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Processo n.º 475/03
2.ª Secção Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues
Acordam, em conferência, no Tribunal Constitucional:
A - Relatório
1. Nos presentes autos foi proferida pelo relator a seguinte decisão sumária:
“1 - A., identificado com os demais sinais dos autos, dizendo-se inconformado com o despacho do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no processo a que alude o art. 405º do Código de Processo Penal, que indeferiu a reclamação deduzida pelo ora recorrente contra o despacho do Desembargador Relator da Relação de Lisboa que não admitiu o recurso por ele interposto para o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) do acórdão daquele Tribunal de 2ª instância que o condenou na pena unitária de três anos de prisão pela prática de um crime de falsidade informática, p. e p. pelo n.º 1 do art. 4º da Lei n.º 109/91, de 17 de Agosto, e de um crime de burla informática, p. e p. pelos n.os 1 e 5 alínea a) do art. 221º do Cód. Penal, dele recorre para este Tribunal Constitucional, pretendendo que este aprecie a inconstitucionalidade da norma do art. 400º, n.º1, alínea e) do Código de Processo Penal (CPP) na acepção interpretativa nele determinada, por violação das garantias de defesa do arguido reconhecidas no art. 32º da Constituição da República Portuguesa (CRP).
2 - O despacho recorrido considerou não ser admissível, nos termos da alínea e) do n.º 1 do art. 400º do CPP, o recurso que o ora recorrente interpusera para o STJ do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que, alterando anterior decisão da 1ª instância que o havia condenado na pena de 3 anos e meio de prisão pela prática de um crime de falsidade informática, p. e p. pelo n.º 1 do art. 4º da Lei n.º 109/91, de 17 de Agosto, e pela prática de um crime agravado de burla informática, p. e p. pelos n.os 1 e 5 alínea a) do art.
221º do Cód. Penal, o condenou na pena única de 3 anos de prisão, pela prática dos mesmos crimes. E para assim decidir o despacho recorrido considerou que a expressão “em processo por crime a que seja aplicável [...] pena de prisão não superior a cinco anos, mesmo em caso de concurso de infracções” deve ser entendida não em função do “limite máximo da soma das penas abstractas aplicáveis aos vários crimes, mas sim da soma das penas concretamente aplicadas a cada um deles”.
3 - Embora discordando da subsunção do caso à alínea e) do n.º 1 do art.
400º do CPP, e não à alínea f) dos mesmos número e artigo, tal como, antes, já o defendera, embora sem êxito, na petição da reclamação para o Presidente do STJ,
é aquela norma da alínea e) do n.º 1 do art. 400º do CPP que constitui o objecto do recurso para este Tribunal que foi definido pelo recorrente - como, aliás, não poderia, sequer, deixar de ser, dado ter sido ela a norma concretamente aplicada como ratio decidendi da decisão e tal corresponder a pressuposto processual do recurso previsto na al. b) do n.º 1 do art. 70º da LTC (Lei n.º
28/82, de 15 de Novembro).
4 - Ora a questão de constitucionalidade da norma da alínea e) do n.º 1 do art. 400º do CPP tem sido dirimida por este Tribunal Constitucional em diversos recursos de fiscalização concreta de constitucionalidade de que tem conhecido, tendo concluído sempre pela sua não inconstitucionalidade. São disso exemplo, no que concerne directa e especificamente à norma em questão, os Acórdãos n.os
377/03 e 49/2003, disponíveis em
“www.tribunalconstitucional.pt/jurisprudencia.htm” (quanto à al. f), com argumentação similar, cf. os Acórdãos n. os 189/2001, 369/2001 e 435/2001). A questão é hoje, portanto, uma questão simples e não se vislumbram quaisquer razões para abandonar, no âmbito do caso concreto sub judicio, tal jurisprudência firme e pacífica. Assim sendo, usando dos poderes conferidos pelo n.º 1 do art.º 78º-A da LTC, e pelos fundamentos constantes do recente Acórdão n.º 377/03, de que se juntará cópia a esta decisão, decide-se negar provimento ao recurso.
