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Processo n.º 669/03
2ª Secção Relator – Cons. Paulo Mota Pinto
Acordam em conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório
1.A., melhor identificada nos autos, requereu a suspensão da eficácia do despacho do Secretário de Estado do Ordenamento do Território, de 4 de Março de
2003, que determinara “a demolição da moradia pertencente à requerente, construída no lote n.º ---------, na ----------------, em -------------”, invocando para tanto, no que se refere a disposições constitucionais e legais violadas, que:
“(...) 21º – A execução do acto representa para a requerente uma violência, ofendendo o princípio da Justiça, pelo que há, também, violação da lei:
- o art.º 9º, n.º 2, do POOC, aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 33/99, de 27 de Abril;
- o art.º 20º, n.º 1, alínea b) do POOC; art. 91º do POOC;
- o art.º 23º, n.º 2, e art.º 25º, n.º 2, do Decreto-Lei 380/99, de 22 de Setembro;
- o art.º 102º, n.º 1, alínea b), do Decreto-Lei n.º 380/99, de 22 de Setembro;
- o art.º 52º do Decreto-Lei n.º 445/91;
- os artigos 2º, 13º, n.º 1, 17º, 18º e 22º da C.R.P.;
- o art.º 165º, alínea b), da C.R.P.;
- o art.º 266º, n.ºs 1 e 2, da C.R.P.;
- o Decreto-Lei n.º 176/88, de 16 de Maio;
- o art.º 12º do Decreto-Lei n.º 176º-A/88, de 16 de Maio;
- o art.º 18º do Decreto-Lei n.º 309/03, de 2 de Setembro;
- o art.º 3º do Decreto-Lei n.º 151/95, de 24 de Junho”. Por acórdão datado de 5 de Junho de 2003, o Supremo Tribunal Administrativo indeferiu o pedido da requerente, nos seguintes termos:
“(...) Como é jurisprudência uniforme deste Supremo Tribunal Administrativo, a suspensão da eficácia dos actos administrativos depende da verificação cumulativa dos requisitos enunciados nas als. a), b) e c) do n.º 1 do art.º 76º da LPTA, pelo que da inverificação de qualquer deles não resultará, inelutavelmente, a impossibilidade de suspensão do acto. Ora, na situação sub judice, é manifesta, desde logo, a falta do requisito positivo previsto na al. a) do apontado preceito legal, ou seja, de que «a execução do acto cause provavelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente». Ainda segundo a jurisprudência deste STA, cabe ao requerente o ónus de alegar e concretizar, ainda que indiciariamente, os prejuízos de difícil reparação para si decorrentes da imediata execução do acto, pela alegação de factos concretos e determinados susceptíveis de convencer o tribunal de que tais danos ou prejuízos, dificilmente reparáveis, são, segundo um juízo de normalidade e pelas regras da experiência comum, consequência adequada, típica ou provável, dessa execução (por todos, Acs. de 12.11.1998 – Rec. 44.249-A e de 13.05.98 – Rec.
43.745). E isto porque o preceito da al. a) não contém qualquer presunção juris tantum da existência do prejuízo, cabendo sempre ao requerente a demonstração dos factos integradores de tal requisito. Como se vê do requerimento inicial, a requerente limita-se a invocar, no âmbito deste requisito, que a moradia em questão foi construída em regime de empreitada, tendo a requerente dispendido € 251.550,00, tendo feito obras de decoração no montante de € 200.000,00, um jardim que custou € 20.000,00 e pago pelo lote € 89.784,00, totalizando um prejuízo global estimado em € 561.334,00. E vai mesmo ao ponto de informar o tribunal da actualização do referido prejuízo, alegando que, actualmente, a construção da mesma moradia custaria €
1.800.000,00 (um milhão e oitocentos mil euros), conforme termo de avaliação que junta. Nada mais vem invocado pela requerente que, deste modo, circunscreve os prejuízos provavelmente decorrentes da execução do acto que ordenou a demolição aos valores pecuniários dos gastos feitos com a moradia, ou seja, o valor da aquisição do lote, o valor da empreitada de construção, das obras de decoração e do jardim, actualizados para um valor final igualmente indicado. Os prejuízos invocados pela requerente são, pois, por ela economicamente quantificados, com toda a precisão, aliás, pelo que nenhuma dificuldade se coloca, na hipótese de eventual procedência do recurso, relativamente à possibilidade da sua efectiva reparação. Na verdade, é entendimento jurisprudencial pacífico que não são, por via de regra, considerados de difícil reparação, para efeitos da al. a) do n.º 1 do art. 76º da LPTA, os prejuízos facilmente quantificáveis e susceptíveis, a priori, de uma exacta avaliação pecuniária, constituindo a quantificação feita pela requerente um índice claro e objectivo de que não é difícil a sua reparação
(cfr. Acs. STA de 08-11-2000 – Rec. 46.698 e de 18.10.2000 – Rec. 46.562).”
