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Procº nº 28/2004.
3ª Secção. Relator: Bravo Serra.
1. Não se conformando com a sentença proferida em 20 de Junho de 2002 no 2º Juízo do Tribunal de comarca de Montemor-o-Novo, que os condenou na pena de quatrocentos dias de multa à taxa de € 5 por dia ou, subsidiariamente, na pena de duzentos e sessenta dias de prisão, pela autoria material de um crime de emissão de cheque sem provisão, previsto e punível pelo artº 11º, nº 1, alínea a), do Decreto-Lei nº 454/91, de 28 de Dezembro, condenando-os ainda, solidariamente com a sociedade A., a pagarem à assistente B., a quantia de € 31.147,23, acrescida de juros vencidos e vincendos até integral pagamento, à taxa de 12% ao ano sobre o montante de € 27.891,90, recorreram para o Tribunal da Relação de Évora os arguidos C. e D..
Na motivação adrede produzida, escreveram, inter alia e para o que ora releva:
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45. Ou seja: provado está nos autos que o Arguido D. não exercia de facto qualquer gerência da A., i.e. o nada decidia quanto ao seu funcionamento e administração, igualmente desconhecendo a situação bancária da mesma, que o mesmo é dizer que quando materialmente apôs a sua assinatura no título ajuizado, não dominava o significado e alcance da sua actuação.
46. Que o mesmo é dizer que não actuou de modo penalmente relevante, posto que foi utilizado como instrumento da prática da infracção (rectius, da acção descrita no art.º 11° n.º 1 al. a) do regime penal do cheque)...
47. i.e., no que concerne ao Arguido D. inexiste sequer acção penal, termos em que não pode o mesmo ser sancionado pela prática de qualquer crime. Todavia, e sem em nada conceder:
48. b - Quanto a ambos os Recorrentes - o tipo penal em questão constitui, nos termos do disposto no art.º 11° n.º1 al. a) do regime penal do cheque e do art.º
13° do CP, um crime doloso.
49. Ou seja: a existência de infracção pressupõe a imputação aos respectivos agentes dos elementos descritivos do tipo a título de dolo, numa das modalidades previstas no art.º 14° do CP.
50. Ora, da matéria de facto dada como assente na Sentença sob os pontos n.º s 2
(relativamente ao arguido D.), 7º (em articulação com o 11°), 11°, e mais ainda da matéria de facto que deve ser dada como assente (porque alterada e aditada), nos termos do Capítulo II destas motivações, resulta claro inexistir imputação do crime em análise a título doloso aos Recorrentes.
51. Com efeito, é admitido no aresto recorrido que a conta bancária sobre a qual foi sacado o cheque ajuizado, ficou desprovida dos fundos suficientes para a respectiva cobertura por força da existência de inúmeros pagamentos por meio de cheques devidos à A. que não obtiveram boa-cobrança.
52. Tal facto (o volume e montante dos cheques sem provisão recebidos pela A., no período em questão), é obviamente alheio aos Recorrentes.
53. E nada há nos autos que suporte a afirmação de que, a 9 de Novembro de 2000, era sabido pelos Recorrentes que a conta se encontrava desprovisionada
(confira-se toda a documentação e toda a prova gravada)... bem ao invés, os elementos documentais constantes dos autos demonstram o contrário.
54. Mas não só! Mesmo admitindo, meramente a beneficio de raciocínio, que o Recorrente C. ‘sabia’ (elemento cognoscitivo do dolo), que a conta não tinha, naquele momento, provisão suficiente para cobrir o cheque dos autos, e se a Sentença para tanto se escora nas declarações do próprio dito Arguido, então não poderá cindir a respectiva declaração (i.e., cindir a prova), dando relevo a tal afirmação e ‘esquecendo’ o que o mesmo igualmente afirmou relativamente ao facto de ‘contara com a cobrança de múltiplos cheques de clientes da sua empresa que entretanto vieram a mostrar-se sem provisão’.
55. Fazendo a Sentença o que faz, está a ‘dar como boas’ tais declarações do Arguido C. para suportar o preenchimento do elemento cognoscitivo do dolo, mas já as considera ‘irrelevantes’ para demonstrar a inexistência de elemento volitivo do dolo.
