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Proc. nº 67/2004
2ª Secção Rel.: Consª Maria Fernanda Palma
Acordam em Conferência no Tribunal Constitucional
1. A. interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa da decisão proferida pelo 2º Juízo de Instrução Criminal de Lisboa que decidiu não devolver determinados valores apreendidos no âmbito de um processo criminal no qual é investigada a prática de doze crimes de corrupção passiva para acto ilícito. Nas respectivas alegações de recurso, o arguido apresentou as seguintes conclusões:
1.º Os valores apreendidos ao Arguido, são superiores aos que constam da acusação que lhe foi imputada.
2.º Os autos nada explicam, nem especificam, nem sequer indiciam que os valores apreendidos ao Arguido sejam aqueles que ele terá recebido como contrapartida da eventual prática do acto ilícito.
3.º Foram erradamente aplicados os preceitos constantes dos artigos 109.º, n.º 1 e 111.º do CP, na medida em que, o primeiro se refere a apreensão de outros objectos ou valores, que não dinheiro, e o segundo porque os valores apreendidos nestes autos não coincidem com os valores eventualmente recebidos pelo Arguido.
4.º Não existe qualquer fundamento para a apreensão dos valores do Arguido, nos presentes autos, pois mesmo que sejam dados como provados os factos que lhe são imputados e lhe venha a ser aplicada uma pena, o mesmo não pode implicar a perda a favor do Estado desses valores, por duas ordens de razão, primeiro porque o valor apreendido é superior ao constante da acusação, depois porque não é exactamente esse o objecto especifico envolvido nos factos constantes da acusação.
5.º Não sendo de prever que os objectos apreendidos ao Arguido possam vir a ser declarados como perdidos a favor do Estado, o mesmo, através do seu ilustre representante, não tem qualquer legitimidade para os reter na sua posse.
6.º Não se podendo aceitar que, por se tratar de um valor infungível, se torna legítimo para as autoridades judiciarias apreender à sorte qualquer exemplar que no momento da busca existir na posse do Arguido.
Não foi suscitada qualquer questão de constitucionalidade normativa. O Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 4 de Dezembro de 2003, considerou o seguinte:
2. O objecto do presente recurso prende-se com o indeferimento pela M.ma juíza
“a quo” do requerimento do arguido em que este solicitava a restituição da quantia que lhe fora apreendida.
É do seguinte teor o despacho recorrido:
“Requerimento de fls. 10581 a 10583 O arguido A. veio requerer a restituição da quantia apreendida de 1.420,00 euros. O Ministério Público opôs-se - fls. 10768 e 10769. O montante em apreço foi apreendido por suspeita de constituir produto dos ilícitos indiciados – artº 178°, nº 1, do CPP. Entretanto, encerrado o inquérito, o arguido encontra-se acusado do cometimento de 12 crimes de corrupção passiva para acto ilícito. Em virtude de se tratar de bem susceptível de vir a ser declarado perdido a favor do Estado – artºs 109°, nº 1, e 111° do CP -, não vejo fundamento legal para a pretendida devolução ao arguido, que assim indefiro. Notifique, com cópia da promoção citada”. Nos termos do art. 178°, n.º 1, do CPP “São apreendidos os objectos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir a prática de um crime, os que constituírem o seu produto, lucro, preço ou recompensa, e bem assim todos os objectos que tiverem sido deixados pelo agente no local do crime ou quaisquer outros susceptíveis de servir a prova”. O montante em apreço foi apreendido por suspeita de constituir produto dos ilícitos indiciados. Entretanto, foi deduzida acusação estando o arguido acusado da prática de 12 crimes de corrupção passiva para acto ilícito, p.p. pelos arts. 372°, n.º 1 e
