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Processo n.º 392/13
2.ª Secção
Relator: Conselheiro João Cura Mariano
Acordam, em conferência, no Tribunal Constitucional
Relatório
A. e B. intentaram no Tribunal Judicial da Comarca de Tomar contra C. e D., ação declarativa, com processo ordinário.
As Rés contestaram, deduzindo reconvenção.
Foi proferida sentença que julgou a ação e a reconvenção parcialmente procedentes.
Desta decisão as Autoras interpuseram recurso para o Tribunal da Relação, tendo sido proferido acórdão julgando improcedente o recurso e mantendo a decisão da 1.ª instância nos seus precisos termos.
Desta decisão recorreram as Autoras para o Supremo Tribunal de Justiça.
O Conselheiro Relator ordenou a notificação das Rés para se pronunciarem querendo sobre a possibilidade de ser proferida decisão favorável às Autoras, com fundamento diverso, “evitando-se, de tal modo, serem confrontadas com uma decisão surpresa”.
As Recorridas solicitaram o esclarecimento deste despacho, tendo o Conselheiro Relator respondido que o “que as Autoras pretendem obter é o reconhecimento do seu direito sobre os prédios em questão e a sua restituição pelo que o que se pretendeu dizer com a notificação é que tal objetivo poderá ser obtido, fundado na estrita aplicação da lei, embora não na linha da fundamentação adotada”.
As Recorridas arguiram a nulidade de tal despacho, não tendo recaído pronúncia sobre esta arguição.
Por acórdão proferido em 18 de dezembro de 2012 foi julgado parcialmente procedente o recurso, com fundamento diverso.
Perante esta decisão, a Ré D. veio requerer a sua aclaração e arguir a sua nulidade, tendo igualmente suscitado a inconstitucionalidade da interpretação conferida ao artigo 3.º, n.º 3, do Código de Processo Civil.
Foi proferido acórdão em 12 de março de 2013 que indeferiu os pedidos de aclaração e de arguição de nulidade.
Desta decisão recorreu a Ré D. para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC, nos seguintes termos:
“…20.º De fato e de acordo com o artigo 75.º A da lei do Tribunal Constitucional, desde já a recorrente esclarece que, com o presente recurso, pretende que o Tribunal Constitucional aprecie a inconstitucionalidade do complexo normativo formado pelos artigos 3.º e 201.º n.º l do CPC, na interpretação segundo a qual, admitindo-se na presença de uma decisão surpresa, considera não constituir nulidade processual/ e ou inconstitucionalidade a mera comunicação de provável decisão surpresa, sem que à parte visada seja dado conhecimento do esboço, um indício, uma pista da decisão final a proferir.
21.º- Tal interpretação, é na presente perspetiva uma interpretação materialmente inconstitucional por violação dos direitos fundamentais a uma tutela jurisdicional efetiva e a um processo equitativo- artigo 20 n.º 1 e 4 da CRP.
22.º- Viola a garantia de processo equitativo consagrado no artigo 20.º da Constituição, a interpretação do artigo 3 n.º 3 do CPC que considera que, pela mera notificação à Recorrida, de que provavelmente irá ser proferida uma decisão surpresa favorável às AA (ainda que depois venha negar a qualificação que atribuiu), se dá por cabalmente cumprido o princípio do contraditório.
23.º- A factualidade de tais notificações serem destinadas à mandatária dos A, jurista de formação, não lhe confere poderes premonitórios e muito menos a expressão' as AA pretendem obter o reconhecimento do seu direito sobre os prédios em questão e a sua restituição, pelo que o que se pretendeu dizer com a notificação é que tal objetivo poderá ser obtido fundado na estrita aplicação da lei, embora não na linha da fundamentação adotada', lhe permite aferir sem margem para dúvidas de que está ali, claramente implícita, a alusão à ausência de interpelação admonitória quando nem as AA (ou as RR) alguma vez afloraram essa questão.
24.º- Com vista a um pleno exercício do princípio do contraditório, o douto despacho deveria, e poderia, numa só linha, sem comprometer o projeto de decisão final, indicar que a mesma poderá radicar na inviabilidade da execução específica, face à inexistência de interpelação admonitória.!!!
