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Proc. n.º 796/03
3ª Secção Relator: Cons. Gil Galvão
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
I – Relatório.
1. Inconformado com o acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 27 de Fevereiro de 2003 (fls. 432 e sgs.), que rejeitou o pedido de condenação dos réus a reconhecerem a dominialidade pública municipal de determinado logradouro, o Município de Tabuaço, ora reclamante, pretendeu, após tentar um recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, que não foi admitido, dele recorrer para o Tribunal Constitucional, através de requerimento que tem o seguinte teor:
“[...] O Município de Tabuaço, [...] não se conformando .com o douto acórdão proferido por essa Relação e com o despacho do Senhor Presidente do Supremo Tribunal de Justiça sobre a reclamação quer lhe foi dirigida, vem deles interpor recurso para o Tribunal Constitucional. O recurso é interposto ao abrigo da alínea b) do n.º1 do artigo 70º da LTC e pretende-se a apreciação da inconstitucionalidade material da norma contida no n.º 4 do art.º 678º do C.P.C., nos termos em que deduziu essa inconstitucionalidade na reclamação que apresentou e fez seguir para o Senhor Presidente do Supremo Tribunal de Justiça acerca do indeferimento do requerimento que interpunha o recurso ampliado de revista. Consideram-se violados os artºs. 9º - alínea h), 13º, nºs. 1 e2; 18º - n.º 2; 20 – nºs. 1,4 e
5; 26º - nº.1 in fine e 84 – nº.1, alínea f), todos da C.R.P..
[...]”
2. O recurso não foi, porém, admitido, por decisão do Ex.mo Desembargador Relator do processo no Tribunal da Relação de Porto, que se fundou, para tanto, na seguinte argumentação:
“O Município de Tabuaço recorre do acórdão proferido a fls 432 e ss para o S.T.J., não tendo o recurso sido admitido – fls 463 e 464. Deste despacho reclamou para o Ex.mo Presidente do S.T.J., tendo a reclamação sido indeferida. Vem o recorrente/reclamante dizer que se não conforma nem com o acórdão nem com o despacho do Ex.mo Presidente do S.T.J., pretendendo dele interpor recurso para o T.C., dizendo que “o recurso é interposto ao abrigo da al. b) do n.º 1 do art.
70º da L.T.C. e pretende-se a apreciação da inconstitucionalidade material da norma contida no n.º 4 do art.º 678º do C.P.C., nos termos em que deduziu essa inconstitucionalidade na reclamação que apresentou e fez seguir para o Senhor Presidente do Supremo Tribunal de Justiça acerca do indeferimento do requerimento que interpunha o recurso ampliado de revista.” Cumpre decidir. Dispõe o art. 76º, n.º 1 da Lei 28/82, de 15.11, que “compete ao Tribunal que tiver proferido a decisão recorrida apreciar a admissão do respectivo recurso”. Daqui parece decorrer a necessidade de duas decisões de apreciação do recurso para o T.C., dado que o recorrente pretende, por um lado, recorrer do acórdão e, por outro, do despacho do Ex.mo Presidente do S.T.J., isto é, uma proferida por este Magistrado e outra por nós. Teoricamente, o recurso do acórdão é possível, como decorre do art. 75º, n.º 2 da citada Lei, com a alteração da Lei 13-A/98, de 26.2. Com efeito, nesta norma se dispõe que “interposto recurso ordinário, mesmo que para uniformização de jurisprudência, que não seja admitido com fundamento em irrecorribilidade da decisão, o prazo para recorrer para o Tribunal Constitucional conta-se do momento em que se torna definitiva a decisão que não admite recurso”. Assim, encontra-se o recorrente em prazo – cfr. n.º 1 do art.75º. Vejamos, agora, se, em concreto, é admissível o recurso. Funda-se o recorrente na al. b) do n.º 1 do art. 70º da Lei, que diz caber recurso para o T.C. das decisões que apliquem normas cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo. O que não aconteceu relativamente ao acórdão, visto que, até ser proferido, não havia nos autos sido suscitada a inconstitucionalidade de qualquer norma que nele se haja aplicado. Desta forma não admito o recurso para o T.C. do acórdão proferido nos autos. Sem custas por o recorrente estar isento. Notifique. Como subsiste o recurso para o T.C. do despacho proferido sobre a reclamação que não admitiu a revista, desentranhe a dita reclamação e remeta-a ao Ex.mo Conselheiro-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça
[...]”