56. Mais: para concluir que o Recorrente C. actuou com dolo, é necessário imputar-lhe o dever de esperar que os clientes da A. não pagassem os fornecimentos que esta lhe havia feito, i.e., contar com a prática de ilícitos por parte dos clientes A. categoria esta, de exigibilidade, própria do comportamento negligente e não do comportamento doloso!
57. Ou seja: a sentença recorrida comete, s.d.r., dois pecados capitais: a. presume o dolo dos agentes - quando este tem de ser positivamente provado, como ensina toda a doutrina; b. confunde exigibilidade, categoria base da negligência, com os elementos que suportam o dolo, a saber, a consciência (conhecimento) e a vontade.
58. Em suma: em lugar algum dos autos está dado como assente que o(s) recorrente(s) sabia(m), em 9 de Novembro de 2000, que os cheques creditados na conta da A. vinham ‘sem provisão’, termos em que não tendo sido conhecida tal realidade, não podia(m) o(s) Recorrente(s) saber da existência de ‘falta de
.fundos’ na dita conta bancária... quanto basta para afastar o elemento cognoscitivo do dolo exigido para a prática do ilícito que lhes é imputado.
59. Mas mesmo que se admitisse que o(s) Recorrente(s) ‘sabia(m)’ que naquele momento o saldo disponível era insuficiente para cobrir o cheque dos autos, também está provado que nessa data contava(m) com a ‘disponibilidade’ de valores que já haviam sido creditados na referida conta bancária....
60. O que pura e simplesmente demonstra que mesmo que tivesse(m) o(s) Recorrente(s) ‘representado’ como possível a prática do ilícito, com ela não se conformou(aram).
61. Ora, sendo certo que o comportamento dos Recorrentes não é, sequer teoricamente, subsumível nem ao n.º 1 nem ao n.º 2 do art.º 14º do CP, demonstrado fica que também não está preenchido o nº 3 de tal preceito.
62. Aliás, que o Tribunal a quo faz um inaceitável entorse aos princípios da imputação subjectiva, resulta do facto de, para poder ‘atribuir’ o facto aos agentes, subjectivamente, apelar ao critério da exigibilidade...
63. Com efeito, na sentença lê-se expressamente: ‘qualquer pessoa com capacidades medianas para usar um cheque tem que se assegurar que no momento em que o emite e o entrega ao portador tem fundos disponíveis, reais e não meramente contabilísticos, para pagar a quantia titulada’....
64. Ora, a exigibilidade, como é sabido desde Armin Kauffman, não sustenta nenhuma das modalidades de dolo, mas sim a negligência... se alguém representa como possível a prática da infracção, e com ela não se conforma (art.º 15º al. a) CP), a responsabilidade emerge porque era exigível ao agente que tomasse comportamento diverso... ora isto é negligência, consciente, e não dolo, nem sequer eventual?
65. Tal falta de elementos subjectivos (cognoscitivo e volitivo), sendo patente, em face da prova carreada para os autos, quanto ao Arguido C., é verdadeiramente GRITANTE quanto ao Arguido D., que, conforme é dito na Sentença recorrida, apenas assinou o cheque, e que, conforme resultou da prova, totalmente desconhecia a gestão corrente da sociedade e a sua situação bancária (as suas funções reais na sociedade sobrepõem-se, obviamente, no que à responsabilidade penal respeita, ao que conste do registo comercial) .
66. Ou seja: no que respeita ao arguido D., a Sentença fere-o com uma verdadeira responsabilidade pelo exercício da função, assim violando os constitucionalmente consagrados princípios da culpa e da pessoalidade da responsabilidade penal
(artº. 29° nº 1 e 30º nº 3 da CRP).
67. Termos em que a Sentença recorrida, baralhando - s.d.r. -, os pressupostos da imputação subjectiva, violou, quanto a ambos os Recorrentes, o disposto nos artºs. 13°, 14° e 15° al. a) do CP, em relação ao art.º 11° n.º 1 al. a) do Regime Penal do Cheque, e quanto ao Recorrente D., ainda o disposto nos artºs.
29° n.º 1 e 30° n.º 3 da CRP.
