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Proc. n° 509/98 TC – Plenário Rel.: Cons.º Artur Maurício
Acordam no Plenário do Tribunal Constitucional
1-O Procurador-Geral da República, no uso da sua competência prevista no artigo
281º, n.º 2, alínea e), da Constituição da República Portuguesa, requer a este Tribunal a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral da norma constante do art. 111º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 129/84, de 27 de Abril), na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 49/96, de 4 de Setembro.
A norma impugnada dispõe o seguinte:
Artigo 111º Reforço do Pleno
1- Até ao início de vigência da nova Lei Orgânica dos Tribunais Administrativos e Fiscais (LOTAF) podem, por despacho do Presidente, ser afectos ao pleno da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo, a título exclusivo, os juízes da Secção que se mostrem necessários à recuperação do serviço.
2- O presidente pode determinar que os respectivos processos sejam exclusiva ou predominantemente distribuídos e redistribuídos pelos juízes referidos no número anterior.
2- O requerente alegou, em síntese, como fundamentação do seu pedido, que:
- A solução legislativa constante da norma do citado artigo 111º (na redacção da Lei n.º 49/96) - oposta à que vigora nos restantes tribunais superiores, em que as formações plenas ou plenárias sempre englobaram as formações em secções e subsecções - vai cindir a 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo em dois tribunais separados, hierarquicamente ordenados, e vai dividir os juízes que a integram em duas classes distintas, com desiguais funções e responsabilidades: uma delas, a dos juízes afectos em exclusivo ao pleno, terá por única missão censurar as decisões proferidas pela outra (a dos juízes das subsecções).
- Tal solução viola manifestamente o disposto no artigo 112º, n.º 6 da Constituição, na medida em que o referido artigo 111º confere a acto de natureza não legislativa (despacho do presidente do Supremo Tribunal Administrativo) o poder de, ao afectar juízes da 1ª Secção, a título exclusivo, ao respectivo pleno, por um lado isentar esses juízes das funções de intervenção como relatores e adjuntos nos julgamentos de subsecção; e, por outro lado, permite retirar aos juízes não seleccionados para intervirem em exclusivo no pleno, que tenham dois ou mais anos de serviço na Secção, a competência para intervirem como relatores nos julgamentos em pleno, assim modificando ou revogando as disposições constantes das normas legais que directamente procederam à exaustiva regulação da composição e funcionamento da 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo e da competência e atribuições dos respectivos juízes.
- Por outro lado, ao cometer ao presidente do Supremo Tribunal Administrativo a determinação do momento em que será implementado o novo sistema de 'reforço' do pleno e ao confiar-lhe amplíssimos poderes - praticamente discricionários - de gestão da magistratura, de modo a poder colocar naquele pleno, em exclusividade de funções, os juízes conselheiros que entenda serem necessários e estarem em melhores condições para realizar a pretendida recuperação de serviço, a norma contida no artigo 111º colide frontalmente com a norma do artigo 217º, n.º 2 da Constituição, segundo a qual a nomeação, a colocação, a transferência e a promoção dos juízes dos tribunais administrativos e fiscais, bem como o exercício da acção disciplinar, competem ao respectivo Conselho Superior, nos termos da lei.
Conclui, assim, o requerente pela inconstitucionalidade da norma contida no artigo 111º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (na redacção emergente da Lei n° 49/96, de 4 de Setembro ), por violação do disposto nos artigos 112°, n° 6, e 217°, n° 2, da Constituição.
Notificado do pedido, o Presidente da Assembleia da República ofereceu o merecimento dos autos e juntou os Diários da Assembleia da República contendo os trabalhos preparatórios da Lei n° 49/96.
Submetido a debate o memorando apresentado pelo Presidente deste Tribunal e fixada a orientação do Tribunal sobre as questões a resolver, cumpre decidir de acordo com essa orientação (artigos 63º, n.º 2 e 65º, n.º 1, da LTC).
3- O Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais aprovado pelo Decreto-Lei n.º 129/84 foi expressamente revogado pela Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro. Esta lei teve por objecto a aprovação do novo Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais e determinou, expressamente, na alínea c) do artigo
8°, a revogação do 'Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 129/84, de 27 de Abril'. De acrescentar ainda que, de acordo com o disposto no artigo 9º da Lei n.º
13/2002 (na redacção dada pelo artigo 1º da Lei n° 4-A/2003, de 19 de Fevereiro) a sua entrada em vigor ocorreu (com excepção do artigo 7º) em 1 de Janeiro de
2004, data, portanto, em que se operou a revogação do Decreto-Lei n° 129/84. Em face desta revogação, importa agora averiguar se existe utilidade no conhecimento do mérito do pedido.
4- De acordo com disposto no n° 1 do artigo 282° da Constituição, a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral produz efeitos desde a entrada em vigor da norma em causa 'o que justificará que se conheça de pedidos relativos a normas revogadas sempre que tal se mostre indispensável para corrigir ou eliminar os efeitos entretanto produzidos por tais normas durante o período da sua vigência' (vide Acórdão n.º 531/00, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, Vol. 48, págs. 47 e segs.).
Contudo, no presente caso, só existem efeitos a 'corrigir ou eliminar' se a faculdade concedida ao Presidente do Supremo Tribunal Administrativo pelo artigo
111º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, introduzida pela Lei n.º 49/96, tiver sido exercida pelo mesmo.
Ora, por despacho de 19 de Novembro de 1997, o Presidente do Supremo Tribunal Administrativo, considerando que 'desapareceu a legitimidade legal para a manutenção da dita medida de excepção', determinou o seguinte:
1 - no início (...) de 1998, o Pleno da Secção de Contencioso Administrativo passará a funcionar com a composição ditada pelo artigo 25º do ETAF;
2 - na sequência do que os Senhores Juízes, que presentemente integram o Pleno, ficarão radicados numa das Subsecções, onde entrarão também na respectiva distribuição de processos.
Em face de tal despacho, conclui-se que a faculdade contida na norma questionada deixou de ser usada a partir de 19 de Novembro de 1997, e que os efeitos eventualmente produzidos (entre 5 de Setembro de 1996 e 1 de Janeiro de 1998) não justificam o conhecimento do presente pedido de fiscalização abstracta.
Efectivamente, é quase certo, dado o tempo já decorrido, e uma vez que está em causa a composição do pleno (última instância de recurso), que os casos abrangidos estarão todos cobertos por caso julgado.
Conclui-se, portanto, pela inexistência de interesse jurídico relevante e consequente inutilidade no conhecimento do pedido.
5 - Decisão
Pelo exposto e em conclusão, decide-se:
- Não conhecer do pedido quanto à declaração da inconstitucionalidade do artigo 111º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (aprovado pelo Decreto-Lei n° 129/84, de 27 de Abril), na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 49/96, de 4 de Setembro, por inutilidade superveniente.
Lisboa, 3 de Fevereiro de 2004
Artur Maurício Rui Manuel Moura Ramos Gil Galvão Maria Fernanda Palma Carlos Pamplona de Oliveira Bravo Serra Paulo Mota Pinto Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Maria Helena Brito Benjamim Rodrigues Vítor Gomes Luís Nunes de Almeida