2.Inconformada, a requerente pretendeu interpor recurso para o Tribunal Constitucional, nos seguintes termos:
“1º – O recurso é interposto no quadro da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, Lei sobre a Organização, Funcionamento e Processo no Tribunal Constitucional (LTC), sucessivamente alterada pela Lei n.º
85/89, de 7 de Setembro, pela Lei n.º 88/95, de 1 de Setembro, e pela Lei n.º
13-A/98, de 26 de Fevereiro.
2º – Da decisão ora recorrida não cabe recurso ordinário (artigo 103º, n.º 2, da Lei de Processo dos Tribunais Administrativos, LPTA), pelo que se mostra preenchido o requisito do n.º 2 do artigo 70º da LTC.
3º – Uma das normas cuja constitucionalidade vem sendo colocada em dúvida pela recorrente no âmbito deste processo e cuja apreciação se solicita é a do art.º
20º, n.º 1, alínea b), do Regulamento do Plano de Ordenamento da Orla Costeira de Burgau-Vilamoura, aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 33/99, de 27 de Abril, em conjugação com os artigos 91º e 9º, n.º 2, desse mesmo POOC
4º – A questão de constitucionalidade coloca-se com particular acuidade quando
àquela norma é atribuído um sentido manifestamente ablativo de faculdades, já consolidadas, inerentes ao direito de propriedade – direito com natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias – como é o que resulta da interpretação dada pelo órgão recorrido e implicitamente admitida pelo douto acórdão objecto de recurso.
5º – Tal norma, conjugada e interpretada desse modo, viola, por um lado, o artigo 165º, n.º 1, alínea b), da Constituição.
6º – Contraria, por outro lado, o artigo 62º, em articulação com os artigos 17º e 18º, particularmente no que toca ao princípio da proporcionalidade previsto no n.º 2 deste último preceito constitucional.
7º – Mostra-se, outrossim, lesado o princípio da protecção da confiança que aflora em vários preceitos constitucionais e subjaz à própria noção de Estado de Direito Democrático adoptada pela Constituição (designadamente, artigo 2º).
8º – A questão de constitucionalidade foi oportuna e devidamente suscitada pela recorrente quer na petição do recurso contencioso de anulação quer, de modo mais sintético e globalmente remissivo para o anterior, no requerimento através do qual se solicitou a suspensão da eficácia do acto, apresentando-se estas duas peças processuais com carácter de inteira complementaridade.
9º – A interposição do presente recurso de constitucionalidade é tempestiva uma vez que a comunicação da decisão recorrida à mandatária da recorrente foi recebida em 11.6.2003.
