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Proc. nº 760/03 TC – 1ª Secção Rel.: Cons.º Artur Maurício
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional
1 - A., com os sinais dos autos, reclama para este Tribunal, ao abrigo do artigo 76º nº 4 da LTC, do despacho que não lhe admitiu o recurso interposto do acórdão da Relação de Évora de fls. 173 e segs. para o Tribunal Constitucional.
Na sua reclamação diz, em síntese:
- que, tendo o dito acórdão alterado a interpretação, feita em 1ª instância, da norma em causa – com a qual, aliás, concordava – não tinha o reclamante que suscitar a questão de constitucionalidade perante o Tribunal da Relação;
- que suscitou a questão de constitucionalidade no pedido de aclaração do mesmo acórdão apenas com o fim de evitar o recurso para o Tribunal Constitucional;
- que tal suscitação nem sequer era necessária, uma vez que podia recorrer directamente para o Tribunal Constitucional.
Ouvido sobre esta reclamação, o Procurador-Geral Adjunto em exercício neste Tribunal pronunciou-se no sentido de ela ser indeferida por ser manifestamente improcedente.
Cumpre decidir.
2 – O reclamante interpôs recurso para o Tribunal Constitucional do acórdão do Tribunal da Relação de Évora de fls. 173 e segs., ao abrigo do artigo 70º nº 1 alíneas b) e f) da LTC, pedindo que fosse apreciada a constitucionalidade da norma ínsita no artigo 2º do Decreto-Lei nº 524/99, de 10 de Dezembro, que, segundo ele, violaria o disposto no artigo 13º da Constituição.
O recurso não foi admitido nos termos do despacho de fls. 238 e segs. com o fundamento de a questão de constitucionalidade não ter sido suscitada perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida acrescentando-se que “se não verifica nenhum dos casos excepcionais acima referidos pois a questão suscitada não tem por objecto normas sobre questões susceptíveis de serem conhecidas depois de proferida a decisão final (v.g. a sentença) e, nomeadamente, normas processuais sobre o regime de nulidades ou esclarecimento desta, nem o acórdão proferido constituiu qualquer decisão imprevisível ou insólita na interpretação dele constante relativamente às normas aplicadas quanto ao prazo do contrato”.
O acórdão de que o reclamante pretendeu recorrer foi proferido sobre recurso interposto de sentença do Tribunal Judicial de Grândola que julgou duas acções de oposição de denúncia de arrendamento rural intentadas pelo ora reclamante contra B. (Pº nº 64/99) e contra C. e outros (Pº 65/99)
As acções foram julgadas improcedentes em 1ª instância.
Colocada nas mesmas acções a questão de saber qual o momento em que deveria ser feita a entrega dos prédios aos RR, na sentença foi decidido que tal entrega se não poderia efectuar antes do termo da renovação dos contratos, entretanto operada por força da lei, ou seja, antes de 7/7/2004.
Para tanto, considerou aquela decisão que, outorgados os contratos de arrendamento rural a agricultor autónomo em 7/7/87, eles se teriam renovado em
7/7/94 por mais cinco anos, por força do disposto no artigo 5º nº 3 do Decreto-Lei nº 385/88, de 25 de Outubro, ou seja até 7/7/99; por outro lado, sendo de 5/1/99 as notificações para denúncia dos contratos – isto é, com menos de um ano de antecedência relativamente ao termo da renovação em curso dos contratos – elas não poderiam impedir nova renovação embora só produzissem efeitos no termo desta última (7/7/2004).
Desta sentença recorreram para a relação o Autor e os RR.
No recurso da Ré B., que incidiu sobre a parte da sentença que lhe fora desfavorável – data em que devia operar a denúncia do contrato –. sustentou-se que nos termos do artigo 5º, nº 3, (primitiva redacção) do Decreto-Lei nº
385/88, a renovação dos contratos seria sempre pelo período de um ano, não sendo aplicável a nova redacção do mesmo preceito, dada pelo Decreto-Lei nº 524/99, de
10 de Dezembro (a renovação dos contratos passou a ser pelo período de cinco anos), considerando o disposto no artigo 2º do mesmo diploma que explicitou não ser aplicável o novo prazo aos períodos de renovação em curso.
