Imprimir acórdão
Proc. nº 69/04
Aos três de Fevereiro de dois mil e quatro, achando-se presentes o Ex.mo Juiz Conselheiro Presidente, Luís Nunes de Almeida, e os Ex.mos Juízes Conselheiros Gil Manuel Gonçalves Gomes Galvão, Maria Fernanda dos Santos Martins Palma Pereira, Mário José de Araújo Torres, Carlos José Belo Pamplona de Oliveira, José Manuel de Sepúlveda Bravo Serra, Paulo Cardoso Correia da Mota Pinto, Maria dos Prazeres Couceiro Pizarro Beleza, Maria Helena Barros de Brito, Benjamim Silva Rodrigues, Vítor Manuel Gonçalves Gomes, Artur Joaquim de Faria Maurício, e Rui Manuel Gens de Moura Ramos, foram os presentes autos trazidos à conferência pelo Presidente, nos termos do disposto no artigo 52º, nº 2, da Lei do Tribunal Constitucional.
Após debate e votação, e apurada a decisão do Tribunal, foi pelo Ex.mo Presidente ditado o seguinte:
ACÓRDÃO Nº 75/04
1. Um grupo de oito deputados à Assembleia Legislativa Regional da Madeira requereu ao Tribunal Constitucional a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas dos artigos 133º,
134º, 136º, 137º, 141º, 142º e 143º do Decreto-Lei nº 318-E/76, de 30 de Abril
(Lei Eleitoral para a Assembleia Legislativa Regional da Madeira).
Segundo os requerentes, as normas em causa – que prevêem os crimes de voto plúrimo, mandatário infiel, coacção e artifício fraudulento sobre eleitor, abuso de funções públicas ou equiparadas, introdução de boletins na urna, desvio desta ou de boletins de voto, fraudes da mesa da assembleia de voto e da assembleia de apuramento geral, e obstrução à fiscalização – violam os princípios da igualdade, da necessidade e da proporcionalidade, emergentes dos artigos 13º e 18º, nº 2, da Constituição.
2. O pedido foi formulado com invocação do disposto no artigo
281º, nº 2, alínea g), da Constituição, onde se dispõe que, entre outros, podem requerer ao Tribunal Constitucional a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, “um décimo dos deputados à respectiva assembleia legislativa regional, quando o pedido de declaração de inconstitucionalidade se fundar em violação dos direitos das regiões autónomas”.
Verifica-se, assim, que o poder conferido aos deputados às assembleias legislativas regionais (e, bem assim, às outras entidades referidas na mesma alínea – Ministros da República, assembleias legislativas regionais e respectivos presidentes e presidentes dos governos regionais) pressupõe que esteja “necessariamente em causa uma eventual violação de direitos das regiões em face do Estado nacional, na medida em que esses direitos tiverem consagração constitucional, isto é, conformarem constitucionalmente de modo directo a autonomia político-administrativa das regiões” (cfr. Acórdão nº 198/00, Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 46º, págs. 85 e segs., e Acórdão nº 615/03 - inédito).
Acerca da segunda parte do artigo 281º, nº 1, alínea a), da Lei Fundamental, e quanto à fiscalização abstracta nela contemplada, escreveram J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª edição revista, Coimbra Editora, pág. 1035) que:
[...]Os MRs e as autoridades e deputados regionais só têm legitimidade para requerer a fiscalização da constitucionalidade ou da legalidade nos casos que digam respeito às respectivas regiões, a saber, a inconstitucionalidade com fundamento em violação dos direitos das regiões e a ilegalidade com fundamento em violação do estatuto regional ou das leis gerais da República. Por «direitos das regiões» devem entender-se os direitos constitucionalmente reconhecidos às regiões face à República.
Neste mesmo sentido, já a Comissão Constitucional, no Parecer nº 25/80 (Pareceres da Comissão Constitucional, 13º vol., pág. 143 e segs.), havia afirmado:
O poder de impugnação conferido às assembleias das regiões autónomas pelos artigos 229º, nº 2 e 281º, nº 1, é um poder circunscrito na natureza e no objecto: poder instrumental, de garantia dos poderes substantivos em que se traduz o regime político-administrativo dos Açores e da Madeira, destina-se à defesa das correspondentes normas constitucionais e só pode incidir, portanto, sobre normas legislativas ou outras que com elas, porventura, colidam.
