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Processo nº 372/2003
3ª Secção Relatora: Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. A fls. 256, foi proferida a seguinte decisão sumária :
«1. A. (estação televisiva), requereu a suspensão de eficácia da deliberação de
23 de Outubro de 2002 da Alta Autoridade para a Comunicação Social, que concedeu provimento a 'um recurso de B. contra a A. por recusa infundada da transmissão de um texto com o qual pretendia exercer o seu direito de rectificação a comentários produzidos por C., nos dias --- e ---- de ----- de 2002' e, 'nos termos do artigo 57° da Lei n.° 31-A/98, de 14 de Julho, determin[ou] que o texto enviado a A. em 13 de Setembro seja difundido no programa em referência, ou em horas de emissão equivalentes, até 24 horas a contar da data da recepção da presente deliberação, antecedido da referência de que tal transmissão decorre da alta Autoridade para a Comunicação Social' (deliberação constante de fls.9). Por acórdão do Tribunal Central Administrativo de 12 de Dezembro de 2002, de fls. 125 e seguintes, foi indeferido o pedido de suspensão de eficácia, por se ter concluído pela não verificação do requisito constante do artigo 76°, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 267/85, de 16 de Julho. Em tal acórdão afirmou-se, nomeadamente, que ' de qualquer forma, e no que aqui releva, os prejuízos invocados (diminuição de confiança na informação e redução dos shares de audiência) são prejuízos hipotéticos ou eventuais, não resultando qualquer probabilidade de os mesmos ocorrerem com a transmissão do texto imposta pela deliberação que se pretende ver suspensa '. E, a concluir, o Tribunal Central Administrativo afirmou que 'não nos parecem, pois, prováveis os danos alegados, pelo que, não se verificando, desde logo, o requisito da alínea a) do art. 76° da LPTA, fica prejudicado o conhecimento dos restantes, por cumulativos '.
Inconformada, a recorrente interpôs recurso para o Supremo Tribunal Administrativo, o qual, por acórdão de 18 de Março de 2003, constante de fls.
205 e seguintes, lhe negou provimento. Para o que agora releva, o Supremo Tribunal Administrativo disse o seguinte:
'Como a doutrina e jurisprudência deste Supremo Tribunal vêm sublinhando, os requisitos (positivos e negativos) legalmente estabelecidos para a concessão da suspensão de eficácia do acto administrativo – n.° 1 do art.º 76° da L.P.Tª – são de verificação cumulativa (...). Entende-se que aquele preceito estabelece a exigência de uma relação de causalidade adequada entre a execução do acto e os prejuízos irreparáveis ou de difícil reparação daí decorrentes, incumbindo ao requerente, desde logo, concretizar e especificar tais prejuízos e, por outro, alegar factos concretos e determinados que convençam o tribunal de que os mesmos prejuízos são, em geral, segundo o decurso normal das coisas e os ditames da experiência comum, consequência adequada, típica, provável da execução do acto. ' Após transcrever parte do acórdão do Tribunal Central Administrativo, que, como indica, ' depois de enquadrar doutamente o papel da informação, concluiu que os danos que a A. invocou no pedido de suspensão não foram considerados como de difícil reparação', o Supremo Tribunal Administrativo afirmou:
'Como se viu, a A. neste recurso jurisdicional aduz essencialmente que com o presente meio processual visa acautelar a divulgação de um inexistente meio processual que ficaria irremediavelmente comprometido se não for suspensa a determinação da Alta Autoridade, passando a ser nulo o efeito útil do recurso, pelo que, indeferir a providência significaria não dar possibilidade à recorrente de demonstrar que tem razão. Vejamos:
É essencial atentar no acto suspendendo a fim de curar sabe se se mostra concretizada e especificada factualidade que possa considerar-se como prejuízo de difícil reparação. Tal acto traduziu-se, como se viu, em deliberação da AACS no sentido de determinar à ora recorrente que, relativamente ao texto que lhe foi enviado em
13 de Setembro pelo aqui recorrido, seja o mesmo difundido no programa em referência, ou em horas de emissão equivalentes. Seria pois com referência a tal determinação que importaria indagar da verificação do prejuízo de difícil reparação. Ora, não se vê como a divulgação de um tal texto atinente à rectificação de notícia emitida pela estação televisiva recorrente possa corporizar um tal prejuízo o qual, em boa verdade, a recorrente não materializa. Na verdade, a divulgação como a conduta no acto suspendendo, em si mesma, não envolve o reconhecimento de que a ora recorrente incorreu em alguma referência inverídica ou errónea, mas tão só a manifestação de que a mesma acatou o que se encontra legalmente determinado. E, se tal divulgação for acompanhada (como é suposto que o seja, ao menos nada impede que a recorrente assim proceda) da informação/esclarecimento de que o faz em cumprimento de determinação da AACS e que foi questionada pelo meio próprio a legalidade daquela determinação
(nomeadamente quanto aos respectivos pressupostos), não se mostra que tipo de prejuízo (muito menos grave) ocorra na esfera jurídica da ora recorrente. Na verdade, naquele condicionalismo, não poderia existir dano (muito menos irreparável) para a estação televisiva, pois que a qualidade da sua informação não seria colocada gravemente em causa visto que uma versão definitiva sobre os factos se mantém em aberto. Efectivamente, se a AACS entendeu que se justificava a divulgação da rectificação, o Tribunal ao não suspender esse acto não está a dizer que aquela entidade o tenha feito acertadamente, mas apenas que da divulgação da rectificação não derivam danos irreversíveis, nos termos enunciados. Uma tal sorte de prejuízo apenas seria configurável se se mostrasse tutelado pela ordem jurídica um absoluto, irrestrito e insindicável direito à divulgação de qualquer notícia (mesmo que em jeito de comentário), o que, manifestamente, e para o que agora interessa, o texto constitucional, desde logo, repudia como se alcança do seu artº 37° (n.° 4), conjugado com a alínea a) do n.º 2 do art.º 38º donde decorre que também o direito de rectificação goza do estatuto de direito fundamental, como evidencia o Ministério Público no seu parecer.
