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Processo n.º 901/03
2ª Secção Relator – Cons. Paulo da Mota Pinto
Acordam em conferência no Tribunal Constitucional
1.Por despacho de 17 de Dezembro de 2003, proferido pelo relator no Supremo Tribunal de Justiça, foram admitidos os dois recursos interpostos do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2 de Outubro de 2003, que considerou, posto que com um voto de vencido, que era irrecorrível a decisão de condenação confirmada pelo Tribunal da Relação, quanto a um dos recorrentes, e de declaração de perda, a favor do Estado, do veículo utilizado por ele como instrumento do crime, igualmente confirmada, nesta parte, por esse Tribunal, apesar do recurso do outro recorrente. Tratando-se de processo com réus presos – tal como um dos recorrentes esteve, entre 20 de Abril de 2001 e 10 de Maio desse ano –, no Tribunal Constitucional o relator proferiu, em 17 de Dezembro de 2003, o seguinte despacho:
“Recurso de A. (fls. 1618): para alegações quanto às normas dos artigos 400º, n.º 1, alínea f), e 409º do Código de Processo Penal, uma vez que a norma da alínea e) do n.º 1 do referido artigo 400º não foi aplicada pela decisão recorrida. Recurso de B. (fls. 1620): para alegações. Nos termos do artigo 79º, n.º 2, da Lei do Tribunal Constitucional, fixo prazo de 15 (quinze) dias para alegações.” Invocando o n.º 2 do artigo 79º da Lei do Tribunal Constitucional, este despacho encurtou o prazo para alegações para 15 dias, razão suficiente para tornar claro que o regime aplicável aos recursos era o do n.º 3 do artigo 43º dessa Lei, para o qual o n.º 2 do artigo 79º expressamente remete. Aparentemente não o tendo entendido, os recorrentes deixaram passar o prazo de apresentação das alegações dos recursos, pelo que, por despacho do relator de 14 de Janeiro de 2003, os recursos foram julgados desertos, na sequência da informação sobre o decurso do prazo legal que foi lavrada nos autos.
Os recorrentes vêm reclamar deste despacho para a conferência, concluindo o primeiro deste modo:
“a) Não estamos perante processo crime onde haja arguidos presos, cuja definitividade da condenação seja atingida pelo presente recurso: as condenações em pena de prisão estão transitadas quanto aos arguidos que se mantiveram presos preventivamente durante a discussão da causa; b) Entretanto, também o recorrente não está preso preventivamente, beneficiando de liberdade provisória; c) Por isso, os autos devem ser tidos como processo portador de decisão judicial proferida em matéria penal, mas com condenação definitiva dos arguidos presos; d) Logo, ao abrigo do disposto no artigo 43/3 LOFPTC, o prazo, para a apresentação de alegações, fica suspenso, durante as férias judiciais do Natal; e) Então, termina em 20 de Janeiro pf; f) E, tendo o Excelentíssimo Senhor Conselheiro Relator julgado deserto o recurso, por falta de alegações, mas antes desta última data, pôs em crise o normativo citado; g) Na conferência será admitida, pois, a minuta do recurso que o reclamante junta com a presente.”
E encerrando a segunda recorrente assim a sua reclamação:
“a) O arco normativo dos artigos 400/1/f e 409 CPP, na interpretação que lhe foi dada pelo STJ, é inconstitucional. b) Tratando-se de fixar os limites da recorribilidade, que é princípio garantístico, consagrado na Constituição, infringe a adequação, proporcionalidade e oportunidade, exigidas pelo artigo 18 CRP. c) Com efeito, as infracções, a que correspondem penalidades que excedem os 8 anos de prisão, devem suscitar um processo com as garantias de defesa máximas, adequadas à gravidade do juízo de censura de que a condenação é portadora, o qual se reconduz, em última instância, à pena abstracta, contida na norma punitiva criminal. d) De todo o modo, interpretar-se o segmento pena aplicável, contido no artigo
400/1/f CPP, como pena aplicada, estabelece um sentido naturalmente contrário à presunção de inocência, acolhida no artigo 32/2 CPP.”
Notificado de tais reclamações, o Ministério Público pronunciou-se nos seguintes termos:
“1º Os recorrentes foram notificados do douto despacho de fls. 1646, em que o Exmo. Conselheiro relator fixou o prazo para alegações em 15 dias, invocando expressamente o regime estabelecido no artigo 79º, n.º 2, da Lei do Tribunal Constitucional – que se reporta precisamente às alegações a produzir em processos urgentes, nos termos previstos no n.º 3 do artigo 43º da mesma Lei.
2º Só assim se podendo, aliás, entender o estabelecimento de um prazo reduzido, de 15 dias para alegar.
3º Tal despacho assentou, pois, de forma clara e inquestionável, na qualificação pelo relator do presente recurso como urgente – sendo certo que os recorrentes, notificados de tal despacho, não questionaram oportunamente tal qualificação do processo pelo relator.
4º É, pois intempestiva – perante o caso julgado formal que decorre de tal qualificação do processo como urgente – a suscitação de questão da inexistência de presos preventivos, à ordem dos presentes autos, apenas na sequência do despacho que – em estrita conformidade com a precedente qualificação do processo como urgente – julgou deserto o recurso, por não ter sido produzida tempestivamente qualquer alegação.”
Cumpre apreciar e decidir.
2.A questão a decidir pela conferência na presente reclamação é apenas a da articulação entre os dois sucessivos despachos do relator no Tribunal Constitucional, acima referidos, uma vez que o segundo nada mais é do que a consequência do primeiro e da falta de apresentação de alegações pelos ora reclamantes. Ora, aquele primeiro despacho transitou em julgado, por não ter sido objecto de qualquer reclamação – a presente reclamação reporta-se exclusivamente ao segundo despacho, que julgou desertos os recursos. E, assim, é evidente que qualquer decisão que a conferência pudesse agora tomar sobre o despacho reclamado, de 14 de Janeiro de 2004, não poderia ter a virtualidade de alterar, nem a qualificação do processo como urgente, nem o prazo para alegações, ambos estabelecidos pelo despacho de 17 de Dezembro de 2003. Ao não reagir contra esta fixação de prazo e contra a qualificação, aí efectuada, do processo como urgente, e consequente forma de contagem dos prazos, os ora reclamantes impossibilitaram, assim, esta conferência de sindicar este modo de contagem do prazo para apresentação de alegações e o próprio prazo, fixados pelo primeiro despacho do relator. E, assim sendo, perante o caso julgado formado sobre o referido despacho de 17 de Dezembro de 2003, não resta agora outra possibilidade que não seja a de, indeferindo a presente reclamação, confirmar a deserção de ambos os recursos, por falta de alegações no prazo fixado, conforme se decidiu no despacho reclamado.
3.Com estes fundamentos, decide-se indeferir a presente reclamação e confirmar o despacho reclamado, que julgou desertos, por falta de apresentação de alegações, os recursos dos ora reclamantes.
Custas pelo reclamantes, com 5 (cinco) unidades de conta de taxa de justiça.
Lisboa, 4 de Fevereiro de 2004 Paulo Mota Pinto Mário José de Araújo Torres Rui Manuel Moura Ramos