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Processo n.º 600/03
2.ª Secção Relator: Cons. Mário Torres
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,
1. O recorrente A. vem, ao abrigo do disposto no artigo
78.º-A, n.º 3, da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (LTC), reclamar para a conferência da decisão sumária, de 13 de Outubro de 2003, que decidiu, ao abrigo do n.º 1 desse artigo 78.º-A, não conhecer do recurso.
1.1. Essa decisão sumária tem a seguinte fundamentação:
“1. A. interpôs recurso para este Tribunal Constitucional do acórdão do Tribunal Central Administrativo, de 8 de Abril de 2003, ao abrigo das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, alterada, por último, pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro
(doravante designada por LTC), aduzindo que «o tribunal violou o princípio da igualdade previsto no artigo 13.º da Constituição da República» e que «da não aplicação das normas invocadas foram violados os artigos 13.º, 103.º, n.º 3, e
104.º, n.º 2, da Constituição da República» (sic).
O recurso foi admitido pelo Desembargador Relator do Tribunal Central Administrativo, decisão que, porém, não vincula este Tribunal Constitucional (artigo 76.º, n.º 3, da LTC).
E, de facto, entende-se que o presente recurso é inadmissível, o que possibilita a prolação de decisão sumária, nos termos do artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, não se justificando a prévia formulação do convite previsto no n.º 6 do artigo 75.º-A da mesma Lei, uma vez que as causas dessa inadmissibilidade são insusceptíveis de suprimento através de correcção das deficiências do requerimento de interposição de recurso.
2. Como se disse, o presente recurso vem interposto com invocação das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC.
A referência à alínea a) é incompreensível, uma vez que não se vislumbra no acórdão recorrido – nem o recorrente a invoca – qualquer recusa de aplicação de normas com fundamento em inconstitucionalidade.
Quanto à alínea b), é sabido que – para além de objecto do recurso de constitucionalidade só poder ser a questão de inconstitucionalidade de normas
(ou de interpretações normativas), e não a eventual violação da Constituição por decisões judiciais em si mesmas consideradas – o recorrente tem de suscitar uma questão de inconstitucionalidade normativa perante o tribunal recorrido, em regra antes de ele proferir a decisão recorrida, que essa suscitação há-de ser feita «de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de ele estar obrigado a dela conhecer», e que o tribunal recorrido há-de ter feito aplicação da norma arguida de inconstitucional em termos de ela constituir fundamento (ratio decidendi) da decisão proferida.
Ora, no presente caso, não só o recorrente não suscitou, em rigor, qualquer questão de inconstitucionalidade normativa perante o tribunal recorrido, limitando-se a referir que a não aplicação do instituto da caducidade estabelecido no artigo 45.º da Lei Geral Tributária ao responsável subsidiário viola o princípio da igualdade previsto no artigo 13.º da Constituição, como – e decisivamente – o acórdão recorrido não fez aplicação dessa norma, dado que entendeu que, por força do princípio tempus regit actum, ao caso não era aplicável a Lei Geral Tributária, mas sim o Código do Processo Tributário (cf. fls. 67 a 69).”
1.2. A reclamação apresentada desenvolveu a seguinte argumentação:
“1 – O fundamento do recurso interposto do acórdão do Tribunal Central Administrativo assenta, Por um lado, Na recusa deste Tribunal em conhecer da aplicação do disposto no artigo 13.° do Código de Processo Tributário – aplicável à data dos factos dos presentes autos
– que estabelece que os administradores ou gerentes só são subsidiariamente responsáveis desde que não provem que não foi por culpa sua que o património da empresa se tomou insuficiente para satisfação dos créditos fiscais, E por outro lado, Na recusa em aplicar o disposto no artigo 45.° da Lei Geral Tributária, o que, num caso e noutro,
2 – Conduz a que o recorrente se veja numa situação de impossibilidade de fazer valer o seu direito, e ser compelido ao pagamento de impostos que lhe não devem ser exigidos, em especial, quando a prova de culpa do gerente ou administrador, cabe à Fazenda Pública, e esta não o fez.
3 – Assim se considerando, há efectivamente recusa de aplicação de normas que implicam para o reclamante o direito de acesso à justiça e ao direito.