Idêntica tese foi sustentada no recurso interposto pelos RR C. e outros.
Relativamente aos referidos recursos, o ora reclamante não contra-alegou.
O acórdão da Relação de Évora julgou improcedente o recurso do Autor e procedente o dos RR, decidindo, neste último caso, que a entrega dos prédios se deveria processar no termo do ano agrícola seguinte ao trânsito em julgado do acórdão.
A revogação parcial do decidido em 1ª instância assentou em que a alteração do nº 3 do artigo 5º do Decreto-Lei nº 385/88 – passando para cinco anos o prazo da renovação do contrato - , introduzida pelo Decreto-Lei nº 543/99, se não aplicava aos períodos de renovação em curso, nos termos do artigo 2º do mesmo diploma legal, precisamente como era defendido pelos RR, também apelantes.
É, então, que o ora reclamante, com o pretexto da ambiguidade do acórdão da Relação de Évora, pede a sua aclaração, suscitando, do mesmo passo, a inconstitucionalidade do citado artigo 2º do Decreto-Lei nº 543/99.
O pedido de aclaração foi indeferido.
Impondo o disposto nos artigos 70º nº 1 alíneas b) e f) e 72º nº 2 da LTC que a questão de constitucionalidade seja suscitada perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, terá o reclamante cumprido este ónus processual ?
Seguramente que não, como se passa a demonstrar.
3 – Não parece o reclamante pôr em causa que o pedido de aclaração não era, no caso, momento adequado para suscitar a questão de constitucionalidade.
E não era de facto, como resulta de jurisprudência pacífica deste Tribunal
(cfr., entre outros, o Acórdão nº 560/98, in DR II Série de 15/3/99, citado no despacho de não admissão do recurso, ora reclamado).
A discordância do reclamante assenta, como se deixou relatado, no argumento de não ser exigível a suscitação prévia da questão de constitucionalidade, pois só com o acórdão recorrido se fez a interpretação normativa que considera ofensiva da Constituição, sendo certo que a acolhida na sentença de 1ª Instância lhe era favorável.
Ora, se é certo que a interpretação da norma contida no artigo 2º do Decreto-Lei nº 543/99 que o reclamante questiona, sub specie constitucionis, foi apenas adoptada pelo acórdão da Relação de Évora, não menos o é que tal interpretação fora sustentada pelos RR no recurso que igualmente interpuseram da parte desfavorável da sentença então impugnada – facto que o reclamante omite.
Confrontado, assim, com a tese sufragada pelos RR, nos seus recursos, teve o reclamante oportunidade de lhe opor a inconstitucionalidade da interpretação normativa defendida, em contra-alegações, submetendo a questão, em tempo útil, à apreciação do tribunal de recurso.
O reclamante não aproveitou – como devia – tal oportunidade, pois não contra-alegou.
Não pode, deste modo, defender-se que a interpretação acolhida no acórdão recorrido – precisamente a que os RR apelantes propugnavam – se configure como surpreendente e imprevisível, em termos de se não exigir ao reclamante que a
“antecipasse”.
Em suma, não cumpriu o reclamante o ónus processual de suscitação prévia
(perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida) da questão de constitucionalidade que pretendia ver apreciada pelo Tribunal Constitucional, nos termos dos citados artigos 70º nº 1 alíneas b) e f) e 72º nº 2 da LTC, pelo que não merece censura o despacho reclamado.
4 – Decisão:
Pelo exposto e em conclusão, decide-se indeferir a reclamação.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 15 Ucs.
Lisboa, 3 de Dezembro de 2003
Artur Maurício Rui Manuel Moura Ramos Luís Nunes de Almeida