Imprimir acórdão
Procº nº 674/2003.
3ª Secção. Relator:- BRAVO SERRA.
1. Em 27 de Outubro de 2003, lavrou o relator decisão com o seguinte teor:
“1. Não se conformando com o acórdão proferido em 20 de Junho de
2002 pelo Tribunal colectivo do 1º Juízo Criminal do Tribunal de comarca de Santa Maria da Feira, que, como co-autor material de um crime de tráfico agravado de estupefacientes, previsto e punível pelas disposições conjugadas dos artigos 21º, nº 1, e 24º, alínea c), ambos do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, o condenou na pena de seis anos e seis meses de prisão, recorreu o arguido A. para o Tribunal da Relação do Porto, o qual, por acórdão de 15 de Janeiro de 2003, concedendo parcial provimento ao recurso, veio a condenar aquele arguido, como co-autor material de um crime de tráfico de estupefacientes previsto e punível pelo citado artº 21º, na pena de cinco anos e oito meses de prisão.
De novo inconformado recorreu aquele arguido para o Supremo Tribunal de Justiça, tendo, na motivação adrede produzida, formulado as seguintes
«conclusões»:
‘I
O Recorrente foi acusado da prática, em co-autoria material e em concurso real, de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo artº 21°, n°. 1, com a agravação do art°. 24°, alíneas b) e c) do D.L. n° 15/93 de 22/01, e ainda da prática de um crime de consumo de estupefacientes p. e p. pelo artº
40, n°, 1°, do mesmo diploma legal, tendo sido condenado por acórdão de 20 de Junho de 2002 ela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artº 21°, nº1, 24°, al. c) do D.L. 15/93 na pena 6 anos e 6 meses de prisão. II
Não conformado com tal decisão, por, genericamente, discordar do valor atribuído pela mesma ao depoimento do co-arguido B., por padecer de nulidade por falta de fundamentação, por padecer do vício de erro notório na apreciação da prova e violar o princípio in dubio pro reo. III
Entendeu o Venerando Tribunal da Relação do Porto que não se poderá concluir que os arguidos obtiveram ou procuraram obter avultada compensação remuneratória, considerando como não provada a agravação pela qual foram condenados em primeira instância, pelo que a pena concretamente aplicável ao ora Recorrente deveria baixar, fixando-se nos 5 anos e 8 meses de prisão, tendo, no demais, julgado improcedente o recurso interposto pelo recorrente, tendo ainda julgado procedente a questão prévia invocada pelo Ilustríssimo Procurador Distrital e, em consequência, anular o acórdão recorrido na parte em que condenou o arguido B., para ficar a subsistir a primeira condenação, já anteriormente transitada. IV
Da prova produzida em audiência de discussão e julgamento não resultou, de forma alguma, que o Recorrente tenha cometido o ilícito pelo qual foi condenado. V
As declarações do co-arguido B. não se encontram corroboradas por outros meios de prova, sendo que para além dos factos confessados pelo Recorrente - reportados à noite de 30/12/99 - nenhuns outros quanto a si poderão ser dados como assentes. VI
Todos os demais factos foram referidos única e simplesmente pelo co-arguido B. e não têm a virtualidade de serem corroborados por qualquer outro meio de prova: documental, testemunhal, pericial ou qualquer outra, não constituindo as regras da experiência comum, qualquer meio de prova. Apenas as suas declarações. VII
O princípio da livre apreciação da prova não liberta o julgador das provas que se produziram, sendo com base nelas que terá que decidir, circunscrevendo-se a sua liberdade à livre apreciação dessas mesmas provas dentro dos parâmetros legais, não podendo estender essa liberdade até ao ponto de cair no puro arbítrio, pelo que os elementos probatórios a que o Meritíssimo Tribunal a quo deitou mão, constantes do, aliás douto Acórdão ora em crise, não são suficientes para alicerçar os factos dados como provados e como não provados pelo douto Tribunal a quo. VIII
O Recorrente jamais pode ser condenado pela prática do crime previsto e punido pelo artº. 21° do DL 15/93 de 22/01 e muito menos com a agravação da alínea c) do art°. 24° do mesmo diploma legal, conforme, nesta parte específica, entendeu aquele Venerando Tribunal da Relação. IX
Acima de qualquer dúvida razoável, apenas resultaram provados os actos relativos à noite de 30/12/1999, ou seja, que juntamente com o co-arguido C., o Recorrente se preparava para comprar ao co-arguido B. uma determinada quantidade de droga proibida, pelo que estes apenas poderão, numa hipótese que ora se coloca por mero raciocínio, na prática pelo Recorrente, atenta a sua confissão parcial dos mesmos, de actos preparatórios integradores, em última instância, da prática do crime pelo qual foi condenado mas na forma tentada. X
