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Proc. n.º 768/03
1ª Secção Relatora: Maria Helena Brito
Acordam, em conferência, na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
I
1. A. e outros deduziram reclamação do despacho do Relator do Tribunal da Relação de Lisboa que não admitiu o recurso que pretendiam interpor para o Tribunal Constitucional.
2. Resulta dos autos que:
2.1. Em processo de expropriação por utilidade pública urgente que corre termos no 9º Juízo Cível da Comarca de Lisboa, tanto a expropriante Câmara Municipal de Lisboa como os expropriados A. e outros interpuseram recurso do acórdão arbitral que fixou em 28.560.000$00 a indemnização devida pela expropriação de um prédio sito na freguesia de ---------------------------, em
-----------------.
2.2. Proferida sentença, a fixar a indemnização em € 226.384,36, foi interposto recurso pela expropriante.
Nas alegações de recurso que então apresentou, a Câmara Municipal de Lisboa sustentou, entre o mais, que “a sentença deve ser revogada, por ter sido proferida em erro sobre os pressupostos de facto e de direito ao acolher uma avaliação do prédio expropriado que não considerou as condições objectivas existentes à data da publicação da declaração de utilidade pública e não atendeu ao disposto no art. 27º do C.E./91”.
2.3. O Tribunal da Relação de Lisboa, invocando o disposto no artigo 712º, n.º 4, do Código de Processo Civil, decidiu “anular a decisão proferida com vista a serem elaborados novos laudos que atendam ao critério referido e, posteriormente, ser elaborada a sentença com base naqueles” (acórdão de 3 de Julho de 2003, a fls. 14 e seguintes dos presentes autos de reclamação).
Lê-se nesse acórdão, para o que aqui releva:
“[...]
[...] como foi salientado pela entidade expropriante logo a fls. 79 e ss (ponto nº 3) o valor do prédio devia ser calculado de acordo com os critérios estabelecidos no art. 27° do C.E./91, já que em causa está a expropriação de um imóvel. Acontece, porém, que os senhores peritos – todos eles – esqueceram tal pormenor e avaliaram o objecto de expropriação como se tratasse de um terreno apto para construção, seguindo, desta forma, os critérios apontados pelo art. 25° do diploma supra referido e não os indicados pelo já citado art. 27°. A verdade é que tanto no auto de vistoria ad perpetuam rei memoriam, como no acórdão arbitral é reconhecida a existência de edificação implantada no prédio expropriado. Lê-se no relatório da vistoria ad perpetuam rei memoriam que «o prédio que vai ser objecto desta expropriação é um armazém sito no ----- do número ------ da Rua --------------------, na freguesia de ----------------, concelho de
-----------». O mesmo está inscrito na ----ª Conservatória de Registo Predial, sob o n°------, a fls. ------- do livro ------ e inscrito na matriz predial urbana do ---º Bairro Fiscal de --------, sob o art. ------ da freguesia de
---------------------------------. O prédio tem forma irregular, possui uma área coberta de ------------------- metros quadrados e descoberta de ----------------------- metros quadrados; o armazém, em estado de conservação precário, destinava-se a armazenamento de madeiras; dispõe de redes de abastecimento público de água, electricidade, gás e telefone, existindo junto dela um colector de esgotos e, conforme P.D.M., está classificado como área consolidada de edifícios de utilização colectiva habitacional, com um índice de utilização bruto próximo de 2 m2 de construção/m2 de terreno e uma cércea máxima de 25 metros. Ora, a sentença impugnada baseou-se nos laudos dos peritos dos expropriados e do tribunal, os quais formularam os seus cálculos na base de um terreno apto para construção (ut art. 25º) e não, como deveria ter sido, de acordo com os critérios estabelecidos para a determinação do valor de edifícios ou construções
(ut art. 27º). Há, portanto, que proceder a nova peritagem com vista à avaliação do prédio expropriado, tendo em devida conta os critérios enumerados no art. 27º do C.E/91
(diploma aplicável ao caso por ser o vigente à data da declaração de utilidade pública [...]). Falta a este tribunal base factual para poder decidir. Resta, pois, reconhecer a falta de factualidade com vista a poder proferir decisão, atento o erro dos peritos e a sua adopção pela sentença recorrida.
[...].”
2.4. Notificados deste acórdão, A. e outros interpuseram recurso para o Tribunal Constitucional, invocando como fundamento a alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, através de requerimento assim redigido (requerimento de fls. 22 destes autos).
