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Processo n.º 590/03
2ª Secção Relator - Cons. Paulo Mota Pinto
Acordam em conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório
1.A. e outros, melhor identificados nos autos, solicitaram ao Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, em 11 de Julho de 2002, a suspensão da eficácia do despacho de 22 de Maio de 2002, do Vereador da Câmara Municipal da Amadora, que lhes determinou um “prazo de 15 dias para retirarem os animais/actividades económicas e 30 dias para demolição das habitações ilegais”, na sequência da improcedência da reclamação por estes apresentada contra uma anterior ordem de desocupação das barracas existentes na Estrada Militar da Serra da Murta, nas traseiras do cemitério de Queluz.
Por decisão de 25 de Julho de 2002, o dito pedido de suspensão de eficácia foi indeferido.
Inconformados, os requerentes interpuseram recurso dessa decisão do Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, ao qual, após várias vicissitudes, foi negado provimento por acórdão de 15 de Maio de 2003, do Tribunal Central Administrativo.
2.Os recorrentes pretenderam então apresentar recurso de tal decisão para o Tribunal Constitucional, “ao abrigo dos comandos ínsitos nas alíneas b) e f) do art. 70º do Dec.-Lei n.º 28/82, de 15/11”, pretendendo
“ver apreciado e julgado inconstitucional todo o processado da Câmara Municipal da Amadora desde o EDITAL n.º 08/2002, de 28/02/02, de onde emergem os autos objecto deste recurso”.
E afirmando também que:
“A DECISÃO FINAL dada no EDITAL que consubstancia o ACTO ADMINISTRATIVO, está revestida de todos os vícios, não observou os mínimos requisitos legais e substanciais, não teve em conta os mais elementares princípios constitucionais, nem demais legislação que protegesse os cidadãos que acolha na sua Autarquia”
E que:
“[t]odas as questões acima enunciadas estão subjacentes nos articulados oferecidos pelos Interessados, onde bem se aflora a inconstitucionalidade dos actos e factos praticados pela Câmara Municipal da Amadora.”
O Ministério Público junto do mesmo Tribunal Central Administrativo pronunciou-se pela não admissão do recurso, por os recorrentes não terem suscitado qualquer questão de inconstitucionalidade ou ilegalidade, nos termos das invocadas alíneas b) e f) do n.º 1 do artigo 70º, da Lei do Tribunal Constitucional, mas promoveu que os recorrentes fossem notificados para aperfeiçoar o seu requerimento, como previsto no n.º 5 do artigo 75º-A daquela lei.
Em resposta ao despacho nesse sentido, escreveram os recorrentes, designadamente:
“É bem claro que existem irregularidades, ilegalidades e procedimentos à margem da LEI e totalmente em ofensa da CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA – MÃE DE TODAS AS LEIS, [que] deverão e haverão, por direito e legitimidade dos recorrentes, de ser apreciadas no DOUTO TRIBUNAL SUPERIOR”
E, contestando a “falta de elementos com base no art. 70º do Dec. Lei n.º
28/82”, acrescentaram:
“esses elementos são mais do que visíveis, resplandescendo-se em todo o processado, onde os recorrentes sempre chamaram a Mãe das Leis, parecendo aos recorrentes estarem, ab initio, mais do que violados os preceitos referidos do art. 70º e ainda os referidos no requerimento de recurso oferecido em 03/06/03.”
Por despacho do Juiz do Tribunal Central Administrativo de 10 de Julho de 2003, o recurso não foi admitido.
3.É contra este despacho que vem apresentada a presente reclamação.
O Ministério Público neste Tribunal Constitucional pronunciou-se no sentido do seu indeferimento “por manifesta inidoneidade do objecto do recurso interposto para este tribunal, que não visa dirimir qualquer questão de inconstitucionalidade normativa”.
Cumpre apreciar e decidir. II. Fundamentos
4.Adianta-se já que a presente reclamação não pode obter provimento, por mais de uma ordem de razões.
Assim, e em primeiro lugar, o que, claramente, se pretende trazer à apreciação deste Tribunal, não é a conformidade constitucional de uma norma, ou de um conjunto de normas ou dimensões normativas, mas antes uma actuação concreta, rectius, um conjunto de procedimentos de uma autarquia. Ora, como é sabido, os poderes cognitivos do Tribunal Constitucional em matéria de recursos estão circunscritos à apreciação da conformidade constitucional ou legal de normas
(cfr., por exemplo, os Acórdãos n.ºs 82/92 e 318/93, publicados, respectivamente, no Diário da República, II Série, de 18 de Agosto de 1992 e de
2 de Outubro de 1993). Nenhuma norma foi, porém, acusada de uma tal desconformidade constitucional, ou de violação de uma lei de valor reforçado (já que, manifestamente, não estava em causa desconformidade com estatuto regional), como teria de ser para se preencher, respectivamente, a hipótese normativa das alíneas b) e f) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional.
Em segundo lugar, verifica-se que, a mais de tal inconstitucionalidade ou ilegalidade não terem sido impugnadas no requerimento dirigido a este Tribunal, também o não foram perante o tribunal recorrido, não tendo qualquer questão de constitucionalidade ou de ilegalidade por violação de lei de valor reforçado sido suscitada durante o processo, como, segundo a Constituição e a lei, e em conformidade com jurisprudência constante, haveriam de ter sido para preencherem os requisitos específicos, tanto do recurso de constitucionalidade interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, como do recurso de legalidade interposto ao abrigo da alínea f) do n.º 1 do mesmo artigo – cfr., por exemplo, os Acórdãos n.ºs 90/85, 339/86 e 1144/96, publicados, respectivamente, no Diário da República, II Série, de 11 de Junho de
1985, de 18 de Março de 1987 e de 6 de Fevereiro de 1997.
Acresce, em terceiro lugar, que o sentido da questão de constitucionalidade não foi sequer devidamente delineado, uma vez que nem mesmo após o convite previsto no n.º 5 do artigo 75º-A da Lei do Tribunal Constitucional, os recorrentes cumpriram devidamente o ónus estabelecido no n.º 2 do mesmo normativo. Na verdade, além de alusões (vagas) às suas anteriores peças processuais, nunca indicaram a “norma ou princípio constitucional ou legal” que consideravam violados. E também por isso – por a questão de constitucionalidade não ter sido suscitada de forma clara e perceptível cfr. os Acórdãos n.ºs 269/94 e 560/94, publicados, respctivamente, no Diário da República, II Série , de 18 de Junho de
1994, de 10 de Janeiro de 1995 – não pode conhecer-se do recurso (embora já as duas razões anteriormente expostas impusessem esta conclusão).
Sem um verdadeiro objecto normativo, sem se ter verificado a suscitação da inconstitucionalidade (ou da ilegalidade) durante o processo, e sem a clara indicação de parâmetros constitucionais ou legais tidos por violados, não podia admitir-se o recurso, e a presente reclamação não pode, pois, ser atendida.
III. Decisão
Nos termos e pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação e condenar os recorrentes em custas, com 15 (quinze) unidades de conta de taxa de justiça.
Lisboa, 19 de Novembro de
2003 Paulo Mota Pinto Mário José de Araújo Torres Rui Manuel Moura Ramos