O douto acórdão da primeira instância padece de nulidade, ao contrário do que entendeu o Venerando Tribunal da Relação do Porto, porquanto aquela decisão não deu cumprimento ao disposto no art° 374°, n°. 2 do C.P.P., não sendo possível controlar o processo lógico e racional - intra e extraprocessual - do julgador . XI
Da fundamentação da decisão de primeira instância não se alcança a razão dos factos dados como provados, não se sendo explicado porque motivo a prova - documental e testemunhal - produzida mereceu a credibilidade do tribunal e serviu para determinar os factos considerados como provados, pelo que ao não considerar existir tal falta de fundamentação - que é patente e objectiva - o douto acórdão ora em crise violou o disposto em tais disposições legais. XII
Padece a decisão de primeira instância de erro notório na apreciação da prova, nos termos do disposto na alínea c) do n°. 2 do art°. 410°, vício que resulta do contexto factual inserido na decisão, por si ou em confronto com as regras da experiência comum, não passando despercebido ao comum observador, por ser evidente, sendo óbvia para a generalidade das pessoas conclusão contrária
à retirada pelo douto Tribunal a quo quanto à prova produzida em audiência, o que não foi considerado pelo douto Tribunal a quo, impondo-se a absolvição do Recorrente pelo crime pelo qual foi condenado. XIII
Não podem ser levados à subsunção quaisquer dos factos que são imputados ao Recorrente e pelos quais foi condenado, pelo que, ao insistir-se na condenação daquele pela prática do crime pelo qual foi condenado, está-se a condenar o Recorrente por uma mera presunção, face à total ausência de prova, o que se encontra vedado pelo princípio in dubio pro reo. XIV
Toda a prova obtida com base no depoimento do B. terá que ser considerada não válida, pelo que, por falta de idoneidade dos meios probatórios existentes nos autos, há inexistência de qualquer certeza para além de eventual dúvida razoável por parte do Tribunal a quo de que o recorrente tenha cometido o crime por que foi acusado e condenado, pelo que por força do princípio in dubio pro reo, impunha-se a absolvição do recorrente. XV
Entendeu o douto acórdão em crise que a decisão proferida no primeiro julgamento no que concerne ao arguido B. transitou em julgado, ficando, assim, aquele condenado na pena de 4 anos de prisão. XVI
Foi realizada a audiência de discussão e julgamento, tendo o arguido B. prestado declarações - como arguido - e tendo as mesmas o obtido elevada valoração, a qual serviu para considerar como assentes a maioria dos actos provados, bem como para condenar os restantes arguidos - A. e C.. XVII
Face a tal decisão - considerar como válida para o arguido B. a primeira decisão, quanto a ele transitada em julgado - aquele jamais poderia ter prestado declarações na qualidade de arguido, sendo que, quando muito, o seu depoimento em audiência apenas poderá ser tido, conforme sugeriu o mandatário do aqui Recorrente em audiência de julgamento, como testemunha, ao abrigo do disposto no artº 340° do Cód. Processo Penal, sendo certo que como testemunha o B. teria que ser ajuramentado, estando obrigado a falar com verdade, sob pena de incorrer na prática de um crime de falsas declarações, o que não sucedeu. XVIII
Não prestou o arguido B. declarações como testemunha mas sim como arguido, não tendo sido ajuramentado, nem se dispondo, nessa qualidade - de testemunha - ao princípio do contraditório, por parte dos demais intervenientes processuais, sendo obrigado a responder, nesse âmbito, e apenas sob a obrigatoriedade de responder com verdade às perguntas sob a sua identidade e antecedentes criminais. XIX
Atenta a decisão do Tribunal Relação do Porto, no sentido da manutenção da 1ª decisão quanto àquele arguido, a participação do B. na audiência de discussão e julgamento de 07 de Junho de 2002 não poderá nunca ser relevada como ‘declarações de co-arguido’ (não obstante tudo o que supra se disse quanto a essa questão) mas apenas como de ‘testemunha’, que, em tal qualidade, não foi o mesmo ajuramentado, conforme a lei impõe, pelo que o seu depoimento não poderá servir de prova para que o Tribunal considera quaisquer factos como provados. XX
