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Processo n.º 835/2011
1.ª Secção
Relator: Conselheira Maria Lúcia Amaral
Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. “A., S.A.”, propôs no 2.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Cantanhede, contra “B., Ldª.”, ação de insolvência, com processo especial, pedindo a sua declaração de insolvência.
Depois de regularmente citada, veio a requerida deduzir oposição, nos termos do disposto pelo artigo 30.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (doravante: CIRE).
Contudo, por decisão datada de 27.06.2011, decidiu o juiz do processo não receber a referida oposição, com fundamento no facto de não ter sido a ela junta a lista dos cinco maiores credores da requerida, conforme estatui o n.º 2 do artigo 30.º do CIRE, e, consequentemente, depois de considerar confessados os factos alegados pela requerente na petição inicial, julgar a ação improcedente e indeferir o pedido de declaração de insolvência.
Tendo a requerente interposto recurso de apelação, veio a requerida interpor recurso subordinado, pedindo a revogação da decisão impugnada e a sua substituição por outra que determinasse o recebimento da oposição ou a sua notificação para juntar a lista dos seus cinco maiores credores, alegando, inter alia, que deveria ter sido notificada para suprir a deficiência que levara ao não recebimento da oposição que apresentara, pois que a norma contida no n.º 2 do artigo 30.º do CIRE, mormente no inciso que comina a “pena de não recebimento” da oposição do devedor quando não vai acompanhada da lista dos cinco principais credores, seria inconstitucional. A fundamentar a alegação da inconstitucionalidade disse a requerente que, sendo o “sistema” de direito processual civil orientado em geral pelo princípio da sanação dos vícios dos articulados iniciais – petição e contestação - como decorre do disposto nos artigos 265.º, n.º 2, 508.º, n.º 3 e 508.º-A, n.º 1, alínea c) do CPC, a norma inscrita do n.º 2 do artigo 30.º do CIRE, na interpretação in casu adotada, criaria um exceção injustificada no âmbito desse “sistema”, violando por isso os princípios da unidade do sistema jurídico e da proporcionalidade, bem como o disposto nos artigos 1.º, 2.º, 3.º, n.º 1, 13.º, 202.º e 204.º da Constituição.
O Tribunal da Relação de Coimbra, em Acórdão proferido a 18.10.2011, estribando-se na argumentação aduzida pelo Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 556/2008, decidiu julgar “materialmente inconstitucional, por violação do direito a um processo equitativo, consagrado no artº 20 nº 4 da Constituição da República Portuguesa”, “a norma contida no artº 30 nº 2 do CIRE, na interpretação segundo a qual a oposição que não se mostra acompanhada de informação sobre a identidade dos cinco maiores credores do requerido não deve ser recebida, sem que ao devedor seja facultada a oportunidade de suprir essa omissão”. Em consequência, recusou a aplicação de tal norma, pelo que, concedendo provimento ao recurso subordinado, revogou a decisão impugnada, no segmento em que não recebeu a oposição ao pedido de insolvência e determinou a notificação – a realizar na instância recorrida – da requerida, para, no prazo de 10 dias, sob pena de não recebimento daquela oposição, juntar a lista dos seus cinco maiores credores, com exceção do requerente da insolvência.
2. Dessa decisão recorreu para o Tribunal Constitucional o Ministério Público, ao abrigo do disposto no n.º 1, alínea a), do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional. Pedia que se apreciasse a questão da constitucionalidade da norma inscrita no n.º 2 do artigo 30.º do CIRE, na dimensão interpretativa identificada pelo tribunal a quo, que recusara a sua aplicação.
Recebido o recurso no Tribunal Constitucional, nele apresentou alegações, enquanto recorrente, o Ministério Público, que, resumindo a argumentação usada pelo Tribunal Constitucional no seu Acórdão n.º 556/2008, a ela aderiu, perfilhando também a tese da inconstitucionalidade (por violação do disposto no n.º 4 do artigo 20.º da CRP) da norma contida no n.º 2 do artigo 30.º do CIRE, na interpretação atrás identificada e cuja aplicação o tribunal a quo recusara.
“A., S.A.”, recorrida nos presentes autos, contra-alegou, vindo sustentar que a interpretação dada pela decisão recorrida ao artigo 30.º, n.º 2 do CIRE não é inconstitucional. Em seu entender, o facto de o requerido ser, aquando da citação, expressamente advertido de que deve juntar com a oposição a lista dos seus cinco maiores credores (com exclusão do requerente), ou sendo caso disso, de que deve dizer que esses mesmos credores não existem ou são em número inferior a cinco, sob pena de não ser recebida a oposição, implica a inexistência de qualquer surpresa pelas consequências daí decorrentes para o processo, sejam elas o não recebimento da oposição ou, ainda, o considerarem-se confessados os factos alegados na petição inicial. Na exata medida em que tais consequências não constituem portanto, para quem incumpre, uma surpresa, não se vislumbra enfim como é que pode estar em causa a violação do direito a um processo equitativo.