68. Tudo porque os Recorrentes não agiram dolosamente, e o tipo não admite forma negligente, sendo que o Recorrente D. nem sequer agiu de modo penalmente relevante.
69. Por outro lado, o tipo penal em questão constitui, nos termos do disposto no art.º 11° n.º 1 al. a) do regime penal do cheque, um crime de dano ou de resultado, funcionando a verificação de prejuízo patrimonial para o tomador do cheque ou terceiro, senão como elemento do tipo, pelo menos como condição objectiva de punibilidade.
70. Ora, como visto retro nos artigos 29° a 33° destas motivações, e na matéria de facto aí referida, a Assistente, tomadora do cheque, apenas sofreu o prejuízo patrimonial que aqui invoca - i.e., a quantia titulada pelo cheque ajuizado -, porque não accionou, como lhe era acessível, senão mesmo exigível, o seguro de crédito de que era beneficiária.
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75. O que releva, portanto, nos termos do disposto nos n.ºs 1 al. a) e 6 do Artigo 11º do Regime Penal do Cheque – quer pelo não preenchimento do tipo, quer, subsidiariamente, pela possibilidade de atenuação especial da pena.
.......................................................................................................................................................................................................................................................................................... CONCLUSÕES
.......................................................................................................................................................................................................................................................................................... I. Responsabilidade criminal dos Recorrentes - o Arguido D., que apenas assinou o cheque já preenchido, que não exercia de facto a gerência e que desconhecia o estado das contas bancárias da A., não actuou de modo penalmente relevante para os efeitos do disposto no art.º 11 n.º 1 al. a) do Reg. Penal do Cheque. J. Ademais, nenhum elemento probatório há nos autos que sustente que os Recorrentes ‘sabiam’, a 09/11/2000, da inexistência de fundos na conta bancária sacada para pagamento do cheque dos autos, termos em que inexiste o necessário elemento cognoscitivo para que se afirme o dolo dos arguidos. K. Bem ao invés, demostrado que ficou que a conta sacada ficou desprovida de fundos suficientes para a respectiva cobertura mercê da existência de inúmeros pagamentos por meio de cheques devidos à A. que não obtiveram boa cobrança. L. Paralelamente, mesmo que o elemento cognoscitivo do dolo estivesse preenchido, demostrado não ficou o preenchimento do elemento volitivo, i.e., que tendo sido representada a falta de fundos, os Recorrentes se conformaram com a devolução sem provisão do cheque dos autos. M. i.e., o comportamento dos Recorrentes não é subsumível em nenhuma das situações tipificadas no art.º 14º do CP, o que resulta do facto de o próprio Tribunal a quo, na análise do elemento subjectivo do tipo, ter tido necessidade de fazer um inaceitável entorse aos princípios de imputação subjectiva, apelando ao critério da exigibilidade para atribuir o facto aos agentes, quando é sabido que tal critério é fundamentador da negligência e não do dolo. N. Termos em que se conclui ter a Sentença recorrida baralhado os pressupostos da imputação subjectiva, violando: (i) quanto a ambos os Recorrentes, o disposto nos art.ºs 13º, 14º e 15º al. a) do CP, em relação ao art.º 11º n.º 1 al. a) do Regime Penal do Cheque, e ainda, (ii) quanto ao Recorrente D., o disposto nos art.ºs 29º n.º 1 e 30º n.º 3 da CRP. O. Por outro lado, sendo o crime em análise um crime de dano ou resultado, o Tribunal devia ter apreciado a ‘causa’ do prejuízo hoje invocado pela Assistente, com o que concluiria pela participação da mesma no prejuízo sofrido, o que releva para apreciação e preenchimento de um elemento objectivo / condição objectiva de punibilidade do tipo, e, bem assim, como requisito de atenuação especial da pena (art.º 11º n.º 1 al. a) e nº 6 do Reg. Penal do Cheque e art.º
10º do CP). P. i.e., o prejuízo sofrido pela Assistente não decorre exclusivamente do comportamento assacado aos Recorrentes, entes tendo na sua base, em paridade, o comportamento da própria Assistente que não accionou o seguro de crédito de que beneficiava, num situação clara de ‘concausa do dano’. Q. A sentença recorrida, ao aplicar uma pena concreta correspondente a 2/3 do limite máximo da pena aplicável, e em igualdade para ambos os arguidos, fez uma errada determinação dos critérios de determinação concreta da medida da pena constantes dos art.ºs 11º nº 6 do Reg. Penal do Cheque, e dos art.ºs 29º, 71º e
72º do CP.