À luz do que acaba se de expor, jamais se pode afirmar que passa a ser nulo o efeito útil do recurso, bem pelo contrário, pois que o meio principal (e não o presente meio acessório da suspensão de eficácia) é o adequado a indagar, nomeadamente, da veracidade dos pressupostos da determinação suspendenda isto é, se haveria, ou não, lugar a alguma rectificação, pelo que nunca o indeferimento da providência significaria não dar possibilidade à recorrente de demonstrar que tem razão. Como são de verificação cumulativa os requisitos legalmente estabelecidos para a concessão da suspensão de eficácia do acto administrativo, como já referido, a conclusão que se extraiu quanto à não verificação do requisito a que se refere a alínea a) do n.º 1 do artº 76° da L.P.T.A., na linha do decidido, prejudica qualquer outra indagação relativamente aos demais requisitos'.
2. Novamente inconformada, a recorrente interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do artigo 70°, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, invocando o seguinte :
'(...)
3° Desta jurisprudência resulta o entendimento da alínea a) do n.º 1 do artigo 76° da LPTA no sentido de que, em face da natureza de direito fundamental que tem o direito de rectificação, deliberado pela AACS que se justifica a divulgação de determinada rectificação, nunca se verifica um prejuízo de difícil reparação para os efeitos de tal preceito legal, considerando que nada impede que tal divulgação seja acompanhada de uma divulgação esclarecimento.
4° Ressalvado o devido respeito, tal entendimento viola a garantia constitucional consagrada no artigo268º, n.º 4, da CRP, que assegura aos administrados uma tutela jurisdicional efectiva que implique a adopção de medidas cautelares adequadas, como justamente se assinala no voto de vencido proferido nos autos.
5° Esta questão de constitucionalidade não tinha ainda sido suscitada, porque não tinha ainda o recorrente sido confrontado com o entendimento em apreço, não podendo prever que o mesmo viesse a ser adoptado. '
O recurso foi admitido, por decisão que não vincula este Tribunal (n° 3 do artigo 76° da Lei n° 28/82).
3. Convidada, nos termos do despacho de fls. 249, 'a definir com precisão a norma, contida no preceito legal que indica, cuja inconstitucionalidade pretende que o Tribunal Constitucional aprecie, a recorrente veio dizer que 'o entendimento normativo (...) cuja declaração de inconstitucionalidade é pedida resulta da conjugação do artigo 76° n.º 1 a) da L.P.T.A com os artigos 53° n.ºs
1 e 2, 55° n.° 1 e 56° n.ºs 3 e 6 da Lei 31-A/98, de 14 de Julho, interpretados no sentido de que, em face de uma deliberação da AACS que determine a divulgação, por uma estação de televisão, de um texto emitido como direito de rectificação, nunca há susceptibilidade de se verificar um prejuízo de difícil reparação para os efeitos de um pedido de suspensão de eficácia de um acto administrativo recorrido”.