66°, n.º 1, als. a) e b), ambos do C. Penal. Ou seja, o arguido está acusado de ter recebido quantias monetárias das doze empresas acima referidas. A quantia apreendida foi encontrada na residência do arguido no decurso da busca acima referida. Trata-se manifestamente de uma quantia que não é usual ter-se em casa. E no caso concreto do arguido não se percebe como possuía tal quantia em sua casa, sendo certo que era titular de três contas bancárias (cfr. auto de interrogatório de fls. 365 e 366 e auto de busca e apreensão de fls. 362 e 363). Alega o arguido que tal quantia se destinava a fazer face a diversas despesas notariais, registrais e fiscais decorrentes da aquisição de um imóvel para habitação própria que realizou no mês de Novembro de 2002 (cfr. art.º 3° do seu requerimento de fls. 11). Para efectuar pagamentos como os referidos, o normal é a utilização de cheques. E no caso do arguido, sendo ele titular de três contas bancárias, fica sem se perceber porque detinha tal quantia guardada em casa. Tais circunstâncias fazem da quantia apreendida um bem susceptível de vir a ser declarado perdido a favor do Estado (art.º 111º, do CP). A M.ma juiz “a quo” fundamentou a sua decisão fazendo apelo, além do mais, ao disposto no art.º 109°, do CP . A delimitação entre os campos de aplicação dos arts. 109° e 111º é por vezes pouco nítida. O último dos referidos artigos, estabelecendo a perda de coisas ou direitos relacionados com o facto ilícito típico em casos não abrangidos pelo primeiro, é uma válvula de segurança contra possíveis evasões ou fraudes. Por outro lado, o art.º 109° tem como fundamento a perigosidade imediata dos instrumentos ou objectos cuja perda deve sempre ser decretada, verificados os respectivos pressupostos. Na perda de coisas, direitos ou vantagens, a que alude o art.º 111°, tem-se em vista mais uma perigosidade em abstracto e visa-se a prevenção da criminalidade em geral (cfr. Maia Gonçalves, in “Código Penal Português”, 88. Ed., 1995, págs. 483 e 484). No caso em apreço, não tem aplicação o art.º 109°, do CP, uma vez que não se verificam os respectivos pressupostos. Mas tem plena aplicação o citado art.º
111º. Em face do exposto, bem andou a M.ma juiz “a quo” ao indeferir a pretensão do arguido.
2. A. interpôs recurso de constitucionalidade, nos seguintes termos: No douto acórdão recorrido, foi proferida decisão no sentido do art.111º Código de Processo Penal, fundamentar a impossibilidade de restituição de verbas que se encontram apreendidas à ordem do processo. Tal aplicação foi alicerçada nas circunstâncias do caso concreto, que não são, s.d.r. infelizmente, sindicáveis perante o mais alto Tribunal. O art° 111° do C.P., refere-se sempre ao facto ilícito, e nunca a circunstâncias, paralelas, adjacentes ou fortuitas, pois configura-se como uma excepção ao direito de propriedade. A decisão do Tribunal de 1ª Instância, fundamentou-se no art° 109° do C.P.P. enquanto que a decisão do Tribunal “ad quem” fundamentou-se no art° 111° do mesmo compêndio legislativo. Não era assim, s.d.r., exigível ao recorrente que conhecesse a invocação da interpretação do artigo 111° do C.P.P., com a dimensão jurídico-interpretativa que veio a resultar no Acórdão do Tribunal “ad quem”. Na verdade, considerar que é legal uma apreensão de bens, quando estes nada têm a ver com o facto ilícito, sem o respectivo fundamento de conexão e fundamentação a esse mesmo facto, para poderem determinados bens serem declarados perdidos a favor do Estado, viola o princípio do direito de propriedade ínsito no ano 62°, números 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa, Também viola, s.d.r., o princípio da proporcionalidade ou da proibição do excesso, pois o art. 111° ao ser interpretado sem qualquer conexão com o facto ilícito, nomeadamente “... o normal é a utilização de cheques.” e “E no caso do arguido, sendo ele titular de três contas bancárias, fica-se sem perceber porque detinha tal quantia guardada em casa.”, parece configurar uma punição objectiva onde ela é subjectiva. Assim interpretado o preceito, visto o conteúdo interpretado fazer parte da própria norma, padece a mesma de inconstitucionalidade, por violadora do direito
à propriedade, sendo um confisco, e por violação do princípio da proporcionalidade ou da proibição do excesso. s.d.r., é insólito que seja feita uma interpretação, sem qualquer conexão objectiva ou subjectiva com o facto ilícito, apreendendo-se quantias só porque é anormal alguém ter dinheiro “vivo” na casa de sua mãe. Este recurso é interposto ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei
28/82, de 15 de Novembro, na redacção dada pela Lei nº 85/89, de 7 de Setembro, e pela Lei nº 13-A/98, de 26 de Fevereiro.