23.º- Defender-se que o princípio do contraditório foi plenamente cumprido pela simples reprodução da expressão supra transcrita a 12.º do presente, ou dito de outro modo, dizer-se que o contraditório se basta com 'advertência' de que irá ser proferida uma decisão favorável às AA, com base em fundamentação diversa das alegadas por ambas as partes, é uma interpretação que viola a garantia do processo equitativo consagrada no n.º 4 do artigo 20.º da constituição, razão pela qual se interpõe o presente.
24.º- Um processo equitativo, justo e imparcial, exige a participação de todos os interessados, não só quanto à matéria de fato, mas e também de direito, pelo que a descoberta de nova fundamentação diversa da alegada até então, não pode traduzir-se num monólogo do juiz.
25.º- Não se trata de auscultar as partes, à mínima variação da matéria alegada, mas sim de inclui-las no processo decisório, mormente quanto este culmina numa decisão diametralmente oposta às que a antecederam.
26.º- Não é defensável sequer, que um operador judiciário normalmente informado do estado da questão na doutrina e na jurisprudência, poderia adivinhar in casu que a restituição do prédio se deveria à impossibilidade de procedência do pedido de execução especifica... em virtude da concreta inexistência de interpelação admonitória prévia.
27.º Na verdade, a impossibilidade de execução específica, pode decorrer por variadíssimas razões, como seja a existência de sinal, por se considerar da existência de convenção em contrário à execução específica; pode decorrer da impossibilidade do objeto - hipótese que não se considerou porquanto se tratava de matéria alegada - pode resultar do facto do Tribunal considerar não válido o contrato, e pode ocorrer por muitas outras variadíssimas razões.
28.º- Seria legítimo que a ora operadora judiciária (mandatária) tomasse especificamente em conta, e previsse em concreto que o Tribunal se referia à ausência de interpelação admonitória para a celebração do contrato promessa?”
No Tribunal Constitucional foi proferida decisão sumária de não conhecimento com a seguinte fundamentação:
“No sistema português de fiscalização de constitucionalidade, a competência atribuída ao Tribunal Constitucional cinge-se ao controlo da inconstitucionalidade normativa, ou seja, das questões de desconformidade constitucional imputada a normas jurídicas ou a interpretações normativas, e já não das questões de inconstitucionalidade imputadas diretamente a decisões judiciais, em si mesmas consideradas. A distinção entre os casos em que a inconstitucionalidade é imputada a interpretação normativa daqueles em que é imputada diretamente a decisão judicial radica em que na primeira hipótese é discernível na decisão recorrida a adoção de um critério normativo, ao qual depois se subsume o caso concreto em apreço, com carácter de generalidade, e, por isso, suscetível de aplicação a outras situações, enquanto na segunda hipótese está em causa a aplicação dos critérios normativos tidos por relevantes às particularidades do caso concreto.
Nos recursos interpostos ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC – como ocorre no presente processo –, a sua admissibilidade depende ainda da verificação cumulativa dos requisitos de a questão de inconstitucionalidade haver sido suscitada «durante o processo», «de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (n.º 2, do artigo 72.º, da LTC), e de a decisão recorrida ter feito aplicação, como sua ratio decidendi, das dimensões normativas arguidas de inconstitucionais pelo recorrente.
Consistindo a competência do Tribunal Constitucional, no domínio da fiscalização concreta, na faculdade de revisão, em via de recurso, de decisões judiciais, compreende-se que a questão de constitucionalidade deva, em princípio, ter sido colocada ao tribunal a quo, além de que permitir o acesso a este Tribunal com base numa invocação da inconstitucionalidade unicamente após a prolação da decisão recorrida, abriria o indesejável caminho à sua utilização como expediente dilatório. Daí que só tenha legitimidade para pedir ao Tribunal Constitucional a fiscalização de constitucionalidade de uma norma quem tenha suscitada previamente essa questão ao tribunal recorrido, em termos de o vincular à sua apreciação, face às normas procedimentais que regem o processo em que se enxerta o recurso constitucional.