Termos em que,
Requer a V. Ex.as que, em consequência, sejam tidos em consideração os fundamentos da presente reclamação, decidindo-se por admitir o recurso.”
1.3. Notificada da reclamação, a recorrida Fazenda Pública nada disse.
Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
2. O reclamante – tendo sido citado, em 30 de Julho de
2001, como executado por reversão, na qualidade de responsável subsidiário da executada B., para pagar a dívida desta à Segurança Social, por contribuições não pagas referentes aos anos de 1993 a 1996 e respectivos juros – deduziu, no Tribunal Tributário de 1.ª Instância de Lisboa, oposição, aduzindo, além do mais, que, tendo os factos tributários que deram origem à dívida exequenda ocorrido há mais de quatro anos e tendo a reversão da dívida ao responsável subsidiário a natureza jurídica da liquidação do imposto (pois é a partir desse momento que o novo sujeito passivo passa a ter conhecimento da origem da dívida fiscal), deve ser declarada a caducidade dessa dívida, nos termos do artigo
45.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária (“O direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro”).
Esta tese não foi acolhida na sentença da 1.ª instância
(cf. fls. 48 a 50), que entendeu que o que a lei impõe é que dentro do prazo de caducidade se efectue a liquidação e que esta seja notificada ao responsável principal (o que, no presente caso, ocorreu), e, uma vez tal notificação efectuada, não há, relativamente ao responsável subsidiário, qualquer prazo de caducidade da liquidação ou da reversão. Mais acrescentou que também não se podia falar da prescrição resultante do disposto no artigo 48.º da Lei Geral Tributária (“1. As dívidas tributárias prescrevem, salvo o disposto em lei especial, no prazo de oito anos contados, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação
única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu. 2. As causas de suspensão ou interrupção da prescrição aproveitam igualmente ao devedor principal e aos responsáveis solidários ou subsidiários. 3. A interrupção da prescrição relativamente ao devedor principal não produz efeitos quanto ao responsável subsidiário se a citação deste, em processo de execução fiscal, for efectuada após o 5.º ano posterior ao da liquidação.”), quer porque esta norma só tem aplicação a partir de 1999, quer porque o prazo normal de prescrição da dívida exequenda ainda não se encontra decorrido.
Na alegação do recurso interposto desta sentença para o Tribunal Central Administrativo, o recorrente suscitou uma questão de inconstitucionalidade nos termos assim sintetizados nas três primeiras conclusões dessa peça processual:
“1.º – O responsável subsidiário não usufrui de menos direitos de protecção jurídica tributária que o devedor principal.
2.º – O instituto da caducidade estabelecido no artigo 45.º da LGT aplica-se quer ao devedor principal, quer ao responsável subsidiário.
3.º – A não aplicação do instituto de caducidade ao responsável subsidiário viola o princípio da igualdade previsto no artigo 13.º da Constituição da República.”
Relativamente a esta questão, o acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo, de 8 de Abril de
2003, consignou o seguinte:
“Há aqui um postulado que é o de saber se a LGT é aplicável ao caso dos autos.
Ora, como bem salientou o Juiz do Tribunal Tributário de 1.ª Instância de Lisboa, à situação sub judice é aplicável o prazo de caducidade previsto no CPT, sendo que o prazo de caducidade fixado pela Lei Geral Tributária (LGT) – prazo que, em princípio, será de quatro anos, nos termos do artigo 45.°, n.° l, da LGT, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de Dezembro, apenas é aplicável aos factos tributários ocorridos a partir de l de Janeiro de 1998, nos termos do artigo 5.°, n.° 5, deste diploma legal.
A dívida exequenda na execução a que foi deduzida a presente oposição reporta-se aos anos de 1993 a 1996.
Conforme a jurisprudência corrente, as normas sobre caducidade dispõem sobre direito material e não adjectivo, razão porque, em harmonia com o preceituado no artigo 12.° do Código Civil, será de aplicar o regime consignado por aquela em cuja vigência se tenham verificado os respectivos factos tributários, ou seja, o CPT, sendo à luz dele, por força do princípio tempus regit actum, que se apreciará quer a questão da caducidade quer a da responsabilidade do gerente, ora oponente.