Importa apreciar e decidir.
II – Fundamentação
3. Está em causa, no presente processo, a norma constante do n.º 2 do artigo 30.º do CIRE, que, sob a epígrafe oposição do devedor, prescreve:
“1- O devedor pode, no prazo de 10 dias, deduzir oposição, à qual é aplicável o disposto no nº 2 do artigo 25.º
2- Sem prejuízo do disposto no número seguinte, o devedor junta com a oposição, sob pena de não recebimento, lista dos seus cinco maiores credores, com exclusão do requerente, com indicação do respetivo domicílio.
3- A oposição do devedor à declaração de insolvência pretendida pode basear-se na inexistência do facto em que se fundamenta o pedido formulado ou na inexistência da situação de insolvência.
4- Cabe ao devedor provar a sua solvência, baseando-se na escrituração legalmente obrigatória, se for o caso, devidamente organizada e arrumada, sem prejuízo do disposto no nº 3 do artigo 3.º
5- Se a audiência do devedor não tiver sido dispensada nos termos do artigo 12.º e o devedor não deduzir oposição, consideram-se confessados os factos alegados na petição inicial, e a insolvência é declarada no dia útil seguinte ao termo do prazo referido no nº 1, se tais factos preencherem a hipótese de alguma das alíneas do nº 1 do artigo 20.º”.
Como decorre do relato anteriormente feito, o tribunal a quo – a Relação de Coimbra – recusou a aplicação da norma constante do n.º 2, na interpretação segundo a qual a oposição que não se mostra acompanhada de informação sobre a identidade dos cinco maiores credores do requerido não deve ser recebida, sem que ao devedor seja facultada a oportunidade de suprir essa omissão. A recusa de aplicação de norma, que se fundou, evidentemente, no juízo sobre a sua inconstitucionalidade, acolheu os argumentos constantes da fundamentação do Acórdão n.º 556/2008, em que o Tribunal Constitucional decidiu que a referida norma ou dimensão normativa violava o disposto no n.º 4 do artigo 20.º da Constituição.
Também no sentido da inconstitucionalidade da norma decidiu o Tribunal Constitucional no seu Acórdão n.º 350/2012, aderindo à fundamentação do Acórdão n.º 556/2008.
4. No Acórdão n.º 556/2008, o Tribunal deixou claro o seu entendimento sobre a razão de ser do regime estabelecido no n.º 2 do artigo 30.º do CIRE.
A necessidade de o devedor indicar, na oposição à petição inicial de declaração de insolvência, a lista dos seus cinco maiores credores, quando os tenha, ou, quando os não tenha, a necessidade de fazer especial menção do facto com a indicação da lista de todos os credores efetivamente existentes, não constava do regime de insolvência anterior à entrada em vigor do CIRE. A razão por que tal sucedia é conhecida. No Código de Processo Especial de Recuperação de Empresas e de Falências, de 1993 (doravante: CPEREF), o chamamento dos credores fazia-se ainda na fase declarativa do processo, logo após a petição inicial, caso não houvesse motivo para a indeferir liminarmente. E era ao juiz que cabia mandar citar “o devedor e os restantes credores”, se o requerimento tivesse sido feito por um credor; “todos os credores indicados”, se o requerente fosse o próprio devedor; ou “o devedor e todos os credores indicados”, se o requerimento proviesse do Ministério Público (artigo 20.º do CPEREF). Este regime ocupava, na arquitetura própria do CPEREF, um lugar importante. O Código, que se via a si próprio como um instrumento de “reunião no mesmo diploma dos dois processos funcionalmente afins [o de recuperação de empresas e o de falências]”, e que afirmava “em termos categóricos a prioridade do regime de recuperação sobre o processo de falência conducente à extinção definitiva da empresa” (exposição de motivos do Decreto-lei nº 132/93, de 23 de abril), atribuía um valor relevante à decisão de, logo na fase declarativa do processo, fazer chamar a ele a generalidade dos credores, dado o papel decisivo que os mesmos ocupavam na escolha “das grandes opções abertas à intervenção na situação patrimonial da devedora (…)” (ibidem).
Contudo, foi contra este estado de coisas que, dez anos mais tarde, se erigiu o CIRE.
Com efeito, e sem minorar o quanto as novidades introduzidas pelo CPEREF haviam sido importantes na história da regulação legal dos problemas de saneamento e falência de empresas, o legislador do CIRE sentiu especial necessidade de garantir a resolução célere e eficaz dos processos judiciais decorrentes da situação de insolvência de empresas. E identificou, como causa da falta de celeridade proveniente do regime do CPEREF (e da qual, a ser mantida, “resultariam prejuízos agravados para o tecido económico e para os trabalhadores”), inter alia, “a duplicação de chamamento dos credores ao processo, que deriva da existência de uma fase de oposição preliminar, comum ao processo de recuperação e ao de falência, a par de uma nova fase de reclamação de créditos uma vez proferido o despacho de prosseguimento de ação (…)” (exposição de motivos do Decreto-lei n.º 53/2004, de 18 de março).