Por outro lado, considerando o caráter ou função instrumental dos recursos de fiscalização concreta de constitucionalidade face ao processo-base, exige-se, para que o recurso tenha efeito útil, que haja ocorrido efetiva aplicação pela decisão recorrida da norma ou interpretação normativa cuja constitucionalidade é sindicada. É necessário, pois, que esse critério normativo tenha constituído ratio decidendi do acórdão recorrido, pois, só assim, um eventual juízo de inconstitucionalidade poderá determinar uma reformulação dessa decisão.
Expostos, sumariamente, os pressupostos essenciais ao conhecimento do recurso de constitucionalidade interposto nos termos do artigo 70.º, n.º 1, b), da LTC, cumpre verificar o seu preenchimento, relativamente à questão colocada pela Recorrente neste processo.
Esta pretende que o Tribunal Constitucional fiscalize a norma resultante da interpretação dos artigos 3.º e 201.º n.º 1, do Código de Processo Civil, segundo a qual, perante a possibilidade de ser emitida uma decisão surpresa, é admissível uma mera notificação às partes em que se comunique essa possibilidade, sem que seja dado conhecimento do esboço, ou sequer um indício ou pista da decisão final a proferir.
Quanto a esta questão lê-se o seguinte na decisão recorrida:
“Cautelarmente porquanto, atento o teor do referido normativo não estaremos no quadro da “decisão surpresa”, constatando-se que a decisão recorrida padecia de incorreta ap1icação da lei, entendeu-se ordenar a notificação das recorridas, para se pronunciarem, querendo sobre uma previsível decisão favorável às recorrentes, com base em fundamentação legal diferente da invocada por estas.
Respondeu-se ao pedido de esclarecimento, procurando ser tão explícito quanto possível.
De facto, estas notificações são efetuadas à mandatária das recorridas, que, como jurista, tinha a capacidade de saber em que medida a decisão seria possível de ser alterada, não podendo, nem devendo o Relator assumir, previamente, a exata solução que reputava correta, sendo que o acórdão implica uma decisão do coletivo e não uma decisão individual do Relator.
Foi, pois, dado de forma bastante e até por excesso, cumprimento ao princípio do contraditório, tal como resulta do artigo 3º, n.º 3 do CPC, pelo que não foi cometida a nulidade do artigo 201.º, n.º 1 do CPC.”
Deste excerto resulta que no acórdão recorrido se considerou que, em primeiro lugar a situação não se enquadrava na previsão do artigo 3.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, e que, em segundo lugar, a comunicação em causa continha os elementos suficientes para se antecipar a decisão que poderia vir a ser proferida, pelo que a fundamentação da decisão recorrida não coincide com o critério normativo que a Recorrente pretende que este Tribunal fiscalize.
Não estando presente este requisito essencial à apreciação do recurso interposto, deve ser proferida decisão sumária de não conhecimento do recurso, nos termos do artigo 78.º- A, n.º 1, da LTC.”
A Recorrente reclamou desta decisão com os seguintes argumentos:
“ 1.º A douta decisão sumária, entendeu proferir decisão sumária de não conhecimento de recurso, nos termos do artigo 78.º-A, n.º 1 da LTC, alicerçada, em súmula, nos seguintes fundamentos,
'Esta (entende-se a recorrente), pretende que o Tribunal Constitucional fiscalize a norma resultante da interpretação dos artigos 3.º e 21.º n.º 1 do Código de Processo Civil, segundo a qual, perante a possibilidade de ser emitida uma decisão surpresa, é admissível uma mera notificação às partes em que se comunique essa possibilidade, sem que seja dado conhecimento do esboço, ou sequer um indício ou pista da decisão final a proferir'
(...)
Desse excerto resulta que no Acórdão recorrido se considerou que, em primeiro lugar a situação não se enquadrava na previsão do artigo 3.º n.º 3 do Código de Processo Civil, e que, em segundo lugar, a comunicação em causa continha os elementos suficientes para se antecipar a decisão que poderia vir a ser proferida, pelo que a fundamentação da decisão recorrida não coincide com o critério normativo que a Recorrente pretende que este Tribunal fiscalize.