10º – O presente recurso tem efeito suspensivo e sobe nos próprios autos, nos termos do n.º 4 do artigo 78º da LTC.” Por despacho do relator, o recurso não foi admitido, uma vez que:
“(...) o acórdão de que pretende recorrer-se para o Tribunal Constitucional limita-se a indeferir o pedido de suspensão de eficácia formulado pela recorrente, fazendo apelo única e exclusivamente à norma do art.º 76º, n.º 1, alínea a), da LPTA, e fundamentando a decisão na inverificação do requisito positivo previsto naquela disposição legal. Nem poderia aliás ser de outro modo, uma vez que a apreciação do pedido de suspensão de eficácia dos actos administrativos depende exclusivamente da verificação dos requisitos enunciados naquele art.º 76º, n.º 1. A(s) norma(s) cuja inconstitucionalidade a recorrente pretende ver apreciada, independentemente de ter ou não sido suscitada no processo tal apreciação, não foi tida nem achada na decisão, nem dela acolheu, expressa ou implicitamente, qualquer interpretação.”
3.Inconformada com o despacho de não admissão do recurso para o Tribunal Constitucional, proferido em 4 de Julho de 2003 no Supremo Tribunal Administrativo, a requerente veio apresentar a presente reclamação, “ao abrigo do n.º 4 do art.º 76º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, Lei sobre a Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional”, nos seguintes termos:
“3º – Uma das normas cuja constitucionalidade vem sendo colocada em dúvida pela recorrente e reclamante no âmbito do processo e cuja apreciação se solicita é a do art.º 20º, n.º 1, alínea b), do Regulamento do Plano de Ordenamento da Orla Costeira de Burgau-Vilamoura, aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 33/99, de 27 de Abril, em conjugação com os artigos 91º e 9º, n.º 2, desse mesmo POOC.
4º – A questão da constitucionalidade coloca-se com particular acuidade quando
àquela norma é atribuído um sentido manifestamente ablativo de faculdades, já consolidadas, inerentes ao direito de propriedade – direito com natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias.
5º – Esse é o sentido que resulta da interpretação dada pelo órgão recorrido e implicitamente admitida e autorizada pelo douto acórdão que indeferiu o pedido de suspensão da eficácia do acto formulado pela recorrente, ora reclamante.
6º – Tal norma, conjugada e interpretada desse modo, viola, por um lado, o artigo 165.º, n.º 1, alínea b), da Constituição.
7º – Contraria, por outro lado, o artigo 62º, em articulação com os artigos 17º e 18º, particularmente no que toca ao princípio da proporcionalidade previsto no n.º 2 deste último preceito constitucional.
8º – Mostra-se, outrossim, lesado o princípio da protecção da confiança que aflora em vários preceitos constitucionais e subjaz à própria noção de Estado de direito democrático adoptada pela Constituição (designadamente, artigo 2º).
9º – As questões de constitucionalidade foram oportuna e devidamente suscitadas pela recorrente quer no requerimento de interposição do recurso contencioso de anulação quer, de modo mais sintético e globalmente remissivo para o anterior, no requerimento através do qual solicitou a suspensão da eficácia do acto, apresentando-se estas duas peças processuais com carácter de inteira complementaridade.
10º – E o ilustre Tribunal a quo teve inevitavelmente presente esse facto quando decidiu sobre o pedido de suspensão da eficácia, tendo realizado um juízo preliminar implícito sobre a questão.
11º – É certo e insofismável que a lei determina que, para que o recurso de constitucionalidade seja admitido, se mostre preenchido o requisito da aplicação de norma cuja constitucionalidade haja sido suscitada no processo.
12º – É também conhecida a jurisprudência, nomeadamente do Tribunal Constitucional, sobre o modo como esse requisito processual deve mostrar-se verificado.
13º – No caso sub judice poderia ser-se tentado a entender que o venerando tribunal a quo se limitou a aplicar normas de natureza processual, bem como o artigo 76.º, n.º 1, da LPTA.
14º – É esse, na verdade, o argumento central da decisão ora objecto de reclamação.
15º – Sustenta o ilustre relator que «o acórdão de que pretende recorrer-se para o Tribunal Constitucional limita-se a indeferir o pedido de suspensão de eficácia formulado pela recorrente, fazendo apelo única e exclusivamente à norma do artigo 76.º, n.º 1, alínea a), da LPTA».