Toda a demais prova produzida em audiência de julgamento não é suficiente para formar qualquer juízo de censura quanto ao Recorrente, nomeadamente, quanto aos factos que terão ocorrido antes da noite de 30/12/99, os quais terão que ser, forçosamente, considerados como não provados, sendo o Recorrente absolvido do crime que lhe era imputado, as demais consequências legais, ou se assim não se entender, o que se equaciona ora mera hipótese de raciocínio, sempre a decisão da primeira instância está inquinada de nulidade, o que acarretará a anulação do julgamento. XXI
Tendo a decisão do primeiro julgamento transitado em julgado em relação ao arguido B., este tem que ser pura e simplesmente ignorado, no sentido da sua presença não ser considerada no julgamento, pelo que se assim não se entender se conclui que a decisão padece de nulidade insanável, devendo julgamento ser repetido. XXII
A pena aplicada ao Recorrente é excessiva e inadequada. XXIII
Atenta a prova produzida em audiência, poder-se-ia apenas, o que não se concede e apenas por mera hipótese de raciocínio se equaciona, considerar-se como provados os factos que ocorreram na noite de 30/12/1999, assim apenas se preenchendo a prática pelo Recorrente do crime de tráfico de estupefacientes, se possível, p. e p. pelo artº 21°, nº 1 do D.L. 15/93 de 22/01 e na forma tentada, de harmonia com o disposto nos artºs 22° e sgs. do Código Penal, devendo a sua pena ser especialmente atenuada. XXIV
Dentro da moldura penal abstracta de 3 anos e 2 meses a 8 anos de prisão, deve o Recorrente ser condenado, sempre na hipótese de não se entender a sua absolvição, numa pena sempre inferior a 5 anos de prisão, de modo a que, tendo em conta o tempo de prisão preventiva que o Recorrente já cumpriu, poder beneficiar a curto prazo da medida graciosa de liberdade condicional. XXV
Mesmo que assim não se entenda, e se opte pela condenação do Recorrente pela prática do crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artº 21° do D.L. 15/93.,o que não se concede e apenas por mera hipótese se refere, a pena a aplicar ao Recorrente deverá ser sempre inferior a 5 anos de prisão. XXVI
A pena aplicada ao Recorrente é injusta, por exagerada, atento, nomeadamente, o fim ressocializador das penas, sendo que atenta a factualidade dada como provada, conclui-se que o dolo do Recorrente não pode ser qualificado como intenso, sendo certo ainda que o mesmo é um chefe de família, casado, com 2 filhos menores, de 12 e 2 anos de idade, que os rendimentos auferidos pela esposa do Recorrente são modestos, não sendo suficientes para sustentar a família, sem o apoio económico do Recorrente, vivendo a família com algumas dificuldades económicas, as quais foram ainda maiores enquanto o Recorrente se encontrou detido, vivendo estes da ajuda de familiares e amigos, pelo que o rendimento auferido pelo Recorrente é imprescindível para as despesas a suportar pelo agregado familiar . XXVII
São diminutas as exigências de prevenção especial no que diz respeito ao Recorrente, não possui aquele antecedentes criminais, é pessoa com bom comportamento social, bem inserido familiar e socialmente, com um relacionamento familiar estável, casado e com dois filhos menores, pelo que é de concluir que uma pena fixada no limite mínimo da moldura penal abstracta do tipo legal, será suficiente para se atingir os fins insertos na norma incriminadora, bem como a ressocialização do Recorrente. XXVIII
O Recorrente esteve já detido durante 30 meses - 2 anos e meio -
tendo estado privado da sua liberdade, do convívio com os seus familiares e amigos, da manutenção da sua vida familiar, o facto de ter perdido 2 anos e meio na vida dos seus filhos, sendo que um deles só conheceu o pai recentemente, atento o facto da sua esposa se encontrar grávida de apenas um mês aquando da detenção do Recorrente. XXIX
Uma pena muito próxima do limite mínimo da moldura penal abstracta, mas seguramente inferior a 5 anos de prisão, será a que melhor preencherá os fins legais das penas e a ressocialização do Recorrente. XXX
Tendo em consideração tudo o exposto, verifica-se que ao decidir como decidiu, violou o Venerando Tribunal da Relação do Porto as disposições dos artºs. 61°, nº1, al. c), nº 3, al. b), 140°, nº 3 e 132°, nº .1, alíneas b) e d), 379°, n°. 1, alínea a), 374°, n°. 2, 410°, n°. 2, alínea c) e 127° do Cód. Proc. Penal; os artºs. 40°, 71°, nºs. 1 e 2, 72° e 73° do Cód. Penal; os artº.