Não estando presente este requisito essencial à apreciação do recurso interposto, deve ser proferida decisão sumária de não conhecimento do recurso, nos termos do artigo 78.º-A n.º 1 da LCT.”
2.º A douta decisão ora em crise não pode, com o devido respeito deixar de surpreender a Recorrente.
3.º Pois que da mesma se extrai que o presente TC, se vinculou única e exclusivamente à qualificação feita pelo Supremo Tribunal de Justiça, e que naturalmente não é coincidente com o critério normativo que a Recorrente pretende ver fiscalizado.
4.º O STJ entende que o Acórdão proferido a final, não se trata em bom rigor de decisão surpresa, e o Tribunal Constitucional assim acolheu.
5.º O STJ alega que a comunicação notificada à recorrente continha os elementos suficientes para se antecipar a decisão, e o Tribunal Constitucional assim acolheu, para concluir a final que 'a fundamentação da decisão recorrida não coincide com o critério normativo que a Recorrente pretende que este Tribunal fiscalize'
6.º Ocorre contudo que a faculdade de apreciação, a fazer pelo presente Tribunal Constitucional, é plena, ou pelo menos deveria sê-lo.
7.º O Presente Tribunal Constitucional entende que a fundamentação da decisão recorrida não coincide com o critério normativo que a Recorrente pretende que este Tribunal fiscalize, questionando contudo a Recorrente se assim se impõe.
8.º Na perspetiva da Recorrente o Tribunal constitucional não pode, nem deve com o devido respeito, vincular-se à qualificação feita pelo tribunal a quo, cuja fundamentação da decisão, é absurdamente contraditória, face aos fatos (entenda-se teor dos despachos) que se extraem dos autos.
9.º Todas as peças processuais concernentes à questão decidendi, foram dadas a conhecer ao TC, sendo que as mesmas permitem extrair duas conclusões, diametralmente opostas às configuradas pelo STJ, e lamentavelmente acolhidas pelo TC.
10.º 1.º - É o próprio STJ quem qualifica a decisão a proferir como decisão surpresa, conforme Doc. 1, junto aos autos, notificando a Recorrente de requerimento com o seguinte teor: 'É possível que venha ser proferida decisão favorável às AA, embora em diversa fundamentação, e para se pronunciarem querendo, evitando-se de tal modo serem confrontadas com uma decisão surpresa. (Doc. 1)” Mais se exortou a Recorrida, face a douto despacho, a exercer o contraditório, nos termos do artigo 3.º n.º 3 do CPC.
11.º Negar tamanha evidência é um gravíssimo atropelo da segurança jurídica ínsita a uma decisão judicial, e não se vislumbra argumentação tendente a abalar tamanha evidência: a recorrente é advertida que querendo, se deve pronunciar, por forma a evitar ser confrontada com uma decisão surpresa!!!!
12.º Tal despacho é de resto o primeiro despacho notificado à Recorrente pelo STJ, no âmbito desses autos, e nada dele mais se extrai, senão a advertência de que a Recorrente se pode pronunciar, porquanto pode vir a ser proferida uma decisão favorável às Autoras, com fundamento diverso (sublinhado nosso), 'evitando-se, se tal modo serem confrontadas com uma decisão surpresa'
13.º Sem mais!!
14.º Qual a segurança ínsita a uma notificação judicial que qualifica uma decisão como surpresa, e depois a nega?
15.º E ao nega-lo a posteriori, alicerça a sua fundamentação nos seguintes termos: 'não estaremos no quadro da decisão surpresa, constando-se que a decisão recorrida padecia de incorreta aplicação da lei, entendeu-se ordenar a notificação das recorridas para se pronunciarem, querendo.
16.º 2.º - E o que é senão, uma decisão surpresa, a que decide com base em fundamentação diversa da alegado por todas as partes do processo?
17.º Sendo aqui despicienda a questão do apuramento da manifesta necessidade ou desnecessidade da notificação às partes, a que se alude no artigo 3 n.º 3 do CPC, quando é o próprio STJ que entende da sua necessidade ao ordenar a notificação às partes.
