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Proc. n.º 101/03
3ª Secção Relator: Cons. Gil Galvão
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
I – Relatório.
1. Por decisão sumária de 13 de Março de 2003 deste Tribunal Constitucional, foi decidido não tomar conhecimento do objecto do recurso interposto por A. (ora reclamante), condenando-o em custas.
2. Notificado desta decisão, veio o ora reclamante, em 31 de Março de 2003, denunciar ao juiz relator, nos termos do n.º 3 do artigo 128 do Código do Processo Civil (CPC), um fundamento de suspeição. Não tendo o juiz querido fazer uso da faculdade concedida pelo artigo 126º do CPC, veio o ora reclamante, em 30 de Abril de 2003, suscitar o incidente de recusa de juiz, o qual foi deferido pelo Acórdão n.º 279/2003, de 28 de Maio.
3. Transitada em julgado esta decisão e notificado da conta de custas relativa à decisão sumária, veio o ora reclamante aos autos, em 11 de Julho de 2003, apresentar “Reclamação ao abrigo do art. 60º do Código das Custas Judiciais”, nos seguintes termos:
“I. Da ilegalidade da remessa dos autos à conta A. Nos termos, conjugadamente, dos artigos 50.º e 51.º do Código supramencionado
(que também a Secretaria desse Alto Tribunal deve observar), são remetidos à conta apenas os processos: (i) que impliquem o pagamento de custas, por trânsito em julgado da decisão final; (ii) que se encontrem suspensos, se tal for judicialmente determinado; (iii) que estejam parados há mais de 3 meses por falta das partes. Ora, B. como é bom de ver, nenhuma destas situações ocorre in casu. Começando pela ordem inversa: i) nos autos em questão foi proferida uma decisão colegial em Maio último, pelo que, obviamente, não se encontram os mesmos parados há 3 meses; ii) pelo menos desde a prolação do acórdão supramencionado, não foi nesses autos decretada - que o Recorrente saiba - a suspensão da instância; e, iii) o processo em causa não só não implica o pagamento de custas, como nem sequer foi nele proferida decisão final. Apreciar-se-á em pormenor, de seguida, este duplo aspecto do caso. C. Ao 'deferir o presente incidente de suspeição' (sic), tem o Acórdão de
28-V-2003 nos pendentes autos o irrecusável mérito de atestar, implícita mas inequivocamente, que o decisão “sumária' do ex-Relator constitui um acto judicial a non domino, demais a mais vertida num quadro .jurisdicional de aferição de valores supralegais: constitucionais e eurocomunitários, perfeitamente concordantes, em sede da garantia fundamental ao processo judicial equitativo (tendo aliás sido nesse aresto expressamente declarada ”prejudicada a decisão quanto à questão pré-judicial” adrede suscitada pelo R.). Vale isto por afirmar que tal despacho, porquanto violando ostensivamente os comandos do art.
203.º, in fine, e, sobretudo, do art. 204.º da Constituição vigente, constitui - em virtude do preceituado no n.° 3 do art. 3.º outrossim da Lei Fundamental pátria - um acto judicial nulo ipso jure. D. Nessa exacta medida., o decisão unipessoal em questão é do conhecimento oficioso por qualquer tribunal - desde logo, necessariamente, no Alto Tribunal da causa -, podendo ser invocada a todo o tempo por qualquer interessado (art.
286º, ex vi do 295º, do Código Civil). Consequentemente, E. deveria in casu ter sido oficialmente designado novo Relator no processo, e desse acto notificadas as partes na acção. O Recorrente, pela sua parte, não foi disso notificado: é esse Alto Tribunal, portanto, que se encontra em mora. II. Da inconstitucionalidade da tributação em custas do processo F. Da certidão da conta notificada flui claramente que as custas aí contadas decorrem da aplicação no caso do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7/X, diploma “legal” esse cujos preceitos de natureza tributária são, consabidamente, 'materialmente inconstitucionais, aliás por duas ordens' de razões: i) por violação do principio fundamental (de raiz eurocomunitária) da gratuitidade do processo judicial; e ii) por violação do princípio fundamental do Estado de direito democrático, sobretudo do inerente subprincípio da reserva de lei', conforme o Recorrente demonstra, justamente, nas suas alegações de recurso no Proc. n.º
26/2002 também dessa 3.ª Secção do Tribunal Constitucional. Consequentemente, G. também - recte: muito principalmente - por isso nenhum pagamento de custas existe, validamente, pendente no presente processo. Termos por que REQUER seja, como deve ser, sucessivamente declarada nestes autos a nulidade de pleno direito: a) da decisão sumária proferida pelo ex-Relator; h) do acto administrativo de remessa do processo à conta; c) da notificação da conta efectuada pela Secretaria, a fim de ser outrossim devidamente notificada ao Recorrente, logo que oportuno, a designação de novo Relator, em ordem ao prosseguimento do recurso de que se trata. [...]”