O recurso não foi admitido, por despacho de 23 de Dezembro de 2003, com o seguinte teor:
Diversamente do que alega o recorrente, a decisão do tribunal de primeira instância fundamentou-se nas normas dos artigos 109º, nº 1 e 111 do Código Penal
(cfr. fls. 15); No recurso para esta Relação, apesar de discutir a aplicabilidade daqueles dois preceitos, o recorrente não suscitou a inconstitucionalidade das referidas normas (fls. 2 a 7); No recurso para o Tribunal Constitucional, invoca-se o disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, situação que, como se viu, manifestamente não se verifica. Assim, tendo presente o disposto nos artigos 70º, nº 1, al. b), 72º, nº 2,
75º-A, nº 2, parte final, todos da referida Lei nº 28/82. Não se admite o recurso interposto pelo requerimento em epígrafe.
O arguido vem agora reclamar, ao abrigo dos artigos 76º e 77º da Lei do Tribunal Constitucional, afirmando o seguinte:
17. O Recorrente apresentou o seu recurso, subsumindo a sua defesa à dimensão jurídico-interpretativa e qualificação jurídica operadas pela decisão do Tribunal de 1ª Instância.
18. Na verdade, veja-se que em processo penal a qualificação jurídica assume especial acuidade e relevo, porquanto dela pode depender a limitação ou a restrição de direitos constitucionalmente garantidos, como seja a liberdade ou a propriedade.
19. Pois, o processo penal, enquanto “sequência de actos juridicamente preordenados e praticados por certas pessoas legitimamente autorizadas em ordem
à decisão sobre se foi proferido algum crime e, em caso afirmativo, sobre as respectivas consequências jurídicas e sua justa aplicação” (Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Tomo I, pág. 15) não se compadece com a incerteza jurídica mas é, antes, uma instituição jurídica e social complexa onde a existência de um verdadeiro Estado de direito democrático se revela e às quais o respeito pelos direitos fundamentais das pessoas é imanente.
20. Sucede que a decisão do Tribunal a quo fundamentou-se no artigo 111.º do Código de Processo Penal, conforme se reproduz:
“A M.ma juiz “a quo” fundamentou a sua decisão fazendo apelo, além do mais, ao disposto no art. 109.º do CP. A delimitação entre os campos de aplicação dos artigos 109.º e 111.° é por vezes pouco nítida. O últimos dos referidos artigos, estabelecendo a perda de coisas ou direitos relacionados com o facto ilícito típico em casos não abrangidos pelo primeiro, é uma válvula de segurança contra possíveis evasões ou fraudes. Por outro lado, o artigo 109.º tem como fundamento a perigosidade imediata dos instrumentos ou objectos cuja perda deve ser decretada, verificados os respectivos pressupostos. Na perda de coisas, direitos ou vantagens, a que alude o artigo 111.º, tem-se em vista mais uma perigosidade em abstracto e visa-se uma prevenção da criminalidade em geral [...] No caso em apreço não tem aplicação o artigo 109.º do CP, uma vez que não se verificam os respectivos pressupostos. Mas tem plena aplicação o citado artigo
111.° Em face do exposto, bem andou a M.ma juiz “a quo” ao indeferir a pretensão do arguido”.
21. Ora, prescreve o artigo 109.º do Código Penal que:
1. “Toda a recompensa dada ou prometida aos agentes de um facto ilícito típico, para eles ou para outrem, é perdida a favor do Estado.
2. São também perdidas a favor do Estado, sem prejuízo dos direitos do ofendido ou de terceiro de boa fé, as coisas, direitos ou vantagens que, através do facto ilícito típico, tiverem sido directamente adquiridos, para si ou para outrem, pelos agentes e representem uma vantagem patrimonial de qualquer espécie.