No que tange à caducidade, o seu regime no âmbito do artigo 33.°, n.° l, do CPT, como ensina Carvalho Jordão, Scientia Ivridica, XVIII, pág. 292,
«O fim da caducidade é preestabelecer o tempo em que o direito pode ser exercido, enquanto o fim da prescrição é pôr termo a um direito» (sic).
E, como é entendimento pacífico da jurisprudência do STA (ver, por todos, o acórdão de 10 de Dezembro de 1986, in Acórdãos Doutrinais, n.°s
308-309, pág. 1113), só a prescrição da dívida exequenda, e não também a caducidade do direito, pode servir de fundamento de oposição à execução, nos termos da alínea d) do n.° l do artigo 286.° do CPT [“1 – A oposição só poderá ter algum dos seguintes fundamentos: (...) d) Prescrição da dívida exequenda;
(...).”], sendo a caducidade fundamento de impugnação judicial da liquidação, enquanto arguida de ilegalidade concreta.
Vale isto por dizer, como bem refere o Ex.mo Magistrado do Ministério Público desta instância, que a caducidade do direito à liquidação não
é invocável pelo responsável subsidiário em oposição à execução fiscal, tanto mais que o artigo 11.°, n.° 2, do CPT [“2 – As pessoas solidária ou subsidiariamente responsáveis nos termos da lei tributária podem reclamar ou impugnar, nos termos do Código, as dívidas cuja responsabilidade lhes for atribuída.”] lhe facultava impugnar a liquidação.”
Do exposto resulta que – como se salientou na decisão sumária ora reclamada –, mesmo que fosse possível descortinar na alegação do recurso para o Tribunal Central Administrativo a suscitação de uma questão de inconstitucionalidade normativa, o certo é que o acórdão recorrido:
– não recusou a aplicação da norma do artigo 45.º da Lei Geral Tributária (aprovada pelo Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de Dezembro) com fundamento na sua inconstitucionalidade, mas antes por força das regras de aplicação das leis no tempo, pelo que não tem cabimento, no caso, recurso fundado na alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC; e
– não fez aplicação, como ratio decidendi, de uma qualquer interpretação normativa desse artigo 45.º que julgasse a caducidade aí estabelecida inaplicável ao responsável subsidiário, antes considerou, como motivo determinante da decisão, que, por um lado, esse preceito não era aplicável a factos tributários ocorridos antes de 1 de Janeiro de 1998 (por força do n.º 5 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 398/98: “O novo prazo de caducidade do direito de liquidação dos tributos aplica-se aos factos tributários ocorridos a partir de 1 de Janeiro de 1998”) e, por outro lado, que a caducidade do direito de liquidação pode ser fundamento de impugnação judicial do acto tributário (por ilegalidade) por parte do responsável subsidiário, mas já não pode servir como fundamento de oposição à execução, que foi o meio processual que o recorrente (erradamente) utilizou.
Consequentemente, não se constatando, no acórdão recorrido, qualquer recusa de aplicação de norma com fundamento em inconstitucionalidade, nem qualquer aplicação, como ratio decidendi, de norma ou interpretação normativa cuja conformidade constitucional houvesse sido adequadamente suscitada pelo recorrente durante o processo, não é admissível recurso ao abrigo das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC.
Refira-se, por último, que nunca, ao longo dos autos, o recorrente suscitou qualquer questão de inconstitucionalidade a respeito da norma do artigo 13.º do Código de Processo Tributário (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 154/91, de 23 de Abril), relativa à responsabilidade subsidiária dos administradores ou gerentes das empresas e sociedades de responsabilidade limitada. A este propósito, o que se discutiu nos autos foi a questão do ónus da prova da culpa do gerente e, em sede de matéria de facto, se os elementos colhidos eram, ou não, suficientes para afirmar a culpa do ora recorrente. Surge, assim, como irrelevante a referência que a essa norma é feita no ponto 1 da sua reclamação.
3. Em face do exposto, acordam em indeferir a presente reclamação.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em
15 (quinze) unidades de conta.
Lisboa, 2 de Dezembro de 2003.
Mário José de Araújo Torres
Paulo Mota Pinto
Rui Manuel Moura Ramos