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O Tribunal da Relação de Évora, por acórdão de 14 de Outubro de 2003, concedeu parcial provimento ao recurso, mantendo o decidido na sentença impugnada, excepto na parte em que procedeu à condenação no pagamento de juros, já que se entendeu que estes eram devidos sobre a quantia titulada pelo cheque, desde a data da sua emissão e até integral pagamento, à taxa supletiva legal a que se reporta o artº 559º, nº 1, do Código Civil, e tendo em conta o preceituado nas Portarias 263/99, de 12 de Abril, e 291/2003, de 8 de Abril.
Novamente inconformados, as arguidos recorreram para o Supremo Tribunal de Justiça, tendo junto aos autos requerimento por intermédio do qual, “à cautela e em caso de não admissão do recurso (...) interposto para” aquele Supremo, manifestaram a sua intenção de recorrer para o Tribunal Constitucional ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, pretendendo, por intermédio desta «subsidiária» impugnação, que fosse apreciada “a interpretação e aplicação inconstitucional, dada pelo Venerando Tribunal da Relação de Évora, à norma prevista no artigo 11º nº 1 al. a) do Dec.-Lei n.º 454/91 de 18 de Dezembro articulada como artigo 14º do C.P.”, interpretação essa que, no seu modo de ver, era “violadora dos artigos 2º, 3º,
18º, 29º n.º 1, 30º n.º 3 e 32º n.º 1 da C.R.P., em especial dos princípios do Estado de Direito Democrático, da legalidade e da precisão típica, e do princípio da culpa (na medida em que cria uma responsabilidade criminal objectiva, por mero exercício de uma função ou titularidade de uma qualidade), e consequentemente da tutela dos direitos de defesa do arguido”.
Por despacho lavrado em 2 de Dezembro de 2003 pelo Desembargador Relator do Tribunal da Relação de Évora, não foi admitido o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça, igualmente o não sendo o recurso interposto para o Tribunal Constitucional.
Quanto a este último, a sua inadmissão deveu-se, em síntese, à circunstância de se ter entendido que, relativamente à norma vertida na alínea a) do nº 1 do artº 11º do Decreto-Lei nº 454/91, não foi, antes da prolação do acórdão de 14 de Outubro de 2003, suscitada a questão de desconformidade com a Constituição, sendo que os recorrentes dispuseram de oportunidade para efectuar tal suscitação, tendo em conta que a referida norma foi aplicada no acórdão intentado recorrer exactamente com a mesma interpretação que lhe foi conferida na impugnada sentença da 1ª instância e ponderando que, na motivação de recurso, apenas concluíram que a sentença recorrida violava os artigos 29º, nº 1, e 30º, nº 3, da Lei Fundamental.
É deste despacho que, com esteio no artº 77º da Lei nº
28/82, vem deduzida a presente reclamação, brandindo, em súmula, com as seguintes considerações:
- que nos pontos 48 a 68 e nas «conclusões» I a N da motivação de recurso “os Recorrentes anteciparam logo que uma interpretação na linha da que veio a ser consignada no aresto ora Recorrido seria inconstitucional”;
- que o modo como colocaram a questão atinente à norma em causa, “nos termos que então hipotizavam” se deveu ao facto de “não resultar claramente da decisão então recorrida (da 1ª Instância), nem ser então a questão patente, mas apenas a questão subjacente ...”;
- que o problema apenas surgiu quando o acórdão desejado recorrer se limitou a “confirmar a tese subjacente à Sentença de 1ª Instância, omitindo totalmente qualquer pronúncia sobre a questão de inconstitucionalidade que se havia indiciado previamente”;
- que no recurso para o Tribunal da Relação de Évora “os Recorrentes de forma explícita desenvolveram um raciocínio demonstrativo de que a situação com que se confrontavam não se limitava a ser um caso de erro de julgamento, constituindo, ipso facto, e em face da questão vertente, um caso de aplicação de norma violadora da Constituição”.