4. Notificado para responder, disse o Ministério Público:
“Visto. A remessa à conta surge como consequência da decisão final proferida nos autos, fls. 230 a 236, a qual, revestindo a natureza de decisão sumária, não foi objecto de reclamação, sendo que a procedência do incidente de suspeição, porque suscitado em momento ulterior ao daquela decisão, não colide com a sua validade formal e substancial.”.
5. Proferiu então o relator o despacho de fls.250, indeferindo o requerido, nos seguintes termos:
“O Recorrente veio reclamar, ao abrigo do disposto no artigo 60º do Código das Custas Judiciais, alegando a “ilegalidade da remessa dos autos à conta” e a
“inconstitucionalidade de tributação em custas do processo”. Em relação ao primeiro ponto, como decorre da jurisprudência deste Tribunal Constitucional, fixada no Acórdão n.º 519/97, um requerimento de arguição de suspeição não tem qualquer efeito suspensivo do prazo para reclamar de uma decisão entretanto já proferida. Assim sendo, tendo sido proferida, neste processo, decisão sumária e não tendo esta sido reclamada no prazo legal, transitou a mesma em julgado, pelo que, nos termos do artigo 51º do Código das Custas Judiciais, deveria, como foi, ser o processo remetido à conta. O requerimento apresentado é, neste ponto, totalmente destituído de fundamento. No que se refere à questão de inconstitucionalidade, também improcede a alegação do Recorrente. De facto, não só não se vislumbra qualquer inconstitucionalidade por violação de um denominado “princípio fundamental (de raiz eurocomunitária) da gratuitidade do processo judicial”, que o Recorrente invoca sem, todavia, identificar, mas também, conforme já se demonstrou em inúmeros acórdãos deste Tribunal (cfr., nomeadamente, os Acórdãos n.ºs 38/2000, 48/2000, 101/2000,
278/2000 e 9/2001, disponíveis na página Internet do Tribunal Constitucional, no endereço http://www.tribunalconstitucional.pt/jurisprudencia.htm), para cuja fundamentação se remete, o Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de Outubro não padece de qualquer inconstitucionalidade orgânica ou material. Nestes termos, vai indeferida a reclamação.”
6. Inconformado, veio o ora reclamante de novo aos autos, ao abrigo do disposto no artigo 78º-B, n.º 2, da LTC, agora para reclamar do despacho do relator para a Conferência, com um requerimento do seguinte teor:
“I. A decisão reclamada. Delimitação do âmbito da reclamação. Impugnado é pelo presente acto o Despacho de 26 de Setembro último, nos termos do qual veio «indeferida a reclamação» pelo signatário deduzida por requerimento de 10 de Julho transacto «ao abrigo do art. 60º do Código das Custas Judiciais»
- taxativamente entendida, na síntese preambular, como fundada na “ilegalidade da remessa dos autos à conta” e na 'inconstitucionalidade de tributação em custas do processo' -, mais precisamente, a decisão nele tomada «em relação ao primeiro ponto» despachado, conclusiva de que:
«como decorre da jurisprudência deste Tribunal Constitucional, fixada no Acórdão n.º 519/97, um requerimento de arguição de suspeição não tem qualquer efeito suspensivo do prazo para reclamar de uma decisão entretanto já proferida. Assim sendo, tendo sido proferida, neste processo, decisão sumária e não tendo sido reclamada no prazo legal, transitou a mesma em julgado, pelo que, nos termos do artigo 51º do Código das Custas Judiciais, deveria, como foi, ser o processo remetido à conta. O requerimento apresentado é, neste ponto, totalmente destituído de fundamento» (sic, normando do R.). II. Fundamento do presente requerimento A. A. praxe canónica generalizadamente observada nas decisões judiciais da indicação de arestos de tribunais superiores declaradamente versando a mesma questão decidenda observa, na actualidade, o ditame do art. 8º, nº 3, do Código Civil, que manda o julgador ter em consideração «todos os casos que mereçam tratamento análogo, a .fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito». Ora, B. no caso sub judice, haverá todavia que dizer desde já que a questão julgada no Acórdão nº 519/97 citado não se identifica com a presente, ou, melhor dito, que a correlativa situação factual não é integralmente coincidente com a que aqui se encontra na base do incidente processado. Na realidade, a descrição da matéria de facto determinante da prolação daquele Acórdão revela que além a parte processual em causa deduziu «incidente de suspeição», também no Tribunal Constitucional, «protest(ando} juntar certificado do registo (de denúncia-crime), junção essa que... não foi feita», não se tendo por isso o Alto Tribunal judicante daqueloutro processo dignado, patentemente, emitir pronúncia sobre o incidente dessarte inconsequentemente suscitado, enquanto que nestes autos, muito pelo contrário, foi com data de 28-V-2003 tirado o Acórdão n.º