16º – E acrescenta: «a norma cuja inconstitucionalidade a recorrente pretende ver apreciada ... não foi tida nem achada na decisão aqui em causa...»
17º – Isso levaria a que o presente recurso fosse considerado prejudicado pelo facto de a ora reclamante não ter suscitado expressamente a questão da inconstitucionalidade da referida norma da LPTA, mas antes a questão da constitucionalidade de outras normas porventura aplicáveis apenas por ocasião do julgamento do recurso contencioso.
18º – Diversamente, a reclamante sustenta que há fundamento constitucional e legal bastante para que os requisitos do recurso de constitucionalidade sejam dados como verificados, devendo, por conseguinte, a presente reclamação ser deferida .
19º – Com efeito, como já se assinalou, a reclamante invocou oportunamente diversas inconstitucionalidades de que padecem as normas em que se fundamenta o acto administrativo impugnado.
20º – Ora, quando o venerando tribunal a quo se pronuncia sobre se estão reunidos os requisitos legais para a imposição da suspensão da eficácia do acto administrativo (designadamente, artigo 76º, n.º 1, alíneas a) e b), da LPTA), não pode deixar de fazer liminarmente um juízo prévio, implícito ou explícito, sobre as questões de constitucionalidade suscitadas.
21º – Na verdade, a verificação da probabilidade de a execução causar prejuízo sério ou prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso (artigo 76º, n.º 1, alínea a), da LPTA), implica que o juiz administrativo faça um juízo preliminar sobre as questões de constitucionalidade suscitadas.
22º – Não se pretende que o juiz administrativo deva decidir, desde logo e à cabeça, sobre essas questões no momento da apreciação do pedido de suspensão da eficácia do acto, uma vez que isso só será exigível no julgamento do recurso contencioso.
23º – Sem embargo, afigura-se que o juiz tem forçosamente de proferir um juízo provisório de probabilidade sobre a eventual inconstitucionalidade das normas em que se funda o acto, tal como sobre o dano.
24º – Pois que quando a lei alude a «prejuízo de difícil reparação para o requerente» (artigo 76º, n.º 1, alínea a)), uma das hipóteses que se pode verificar é a da violação ou compressão ilegítima de direitos fundamentais constitucionalmente consagrados pela norma habilitante do acto objecto do recurso, em termos que tornem a reparação futura difícil ou impossível.
25º – Acresce ainda que a lei estabelece, como requisito alternativo para a suspensão, a probabilidade de o acto causar prejuízo de difícil reparação para os interesses que o requerente «defenda ou venha a defender no recurso».
26º – Ora, quando uma qualquer parte ou sujeito processual numa determinada contenda suscita uma questão de constitucionalidade ou de legalidade está insofismavelmente a procurar a defesa de interesses próprios (não pode deixar de estar a defender interesses próprios, sob pena de ilegitimidade...) mas está também a agir como promotor do interesse objectivo da constitucionalidade e da legalidade, isto é, está a defender simultaneamente interesses subjectivos e interesses de constitucionalidade e de legalidade.
27º – Nesta perspectiva o Tribunal a quo quando avalia o grau e natureza da provável lesão não pode evitar fazer um juízo preliminar, naturalmente provisório e de mera plausibilidade, sobre o problema da constitucionalidade ou da legalidade, isto é, nomeadamente, sobre as questões de constitucionalidade suscitadas pelo requerente no recurso e no pedido de suspensão da eficácia do acto.
28º – Isto é incontornável mesmo que esse exame preliminar e perfunctório não logre qualquer expressão textual na economia do acórdão do STA que se pronuncia sobre a suspensão da eficácia.
29º – Acórdão esse que ao não dar provimento ao pedido de suspensão da eficácia do acto, implicitamente afasta (provisoriamente) as suspeitas de inconstitucionalidade suscitadas pela requerente, admitindo, também implicitamente, a execução do acto e a aplicação das normas em que este se fundamenta.