3. O disposto nos números anteriores aplica-se às coisas ou aos direitos obtidos mediante transacção ou troca com as coisas ou direitos directamente conseguidos por meio de facto ilícito típico.
4. Se a recompensa, os direitos, coisas ou vantagens referidos nos números anteriores não puderem ser apropriados em espécie, a perda é substituída pelo pagamento ao Estado do respectivo valor.”
22. Ora, conforme supra referenciado, o Recorrente subsumiu a sua defesa à qualificação jurídica operada pela decisão do Tribunal de 1ª Instância.
23. O enquadramento jurídico-factual operado não pode ser autonomizado do suporte factual que o fundamenta, da dimensão jurídico-interpretativa que o sustenta.
24. Assim, é entendimento do Tribunal a quo que “a quantia apreendida foi encontrada na residência do arguido no decurso da busca acima referida. Trata-se manifestamente de uma quantia que não é usual ter-se em casa. E no caso concreto do arguido não se percebe como possuía tal quantia em sua casa, sendo certo que era titular de três contas bancárias [...]. Alega o arguido que tal quantia se destinava a fazer face a diversas despesas notariais, registrais e fiscais decorrentes da aquisição de um imóvel para habitação própria que realizou no mês de Novembro de 2002 [...]. Para efectuar pagamentos como os referidos, o normal
é a utilização de cheques. E no caso do arguido, sendo ele titular de três contas bancárias, fica-se sem saber porque detinha tal quantia em sua casa”.
25. Diga-se, desde logo, e salvo o devido respeito por douta opinião contrária, que o Recorrente desconhece a existência de quaisquer estimativas quanto aos meios de pagamento normalmente utilizados para efectuar pagamentos referentes a despesas notariais, registrais e fiscais.
26. Todavia, e conforme é sabido, nenhuma disposição penal existe que puna quaisquer comportamentos ditos “anormais” não tipificados, como seja, a utilização de dinheiro para efectuar o pagamento de preparos.
27. Assim, e salvo o devido respeito por douta opinião contrária, é insólito que seja feita uma interpretação, sem qualquer conexão objectiva ou subjectiva com o facto ilícito, apreendendo-se quantias só porque é anormal alguém ter dinheiro
“vivo” na casa de sua mãe.
28. Na verdade, e salvo o devido respeito por douta opinião contrária, a tese do acórdão, pelo seu conteúdo insólito e imprevisível, constitui uma verdadeira
“decisão surpresa” que o Recorrente não podia previsível e razoavelmente antecipar .
29. Veja-se que não era, assim, salvo o devido respeito por douta opinião contrária, exigível ao recorrente que conhecesse a invocação da interpretação do artigo 111.º do Código de Processo Penal, com a dimensão jurídico-interpretativa que veio a resultar no Acórdão do Tribunal a quo, com a qual não contava, nem lhe era exigível que contasse.
30. Pois, é irrazoável e desadequado exigir ao Recorrente um juízo prévio de prognose relativo à sua aplicação, nos termos supra expostos, em termos de se antecipar ao proferimento da decisão, suscitando logo a questão da sua inconstitucionalidade.
31. Nestes termos, deve o recurso interposto pelo Recorrente ser admitido, já que se mostra interposto de acordo com o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na redacção dada pela Lei n.º
85/89, de 7 de Setembro, e pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro.
O Ministério Público pronunciou-se no sentido da improcedência da reclamação, dizendo o seguinte:
Independentemente da previsibilidade da aplicação pela Relação da norma constante do art. 111º do CPP, consideramos que não se verificam os pressupostos do recurso interposto, já que o recorrente não identificou qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, idónea para servir de base ao recurso interposto, limitando-se a dissentir sobre o juízo (fáctico) de suspeição acerca da proveniência das quantias monetárias apreendidas – material naturalmente insindicável por este Tribunal. Parece, aliás, evidente que o acórdão recorrido não aplicou sequer a referida norma com o sentido invocado pelo recorrente, de permissão de uma apreensão de bens “sem qualquer conexão objectiva ou subjectiva com o facto ilícito”: o que verdadeiramente sucedeu é que a Relação inferiu, por presunções naturais, que as circunstâncias concretas da detenção de tais quantias indiciavam uma provável origem delituosa das mesmas – o que determina a improcedência da presente reclamação, por inverificação dos pressupostos do recurso.