279/2003, nos termos do qual epilogativamente se decide «deferir o presente incidente de suspeição» (sic). Por consequência, C. sendo assim perfeitamente claro que o Acórdão de 1997 citado e o Despacho reclamado não julgam casos análogos, resulta já incontroverso que nunca poderia aquele aresto servir, validamente de fundamento ao segmento decisório in casu impugnado. Falta demonstrar, no entanto, além de que a invocada fundamentação jurisprudencial de todo não colhe, que em nenhum fundamento jurídico-legal válido assenta, em todo o caso, o Despacho sob reclamação. A essa preceituada demonstração se procederá em seguida, após uma brevíssima referência histórica, convindo à argumentação aduzenda, sobre as fontes do direito - adjectivo vs. substantivo - essencialmente em questão. D. A reforma do estatuto jurídico do processo civil operada pelos Decretos-Leis n.º 329-A/95, de 12/XII, e n.º 180/96, de 25/IX, deixou praticamente inalterado o regime 'da competência e das garantias da imparcialidade' que forma o Livro II do Código de Processo Civil - ainda vigente - aprovado pelo Decreto-Lei n.º 44
129, de 28-XII-1961, na elaboração do qual, impondo-se a revisão do Código de
'39 então vigorante, se optara «por proceder a uma reformulação que, embora substancial e profunda de diversos institutos, não culmina na elaboração de um Código totalmente novo», tendo sido respeitada, «na medida do possível, a ordenação sistemática das matérias e a própria localização do articulado» do compêndio legislativo aprovado pelo diploma de 28-V-1939 que, por seu turno, revogara o primeiro Código de Processo Civil português, projectado por Seabra, publicado em 1876 a pôr termo nesse sector processual à Novíssima Reforma Judiciária, de 1841 - sob a égide da Constituição Setembrista de 1838 -, a terceira e última da série através da qual o Liberalismo tratara de aperfeiçoar, inclusivamente, o Livro III das Ordenações Filipinas regulando a matéria. Sendo certo que o Código de 1961 tampouco alteraria de modo relevante o articulado do referido instituto precedente, forçoso será concluir que o regime jusprocessual civil das garantias da imparcialidade actualmente em vigor corresponde no essencial ao introduzido em 1939 na esteira do «famoso Decreto n.º 12 353, de 22 de Setembro de 1926, que assinala o começo da reacção legislativa contra o descrédito da justiça a que conduzira o sistema anterior», contra o «antigo direito adjectivo, todo decalcado sobre os postulados fundamentais do liberalismo individualista, (que) já não correspondia às exigências dos tempos modernos», à luz então dos «princípios proclamados pelos processualistas italianos na sequência das novas correntes de ideias e que da Itália rapidamente se propagaram às restantes legislações de tipo continental» (sic: citada a Lei Preambular do Decreto-Lei n.º 44 129). Nesta perspectiva, . E. não será muito de estranhar que o legislador ordinário positivamente não considere impedido da função o juiz que fez instaurar acção-crime contra a parte no processo que lhe compete julgar, ou até que o magistrado nessa situação peculiar não deva obrigatoriamente pedir escusa, nem escusar-se, aceitar a recusa, se averbado de suspeito, desde logo quando notificado para o efeito pelo sujeito processual em causa, tal como não se estranhará tanto que o instituto das garantias da imparcialidade do juiz (Cap. VI) surja daí colaço do instituto das garantias da competência judiciária (Cap. V). Trata-se, enfim, de um corpo legislativo disciplinador do exercício de uma das primeiras funções que o Estado avocou a si, a função judicial, de inspiração marcadamente autocrática, relevando ainda de uma recuada concepção ideológico-política segundo a qual os tribunais, ou (indistintamente) os juizes seus titulares, representam o prius, só depois tomando lugar na cena político-social os populares clientes - a freguesia dispersa - daqueles, os seus súbditos (indignos sujeitos que, por sinal, nem poderão dirigir-se em pessoa, por via de regra, a essa beatífica casta de semidivindades terrenais: haverão que fazer-se forçadamente substituir, a expensas suas, por oficiantes togados, oradores profissionais). Neste contexto, parece lógico que as decisões tomadas pelo julgador basicamente competente: o 'juiz natural', apesar de ciente e consciente ele próprio de que réu da suspeição, virtual ou actual, de não imparcialidade, sejam em princípio todas tidas por válidas: constituem actos duma soberania tradicional, expressam a vontade indómita dum clássico príncipe. Porém, F. hoje em dia, na República