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Proc. n.º 201/03
2ª Secção Conselheiro Benjamim Rodrigues
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
A – Relatório
1. A., com os demais sinais dos autos, vem arguir a nulidade do Acórdão n.º 490/2003, proferido nestes autos, sustentando que este Tribunal Constitucional não apreciou uma questão que lhe foi colocada pelo recorrente, qual seja «a da negação de um duplo grau de jurisdição de direito consequente à concreta alteração que se verificou, no caso dos autos - e que, em geral, se deve presumir, por força do duplo grau de jurisdição relativo à matéria de facto
- da matéria de facto fixada pelo douto Acórdão do Tribunal da Relação. Essa - não obstante (talvez) deficientemente expressa, nas alegações - [era] a essencial razão do recurso; de se entender que, seguindo a interpretação feita pelo tribunal recorrido da norma (ou normas - nota-se que também se suscitou a nulidade da alínea e) do art.º 400º do Código de Processo Penal) cuja inconstitucionalidade foi suscitada, se impede efectivamente ao arguido o direito ao recurso da decisão de direito, uma vez que só com a decisão do Tribunal da Relação fica definitivamente julgada a matéria de facto».
2 - O Ex.mo Procurador-Geral Adjunto neste Tribunal respondeu dizendo que «a presente reclamação carece obviamente de fundamento, já que o Tribunal Constitucional dirimiu inteiramente as questões de inconstitucionalidade normativa que lhe foram colocadas».
B – Fundamentação
3 - Embora sem a convocar, o requerente pretende ver reconhecida a nulidade referida na primeira parte da alínea d) do n.º 1 do art. 668º do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ao processo constitucional por mor do disposto no art. 69º da LTC, traduzida em omissão de pronúncia do Tribunal sobre questão que devesse conhecer.
Mas como bem diz o Ministério Público é óbvia a falta de fundamento do reclamante.
No tocante à questão de inconstitucionalidade da norma da al. e) do n.º 1 do art. 400º do CPP, o acórdão reclamado decidiu expressamente “não tomar conhecimento do recurso” na parte em que este a tinha como objecto, fundamentando esse seu juízo, simpliciter, no facto daquele preceito não ter constituído ratio essendi do decidido.
No que diz respeito à questão de inconstitucionalidade da al. f) do n.º 1 do art. 400º do CPP, o acórdão reclamado conheceu dela, partindo exactamente, enquanto pressuposto definido, da acepção normativa que foi invocada pelo ora reclamante, primeiramente, no requerimento de interposição de recurso para este Tribunal e, depois, nas suas alegações de recurso e respectivas conclusões [conclusões estas que se deixaram transcritas no acórdão reclamado] e que fora, por outro lado, aplicada no acórdão do STJ recorrido.
Ora verifica-se que, como ressalta do sumariamente transcrito no ponto 5 do acórdão ora reclamado, que o acórdão do STJ interpretou a hipótese da al. f) do n.º 1 do art. 400º do CPP no sentido de abranger duas dimensões: a primeira, no sentido de que «qualquer que seja a pena aplicada ou aplicável ao cúmulo jurídico, são as penas - cada uma delas singularmente consideradas - aplicáveis aos singulares crimes em concurso que hão-de dizer da recorribilidade ou irrecorribilidade da decisão. Se a moldura abstracta de qualquer desses crimes não ultrapassar os oito anos de prisão, a decisão, verificada a “dupla conforme” é irrecorrível; se alguma ou algumas ultrapassarem esse limite, ou não houver confirmação, tal decisão já será recorrível»; a segunda, no sentido de o entendimento de o recurso «não ser[é] admissível, além do mais, de acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de primeira instância, em processo crime a que seja aplicável pena de prisão não superior a oito anos, mesmo em caso de concurso de infracções» abranger, também, as situações em que «[...] a decisão da Relação, mantendo o enquadramento jurídico dos factos, acabou por se limitar a reduzir a pena, sendo mais favorável ao recorrente do que o previsto na citada disposição», porquanto «afinal, até ao limite da condenação ora imposta pela Relação, mantém-se a “dupla conforme”, que só deixou de existir relativamente ao quantum da pena eliminado na 2ª instância, de que o recorrente já beneficiou».
Todavia, o recorrente apenas controverteu neste recurso de fiscalização concreta de inconstitucionalidade a primeira dimensão normativa que a Relação extraiu, por via interpretativa, do texto legal.
É só essa - e apenas essa - a dimensão interpretativa que o recorrente questionou sub specie constitutionis que se extrai do seu requerimento de interposição do recurso quando diz que o interpõe «para ser declarada a inconstitucionalidade das normas do artigo 400.º, n.º 1, alínea e) e f) do Código de Processo Penal, na interpretação acolhida no douto Acórdão, segundo a qual, perante uma situação de “dupla conforme”, em caso de concurso de infracções apenas deve ser atendida, para aferir da admissibilidade do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, as penas abstractamente aplicáveis aos singulares crimes em concurso e não a pena abstracta correspondente ao cúmulo jurídico, por violação do direito ao recurso consagrado pelo artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa».
Como é exactamente essa a acepção normativa que se retira das suas alegações de recurso e das respectivas conclusões, onde diz ipsis verbis que «[...]tais normas deverão ser julgadas inconstitucionais na [Na] interpretação segundo a qual, perante uma situação de “dupla conforme”, em caso de concurso de infracções apenas devem ser atendidas, para aferir da admissibilidade do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, as penas abstractamente aplicáveis aos singulares crimes em concurso e não a pena abstracta correspondente ao cúmulo jurídico, as normas das alíneas e) e f), do n.º 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal, são inconstitucionais, por violação do direito ao recurso consagrado pelo artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa».
. Ora, cabe aqui lembrar que o objecto do recurso de constitucionalidade é definido no requerimento de interposição do recurso, dado valerem aqui os princípios do pedido e da autonomia das partes (arts. 75º-A, n.º 1 e 79º-C da LTC), e que são as conclusões das alegações delimitam o seu objecto (art. 690º, n.os 1 e 2 do CPC).
O acórdão reclamado conheceu da questão tal como lhe foi colocada nos termos constantes dos pontos 10, 11 e 12 do acórdão reclamado, tendo negado provimento ao recurso na sequência do seu juízo de não inconstitucionalidade da dimensão normativa constitucionalmente sindicada. Não incorreu, assim, o Tribunal na alegada omissão de pronúncia.
O acórdão reclamado não padece, pois, do vício que o reclamante lhe imputa.
C – Decisão
4 - Destarte, atento tudo o exposto, este Tribunal Constitucional decide indeferir o pedido de declaração de nulidade do acórdão reclamado.
Custas pelo reclamante com taxa de justiça de 5 UC.
Lisboa, 2 de Dezembro de 2003
Benjamim Rodrigues Paulo Mota Pinto Maria Fernanda Palma Rui Manuel Moura Ramos