Cumpre apreciar.
3. O recurso que o reclamante pretende ver admitido tem por pressuposto processual a suscitação durante o processo da questão de constitucionalidade normativa, entendendo por tal a invocação perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida da inconstitucionalidade da norma que se pretende impugnar. O reclamante afirma, porém, que não teve oportunidade para suscitar a questão antes da prolação da decisão recorrida, uma vez que a interpretação aplicada é inesperada e imprevisível. Ora, no despacho que indeferiu a restituição dos valores apreendidos, a Juíza de Instrução Criminal fundamentou a recusa de restituir na circunstância de existir suspeita de os valores apreendidos constituírem produto dos ilícitos indiciados e de serem susceptíveis de virem a ser declarados perdidos a favor do Estado, nos termos dos artigos 109º, nº 1, e 111º do Código Penal. Nas alegações do recurso apresentado pelo arguido, foi impugnada, expressamente, quer a aplicação do artigo 109º quer a aplicação do artigo 111º (ambos do Código Penal). Não foi suscitada, porém, qualquer questão de constitucionalidade normativa. O Tribunal da Relação de Lisboa, no acórdão de 4 de Dezembro de 2003, considerou aplicável o artigo 111º do Código Penal, explicitando-se o sentido da solução legal consagrado nesse preceito, e confirmando a decisão então recorrida
(decisão que indeferiu o requerimento no qual se pedia a restituição dos valores apreendidos). Em face do relato sumário que se acaba de fazer dos presentes autos, é manifesto que o reclamante, no momento em que interpôs recurso perante o Tribunal da Relação de Lisboa, dispunha de condições objectivas que lhe permitiam configurar a possibilidade de vir a ser aplicado o artigo 111º do Código Penal, desde logo porque ele foi invocado expressamente no despacho da Juíza de Instrução Criminal. De resto, não é certo que o reclamante tenha centrado as alegações de recurso perante o Tribunal da Relação de Lisboa na impugnação da aplicação do artigo 109º do Código Penal, como parece pretender na presente reclamação. De facto, como resulta de fls. 16 e ss., o arguido impugnou também a aplicação do artigo 111º do Código Penal. As considerações desenvolvidas nos pontos 25 a 28º da presente reclamação referem-se à decisão tomada pelo Tribunal da Relação de Lisboa, afigurando-se, nessa medida, absolutamente inúteis nesta fase processual, já que nenhuma conexão apresentam com a decisão de indeferimento do recurso de constitucionalidade. Com efeito, o reclamante limita-se a discordar do juízo de suspeição acerca da proveniência das quantias monetárias apreendidas, não identificando claramente uma questão de constitucionalidade normativa, impugnando apenas a decisão. Aliás, o reclamante insurge-se contra a apreensão de montantes que alegadamente nenhuma conexão apresentam com o facto ilícito, entendimento que, naturalmente, não foi o acolhido pela decisão recorrida. A decisão recorrida, assentando em regras da experiência, baseadas nas circunstâncias do caso, considerou que tais quantias tinham origem delituosa. Por outro lado, e ao contrário do que o recorrente afirma, a invocação do artigo
111º pelo Tribunal da Relação de Lisboa era previsível, desde logo porque já constava da decisão recorrida. O próprio reclamante a impugnou, como se referiu. Deste modo, impendia sobre o reclamante o ónus de suscitação da questão de constitucionalidade normativa durante o processo, pelo que a presente reclamação será indeferida.
5. Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide indeferir a presente reclamação, confirmando o despacho reclamado.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 15 UCs.
Lisboa, 4 de Fevereiro de 2004 Maria Fernanda Palma Benjamim Rodrigues Rui Manuel Moura Ramos