Tal jurisprudência foi reiterada pelo Acórdão nº 264/86
(Acórdãos do Tribunal Constitucional, 8.º vol., págs. 169 e segs.), que salientou, quanto à legitimidade das assembleias regionais e dos presidentes dos governos regionais para requerer a fiscalização abstracta da constitucionalidade:
A sua legitimidade está condicionada pela presença de um quid adicional: que em causa estejam direitos regionais constitucionalmente previstos
[é, de facto, indubitável que hão-de ser direitos desta ordem, pois, se o não fossem, se fossem direitos meramente estatutários, então a sua infracção por outras normas não daria lugar a inconstitucionalidade, como é pressuposto pelo artigo 281º, nº 1, alínea a), da CRP, mas geraria antes simples ilegalidade – artigo 281º, nº 1, alínea c), da CRP].
[...] Deste modo, as assembleias regionais e os presidentes dos governos regionais só serão partes legítimas se esses direitos, dados como infringidos pelas normas cuja declaração de inconstitucionalidade é peticionada, tiverem realmente cobertura constitucional (o conhecimento de mérito limitar-se-á então ao apuramento da violação ou não daqueles direitos por parte das normas questionadas).
Mais tarde, o Acórdão nº 403/89 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, 13º vol., tomo I), reafirmou esta jurisprudência:
[...] o exercício pelos órgãos regionais da faculdade de impugnação da inconstitucionalidade de normas dimanadas de órgãos de soberania pressupõe uma legitimidade qualificada pela violação de direitos das regiões. É precisamente a circunstância de ser accionado, por esta via, um poder de garantia dos poderes das regiões, que fornece o critério de determinação do âmbito do pedido. Só têm de (devem) ser consideradas as normas que, segundo a alínea c) do nº 1 do artigo
281º da CRP, violem direitos constitucionalmente conferidos às regiões e na medida em que essas normas se destinem a nelas ser aplicadas [...].
E, no mesmo sentido, o Acórdão nº 198/2000 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 46º, págs. 85 e segs.), esclareceu:
Constituindo a norma constitucional uma atribuição de legitimidade para suscitar os mecanismos da fiscalização abstracta pelos deputados regionais, em função da defesa dos direitos constitucionais das regiões, não se verificará tal legitimidade quando as normas questionadas não interfiram directamente com tal razão defensiva.
No mesmo sentido se pronunciou, muito recentemente, o Acórdão nº 615/03 (http://www.tribunalconstitucional.pt/jurisprudencia.htm), embora estando em causa outros princípios constitucionais:
Só com fundamento em normas constitucionais que definam poderes jurídicos conferidos às regiões autónomas enquanto pessoas colectivas territoriais, em concretização do princípio da autonomia político-administrativa regional, podem as entidades mencionadas no artigo 281º, nº 2, alínea g), da Constituição, requerer ao Tribunal Constitucional a declaração de inconstitucionalidade de quaisquer normas [e] tal não é manifestamente o caso das normas constitucionais atinentes ao princípio da igualdade de sufrágio ou ao princípio da representação proporcional, já que aí não se definem poderes das regiões, face a outras entidades que lhes são externas – maxime, o Estado.
Tal jurisprudência deve ser mantida no presente caso, uma vez que as normas constitucionais que consagram os princípios da igualdade, da necessidade e da proporcionalidade não podem ser tidas como normas definidoras de direitos das regiões autónomas, pois que aí não se definem poderes das regiões, face a outras entidades que lhes são externas – maxime, o Estado
Conclui-se, nos termos expostos, pela ilegitimidade dos requerentes.
4. De acordo com o estabelecido no artigo 52º, nº 1, da Lei do Tribunal Constitucional, “o pedido não deve ser admitido quando formulado por pessoa ou entidade sem legitimidade”.
Nesta conformidade, decide-se não admitir o pedido.
Gil Galvão Maria Fernanda Palma Mário José de Araújo Torres Bravo Serra Paulo Mota Pinto Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Maria Helena Brito Benjamim Rodrigues Vítor Gomes. Artur Maurício Rui Manuel Moura Ramos Carlos Pamplona de Oliveira (com a declaração de que divirjo do entendimento dominante. O nº 2 do artigo 281º da Constituição permite fazer incluir nos direitos das Regiões. o respectivo estatuto eleitoral.) Luís Nunes de Almeida