Portuguesa no dealbar do século XXI, a questão decidenda já não pode ser vista, decisivamente, por essa óptica contra-iluminista de antanho, segundo a baça perspectiva dum Código prestes a atingir a 'terceira idade', um nesse capítulo desfasadíssimo diploma que deu corpo de lei adjectiva a um movimento social de pulsão militar que há três quartéis bem contados começou a fazer a sua época mas que entretanto passou à História. A inspiração - a realidade - jurídico-política, na verdade, é presentemente muito outra neste Portugal pós-1974. Desde 1976, 2 de Abril, efectivamente, que vigora uma Constituição da República com o papel de instauradora do Estado democrático baseado, entre outros valores, no respeito e na garantia dos direitos fundamentais, que logo o art. 16º, n.º 2, manda interpretar e integrar de harmonia com a Declaração Universal dos Direitos do Homem - designadamente, portanto, o direito fundamental de acesso aos tribunais para defesa dos seus direitos que a todos é assegurado no art. 20º, nº 1 -, artigo que após a Reforma Constitucional (4ª) de 1997, 20 de Setembro, contemplará, no n.º 4, o direito de todos a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão «mediante processo equitativo», direito processual fundamental este a ser interpretado, necessariamente, no quadro do art. 10º da Declaração Universal de 10-XII-1948, consagrador do direito de toda a pessoa a que a sua causa seja «equitativa e publicamente julgada por um tribunal independente e imparcial», ademais direito fundamental este de toda a pessoa - o primus, no espaço da Justiça do Estado de direito democrático, passou definitivamente a ser o homem e cidadão justiçável - a um tribunal independente e imparcial que, estatuído também no art. 6º, n.º1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, de novo a República Portuguesa, mediante aprovação solene daquele convénio no Parlamento por Lei de 1978, 13 de Outubro, outorgaria aos seus cidadãos, Convenção dos Direitos do Homem, aliás, que, recepcionada pelo art. 6º, n.º 2, do Tratado da União Europeia que o Estado Português integra de pleno direito ab initio: 1993, 1 de Novembro, vigora directamente na ordem interna outrossim por força do art. 8º, nº 3, também da Constituição da República Portuguesa. Ora, G. no plano deste estado avançado, justamente, dos direitos civis vigorando em Portugal na actualidade, mostra-se agora bem claro, por certo, que não é, no caso, o mero facto da interposição de «um requerimento de arguição de suspeição»
(como o foi na economia do Ac. n.º519/97) o relevante, mas sim que um tal requerimento foi neste processo devidamente objecto de pronúncia, através de Acórdão - o n.º 279/2003 - decidindo «deferir o presente incidente de suspeição», o que vale por declarar a suspeita do recusante de todo bem fundada e, por conseguinte, que o Juiz recusado fora legitimamente arguido por este de não imparcial: parcial, portanto, condição necessariamente verificada a partir do momento em que tendo-lhe sido distribuído o pendente processo principal o recusando se propôs sem embargo nele intervir, como efectivamente interveio. Por consequência, H. demonstrado está que a decisão sumária da lavra do primeiro Juiz Conselheiro Relator nos presentes autos, datando de 13-III-2003, consuma um acto judicial a non domino, perpetrado em violação deliberada do direito processual fundamental a um tribunal independente e imparcial assistindo no caso ao Reclamante - tanto directamente (ut supra), como constitucionalmente, por força do consignado quer no art. 16º, n° 1, quer no art. 17º da Lei Básica, porquanto de direitos fundamentais internacionais de natureza análoga a direitos e garantias constitucionais se trata -, ou seja: um acto flagrantemente ofensivo da norma do art. 204º da Constituição, que, por via disso, mercê do preceituado no art. 3º, n° 3, também da Lei Fundamental, é absolutamente inválido, nulo ipso jure. E, I. sendo o regime de tal nulidade, naturalmente, o estabelecido no art. 286º do Código Civil, não só ao Relator substituto cumpria desde logo declará-la de oficio quanto à decisão sumária invalidamente autuada – para, acto contínuo, decidir sobre a causa julganda, eventualmente subscrevendo nova decisão ou, inclusive, simplesmente ratificando a primitiva, em todo o caso acto a notificar ao interessado -, como detém este processualmente o direito de invocar a todo o tempo tal invalidade, com todas as legais consequências. Termos por que, fazendo no caso, como sói, sã e inteira justiça, esse Tribunal Supremo: i) revogará o Despacho reclamado, ii) consequentemente declarando a nulidade da Decisão Sumária antecedente, iii) com todos os devidos efeitos legais .[...]”
