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Proc. n.º 608/03
2ª Secção Conselheiro Benjamim Rodrigues
Acordam, em conferência, neste Tribunal Constitucional:
A – O relatório
1 - A. e mulher reclamam para a conferência, nos termos do n.º 3 do art. 78º-A da LTC, da decisão sumária proferida pelo relator, de não conhecimento do recurso que interpuseram para o Tribunal Constitucional do acórdão da Relação de Lisboa, de 12 de Novembro de 2002, proferido nestes autos.
2 - A decisão sumária reclamada é do seguinte teor:
«1. A. e mulher, com os demais sinais dos autos, dizendo-se inconformados com o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 12 de Novembro de 2002, na parte em que confirmou o despacho do senhor juiz do Tribunal Judicial da Comarca de Amadora (1º Juízo Cível) que admitiu, por os considerar tempestivamente deduzidos, os embargos de executado deduzidos por B. e C., identificados nos mesmos autos, assim negando provimento ao recurso por eles interposto [o acórdão conheceu, também, de recurso interposto por outros embargantes], dele recorreram directamente para este Tribunal Constitucional
(cfr. fls. 1049), ao abrigo do disposto no art.º 70º, n.º 1, al. b), da Lei n.º
28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versão (doravante designada apenas por LTC), pretendendo a apreciação da constitucionalidade da norma constante do art.º 198º, n.º 3, do Código de Processo Civil, que constituiu a ratio decidendi do decidido, por na sua óptica tal preceito violar o princípio da igualdade consagrado no art.º 13º da Constituição da República Portuguesa.
2. Esse requerimento de interposição do recurso foi apresentado em 2 de Dezembro de 2002 e aquele acórdão da Relação foi notificado aos ora recorrentes por carta registada de 18/11/2002.
3. O recurso para o Tribunal Constitucional interposto pelos ora recorrentes foi admitido por despacho do Senhor Juiz Desembargador Relator [de par com outro despacho que admitiu recurso para o Supremo Tribunal de Justiça interposto por outros embargantes que tinham visto a sua petição liminarmente rejeitada por extemporaneidade].
4. Como decorre do disposto no n.º 3 do art.º 76º da LTC, o despacho que admitiu o recurso não vincula o Tribunal Constitucional.
E o certo é que este Tribunal não pode tomar conhecimento do recurso interposto.
Na verdade, havendo o recurso sido interposto ao abrigo da al. b) do n.º 1 do art.º 70º da LTC, tornava-se necessário que o recorrente esgotasse as vias do recurso ordinário, ou seja, que, neste caso, houvesse recorrido para o Supremo Tribunal de Justiça (doravante designado por STJ), como se exige no n.º
2 do mesmo artigo, equivalendo a esse esgotamento, de acordo com o disposto no n.º 4 ainda do mesmo artigo, os casos em que “tenha havido renúncia, haja decorrido o respectivo prazo sem a sua interposição” ou os casos em que “os recursos não possam ter seguimento por razões de ordem processual”.
Ora acontece que os recorrentes não renunciaram ao recurso para o STJ e, a quando da apresentação do requerimento de interposição do recurso para este Tribunal Constitucional, ainda não tinha decorrido o prazo para a interposição daquele recurso para o STJ e, finalmente, não ocorreu nenhum impedimento processual à sua interposição ou seguimento do recurso.
E não renunciaram ao recurso para o STJ porque não fizeram qualquer declaração expressa nesse sentido e a renúncia como declaração antecipada de não se querer exercer um direito carece de ser expressamente declarada [ao invés da aceitação da decisão - situação que aqui não ocorre porque os recorrentes a afrontam para este Tribunal - que pode ser tácita ou expressa (art.º 681º, n.º 3 do Código de Processo Civil, doravante mencionado apenas por CPC)]. Esta leitura da lei é, de resto, a que justifica que o n.º 4 do referido art.º 70º da LTC, ao fim e ao cabo, faça equivaler à renúncia tácita do exercício do direito de recurso ordinário a interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, apenas depois de já estar esgotado o prazo para a interposição do recurso ordinário. Por outro lado, nunca a apresentação do seu requerimento de interposição do recurso para o Tribunal Constitucional poderia ser vista como denotando uma renúncia tácita antecipada à interposição daquele recurso ordinário. Na verdade, da interposição do recurso para o Tribunal Constitucional não poderia inferir-se esse sentido como sendo o único, lógica ou racionalmente, admissível. Basta notar que a parte, não obstante ter já recorrido para o Tribunal Constitucional, não ficava impedida de, repensando a sua posição, vir a interpor recurso para o STJ dentro do prazo ou até eventualmente dilatado mediante o pagamento de multa nos termos do n.º 5 do art. 145º do Código de Processo Civil, como é, aliás, frequente.
E como se disse, a quando da interposição do recurso para o Tribunal Constitucional ainda não havia expirado o prazo de interposição do recurso para o STJ, pois este extinguiu-se precisamente nesse mesmo dia (2 de Dezembro de
2002) sem o pagamento de multa e terminaria com o prolongamento máximo possível conseguido mediante pagamento de multa nos termos do referido n.º 5 do CPC no dia 5 de Dezembro de 2002. O prazo normal de interposição do recurso ordinário terminou no dia 1 de Dezembro de 2002, em virtude do prazo de interposição do recurso ordinário ser de 10 dias (art.º 685º, n.º 1, do CPC), mas porque este dia foi ferido nacional o prazo para a prática do acto transferiu-se para o dia
2 do mesmo mês, por ser o primeiro dia útil seguinte, nos termos do art.º 144º, n.º 2, do CPC, tendo sido, precisamente, neste dia que foi apresentado o recurso para este Tribunal Constitucional, e o prazo terminou naquele dia 1 de Dezembro por a notificação do acórdão recorrido se dever considerar feita no dia 21 de Novembro de 2002, dado a carta registada expedida para tanto ter sido expedida no dia 18 do mesmo mês (art.º 254º, n.os 1 e 2 do CPC) [18.11.2002+3+10=
01.12.2002].