2. Inconformado, o recorrente veio apresentar reclamação, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 78.º-A da Lei do Tribunal Constitucional, tendo concluído a sua argumentação com a apresentação das seguintes conclusões:
“A. Sustenta o reclamante que a decisão do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa é recorrível porque se exclui à previsão normativa das alíneas e) e f) do n.º 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal (face à interpretação que se retira da mesma) quer porque a interpretação dada àqueles preceitos pelos Tribunais Superiores se afigura inconstitucional, à luz dos artigos 20.º e 32.º da Constituição da República Portuguesa.
B. A interpretação do vocábulo “aplicável” não pode deixar de ter em consideração o Sistema Judiciário no seu todo e, jamais, poderá ser interpretado enquanto “aplicada”, tendo este vocábulo um sentido próprio e diverso ao daquele.
C. Entender de forma diversa, como o faz o Supremo Tribunal de Justiça, significa fazer depender a recorribilidade de uma decisão da qualidade/posição processual do recorrente e não da decisão tal qual. Equivaleria a afirmar que em certas situações apenas ao arguido estava vedado o direito ao recurso quando é ele o maior interessado na correcção de eventuais erros judiciários nas decisões condenatórias.
D. A decisão sumária proferida e da qual se reclama afigura-se violadora do Princípio Constitucional da Igualdade, aderindo ao facilitismo, uma vez que, de forma arbitrária e discricionária, uma vez admite o recurso e submete-o a julgamento e outras não o admite apesar de terem por objecto uma e a mesma norma
(cfr. Acórdão n.ºs 49/03 e 377/03 deste Tribunal).
E. A ratio decidendi do artigo 400.º do Código de Processo Penal, na interpretação que lhe é dada padece de vício, pois, o bem em causa – liberdade humana – tem seguramente mais valor do que qualquer quantia pecuniária e, nem por isso o Supremo Tribunal de Justiça deixa de conhecer dos recursos de processo civil cuja dignidade é certamente menor, de acordo com o princípio da Ponderação dos Bens.
F. Implicaria, ainda, que se entendesse que apenas os recursos interpostos pelos arguidos pudessem “avassalar” o Supremo Tribunal de Justiça, ao contrário dos demais.
G. O princípio da Proibição da Reformatio in Pejus constitui salvaguarda ou garantia do arguido, em sede de recurso, não podendo em caso algum funcionar como elemento de interpretação restritiva, de modo a cercear dos direitos, liberdades e garantias dos arguidos, ainda para mais na sua sede própria – a dos recursos.
H. Errare humano est – procure-se com este processo corrigir os “erros judiciários” indicados pelo arguido pelo bom nome da justiça.
I. E repetindo o que antes se disse, com o devido Respeito, que é Muito, dirige-se o seguinte repto a Vossas Excelências:
«Tenha-se a coragem de, pelo menos, ler o que o arguido tem a afirmar em sua defesa, ao invés de aceitar que os Doutos Arestos deste Tribunal Constitucional encontraram a Verdade Absoluta, o que naturalmente não coincide com a humildade necessária a todos quantos anseia a verdade e a sabedoria.
A Verdade Absoluta e a Certeza Plena são quase quimeras no Mundo do Direito. Dê-se nobreza às Vestes de Vossas Excelência ao admitirem que a luz possa vir dos mais humildes, viabilizem a leitura da Motivação que o ora Recorrente pretende apresentar, admitindo que o presente recurso seja submetido a julgamento, ao invés de prostrar a Justiça ao facilitismo de uma decisão sumária» (...)”.
3. O representante do Ministério Público junto deste Tribunal, notificado de tal reclamação, veio responder-lhe nos termos seguintes:
“1. A presente reclamação é manifestamente improcedente.
2. Na verdade, o recorrente não invoca qualquer argumento novo, que este Tribunal Constitucional não tivesse já tomado na devida conta, nos acórdãos que corporizam a corrente jurisprudencial formada sobre a questão de constitucionalidade em causa nos presentes autos.”
