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Proc. n.º 725/03
1ª Secção Relatora: Maria Helena Brito
Acordam, em conferência, na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
I
1. A. deduziu reclamação, invocando o artigo 688º, n.º 2, do Código de Processo Civil, do despacho do Relator do Supremo Tribunal de Justiça que não admitiu o recurso que pretendia interpor para o Tribunal Constitucional.
2. Resulta dos autos que:
2.1. B. requereu a avaliação fiscal extraordinária de um espaço no ------- e uma sala no ---º andar de um prédio urbano de que era comproprietário, inscrito na matriz predial do Funchal e arrendado para comércio e indústria a A.. Recusada a avaliação, com fundamento em ilegalidade, por despacho do Presidente da Comissão de Avaliação, foi interposto recurso deste despacho por B..
2.2. Por decisão do Juiz do 3º Juízo Cível do Funchal, foi julgado parcialmente procedente o recurso e fixada nova renda.
2.3. Tendo sido interposto recurso de apelação pela arrendatária, esta suscitou nas suas alegações a questão prévia da incompetência absoluta do tribunal. Por sua vez, nas contra-alegações, B. suscitou a questão prévia da irrecorribilidade da decisão do Juiz da Comarca do Funchal.
2.4. O Tribunal da Relação de Lisboa julgou procedente a questão prévia de irrecorribilidade da decisão e não tomou conhecimento do recurso (acórdão de fls. 39 a 41 v.º dos presentes autos de reclamação).
2.5. Inconformada, a arrendatária interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça. Nas alegações então apresentadas (fls. 42 a 50 dos presentes autos), não invocou qualquer questão de inconstitucionalidade.
2.6. Por acórdão de fls. 55, o Supremo Tribunal de Justiça decidiu não admitir o recurso, nos seguintes termos:
“[...]
O recurso é inadmissível. A lei veda o recurso para os tribunais superiores da decisão proferida sobre o recurso da Comissão de Avaliação ainda mesmo quando se discuta não o quantum mas a própria admissibilidade legal da avaliação extraordinária (art. 11 do diploma que aprovou o RAU, § ún. do art. 15 do dec. 37.021, de 48.08.21, na red. do dec. Reg. 1/86, de 02.01, e ac. do Plenário do TC n° 202/99, de 99.04.06). Se admissível fosse, para interpor recurso apenas gozaria de legitimidade processual a arrendatária – além de ser a única parte vencida [...]. Se admissível fosse, o caso julgado admitindo a avaliação fiscal impunha-se pelo que necessariamente improcederia – não seria possível reabrir a discussão sobre a questão da admissibilidade da avaliação fiscal extraordinária. Se admissível fosse a reabertura, a eventual procedência nunca conduziria a nulidade do processo, apenas poderia assentar em erro de julgamento.
[...].”
2.7. Notificada deste acórdão, A.. interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, invocando como fundamento a alínea b) do n.º 1 do artigo 72º
[assim, no original] da Lei do Tribunal Constitucional, para apreciação da inconstitucionalidade da norma “pela qual o Acórdão do STJ, entende ser inadmissível o recurso para os Tribunais Superiores, para discussão da avaliação extraordinária de aumentos de renda, propriamente dita, quer no seu quantum, quer na legitimidade da mesma avaliação”, por violação dos artigos 9º, alínea b), 13º e 18º da Constituição da República Portuguesa (requerimento de fls. 56 e seguintes).
2.8. O Relator, no Supremo Tribunal de Justiça, decidiu não admitir o recurso para o Tribunal Constitucional pelas razões a seguir indicadas (despacho de fls. 59):
“A recorrente não suscitou a questão de inconstitucionalidade de qualquer norma nem, apesar de notificada para o efeito, se pronunciou sobre a questão prévia suscitada pelo recorrido nas suas contra alegações para a Relação e onde a questão da inadmissibilidade do recurso era focada já com referência a jurisprudência inclusive do T.C. Assim, nos termos do art. 72º-1 b) e 2 da LOTC, não se admite o recurso
[...].”
2.9. A. veio deduzir reclamação do despacho de não admissão do recurso, ao abrigo do disposto no artigo 688º, n.º 2, do Código de Processo Civil, através do requerimento de fls. 2 e seguintes, onde sustentou:
“[...]