O Ex.mo Representante do Ministério Público junto deste
órgão de administração de justiça pronunciou-se no sentido da manifesta improcedência da reclamação, “já que os recorrentes não suscitaram - durante o processo e em termos procedimentalmente adequados - qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, idónea para suportar o recurso interposto para este Tribunal - e sendo evidente que a decisão contida no acórdão recorrido, confirmativa da sentença de 1ª instância, não pode seguramente perspectivar-se como ‘decisão- surpresa’, cujo conteúdo insólito e imprevisível dispensasse o atempado e adequado cumprimento dos ónus que incidiam sobre o interessado-recorrente”.
Cumpre decidir.
2. É manifesta a sem razão da vertente reclamação.
Na verdade, como resulta da transcrição, acima levada a efeito, da motivação de recurso para o Tribunal da Relação de Évora, os ora reclamantes não assacaram à forma como, na sentença tirada no Tribunal de comarca de Montemor-o-Novo, foi interpretado o normativo ínsito na alínea a) do nº 1 do artº 11º do Decreto-Lei nº 454/91, o vício de desarmonia com a Lei Fundamental.
Antes se limitaram a pugnar pela circunstância de aquela sentença, ao presumir o dolo dos agentes e “ao baralhar” a exigibilidade, como pressuposto da negligência, com os elementos constitutivos do dolo, ou sejam, a consciência e a vontade, fez uma inaceitável entorse dos princípios da imputação subjectiva e, reportadamente ao arguido D., feriu-o com uma verdadeira responsabilidade pelo exercício de função, pelo que, na sua óptica, a decisão tomada na 1ª instância violou, quanto aos então dois recorrentes, os artigos
13º, 14º e 15º, alínea a), do Código Penal, em conjugação com a alínea a) do nº
1 do artº 11º do Decreto-Lei nº 454/91 e, tocantemente ao mesmo arguido D., os artigos 29, nº 1, e 30º, nº 3, do Diploma Básico.
Isso significa que, na ocasião do recurso interposto para o Tribunal da Relação de Évora, a enfermidade constitucional, surpreendida pelo entendimento dos reclamantes, não foi dirigida a qualquer norma inserta no ordenamento jurídico infra-constitucional (ainda que alcançada ela por recurso a um processo interpretativo), mas sim ao acto consubstanciado na sentença proferida no 2º Juízo do Tribunal de comarca de Montemor-o-Novo. Isto é dizer que foi o juízo fáctico, lógico e subsuntivo levado a cabo por aquela peça processual que foi, ele mesmo, eleito como padecendo do vício de inconstitucionalidade, não se lobrigando em ponto algum da motivação do recurso a imputação de tal vício à forma como teria sido interpretado o normativo em crise.
Neste contexto, e considerando que o aresto intentado recorrer para o Tribunal Constitucional, quanto à forma de entendimento do aludido normativo, em nada divergiu daqueloutra que foi perfilhada na sentença da 1ª instância, há que reconhecer que os agora reclamantes dispuseram de oportunidade processual para colocar em causa a norma da alínea a) do nº 1 do artº 11º do Decreto-Lei nº 454/91 na dimensão interpretativa que eventualmente lhe teria sido dada pela dita sentença.
Não o fizeram, porém, limitando-se a esgrimir com o que acima se veio de dizer, ou seja, assacando à decisão então impugnada uma enfermidade constitucional.
Ora, como se sabe, objecto dos recursos de fiscalização concreta da constitucionalidade são normas jurídicas e não quaisquer outros actos do poder público tais como, verbi gratia, as sentenças judiciais qua tale consideradas, e isso porque a nossa ordem jurídica não acolheu o designado
«recurso de amparo».
Em face do exposto, indefere-se a reclamação, condenando-se os impugnantes nas custas processuais, fixando-se a taxa de justiça em quinze unidades de conta.
Lisboa, 30 de Janeiro de 2004 Bravo Serra Gil Galvão Luís Nunes de Almeida