[...] No ponto 1 das suas contra-alegações, os ora recorrentes alegaram que o nº 1 do art. 25° do Código das Expropriações de 1991 permitia avaliar solos aptos para a construção, ocupados com edificações, com base no valor da construção que neles fosse possível edificar (naturalmente, em substituição das existentes), o que se explicava pela imposição constitucional da justa indemnização constante do n° 2 do art. 62° da CRP. Esta proposição postulava, pela inversa, que os ora recorrentes defenderam a inconstitucionalidade da interpretação do n° 1 do art. 25° daquele Código que considerasse esse preceito inaplicável à avaliação de solos aptos para a construção ocupados com edificações substituíveis por outras que constituíssem um aproveitamento económico normal desses solos, de acordo com as leis e regulamentos em vigor. Precisamente, o Douto Acórdão ora recorrido excluiu a interpretação que os recorrentes consideravam constitucionalizante e adoptou a contrária. Daí que pretendam os ora recorrentes que o Tribunal Constitucional se pronuncie sobre a inconstitucionalidade do nº 1 do art. 25º do Código das Expropriações de
1991, com o sentido que lhe foi dado pelo douto Tribunal a quo, de o mesmo não ser aplicável quando no solo apto para a construção existem edificações.
[...].”
2.5. O Relator, no Tribunal da Relação de Lisboa, decidiu não admitir o recurso para o Tribunal Constitucional pelas razões a seguir indicadas (despacho de fls. 23):
“O acórdão proferido anulou a decisão da 1ª instância; logo é esta que deverá apreciar as questões que foram aqui suscitadas. Do acórdão proferido não cabe recurso para o S.T.J.; logo não está esgotado o poder de recorrer, o mesmo é dizer que, para o T. Constitucional, também ainda não é tempo para recorrer. Em conformidade, decide-se não admitir o recurso.
[...].”
2.6. A. e outros vieram deduzir reclamação do despacho de não admissão do recurso, através do requerimento de fls. 2 e seguinte, onde sustentaram:
“[...] Fica explícito neste indeferimento que os expropriados poderão recorrer no futuro da decisão da 1ª instância que, em obediência ao douto Acórdão de que se pretende recorrer para o Tribunal Constitucional, vier a aplicar a lei com o sentido inconstitucional que este último lhe fixou. E que, por isso, tal recurso, neste momento, é prematuro, apesar de não haver recurso para o S.T.J. Salvo o douto suprimento de V. Exª., não parece que no futuro se possa controverter a inconstitucionalidade da lei aplicada, dado que a 1ª instância deverá obediência à interpretação que agora lhe foi dada, após transitado o douto Acórdão. Pelo que o presente recurso não parece prematuro e deverá ser aceite.
[...].”
2.7. O Relator, no Supremo Tribunal de Justiça, determinou a junção da certidão requerida e a sua remessa para o Tribunal Constitucional (despacho de fls. 5).
3. No Tribunal Constitucional, o Ministério Público emitiu parecer, do seguinte teor (fls. 25 v.º):
“A presente reclamação é manifestamente infundada. Na verdade, tendo a Relação anulado a decisão de 1ª instância, determinando a renovação da prova pericial, é evidente que não aplicou a norma cuja constitucionalidade os recorrentes pretendiam questionar – e atinente à decisão a proferir sobre o mérito da causa.”
Cumpre apreciar e decidir.
II
4. Os ora reclamantes pretendiam interpor recurso de constitucionalidade da decisão proferida nos autos pelo Tribunal da Relação de Lisboa, com fundamento na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, para apreciação da norma contida no artigo 25º, n.º 1, do Código das Expropriações de 1991.
O Relator não admitiu o recurso, por entender que o acórdão de que os ora reclamantes pretendiam recorrer se tinha limitado a anular a decisão da
1ª instância, sendo portanto “esta que deverá apreciar as questões que foram aqui suscitadas”.
5. Não merece censura o despacho reclamado.
Na verdade, não estão verificados no caso os pressupostos processuais exigidos pela disposição invocada como fundamento do recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade – a alínea b) do n.º 1 do artigo
70º da Lei do Tribunal Constitucional.
No acórdão de que se pretende recorrer para este Tribunal (acórdão de 3 de Junho de 2003, a fls. 14 e seguintes destes autos), o Tribunal da Relação de Lisboa, invocando o disposto no artigo 712º, n.º 4, do Código de Processo Civil, decidiu “anular a decisão proferida com vista a serem elaborados novos laudos que atendam ao critério referido e, posteriormente, ser elaborada a sentença com base naqueles”.
É assim manifesto que a decisão não aplicou a norma cuja inconstitucionalidade se pretende submeter ao julgamento do Tribunal Constitucional – a norma constante do artigo 25º, n.º 1, do Código das Expropriações de 1991.
Por entender que faltava ao tribunal “base factual para poder decidir”, o Tribunal da Relação do Porto anulou a decisão proferida na 1ª instância, nos termos do artigo 712º, n.º 4, do Código de Processo Civil. Só esta norma, pois, constituiu o fundamento do acórdão da Relação.
Não tendo sido aplicada na decisão recorrida a norma que se pretende submeter à apreciação do Tribunal Constitucional, não podem dar-se como verificados no caso os pressupostos processuais do tipo de recurso interposto.
III
6. Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide indeferir a presente reclamação.
Custas pelos reclamantes, fixando-se a taxa de justiça em quinze unidades de conta.
Lisboa, 3 de Dezembro de 2003
Maria Helena Brito Carlos Pamplona de Oliveira Rui Manuel Moura Ramos