido o Acórdão nº 316/2004 (fls.
1192 e ss.). O recorrente vem agora reclamar, ao abrigo do disposto do artigo 669º do Código de Processo Civil, concluindo o seguinte:
1. O recorrente afirmou na reclamação e reafirma aqui veementemente ter cometido um lapso omissivo decorrente de «copy paste» na indicação das alíneas do nº 1 do art° 70º, nos seus requerimentos de recurso de fls. 880 e ss., 979 e ss. e 1063 e ss., uma vez que pretendia ali indicar a al. b) da citada disposição legal que involuntariamente assim omitiu.
2. Trata-se, conforme decorre dos elementos constantes dos autos, de um lapso ostensivo, isto é, das diversas peças processuais e do teor dos próprios requerimentos de recurso em causa resulta claro que materialmente o recorrente suscitou durante o processo a inconstitucionalidade das normas que lhe vieram a ser aplicadas ou seja, as decisões em apreço aplicaram in casu normas cuja inconstitucionalidade foi suscitada durante o processo.
3. Trata-se de um erro notório e evidente como à saciedade resulta dos autos e das transcrições supra citadas.
4. Dúvidas inexistem que as transcrições das peças processuais supra citadas configuram objectivamente a suscitação de inconstitucionalidade das normas ali referidas, durante o processo, e que vieram a ser aplicadas ao recorrente a que acresce ainda o vertido nos próprios requerimentos de interposição de recurso constantes de fls. 880 e ss., 979 e ss. e 1063 e ss. nos quais expressamente se suscita também a inconstitucionalidade das normas ali referidas.
5. Elementos que o douto acórdão ignorou ao sufragar o entendimento de que:
«...não logra o recorrente demonstrar, com objectividade em face dos elementos dos autos que houve lapso...» , quando ao invés do processo constam expressamente das peças processuais do recorrente os elementos supra citados que, só por si, implicam necessariamente conclusão e consequentemente decisão diversa e que só por lapso manifesto se admite não tenham sido tomados em consideração.
6. Por outro lado, sustenta o douto acórdão cuja reforma se requer a tese de que: « ... não pode o recorrente, no momento em que reclama das Decisões Sumárias, proceder à convolação dos recursos interpostos ou mesmo à reformulação dos respectivos requerimentos. Tal não lhe é autorizado pela tramitação do recurso de constitucionalidade, constante da Lei do Tribunal Constitucional.».
7. Ora, também só por lapso manifesto se aceita tal interpretação.
8. Desde logo, o recorrente não requereu qualquer convolação mas sim a rectificação de um erro, por omissão, ostensivo, sendo evidente que materialmente suscitou, durante o processo, a inconstitucionalidade das normas aplicadas e apenas formalmente por lapso decorrente de «copy paste» aquando do processamento e impressão dos respectivos requerimentos não se escreveu a alínea b) do nº 1 do Art° 70º, da Lei do Tribunal Constitucional, omitindo-se assim o que se queria consignar.
9. Com efeito, o recorrente requereu a esse douto Tribunal que relevasse tal lapso e assim consequentemente a sua rectificação no primeiro momento em que de tal facto - omissão - se apercebeu, isto é, com a notificação das reclamadas decisões sumárias, o que fez, pois, no primeiro momento que lhe foi possível.
10. Ora, a rectificação deste erro - por omissão da referida al. b) que se omitiu mas se queria consignar - é admitida pela LTC, uma vez que à tramitação do recurso de constitucionalidade são subsidiariamente aplicáveis as normas do CPC, em especial as respeitantes ao recurso de apelação (Art° 69.º da L TC).