3. Inconformado com esta decisão que não lhe admitiu o recurso para o Tribunal Constitucional, apresentou o ora reclamante a presente reclamação, que fundamentou nos seguintes termos:
“[...] nos autos de apelação n.º 646/03-3 que correm por este Tribunal da Relação; não lhe tendo sido admitido o recurso para esse Venerando Tribunal, por despacho do Senhor Dr. Juiz Relator, vem do referido despacho reclamar para V. Ex.ª com os seguintes fundamentos: No seu despacho o Senhor Juiz Relator, não aceitou o recurso para esse Tribunal dos presentes autos, com o fundamento de que nas alegações que neles foram apresentadas não haveriam sido suscitadas questões constitucionais. Por seu lado determinou que a reclamação que se havia feito para o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça lhe fosse devolvida para o efeito de subir em recurso a esse Venerando Tribunal. Isso deu origem a que o Senhor Presidente do Supremo Tribunal de Justiça tivesse aceitado o recurso para esse Tribunal da referida reclamação. Nos presentes autos e numa reclamação sustentada nos termos da alínea b)- n.º. 2 do artigo 669.º do C.P.C., os intervenientes nos autos [...] e no respectivo artigo 14.º suscitaram a violação da alínea f) do n.º. 1 do artigo 84.º da Constituição da República Portuguesa. Isso significa que nos presentes autos foi já suscitada uma situação de inconstitucionalidade e que na reclamação dirigida ao Senhor Presidente do Supremo Tribunal de Justiça que também foram suscitadas outras inconstitucionalidades. Pensamos que a reclamação para o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça faça parte dos presentes autos. E pensamos também que a simples subida a esse Tribunal da referida reclamação, não oferecerá a esse Tribunal os elementos necessários para uma solução cuidada e desenvolvida. Pensamos ter sido violada a norma contida na alínea b) do n.º 1 do artigo 70 da L.T.C. e por isso se requer se determine a subida a esse Venerando Tribunal dos autos em conjunto com a reclamação acima referenciada e cujo recurso se encontra já admitido.”
4. Mantido o despacho reclamado, foram os autos, já neste Tribunal, com vista ao Ministério Público, que se pronunciou no sentido da improcedência da reclamação, posição que fundamentou nos seguintes termos:
“A presente reclamação carece manifestamente de fundamento, já que a decisão impugnada – o acórdão proferido pela Relação sobre o mérito da causa – não se pronunciando obviamente sobre qualquer questão de recorribilidade, não aplicou a norma constante do artigo 678º, n.º 4, do CPC.”
Dispensados os vistos, cumpre decidir.
II. Fundamentação.
5. O recurso previsto na al. b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC, o interposto pelo ora reclamante, pressupõe, nomeadamente, que o recorrente tenha suscitado, durante o processo, a inconstitucionalidade da norma jurídica que pretende submeter à apreciação do Tribunal Constitucional, e que, não obstante, a decisão recorrida a tenha efectivamente aplicado, como ratio decidendi, no julgamento do caso.
Ora, no caso concreto, o recurso de constitucionalidade que o reclamante pretendeu interpor do acórdão do Tribunal da Relação do Porto (fls. 432 e sgs.) não pode ser admitido, como sucintamente veremos. De facto, não só o reclamante nunca suscitou, antes de ser proferido o acórdão de que pretende recorrer para este Tribunal, qualquer questão de constitucionalidade reportada à norma que pretende agora ver apreciada, mas também é manifesto que aquele acórdão não aplicou, como ratio decidendi, a norma contida no n.º 4 do artigo 678ºdo Código de Processo Civil.
De facto, o acórdão da Relação do Porto julgou o mérito da causa, rejeitando o pedido de condenação dos réus a reconhecerem a dominialidade pública municipal de determinado logradouro, nomeadamente por considerar não ter sido feita prova do requisito da imemorialidade. Não julgou qualquer questão de recorribilidade a que fosse aplicável o n.º 4 do artigo 678º do Código de Processo Civil.
Tanto basta para se concluir, sem necessidade de maiores considerações, que este recurso que a recorrente pretendeu interpor não pode ser admitido, pelo que é manifesta a improcedência da presente reclamação.
III - Decisão
Nestes termos, decide-se indeferir a presente reclamação. Sem custas, por a reclamante delas estar isenta.
Lisboa, 24 de Novembro de 2003
Gil Galvão Bravo Serra Luís Nunes de Almeida