21°, nº 1 do DL 15/93 de 22/01 e ainda os artºs. 32°, nº.1 e 2 e 205°, n°. da Constituição da República Portuguesa’.
No «teor» da motivação apresentada, o arguido, para o que ora releva, disse:
‘............................................................................................................................................................................................................................................
53º
Não pode o Recorrente deixar de não aceitar tal posição, sempre com o maior respeito e a mais subida vénia, já que, da decisão em apreço não constam quaisquer outros meios de prova para além das declarações do co-arguido B., não preenchendo tal decisão, minimamente as exigências nucleares da fundamentação, com o sentido e alcance que a lei processual portuguesa impõe (artº 374º, nº 2 do Código de Processo Penal), violando assim, frontalmente, o dever de fundamentação das decisões dos tribunais, previsto no artº 205º, nº. 1 da Constituição da República Portuguesa.
..............................................................................................................................................................................................................................................
63º
Tal falta de fundamentação agrava-se no que se refere à falta de fundamentação relativamente aos factos imputados ao Recorrente antes do dia
30/12/99. É que quanto a estes não existe a mais leve fundamentação no douta decisão da primeira instância, pelo que tal decisão encontra-se inquinada de nulidade, nos termos do disposto no artº 379º, nº 1, alínea a) do Código de Processo Penal, incorrendo ainda em manifesta violação da Lei Fundamental, nomeadamente do artº. 205º. nº. 1, da C.R.P.
64º
Ao não considerar existir falta de fundamentação - que é patente e objectiva - o douto acórdão ora em crise violou o disposto em tais disposições legais.
..............................................................................................................................................................................................................................................
76º
Em consequência do que fica exposto, e por força do princípio in dubio pro reo, impunha-se a absolvição do recorrente, pelo que, ao não fazê-lo, foi violado o disposto no art.º 32º, nº. 2, da Constituição da República Portuguesa.
..............................................................................................................................................................................................................................................
139º
Tendo em consideração tudo o exposto, verifica-se que ao decidir como decidiu, violou o Meritíssimo Tribunal ‘a quo’ [ ] as disposições dos artºs.
61º, nº 1, al. c), nº 3, al. b), 140°, nº 3 e 132°, nº .1, alíneas b) e d),
379°, n°. 1, alínea a), 374°, n°. 2, 410°, n°. 2, alínea c) e 127° do Cód. Proc. Penal; os artºs. 40°, 71°, nºs. 1 e 2, 72° e 73° do Cód. Penal; os artº. 21°, nº
1 e 24º, alínea c) do DL 15/93 e ainda os artºs. 32º, nº. 1 e 2 e 205º, nº. 1 da Constituição da República Portuguesa.
............................................................................................................................................................................................................................................’
Sublinhe-se que, em nenhum ponto da mencionada motivação, o arguido alguma vez equacionou qualquer questão de desconformidade com a Lei Fundamental por banda de normas ou normas constantes do ordenamento jurídico infraconstitucional, ainda que reportadamente a uma sua dimensão interpretativa.
Tendo o Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 18 de Junho de
2003, negado provimento ao recurso, do mesmo e ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, recorreu o arguido para o Tribunal Constitucional.
Lê-se no requerimento consubstanciador da interposição do recurso:-
‘............................................................................................................................................................................................................................................
2. Entende o Recorrente que a decisão de primeira instância não preenche os requisitos exigidos por lei ao nível da fundamentação, pelo que foi violado flagrantemente o disposto no artº 374º, nº 2 do Código de Processo Penal.
3. Ao entender de forma diversa violou o Supremo Tribunal de Justiça, salvo o devido respeito por melhor opinião, o disposto no artº 205º, nº 1 da Constituição da República na interpretação que atribuiu ao citado artº 374º, nº
2 do Código de Processo Penal, pelo que deverá ser apreciada a inconstitucionalidade de tal norma.