30º – Fica assim demonstrado o preenchimento do requisito processual do artigo
70º, n.º 1, alínea b), da LTC, isto é, a aplicação ou, o que tem o mesmo efeito, a autorização da aplicação de normas cuja inconstitucionalidade foi suscitada no momento próprio pela recorrente .
31º – Sublinhe-se que a apreciação da constitucionalidade dessas normas neste exacto momento do iter processual é a única forma de impedir a sua aplicação, através da execução do acto, em termos que, no modo de ver da ora reclamante, lesarão de forma irreparável direitos próprios e o interesse objectivo da constitucionalidade.
32º – Deixar essa apreciação apenas para o momento em que o recurso contencioso seja julgado pelo Tribunal a quo implicaria correr o risco de permitir a execução de actos e a aplicação de normas inconstitucionais (porventura grosseiramente inconstitucionais...) de modo insanável e irremediável.
33º – A pronúncia do Tribunal Constitucional pela inconstitucionalidade das normas colocadas oportunamente em crise pela reclamante terá um efeito útil imediato: a constituição da obrigação do Tribunal a quo de decretar a suspensão da eficácia do acto, uma vez que essa declaração do Tribunal Constitucional comprovará a existência de prejuízos de difícil reparação, quer no âmbito dos direitos fundamentais do requerente quer no contexto do interesse objectivo da constitucionalidade dos actos normativos do poder público.
34º – Está, por conseguinte, garantido que a decisão a proferir pelo Tribunal Constitucional «possa influir utilmente no julgamento da questão discutida no processo» (v., por exemplo, Acórdão n.º 509/01, de 26 de Novembro, publicado no
51º volume dos Acórdãos do Tribunal Constitucional, págs. 713 e segs., em especial 722).
35º – Aliás, pode bem suceder que este seja o único momento em que uma decisão do Tribunal Constitucional que se pronuncie pela inconstitucionalidade das normas habilitantes do acto objecto do recurso contencioso logra um efeito útil.
36º – Na verdade, se tal pronúncia se viesse a verificar apenas em sede de recurso de constitucionalidade interposto depois da decisão do STA que julgasse o recurso contencioso movido contra o acto administrativo, e o acto tivesse sido já executado, ela não lograria qualquer efeito útil.
37º – Pelo menos não lograria o efeito útil mais importante, a integral salvaguarda do direito fundamental ameaçado.
38º – Só admitindo o presente recurso se garante, por conseguinte, a tutela judicial efectiva que a Constituição consagra no artigo 20º.”
O representante do Ministério Público neste Tribunal pronunciou-se no sentido da improcedência da reclamação, porquanto
“a norma questionada pela recorrente não se mostra aplicada no acórdão que se pretendeu impugnar: na verdade, limitou-se este a apreciar a verificação dos requisitos específicos da medida cautelar requerida, decorrentes do preceituado no 76º, n.º 1, da LPTA, sem obviamente se pronunciar – ou ter de o fazer – sobre a norma que integra o objecto do recurso interposto para este Tribunal.”
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentos
4.Adianta-se já que a presente reclamação não pode ser deferida, e por mais do que uma razão. Na verdade, nos termos do respectivo requerimento, o recurso vem intentado ao abrigo do disposto no artigo 70º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional. Ora, para se poder conhecer de tal recurso torna-se necessário, a mais do esgotamento dos recursos ordinários e de que a norma impugnada tenha sido aplicada como ratio decidendi pelo tribunal recorrido, que a inconstitucionalidade desta tenha sido suscitada durante o processo. Estes dois últimos requisitos não se verificam no presente caso, como se passa a mostrar.
5.Nos termos do requerimento de recurso, este tem por objecto a apreciação da constitucionalidade do artigo 20º, n.º 1, alínea b), do Regulamento do Plano de Ordenamento da Orla Costeira de Burgau-Vilamoura, aprovado pela Resolução do Conselho de Ministro n.º 33/99, de 27 de Abril. Dispõe esta norma:
“Artigo 20º Actividades interditas
1 – Nos espaços naturais de arribas são interditos os seguintes actos e actividades:
(…) b) Novas construções, incluindo piscinas, terraços ou outras superfícies impermeabilizadas ainda que afectas a edifícios residenciais, hoteleiros ou turísticos ou a equipamentos desportivos;
(…).”