18.º Se é certo que o objeto do Recurso Constitucional é sempre a constitucionalidade de uma norma, e não a constitucionalidade ou legalidade de uma decisão judicial, e não abrange a questão principal discutida no Tribunal a quo, também é certo que o TC tem, com o devido respeito que lhe merece a presente instituição, a faculdade de não se vincular à qualificação feita pelo STJ no caso em apreço.
19.º E que qualificação foi essa?
A que entendeu, que não se trata de decisão surpresa, a que decide de forma avessa a qualquer alegação que vinha sendo feita nos autos, e a que entende, que mesmo na presença de 'decisão surpresa' o contraditório se concretiza com a seguinte expressão:
'O que os AA pretendem obter (é) o reconhecimento do seu direito sobre os prédios em questão e a sua restituição', pelo que 'o que se pretendeu dizer com a notificação é que tal objetivo poderá ser obtido, fundado na estrita aplicação da lei, embora não na linha da fundamentação adotada. Naturalmente não nos cabe publicitar uma decisão (...) que ainda não foi tomada'
20.º Tal interpretação, é, reitera-se na presente perspetiva uma interpretação materialmente inconstitucional por violação dos direitos fundamentais a uma tutela jurisdicional efetiva e a um processo equitativo - artigo 20 n.º 1 e 4 da CRP)
21.º Dão-se ainda por reproduzidos todas as considerações tecidos no requerimento de recurso tendentes a considerar que não foi dada de forma bastante e muito menos em excesso cumprimento ao princípio do contraditório, pela expressão supra transcrita;
22.º Bem como as que sufragam que a ora mandatário, não obstante a sua formação jurídica, não poderia ter aferido de imediato que a restituição do prédio às AA. decorria da evidente e notória falta de interpelação admonitória, para a celebração do contrato promessa em causa nestes autos.
23.º Não sendo espectável, evidente, e lógico, que na vastidão de estudos jurídicos que versam sobre o regime do contrato promessa estaria claramente em causa a inexistência de interpelação admonitória, como veio o douto Tribunal a descortinar, quando nenhuma das partes alguma vez aflorou esta questão?
24.º Pelo que mais uma vez, e com o perdão da redundância, o teor das duas notificações feitas às Recorrentes, e que infra se transcrevem, para melhor apreciação, não refletem a fundamentação da decisão recorrida, contrariando-a inclusive, não podendo essa, configurar o critério normativo a apreciar pelo TC, e que a Recorrente pretende ver fiscalizado.
25.º Assim se entende, porquanto, o presente TC, não está vinculado à qualificação feita pelo Tribunal a quo, mas sim à qualificação que resulta evidente dos autos, refletidas nos excertos que ora se transcrevem:
'É possível que venha ser proferida decisão favorável às AA. embora em diversa fundamentação, e para se pronunciarem querendo, evitando-se de tal modo serem confrontadas com uma decisão surpresa
'O que os AA pretendem obter (é) o reconhecimento do seu direito sobre os prédios em questão e a sua restituição', pelo que 'o que se pretendeu dizer com a notificação é que tal objetivo poderá ser obtido, fundado na estrita aplicação da lei, embora não na linha da fundamentação adotada. Naturalmente não nos cabe publicitar uma decisão ( .... ) que ainda não foi tomada' .
26.º Defender-se que o princípio do contraditório foi plenamente cumprido pela simples reprodução das expressões supra transcritas, ou dito de outro modo, dizer-se que o contraditório se basta com 'advertência' de que irá ser proferida uma decisão favorável às AA, com base em fundamentação diversa das alegadas por ambas as partes, é uma interpretação que viola a garantia do processo equitativo consagrada no n.º4 do artigo 2º.º da constituição, razão pela qual se interpõe o presente.
27.º Um processo equitativo, justo e imparcial, exige a participação de todos os interessados, não só quanto à matéria de fato, mas e também de direito, pelo que a descoberta de nova fundamentação diversa da alegada até então, não pode traduzir-se num monólogo do juiz.