Cumpre, pois, decidir.
B - Fundamentação
4. Em primeiro lugar, quanto ao facto do presente recurso ter sido objecto de decisão sumária do relator, importa, desde já, esclarecer que o Tribunal, contrariamente ao que se sustenta na conclusão “D”, admitiu o recurso e submeteu-o a julgamento, tendo, porém, decidido, em virtude de se tratar de
“uma questão simples” já “dirimida por este Tribunal Constitucional em diversos recursos de fiscalização concreta de constitucionalidade”, negar provimento ao mesmo por não se vislumbrarem quaisquer razões para abandonar, no âmbito do caso concreto sub judicio, a jurisprudência firme e pacífica do Tribunal sobre a questão decidenda.
Em todo o caso, é manifesto que o ora reclamante se insurge contra o facto do recurso ter sido julgado por decisão sumária do relator pelo facto de
“o nosso Sistema judicial não consagra[r] a regra do precedente, muito menos obrigatória. [E] Uma vez que a jurisprudência não é em Portugal fonte de direito, não se vislumbra qualquer razão, senão a celeridade, para que o recurso haja sido objecto de uma apreciação e decisão sumárias”.
Ora, tal argumentação, absolutamente sobreponível à que foi considerada por este Tribunal no Acórdão n.º 435/01 (disponível em
www.tribunalconstitucional.pt/jurisprudencia.htm) – onde se consideraram os argumentos que, perante uma decisão sumária paralela à reclamada, sustentavam que tal corresponderia à “(...) a consagração no nosso sistema jurídico da regra do precedente obrigatório” e que “(...) a jurisprudência não é entre nós fonte de direito; a decisão foi ditada com o objectivo de julgar depressa o caso, e não de o apreciar devidamente; os fundamentos invocados no recurso decididos por aquele acórdão, que, é certo, versava sobre a mesma norma, podem ser diferentes daqueles que poderão ser utilizados neste, onde não foram ainda apresentadas alegações” – é manifestamente improcedente porque a possibilidade conferida ao relator de proferir decisão sumária que remeta para decisão anterior que haja julgado o mesmo objecto não impede o conhecimento do objecto do recurso, permitindo – o que é diferente – que não seja repetida a fundamentação já expressa em decisões anteriores, nos casos em que o Tribunal assim considere dever julgar.
Tal possibilidade não representa, em caso algum, nenhuma manifestação da regra do precedente obrigatório, nem põe em causa, como se afirma no Acórdão n.º 435/01, “por nenhuma via o princípio da independência dos tribunais (...)”.
De resto, como igualmente se refere no Aresto citado, “é certo que o ora reclamante não teve oportunidade de alegar, justamente porque o recurso foi assim julgado; mas a função da reclamação permitida pelo n.º 3 do artigo 78.º-A da mesma Lei n.º 28/82 é, precisamente, conferir-lhe a possibilidade de apresentar razões que demonstrem que não tem cabimento, no caso, o juízo de manifesta improcedência” que determinou o juízo de negar, por decisão sumária, provimento ao recurso. Porém, consideradas as razões invocadas pelo reclamante – que, na essência, constavam já do requerimento de interposição de recurso para este Tribunal e que foram relevadas pela decisão reclamada –, não se vislumbra nelas qualquer argumento inovador que haja de ser validamente considerado em termos de implicar o afastamento da fundamentação expendida nos arestos que, considerando a mesma questão, julgaram não inconstitucional o artigo 400.º al. e) do Código de Processo Penal e nos que, com argumentos também invocáveis no caso sub judicio, proferiram igual juízo a propósito da alínea f) do mesmo artigo.
C. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação, confirmando-se a decisão sumária reclamada.
Custas pelo reclamante, com 15 UC de taxa de justiça.
Lisboa, 28 de Janeiro de 2004
Benjamim Rodrigues Maria Fernanda Palma Rui Manuel Moura Ramos