4. Acresce que, na sequência da anulação pelo Venerando Tribunal da Relação do Porto, por acórdão proferido a 15/01/2003, da segunda decisão condenatória quanto ao co-arguido B., ficando quanto a este arguido a subsistir a primeira decisão, já transitada em julgado, o Recorrente suscitou na sua motivação de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, a violação dos artºs 61º, nº 1, al. c) e nº 3, al. b), 140º, nº 3 e 132º, nº 1, als. b) e d) do Código de Processo Penal, por entender que as declarações do co-arguido B., que constituíram a base da condenação do Recorrente, foram-no na qualidade de arguido, logo, não ajuramentadas, com todas as consequências daí decorrentes, melhor explanadas nas suas motivações de recurso.
5. Ora, aquele Colendo Tribunal não apreciou directamente a invocada violação daqueles preceitos legais apenas se tendo limitado a afirmar que a prova considerada como assente pela primeira instância encontra-se nesta fase processual intocável, pelo que as afirmações expendidas pelo Recorrente quanto
às declarações do co-arguido B. seriam irrelevantes, tanto mais que assentam no
‘princípio da íntima convicção do Tribunal’, previsto no artº 127º do Código de Processo Penal.
6. Entende o Recorrente, salvo o devido respeito por melhor opinião, que tal interpretação do Supremo Tribunal de Justiça não assegura todas as garantias de defesa do arguido.
7. Foi, assim, violado o disposto no artº 32º, nºs 1 e 5 da Constituição da República, pelo que o Recorrente pretende que seja apreciada a inconstitucionalidade dos artºs 61º, nº 1, al. a) e nº 3, al. b), 127º e 140º, nº 3 e 132º. nº 1, als. b) e d) do Código de Processo Penal, na interpretação atribuída aos mesmos por aquele douto Tribunal.
8. Tal questão foi suscitada pelo Recorrente nas suas motivações de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça com fundamento em violação do disposto no artº.
32, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa.
9. Na verdade, a questão da inconstitucionalidade dos artºs. 61º, nº 1, al. a) e nº 3, al. b), 127º e 140º, nº 3 e 132º, nº 1, als. b) e d) e 374º, nº 2 do Código de Processo Penal foi suscitada com fundamento em violação do disposto nos artºs. 32º, nºs. 1, 2 e 5º e 205º, nº. 1 da Constituição da República Portuguesa, segundo os quais o processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso e as decisões do tribunais são fundamentadas.
............................................................................................................................................................................................................................................’
O recurso veio a ser admitido por despacho lavrado em 3 de Julho de
2003 pelo Conselheiro Relator do Supremo Tribunal de Justiça.
2. Não obstante tal despacho, porque o mesmo não vincula este Tribunal (cfr. nº 3 do artº 76º da Lei nº 28/82) e porque se entende que o recurso não deveria ter sido admitido, elabora-se, ex vi do nº 1 do artº 78º-A da mesma Lei, a vertente decisão, por intermédio da qual se não toma conhecimento do objecto da presente impugnação.
Na verdade, como deflui do relato supra efectuado, o ora recorrente, na motivação por si apresentada no recurso que interpôs para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão tirado pelo Tribunal da Relação do Porto em 15 de Janeiro de 2003, nunca equacionou qualquer questão de desarmonia com o Diploma Básico por parte de normas jurídicas pertencentes ao ordenamento jurídico infraconstitucional.
O que sustentou foi que o aresto lavrado naquele tribunal de 2ª instância violou, ele mesmo, ao decidir como decidiu, determinadas normas ou princípios constitucionais.
Significa isto que a sua postura foi a de imputar o vício de enfermidade constitucional ao acto judicial consubstanciado no acórdão prolatado pelo Tribunal da Relação do Porto e não à ou às normas jurídicas que suportaram o decidido, ou a uma sua qualquer dimensão interpretativa que teria sido acolhida por aquele aresto.
E, justamente por isso, o acórdão ora intentado colocar sob a censura do Tribunal Constitucional nem sequer enfrentou qualquer questão de inconstitucionalidade reportadamente a normas jurídicas, tendo somente sublinhado que ‘na decisão recorrida não se violaram os art.ºs 32º, n.ºs 1 e 2, e 205º, n.º 1, da Constituição’.