Ora, consultando a decisão de que se pretendeu recorrer, que é o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 5 de Junho de 2003, pelo qual foi negada a requerida suspensão de eficácia, verifica-se que este não fez aplicação, expressa ou implícita, desta norma. Antes tal decisão se limitou, como bem salienta o Ministério Público e se referiu na decisão reclamada, a indeferir o pedido de suspensão de eficácia por se não verificar o requisito do artigo 76º, n.º 1, alínea a), da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, segundo a qual a suspensão da eficácia do acto recorrido é concedida pelo tribunal quando a “execução do acto cause provavelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso.”
Não procede, aliás, o argumento da reclamante, no sentido de ter existido uma aplicação implícita daquela norma, pois a pronúncia sobre se está reunido o referido requisito para a suspensão da eficácia do acto não pressupõe qualquer aplicação da norma impugnada, do Regulamento do Plano de Ordenamento da Orla Costeira de Burgau-Vilamoura. A verificação da probabilidade de a execução causar prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso situa-se apenas no plano dos efeitos da execução do acto, e não pressupõe a aplicação da norma em questão – muito menos um juízo sobre a sua conformidade constitucional, a efectuar, se tal questão for devidamente suscitada, no recurso contencioso.
A reclamante argumenta ainda com a circunstância de, segundo afirma, a apreciação da constitucionalidade da norma do Regulamento que pretendeu impugnar ser a única forma de impedir a execução do acto. Mas para impedir esta aplicação a lei previu um mecanismo específico – a suspensão da eficácia do acto –, subordinado a determinados requisitos, nos termos da norma que serviu de ratio decidendi à decisão recorrida. Norma, e requisitos legais, esses, que, eles sim, foram aplicados pelo tribunal a quo, mas cuja apreciação sub specie constitutionis não constituía objecto do recurso que se pretendeu interpor.
Logo por esta razão, o recurso não podia ser admitido, e o despacho reclamado merece ser confirmado.
6.Acresce, porém, verificar-se que a reclamante não suscitou durante o processo, perante o tribunal a quo – isto é, antes de esgotado o poder jurisdicional deste
–uma questão de inconstitucionalidade da norma impugnada – o que requer, pelo menos, que a inconstitucionalidade fosse imputada à norma do artigo 20º, n.º 1, alínea b), do Plano de Ordenamento da Orla Costeira de Burgau-Vilamoura citado, e não apenas a uma actuação.
Ora, como se viu, perante o tribunal recorrido, no requerimento de suspensão de eficácia, e antes de proferido o acórdão recorrido que o decidiu, a reclamante apenas afirmou que a “execução do acto representa para a requerente uma violência, ofendendo o princípio da Justiça, pelo que há, também, violação da lei” (itálico aditado), incluindo das disposições dos artigos 165º, alínea b), e
266º, n.ºs 1 e 2 da Constituição da República. Mas não identificou com a precisão indispensável uma questão de constitucionalidade da norma que pretendeu impugnar no recurso, como era seu ónus, nos termos do artigo 72º, n.º 2, da Lei do Tribunal Constitucional – e recorde-se que no direito constitucional português vigente, apenas as normas são objecto de fiscalização de constitucionalidade concentrada em via de recurso (cfr., por exemplo, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 18/96, publicado no Diário da República, II Série, de 15 de Maio de 1996, e J. J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Almedina, Coimbra, 1998, p. 821), com exclusão dos actos de outra natureza, designadamente, das actuações administrativas, em si mesmas.
III. Decisão Pelos fundamentos expostos, decide-se indeferir a presente reclamação e condenar a reclamante em custas, com 15 (quinze) unidades de conta de taxa de justiça.
Lisboa, 19 de Novembro
de 2003 Paulo Mota Pinto Mário José de Araújo Torres Rui Manuel Moura Ramos