4. A definição do objecto do recurso, feita pela recorrente, conduz a que o Tribunal Constitucional não possa dele tomar conhecimento. Independentemente de saber se pode ou não considerar-se oportunamente suscitada a inconstitucionalidade (cfr. al. b) do n.º 1 do artigo 70° da Lei n° 28/82) e se a recorrente poderia alterar a indicação dos preceitos legais, feita no requerimento de interposição de recurso, a verdade é que o acórdão recorrido não interpretou nem aplicou a alínea a) do n.º 1 do artigo 76° da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos com o sentido considerado inconstitucional. Não é exacto que, para indeferir a suspensão requerida, o Supremo Tribunal Administrativo tenha entendido, em abstracto, que uma deliberação da Alta Autoridade para a Comunicação Social que determine a divulgação de uma rectificação é insusceptível de provocar um prejuízo de difícil reparação, para o efeito de poder ser decretada a suspensão de eficácia de tal deliberação. Diferentemente, o que levou o Supremo Tribunal Administrativo a indeferir o pedido foi a consideração de que, no caso concreto, não poderia existir tal prejuízo para a requerente. Com efeito, e após afirmar o critério legalmente fixado no n.º 1 do referido artigo 76° – 'aquele preceito estabelece a exigência de uma relação de causalidade adequada entre a execução do acto e os prejuízos irreparáveis ou de difícil reparação daí decorrentes, incumbindo ao requerente, desde logo, concretizar e especificar tais prejuízos e, por outro, alegar factos concretos e determinados que convençam o tribunal de que os mesmos prejuízos são, em geral, segundo o decurso normal das coisas e os ditames da experiência comum, consequência adequada, típica, provável da execução do acto” –, o Supremo Tribunal Administrativo passou a analisar o caso concreto, pois que “é essencial atentar no acto suspendendo a fim de curar saber se se mostra concretizada e especificada factualidade que possa considerar-se como prejuízo de difícil reparação'. E, considerando que o acto suspendendo é a já referida deliberação da Alta Autoridade para a Comunicação Social, o acórdão recorrido, após a correspondente análise, concluiu que 'naquele condicionalismo, não poderia existir dano (muito menos irreparável) para a estação televisiva (...)”. A análise do caso concreto seria inútil – e até contraditória - se o Supremo Tribunal Administrativo tivesse interpretado a alínea a) do n.º 1 do artigo 76° da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos com o sentido que a recorrente acusa de ser inconstitucional.
5. É certo que, após a análise do caso, o acórdão recorrido afirma que 'uma tal sorte de prejuízo apenas seria eventualmente configurável se se mostrasse tutelado pela ordem jurídica um absoluto, irrestrito e insindicável direito à divulgação de qualquer notícia (...), o que, manifestamente, e para o que agora interessa, o texto constitucional, desde logo, repudia como se alcança do seu artº 37° (n.º 4), conjugado com a alínea a) do n.º 2 do art° 38º, donde decorre que também o direito de rectificação goza do estatuto de direito fundamental
(..)”. Esta afirmação – que poderia sustentar-se numa interpretação como a que a recorrente acusa de ser inconstitucional –, todavia, surge, no contexto do acórdão, claramente, como reforço de argumentação, e não como fundamento da decisão, já justificada pela análise das circunstâncias do caso. Basta observar que a sua falta em a nada alteraria. E, em rigor, não se pode considerar que, ao fazer tal consideração, o Supremo Tribunal Administrativo esteja a interpretar a lei; diferentemente, está a fazer uma avaliação da possibilidade de este tipo de decisões ser causa adequada de um prejuízo irreparável. Dizer que a decisão da Alta Autoridade para a Comunicação Social não causou prejuízos irreparáveis nem poderia causá-los não é fazer um juízo de interpretação da lei. Isto significa que, ainda que tal afirmação se pudesse considerar o fundamento principal do Acórdão recorrido, esse juízo seria insindicável pelo Tribunal Constitucional.
6. A alínea a) do n.º 1 do artigo 76° da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos não foi, pois, interpretada e aplicada ao caso dos autos com o sentido que a recorrente acusa de ser inconstitucional. Seria, pois, inútil o julgamento do recurso de constitucionalidade, já que nenhuma repercussão teria na decisão recorrida.
Deste modo, não pode o Tribunal Constitucional conhecer do objecto do recurso, interposto ao abrigo da alínea b) do n° 1 do art. 70° da Lei n° 28/82 (cfr., por exemplo, os Acórdãos nºs 311/94, 187/95 e 366/96, publicados no Diário da República, II Série, respectivamente, de 1 de Agosto de 1994, 22 de Junho de
1995 e de 10 de Maio de 1996).
7. Estão, pois, reunidas as condições para que se proceda à emissão da decisão sumária prevista no n.º 1 do artigo 78°-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro.
Assim, decide-se não conhecer do objecto do recurso. Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 6 ucs.»
2. Inconformada, a recorrente reclamou para a conferência, ao abrigo do disposto no nº 3 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82, pretendendo a revogação da decisão sumária. Em síntese, a ora reclamante vem sustentar que a norma cuja apreciação pretende foi efectivamente aplicada, como ratio decidendi, pelo acórdão recorrido, concluindo no sentido de que “o entendimento da alínea a) do n.º 1 do art. 76º da LPTA, devidamente conjugados com os preceitos da Lei 31-A/98 acima apontados, no sentido exposto, foi efectivamente apontado pelo acórdão recorrido, sendo inconstitucional, integrando o cerne do raciocínio lógico/jurídico da decisão e tendo manifestamente repercussão na decisão recorrida”. Respondendo, B. pronunciou-se no sentido do indeferimento da reclamação. A ALTA AUTORIDADE PARA A COMUNICAÇÃO SOCIAL não respondeu.
3. A reclamação não apresenta qualquer argumento que não tenha sido analisado na decisão reclamada, não se mostrando, assim, necessário acrescentar nenhum fundamento ao que então se disse para justificar o não conhecimento do objecto do recurso.
Nestes termos, decide-se indeferir a reclamação, confirmando a decisão de não conhecimento do recurso.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 15 ucs.
Lisboa, 3 de Dezembro de 2003
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Bravo Serra Luís Nunes de Almeida