28.º Não se trata de auscultar as partes, à mínima variação da matéria alegado, mas sim de incluí-las no processo decisório, mormente quanto este culmina numa decisão diametralmente oposta às que a antecederam
29.º Concluindo-se mencionando o Professor Doutor Lebre de Freitas, 'o artigo 20.º da Constituição tem também o sentido material de garantia do chamado principio do contraditório, deve ser entendido como o princípio da participação efetiva (das partes) no desenvolvimento do litígio... A decisão não deve ser proferida com base num fundamento de direito sobre a qual as partes não tenham tido a possibilidade de previamente se pronunciar (...) as decisões surpresa não devem, pois, ter lugar, sem ofensa do princípio do contraditório.
30.º Pelo que, em conclusão, e de acordo com o artigo 75.º A da lei do Tribunal Constitucional, pretende a Recorrente que o Tribunal Constitucional aprecie a inconstitucionalidade do complexo normativo formado pelos artigos 3.º e 201.º n.º 1 do CPC, na interpretação segundo a qual, considera não estarmos na presença de uma decisão surpresa, a que decide com fundamento não alegado pelas partes, bem como a que considera não constituir nulidade processual / e ou inconstitucionalidade a mera comunicação de que irá ser proferida decisão surpresa, sem que à parte visada seja dado conhecimento do esboço, um indício, uma pista da decisão final a proferir.
31.º E tal complexo normativo, é, na perspetiva da Recorrente, o que resulta de forma retumbante dos autos, e não da qualificação unilateral feita pelo STJ, à qual com o devido respeito, o TC não tem de estar vinculado.”
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Fundamentação
Nos recursos interpostos ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC – como ocorre no presente processo –, a sua admissibilidade depende de a decisão recorrida ter feito aplicação, como sua ratio decidendi, das dimensões normativas arguidas de inconstitucionais pelo recorrente.
Considerando o caráter ou função instrumental dos recursos de fiscalização concreta de constitucionalidade face ao processo-base, exige-se, para que o recurso tenha efeito útil, que haja ocorrido efetiva aplicação pela decisão recorrida da norma ou interpretação normativa cuja constitucionalidade é sindicada. É necessário, pois, que esse critério normativo tenha constituído ratio decidendi do acórdão recorrido, pois, só assim, um eventual juízo de inconstitucionalidade poderá determinar uma reformulação dessa decisão.
O Requerente pediu ao Tribunal Constitucional que fiscalizasse a norma resultante da interpretação dos artigos 3.º e 201.º n.º 1, do Código de Processo Civil, segundo a qual, perante a possibilidade de ser emitida uma decisão surpresa, é admissível uma mera notificação às partes em que se comunique essa possibilidade, sem que seja dado conhecimento do esboço, ou sequer um indício ou pista da decisão final a proferir.
Relativamente a esta questão, verifica-se que a decisão recorrida considerou, em primeiro lugar, que a situação não se enquadrava na previsão do artigo 3.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, e que, em segundo lugar, a comunicação efetuada, em excesso, continha os elementos suficientes para se antecipar a decisão que poderia vir a ser proferida, donde se conclui que o critério normativo cuja fiscalização se pretende não foi assumido pela decisão recorrida.
Entende o Recorrente que o juízo da decisão recorrida quanto à necessidade da comunicação e ao seu conteúdo não é correto, pois, estávamos perante uma situação de decisão-surpresa e a comunicação efetuada não permitia aos notificados antever o conteúdo da decisão a proferir.
Não compete a este Tribunal sindicar os juízos subsuntivos efetuados pelas decisões recorridas no plano infraconstitucional, uma vez que a sua competência fiscalizadora se resume à constitucionalidade das normas efetivamente aplicadas, independentemente da bondade da sua aplicação.
Por esta razão, não coincidindo o critério normativo cuja fiscalização de constitucionalidade se pretende com o critério efetivamente aplicado, não pode proceder-se à pretendida fiscalização, atenta a natureza instrumental do recurso de constitucionalidade, devendo ser indeferida a reclamação apresentada.
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Decisão
Pelo exposto, indefere-se a reclamação apresentada por D..
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Custas pela Recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta, ponderados os critérios referidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de outubro (artigo 7.º, do mesmo diploma).
Lisboa, 26 de Setembro de 2013. – João Cura Mariano – Ana Guerra Martins – Joaquim de Sousa Ribeiro