Finalmente, repete-se que não ocorreu nenhum impedimento processual
à interposição ou seguimento do recurso ordinário.
Assim sendo, há que concluir que não se verifica o pressuposto processual do recurso de constitucionalidade interposto, consistente no esgotamento dos recursos ordinários, razão pela qual o Tribunal Constitucional não pode tomar conhecimento do seu objecto.
5. Destarte, atento tudo o exposto, decido não tomar conhecimento do recurso interposto pelos identificados embargados exequentes.
Custas pelos recorrentes, com taxa de justiça de 5 UC.».
3 - Fundamentando a reclamação dizem os reclamantes o seguinte:
«1-Do douto acórdão da Relação de Lisboa de 12.11.02 já não era admitida a interposição, pelos ora reclamantes, de agravo para o Supremo. Assim era o que dispunha (e dispõe ainda) o art. 754º, n.º 2, 1ª parte, do CPC (na aplicável redacção dada pelo Dec.-Lei n.º 375-A/99, de 20 de Setembro) e não se verificava a ressalva da 2ª parte daquele n.º 2.
Por isso os reclamantes tinham interposto o recurso para este Venerando Tribunal Constitucional.
2-As sociedades embargantes podiam ainda agravar para o Supremo (e fizeram--no), pela ressalva da parte final do n.º 3 do referido art. 754º - pois para elas a decisão de 1ª instância excluíra-as do processo.
3-No caso do agravo dos ora reclamantes a decisão admitira o embargante, para os autos prosseguirem: não pôs termo ao processo, essa decisão que afectou os reclamantes e da qual agravaram para a Relação, mas da qual já não cabia agravo em 2ª instância para o Supremo.
Estavam, neste caso, esgotadas as vias do recurso ordinário».
4 - Os reclamados B. e Outros responderam à reclamação sustentando o seu indeferimento com base no entendimento de que, tendo os reclamantes interposto recurso para o Tribunal Constitucional antes de ter decorrido o prazo de interposição do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça com fundamento na
2ª parte do n.º 2 do art. 754º do CPC, não se achavam esgotados todos os recursos ordinários.
Cumpre decidir.
B – A fundamentação
5 - A decisão reclamada, para não tomar conhecimento do recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade da norma do art. 198º, n.º 3, do Cód. Processo Civil, sufragou-se, como decorre dos seus termos, na consideração de que os reclamantes não haviam esgotado todas as vias do recurso ordinário, como é exigido pelo n.º 2 do art.º 70º da LTC, pois lhes restava a possibilidade do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, e de que não podia entender-se como renúncia à interposição desse recurso o simples facto de terem recorrido para o Tribunal Constitucional quando ainda decorria o prazo para a interposição daquele recurso. O certo, porém, é que, como bem sustentam, os reclamantes não podiam interpor recurso ordinário do acórdão da Relação de Lisboa para o Supremo Tribunal de Justiça dado o sentido desta decisão, confirmativa do despacho da 1ª instância, ser o de ter admitido os embargos interpostos por B. e C. contra a execução movida contra eles e outros pelos ora reclamantes e, por conseguinte, não ter a mesma posto fim ao processo. Na verdade decorre do n.º 2 do art.º 754º do CPC que “não é admitido recurso do acórdão da Relação sobre decisão da primeira instância, salvo se o acórdão estiver em oposição com outro, proferido no domínio da mesma legislação pelo Supremo Tribunal de Justiça ou por qualquer Relação, e não houver sido fixada pelo Supremo, nos termos dos artigos 732º-A e
732º-B, jurisprudência com ele conforme”. Por outro lado, prescreve-se no n.º 3 do mesmo artigo que “o disposto na primeira parte do número anterior não é aplicável aos agravos referidos nos números 2 e 3 do art.º 678º e na alínea a) do número 1 do artigo 734º”. Sendo assim - e ao contrário do que sustentam os reclamados - há que reconhecer ser absolutamente irrelevante a circunstância de o recurso para o Tribunal Constitucional haver sido interposto quando ainda decorria o prazo de interposição do recurso para o STJ, cujos reflexos na perspectiva de poder consubstanciar uma renúncia ao recurso ordinário se analisaram na decisão reclamada, pois que o recurso destinado a uniformização de jurisprudência, a que se alude na ressalva feita no referido n.º 2 do art.º 754º do CPC, não conta, por força do disposto no n.º 2 do art. 70º da LTC, para efeito do preenchimento do requisito do esgotamento das vias de recurso ordinário e já não era possível interpor outro em face das disposições da lei processual civil que se deixaram transcritas.
Temos, portanto, que é de deferir a reclamação.
C – A decisão
6 - Destarte, atento tudo o exposto, este Tribunal Constitucional decide, deferindo a reclamação, revogar o despacho do relator.
Lisboa, 4 de Fevereiro de 2004
Benjamim Rodrigues Maria Fernanda Palma Rui Manuel Moura Ramos