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Proc.º n.º 754/2003.
3ª Secção. Relator:- BRAVO SERRA.
1. Na acção, seguindo a forma de processo sumário, que corre seus termos pelo 3º Juízo Cível do Tribunal de comarca de Viseu, acção essa proposta por A. e mulher, B., contra C. e mulher, D., e E. e mulher, F., e por via da qual os autores peticionaram serem preferidos na compra de determinado prédio rústico que foi efectuada pelos primeiros réus aos segundos, após ser dada a resposta aos quesitos, aqueles autores intentaram juntar aos autos um requerimento que, por ter sido entendido como consubstanciando uma reclamação a tal resposta, foi mandado desentranhar, devido à circunstância de a sua apresentação ser legalmente inadmissível.
Do despacho de determinou o desentranhamento pretenderam os autores recorrer para o Tribunal Constitucional mas, como o recurso não foi admitido, reclamaram os mesmos para o dito órgão de administração de justiça, o qual, pelo Acórdão nº 227/2003, indeferiu a reclamação.
Tendo, em 3 de Maio de 2003, sido proferida sentença que julgou a acção improcedente, da mesma recorreram os autores para o Tribunal Constitucional ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, por seu intermédio desejando verem apreciada a inconstitucionalidade das normas constantes do artº 653º, nº 4, do Código de Processo Civil, e dos artigos 393º, 394º, 416º, 1380º, nº 1, e 1318º, alínea a), estes do Código Civil, “na interpretação com que foram aplicados na decisão recorrida, ao arrepio da factualidade provada”, interpretação essa que, na sua
óptica, violaria “os princípios constitucionais consagrados nos artigos 203º.,
204º. e 205º. da Constituição da República Portuguesa”, aditando que a “questão da inconstitucionalidade foi suscitada em tempo oportuno, porquanto o foi antes de proferida a douta sentença recorrida”, vindo a juntar o requerimento que, anteriormente, fora mandado desentranhar.
A Juíza do 3º Juízo Cível do Tribunal de comarca de Viseu, por despacho de 1 de Julho de 2003, não admitiu o recurso interposto, pois que entendeu que não foi, no processo, suscitada qualquer questão de inconstitucionalidade, sendo que, a tê-lo sido no requerimento mandado desentranhar, a este se não poderia atender, face ao seu desentranhamento, determinando, uma vez mais, que tal requerimento fosse desentranhado.
É deste despacho que, pelos autores, vem deduzida a presente reclamação, nela se limitando a dizer que a questão de inconstitucionalidade foi suscitada no requerimento a que já se fez alusão, tendo juntado à reclamação fotocópia do requerimento que fora mandado desentranhar.
O Ex.mo Representante do Ministério Público junto deste
órgão de fiscalização concentrada da constitucionalidade normativa, tendo tido
«vista» dos autos, pronunciou-se no sentido do indeferimento da reclamação, sustentando não só que não foi suscitada qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, como também que o requerimento de interposição de recurso para este Tribunal era inidóneo para “integrar o objecto do recurso”, já que se limitava a “indicar uma série de normas pretensamente inconstitucionais, por terem sido aplicada ‘ao arrepio da factualidade provada’”.
Cumpre decidir.
2. É manifestamente improcedente a reclamação sub iudicio.
Na verdade, não se pode considerar que, antes da prolação da sentença ora pretendida impugnar perante o Tribunal Constitucional, tivesse, por um meio processualmente adequado, sido suscitada a inconstitucionalidade dos normativos referidos no requerimento de interposição do recurso não admitido.
É que, como resulta do relato supra efectuado, ao requerimento em que foi deduzida a reclamação das respostas aos quesitos não pode ser conferida «existência» ou validade processual, em virtude da determinação do seu desentranhamento, determinação essa que constituiu caso julgado formal em face do circunstancialismo que acima se deixou exposto.
Convém, neste ponto, deixar assinalado que os próprios reclamantes nunca sustentaram que, em qualquer outra peça processual para além do requerimento de reclamação das respostas aos quesitos, tivessem suscitado, antes da prolação da sentença pretendida recorrer para o Tribunal Constitucional, qualquer questão de inconstitucionalidade.
2.1. Mas, mesmo que fosse possível defender (e já se viu que não era) que se haveria de atender ao que naquele requerimento foi consignado, sempre se dirá que no mesmo não foi suscitada questão de inconstitucionalidade reportada a normativos ínsitos no ordenamento jurídico infraconstitucional.
Efectivamente, naquele requerimento (ao qual, repete-se, se não pode dar repercussão processual), foi dito, em dados passos e no que ora releva:
“....................................................................................................................................................................................................................................................................................... A manterem-se as respostas dadas a estes quesitos, s[o]mente com prova testemunhal, está-se a violar o disposto nos artºs. 393º e 394º. do Código Civil e 203º. 204º. da Constituição da República Portuguesa, que [ ] mais uma vez se suscita.
.......................................................................................................................................................................................................................................................................................... Também por aqui, se procedesse a presente acção, violaria os artºs. 1380º., 1, e
1381º., a) do Código Civil, e 203º. 204º. e 205º. da Constituição da República Portuguesa, o que agora se suscita.
.......................................................................................................................................................................................................................................................................................... Se a acção procedesse por aqui, haveria violação do artº. 416º. do C[ó]digo Civil e 203º., 204º. e 205º. da Constituição da República Portuguesa.
.......................................................................................................................................................................................................................................................................................... A proceder a acção por haver este confinante e qualificar-se como preferente em primeiro lugar, violar-se-iam aquelas disposições legais e bem assim os artºs.
203º., 204º. e 205º. da Constituição da República Portuguesa.
.......................................................................................................................................................................................................................................................................................... Também por aqui, a proceder a acção, havia violação do caso julgado, além de que no terreno em causa não é possível levar a efeito qualquer construção urbana, pelo que o mesmo se mantém como rústico, o que violaria também os artºs 203º.,
204º. e 205º. da Constituição da República Portuguesa.
..............................................................................................................................................................................................
.........................................................................................”
Ora, dos extractados passos resulta inequivocamente que no indicado requerimento não foi equacionada qualquer questão de desconformidade com a Lei Fundamental referentemente a normas jurídicas, antes tendo sido sustentado que o acto jurisdicional que se reclamava era, ele mesmo, conflituante com o Diploma Básico (ou que o proferendo acto jurisdicional - a sentença -, caso decidissem de determinada sorte, ficaria inquinado de inconstitucionalidade).
Sendo objecto do recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade as normas jurídicas e não outros actos do poder público, tais como, verbi gratia, as decisões judiciais qua tale consideradas, então uma só conclusão se deparará na hipótese de que trata o presente ponto, conclusão essa que justamente será a de não ter sido suscitada, antes do proferimento da sentença intentada impugnar perante este Tribunal, qualquer questão de inconstitucionalidade normativa.
3. Em face do exposto, indefere-se a reclamação, condenando-se os impugnantes nas custas processuais, fixando-se a taxa de justiça em vinte unidades de conta.
Lisboa, 24 de Novembro de 2003
Bravo Serra Gil Galvão Luís Nunes de Almeida