11. Na verdade, desde há muito que é pacífico o entendimento de que: « Se os erros, omissões e lapsos cometidos pelo juiz na sentença são susceptíveis de rectificação, não há razão alguma para que não suceda o mesmo quanto aos erros e lapsos cometidos pelas partes nos articulados ou em quaisquer outras peças do processo. O que a ordem jurídica exige é que a vontade rea1 prevaleça sobre a vontade declarada; para que este resultado se consiga, hão-de admitir-se necessariamente os meios adequados se for manifesto que o autor ou o réu, ao escrever ou dizer uma coisa, quis dizer coisa diferente, não pode ele ficar vinculado a uma declaração que não traduz a sua vontade.
12. Pela mesma ordem de considerações, se houver elementos para admitir que a parte quis dizer mais alguma coisa do que disse, que foi vítima de uma omissão ou de um lapso involuntário, também se não lhe pode negar o direito de restabelecer o seu pensamento, de exprimir, de modo completo, toda a sua vontade. » (Prof. Alberto dos Reis, RLJ, 770 - 180).
13. Em consequência do exposto é ao abrigo do disposto nos Art°s 667.º do CPC e no 249.º do Código Civil (CC) que é admitida a rectificação de erro constante de peças processuais, nomeadamente se tal erro constar de articulados, alegações, acusações ou contestações penais, será rectificável e não terá outras consequências que não sejam a sua rectificação. (Ac. RP , de 17.1.1969: JR, 15°,
108).
14. Aliás, o princípio geral contido no Art° 249.º do CC é aplicável em todos os casos em que a vontade manifestada padeça de lapso ostensivo (Ac. STJ, de
8.6.1978: BMJ, 278° - 165), e é aplicável a todos os actos judiciais ou das partes (Ac. RC, de 8.11.1983: BMJ. 332º - 518).
15. Ora, in casu ocorreu, como se disse, uma omissão decorrente de «copy paste» no processo e impressão dos requerimentos, como se explicou na reclamação, facto que o douto acórdão ignora e que só por si implica conclusão e decisão diversa.
16. Este erro - por omissão - confessado, aliás, pelo mandatário signatário, deve ser decidido de acordo com as disposições legais citadas e, também, na base da confiança de actuação e de lisura de procedimentos exigíveis reciprocamente
- aos advogados e aos magistrados judiciais e do Ministério Público - atento o seu especial dever de verdade e cooperação na administração da justiça, como operadores judiciários que são, no exclusivo âmbito das suas funções de profissionais do foro.
17. E, desde logo, salvo o devido respeito, parte-se in casu da constatação de que nada há nos autos que infirme ou contrarie a versão do recorrente.
18. E ainda que dúvidas houvessem que as não há, o princípio do tratamento mais favorável do agente seria, atenta a natureza dos presentes autos, aqui aplicável.
19. Um equívoco ou mero lapso a todos é possível e a todos é desculpável. Aliás, como se deixou dito, a própria lei processual admite a contingência da sua existência e do cometimento de lapsos e omissões pelo próprio Tribunal e faculta-1he a possibilidade de os rectificar (Art° 666º e 667º do CPC), a que acresce o comando previsto no Art° 249º do CC.
20. E perfeitamente verosímil a versão do recorrente no sentido de que a omissão da indicação da al. b) do Art° 70° da LTC decorreu de um erro de «copy paste» , o que é expressamente confirmado pelo teor material dos elementos constantes das peças processuais supra citadas.
21. Do exposto resulta que só por mero lapso esse douto Tribunal não aceitou a pretendida rectificação da omissão citada e entendeu que a Lei do Tribunal Constitucional não autoriza tal rectificação, porquanto os elementos constantes dos autos e a interpretação conjugada dos Art°s. 69° da LTC, dos 667° do CPC e
249° do Cód. Civil assim o determinam.
22. Encontrando-se, assim, preenchida a previsão das als. a) e b) do nº 2 do Art° 669° do CPC, devendo, em consequência, ser reformado o douto acórdão no sentido dos três recursos serem também considerados como interpostos ao abrigo da al. b) do Art° 70º do LTC e devendo ser admitidos com as legais consequências, para o que se impetra especial ponderação desse douto Tribunal.