Ora, como se sabe, os recursos esteados na alínea b) do nº 1 do artº
70º da Lei nº 28/82, por um lado, têm por objecto normas jurídicas e não outros actos do poder público tais como, verbi gratia, as decisões judiciais consideradas qua tale; e, por outro, é requisito dessa forma de impugnação a suscitação, precedentemente à decisão pretendida recorrer perante o Tribunal Constitucional, da questão de inconstitucionalidade referentemente a normas jurídicas.
Neste contexto, como, in casu, o impugnante, na motivação do recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça, não assacou a qualquer norma, designadamente às que constam do requerimento de interposição de recurso para este órgão de fiscalização concentrada da constitucionalidade normativa, o vício de desarmonia com a Lei Fundamental, não se congrega o requisito acima assinalado.
Termos em que se não toma conhecimento do objecto do recurso, condenando-se o impugnante nas custas processuais, fixando a taxa de justiça em seis unidades de conta”.
2. É da transcrita decisão que, pelo arguido A., vem deduzida reclamação ao abrigo do nº 3 do artº 78º-A da Lei nº 28/82, na mesma sustentando, em síntese:
- que, aquando do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, indicou, mormente nos items 11º a 76º da motivação, quer as normas que, na sua óptica, considerava inconstitucionais, quer os fundamentos desse vício, em face da interpretação dada pelos tribunais de 1ª e 2ª instâncias;
- que aquele Alto Tribunal não se debruçou sobre a questão de inconstitucionalidade por entender que a mesma se não verificava;
- que, em face da motivação do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, era “perfeitamente perceptível o alcance da desconformidade da interpretação dada às citadas normas [artigos 61º, números 1, alínea c), e 3, alínea b), 127º, 140º, nº 3, e 132º, nº 1, alíneas b) e d), todos do Código de Processo Penal] e a Lei Constitucional”.
O Ex.mo Representante do Ministério Público junto deste Tribunal, ouvido sobre a reclamação, pronunciou-se no sentido de a mesma ser manifestamente infundada, já que o então recorrente, antes da prolação do acórdão impugnado, não cumpriu o ónus da suscitação de qualquer “questão de constitucionalidade de normas”.
Cumpre decidir.
3. A reclamação ora em apreço não infirma o que se contém na decisão sub specie.
É que, contrariamente ao sustentado pelo ora reclamante, não se divisa que, na motivação do recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão tirado no Tribunal da Relação do Porto, o aí recorrente tivesse, fosse em que ponto fosse, equacionado qualquer questão de desarmonia constitucional por parte de normativos (ainda que alcançados por meio de um raciocínio interpretativo) constante do diploma adjectivo criminal, designadamente os que são referidos na peça processual consubstanciadora da reclamação.
O reclamante, como acima se deixou exposto, brande com o argumento segundo o qual é facilmente extraível dos items 11º a 76º da motivação que imputara o vício da desconformidade constitucional àquelas normas.
Sendo destituído de razoabilidade estar aqui a transcrever-se a totalidade desses items (anotando-se, contudo, que alguns deles se encontram reproduzidos na decisão ora em análise, tendo sido desiderato dessa reprodução a demonstração de que não foi assacada qualquer questão de inconstitucionalidade reportada a normas vertidas em preceitos jurídicos), pode, porém, asseverar-se que nos mesmos se não lobriga minimamente que tivesse sido posta em causa a incompatibilidade com o Diploma Básico da interpretação normativa que, pela decisão então impugnada, foi conferida a certos preceitos, nomeadamente os indicados no ponto 7 do requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional.
O que naquela motivação se surpreende é que, em dados passos, foi esgrimido o argumento de que o acórdão do tribunal da 2ª instância teria, ele mesmo, contrariado alguns preceitos ou princípios constitucionais, nunca tendo sido colocada a questão de a decisão ou decisões ínsitas em tal aresto se terem devido à circunstância de nele se ter perfilhado uma interpretação normativa que seria colidente com a Lei Fundamental.
Consequentemente, não merece censura a decisão agora sob reclamação que, por isso, se indefere.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em quinze unidades de conta.
Lisboa, 19 de Novembro de 2003
Bravo Serra Gil Galvão
Luís Nunes de Almeida