23º - Ora, salvo o devido respeito e melhor opinião, pensamos que os recorrentes têm legitimidade para exercer o seu direito de recorrer ao Tribunal Constitucional,
24º - art. 72º, nº 1, al. b), daquela Lei e,
25º- uma vez que sempre suscitaram a ilegalidade da avaliação fiscal extraordinária da fixação da renda,
26º - quer em sede de Tribunal de 1ª Instância,
27º- quer em sede de alegações de recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa,
28º - quer ainda em sede de alegações de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça,
29º- igualmente preenchem o requisito de exigibilidade para terem legitimidade para recorrerem «...de modo processualmente adequado perante o Tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer», segunda parte do nº 2, do art. 72°, da Lei acima citada,
30º- pelo que os recorrentes têm legitimidade para recorrerem ao Tribunal Constitucional, das sucessivas não admissibilidades das suas alegações de recurso.
31º - O acesso aos Tribunais a todos deve ser assegurado, bem assim os preceitos constitucionais, no que diz respeito aos direitos, liberdades e garantias, têm aplicação directa,..., art. 20° e 18°, da Constituição da República Portuguesa, respectivamente.
[...].”
2.10. O Relator, no Supremo Tribunal de Justiça, determinou a remessa do requerimento de reclamação para o Tribunal Constitucional, “conquanto mal direccionado e carente de legitimidade processual” (despacho de fls. 18).
3. No Tribunal Constitucional, o Ministério Público emitiu parecer (fls.
61 v.º), do seguinte teor:
“É, desde logo, duvidoso que este Tribunal Constitucional deva pronunciar-se acerca da reclamação deduzida contra a rejeição do recurso de fiscalização concreta interposto, já que tal reclamação é endereçada ao Presidente do STJ e apresentada nesse Tribunal – nada sendo requerido ao Tribunal Constitucional. De qualquer modo – e mesmo que se admita suprido o erro grosseiro da reclamação acerca da competência para dirimir a reclamação – ela configura-se como manifestamente infundada, já que a recorrente não suscitou – podendo perfeitamente tê-lo feito – qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, idónea para servir de base ao recurso que interpôs.”
Cumpre apreciar e decidir.
II
4. O ora reclamante pretendia interpor recurso de constitucionalidade da decisão proferida nos autos pelo Supremo Tribunal de Justiça, com fundamento na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional.
O Relator não admitiu o recurso, por entender que não estavam verificados no caso os pressupostos processuais exigidos pela disposição invocada, designadamente por não ter sido suscitada durante o processo a questão de inconstitucionalidade que o ora reclamante pretende submeter à apreciação do Tribunal Constitucional.
5. Não merece censura o despacho reclamado.
Na verdade, a questão da irrecorribilidade da decisão proferida nos autos pelo Juiz da Comarca do Funchal foi suscitada pelo senhorio B. nas suas contra-alegações de recurso para a Relação de Lisboa (supra, 2.3.). Assim sendo, e para que pudesse ser-lhe reconhecida legitimidade para submeter ao Tribunal Constitucional a questão da inconstitucionalidade da norma que determina tal irrecorribilidade no âmbito do recurso previsto na alínea b) do n.º1 do artigo
70º da LTC, a ora reclamante tinha o ónus de suscitar a questão perante o Supremo Tribunal de Justiça (cfr. ainda o artigo 72º, n.º 2, da LTC).
Sublinhe-se aliás que a ora reclamante não chegou a identificar a norma cuja inconstitucionalidade impugna, nem no requerimento de interposição do recurso para este Tribunal nem sequer no requerimento através do qual deduziu a reclamação contra a não admissão do recurso para o Tribunal Constitucional.
Não tendo sido suscitada de modo processualmente adequado perante o tribunal recorrido a inconstitucionalidade da norma que se pretende submeter à apreciação do Tribunal Constitucional, não podem dar-se como verificados no caso os pressupostos processuais do tipo de recurso interposto.
III
6. Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide indeferir a presente reclamação.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em quinze unidades de conta.
Lisboa, 3 de Dezembro de 2003
Maria Helena Brito Carlos Pamplona de Oliveira
Rui Manuel Moura Ramos