23. Não se trata, pois, de qualquer convolação, mas sim da rectificação de um erro, por omissão, o que a lei processual prevê e consente ao invés do sufragado no douto acórdão cuja reforma se requer.
24. Devem, consequentemente, os recursos de fls. 880 e ss., 979 e ss e 1063 e ss. ser considerados como interpostos e admitidos também ao abrigo da al. b) do art° 70º do LTC que por erro decorrente de «copy paste», involuntariamente se omitiu nos requerimentos citados e ali o recorrente quis escrever, rectificação que os Art°s 667º do CPC e 249° do CC admitem e que o douto acórdão cuja reforma se requer só por lapso manifesto ignorou.
25. O recorrente requereu a fls. 1098 e ss. em requerimento dirigido à Veneranda Juiz Conselheira Relatora, o julgamento do incidente que ali deduziu alegando a prescrição do procedimento criminal e assim a declaração de extinção do procedimento criminal e da instância ao abrigo do disposto no Art° 78º B da LTC, isto é, por inutilidade/desnecessidade dos recursos.
26. No seu douto critério entendeu a Excelentissíma Conselheira Relatora incluir a decisão de tal incidente no douto acórdão cuja reforma se requer com o objectivo evidente de coarctar ao recorrente, como coarctou, a possibilidade, que a lei lhe confere, de posteriormente, reclamar para a conferência nos termos previstos no nº 2, do Art° 78° do L TC.
27. Não obstante, o douto acórdão cuja reforma se requer faz uma interpretação restritiva dos poderes do Tribunal Constitucional, concretamente dos poderes precedentes à apreciação dos recursos de constitucionalidade, olvidando o disposto no Art° 78º B da LTC e a natureza penal dos presentes autos.
28. Com efeito, no processo penal, como é o caso dos presentes autos, a prescrição do procedimento criminal pode ser arguida a todo o tempo - em todas as categorias de Tribunais - e o seu conhecimento sendo aliás oficioso faz parte dos poderes do relator previstos no citado Art° 78° da LTC e a dedução da referida excepção - pressuposto processual negativo é legalmente admissível e tempestiva nos termos do disposto nos Art°s 139° e 140º do Cód. Proc. Penal de
1929 aqui aplicável.
29. O facto de em momento anterior o recorrente ter arguido tal excepção e da mesma então ter sido indeferida, não faz precludir o direito de posteriormente, como agora fez, a deduzir novamente enquanto não transitar a decisão condenatória. Na verdade, poderá agora já ter ocorrido a prescrição e anteriormente não.
30. Com efeito, a prescrição do procedimento criminal tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal de prescrição acrescido de metade (nº 4, do art° 121.º do Código Penal), o que in casu já sucedeu.
31. Ora, encontrando-se prescrito o procedimento criminal, a prescrição poderá ser anterior à admissão do recurso - inutilidade (originária) ou superveniente, mas a aferição da prescrição terá de ser actual e compete a esse douto Tribunal
- último reduto da defesa dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos - efectuar essa aferição.
32. Assim, tratando-se de recursos interpostos em processo penal é, salvo o devido respeito, obrigação desse douto Tribunal aferir previamente ex officio da prescrição ou não do procedimento criminal em causa e verificando-se esta julgar extinta a instância ao abrigo do disposto no nº 1 do Art° 78º B da LTC por prescrição do procedimento criminal, esta aferição no processo penal terá de ser actual.
33. Requer-se, assim, a reforma do douto acórdão no que diz respeito ao indeferimento do requerimento de fls. 1098 e ss., devendo a invocada excepção ser apreciada ao abrigo da referida disposição legal e em consequência ser julgada extinta a instância em virtude da prescrição do procedimento criminal.