7. Notificado, o recorrido nada disse, tendo o representante do Ministério Público junto deste Tribunal tido vista do processo.
Dispensados os vistos, cumpre decidir.
II. Fundamentação
8. O ora reclamante impugna o Despacho de 26 de Setembro último, “mais precisamente, a decisão nele tomada «em relação ao primeiro ponto» despachado”, isto é, quanto à “ilegalidade da remessa dos autos à conta”, conformando-se com a demonstração de que o Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de Outubro, não padece de qualquer inconstitucionalidade orgânica ou material.
Esta reclamação é, porém, em relação ao referido “primeiro ponto”, improcedente.
Com efeito, como se ponderou já na decisão reclamada e agora se reitera, é jurisprudência deste Tribunal Constitucional, fixada no Acórdão n.º 519/97, tirado num processo em que o recorrente era o mesmo, que um requerimento de arguição de suspeição não tem qualquer efeito suspensivo do prazo para reclamar de uma decisão entretanto já proferida. E é manifesto que tal jurisprudência é inteiramente transponível para os presentes autos, uma vez que, no que ora releva, a situação de facto é idêntica – falta de reclamação de decisão já proferida - e a sua razão para decidir que existe trânsito em julgado, com as inerentes consequências num caso e noutro, é a mesma - isto é: “não tendo sido apresentada no prazo legal qualquer reclamação [...], e não tendo o referido requerimento de arguição de suspeição qualquer efeito suspensivo do prazo de dez dias (cfr. o artigo 153º do Código de Processo Civil) para uma tal reclamação, verifica-se que o mencionado Acórdão [no caso, a mencionada decisão sumária] deste Tribunal [...] já transitou em julgado”.
Ora, no caso dos autos, o ora reclamante também não apresentou qualquer reclamação da decisão sumária proferida em 13 de Março de 2003 e notificada em
14 do mesmo mês e ano, pelo que, conforme resulta da jurisprudência citada, esta transitou em julgado, estando esgotado o poder jurisdicional deste Tribunal quanto à presente causa. Assim sendo, não existe qualquer ilegalidade na remessa dos autos à conta. Aliás, refira-se, o ora reclamante também nunca questionou o conteúdo daquela decisão, vindo, apenas, em 11 de Julho de 2003, reclamar, ao abrigo do artigo 60º do Código das Custas Judiciais, contra uma alegada ilegalidade da referida remessa dos autos à conta.
Agora, refutando argumentação entretanto aduzida pelo reclamante, apenas se acrescentará, que, não estando o juiz recusando legalmente impedido, se, conforme se escreveu no Acórdão 279/2003, “contudo, ocorrer alguma das situações previstas no termos do artigo 127º do Código de Processo Civil e a parte que tenha legitimidade para o efeito opuser a suspeição, não há que avaliar se tal situação é ou não apta a fazer perigar a imparcialidade do juiz; a oposição de suspeição ou o pedido de escusa devem, salvo os casos previstos no n.º 3 do citado artigo 127º, ser deferidos, evitando-se, assim, que o juiz seja colocado numa situação em que se possa duvidar da sua imparcialidade, mas não se formulando, de modo algum, qualquer juízo de censura ou suspeita em concreto”
(sublinhados nossos).
Ora, tendo sido já proferida, ao tempo da suscitação do incidente de suspeição, a decisão final sobre o processo e não correspondendo o deferimento da suspeição a um qualquer juízo de censura ou suspeita em concreto, não poderia tal deferimento ter qualquer eficácia sobre uma decisão já proferida, não reclamada e, entretanto, também já transitada.
III. Decisão
Nestes termos, decide-se indeferir a presente reclamação. Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 15 (quinze) unidades de conta.
Lisboa, 19 de Novembro de 2003
Gil Galvão Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Luís Nunes de Almeida