34. Devendo também nesta parte ser reformado o douto acórdão ao abrigo das referidas disposições do citado CPC. Termos em que, requer a V. Exas. se dignem reformar o douto acórdão nº 316/2004, no sentido de ser apreciada a excepção prescrição - invocada e consequentemente declarada extinta a instância por prescrição do procedimento criminal e, quando assim se não entenda, deverá o douto acórdão ser reformado no sentido dos recursos apresentados pelo recorrente a fls. 880 e ss., 979 e ss. e 1063 e ss. serem considerados interpostos também ao abrigo da al. b) do Artº 70° da LTC, rectificando-se assim o invocado erro por omissão, decorrente de «copy paste», ao abrigo do disposto nos Art°s. 667° do CPC e 249° do CC aplicáveis ex vi Art°
69° da LTC de acordo com o disposto nas als. a) e b) do nº 2 do Art° 669° do CPC, admitindo-se os recursos com as legais consequências.
O recorrente vem ainda pedir apoio judiciário. O Ministério Público pronunciou-se nos seguintes termos:
1 - O pedido de “reforma” deduzido é manifestamente improcedente, por ser evidente que nenhum “lapso” - e muito menos “manifesto” está subjacente ao acórdão que, tirado em conferência, dirimiu definitivamente a questão do âmbito e conhecimento do recurso interposto.
2 - Não se verificando, deste modo, de forma ostensiva, os pressupostos da reforma “substancial” da sentença, prevista no artigo 669°, do Código de Processo Civil.
3 - Quanto ao pedido de apoio judiciário - deduzido num momento processual em que está definitivamente dirimido o recurso, por acórdão definitivo da conferência, é o mesmo manifestamente intempestivo.
4 - Sendo inquestionável que não é possível às partes que procurem protelar artificiosamente a duração do processo, mediante a suscitação de incidentes pós-decisórios manifestamente infundados, servirem-se de tal conduta processual para virem peticionar o apoio judiciário.
Entretanto, o recorrente requereu a prorrogação de prazo para apresentar certidão. Cumpre apreciar.
2. A reforma da decisão, nos termos do nº 2 do artigo 669º do Código de Processo Civil, tem lugar quando tenha ocorrido manifesto lapso do juiz na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos ou quando constem do processo elementos que, só por si, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida e que o juiz por lapso manifesto não haja tomado em consideração. Ora, o recorrente apenas reitera, na presente reclamação, argumentos quanto a um alegado lapso cometido na redacção dos requerimentos de interposição do recurso de constitucionalidade, argumentos esses que foram devidamente fundamentados e analisados quer na Decisão Sumária proferida nos autos quer no Acórdão nº
316/2004. Não se verifica, pois, o fundamento do pedido de reforma a que alude o disposto no nº 2 do artigo 669º do Código de Processo Civil. O recorrente reitera, por outro lado, o pedido de apreciação da prescrição do procedimento criminal constante do requerimento de fls. 1098 e ss., matéria sobre a qual este Tribunal já se pronunciou e sobre a qual o recorrente não apresenta qualquer argumento novo que não tenha sido já devidamente ponderado no Acórdão reformando. Nessa medida, reitera-se o decidido a este propósito no Acórdão nº 316/2004, confirmando-se o indeferimento do requerimento de fls. 1098 e ss. Por último, o recorrente vem deduzir um pedido de apoio judiciário. No entanto, o Tribunal Constitucional já proferiu decisão final nos presentes autos, pelo que nenhuma questão relacionada com o objecto do recurso terá de ser decidida na presente instância. Assim, o presente pedido de apoio judiciário afigura-se manifestamente intempestivo, pelo que será indeferido. Sendo indeferido o apoio judiciário requerido, com o fundamento apontado, não tem, consequentemente, qualquer utilidade a prorrogação de prazo requerida para apresentar certidão.
3. Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide: a) Indeferir o pedido de reforma formulado, confirmando consequentemente o Acórdão nº 316/2004; b) Indeferir o pedido de apoio judiciário, bem como a prorrogação de prazo requerida.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 20 UCs.
Lisboa, 23 de Junho 2004
Maria Fernanda Palma Benjamim Rodrigues Rui Manuel Moura Ramos