Foi por isso que se abandonou, no novo Código, a solução de chamar os credores ao processo ainda durante a fase declarativa do mesmo. E foi também por isso que se optou por fazer impender sobre as partes, devedor e requerente, doravante intervenientes exclusivos durante aquela mesma fase, o ónus da indicação dos cinco maiores credores do devedor (artigo 23.º), a ser cumprido por este último, caso deduza oposição, nos termos do n.º 2 do artigo 30.º A razão justificativa deste ónus é clara. Trata-se de facilitar ao tribunal a identificação dos credores, para que estes sejam logo chamados a reclamar os seus créditos uma vez emitida sentença de declaração de insolvência (artigos 36.º e 37.º do CIRE). Num sistema preocupado em garantir a celeridade de um processo cujo objetivo precípuo é a satisfação, pela forma mais eficiente possível, dos direitos dos credores (exposição de motivos do Decreto-lei n.º 53/2004, de 18 de março), a imposição deste ónus aparece, pois, logicamente justificada.
5. O que está em causa, porém, não é a imposição deste ónus, em si mesmo considerado, nem tão pouco a legitimidade constitucional da grande escolha que o legislador do CIRE fez, de optar por um regime de insolvência preocupado – mais do que o regime anterior – com objetivos de celeridade processual. O que está em causa é a cominação da lei para o devedor que se oponha à declaração de insolvência e que não identifique, como manda o n.º 2 do artigo 30.º, os seus cinco maiores credores. A medida, que o tribunal a quo qualificou de “drástica” e que os comentadores já consideraram – como o recorda o Acórdão n.º 556/2008 – ser dura e radical, consiste no seguinte: a não junção, ao requerimento de oposição, da lista dos cinco maiores credores, determina o não recebimento da oposição (artigo 30.º, nº 2), o que, equivalendo à sua inexistência, faz com que se considerem confessados os factos alegados na petição inicial, podendo a insolvência ser declarada, se for caso disso, nos termos previstos pelo n.º 5 do mesmo artigo. Ou dizendo de outro modo: a não indicação, por parte do devedor que se opõe à declaração de insolvência, da lista dos seus cinco maiores credores, implica, em uma leitura “literal” da norma, que o processo passe imediatamente da fase dos articulados para a fase da sentença, em desvio ao estabelecido no artigo 484.º, nº 2, do Código de Processo Civil, em que mesmo ao réu revel se dá a oportunidade de alegar. Não está em causa, note-se, a questão de saber se a norma pode ser interpretada de forma não literal, de modo a que se exclua a aplicação cega e mecânica da “dureza” e “radicalidade” da cominação legal. Achar a melhor interpretação do direito ordinário – concluindo eventualmente que, in casu, tal interpretação não excluiria a possibilidade de o juiz, uma vez ponderadas as circunstâncias de cada situação concreta, facultar ao devedor a possibilidade de aperfeiçoar o requerimento deficiente – não é tarefa que caiba ao Tribunal Constitucional. O que lhe cabe é apenas a questão de saber se, ao não fazer referência expressa ao convite ao aperfeiçoamento, é inconstitucional a formulação legal; o que lhe cabe é decidir se o legislador ordinário teria aqui o dever de não omitir a possibilidade do aperfeiçoamento.
6. Entendeu o tribunal a quo que assim era, por imposição do direito fundamental ao processo equitativo consagrado no n.º 4 do artigo 20.º da CRP.
Qual seja o conteúdo deste direito é questão já suficientemente tratada pela jurisprudência constitucional. Como o Tribunal disse, por exemplo, nos Acórdãos n.os 444/91 e 249/97 (disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt), a ideia do processo equitativo que decorre do n.º 4 do artigo 20.º da CRP não é dissociável do direito de acesso aos tribunais. E este, por seu turno, é o direito a uma solução jurídica dos litígios, a que se deve chegar em prazo razoável e com observância de garantias de imparcialidade e independência, possibilitando-se, designadamente, um correto funcionamento das regras do contraditório, em termos de cada uma das partes poder deduzir as razões, de facto e de direito, oferecer as suas provas, controlar as provas do seu adversário e discretear sobre o valor de umas e outras. O disposto no preceito constitucional [do n.º 4 do artigo 20.º] não será assim compreensível se o seu sentido não for lido no contexto da regulação em que se integra. E esse é desde logo o contexto do artigo 20.º, entendido (no modo acima descrito) como um todo.
Contudo, este entendimento coloca um problema, e que é o da necessária consideração da dimensão objetiva da norma que o preceito constitucional contém.
O artigo 20.º consagra um princípio que é, ele próprio, elemento integrante da ideia de Estado de direito.
Na verdade, sem a possibilidade do acesso de todos ao direito e à tutela jurisdicional efetiva dificilmente se justificaria que aos tribunais do Estado ficasse em princípio reservada a função de dirimir conflitos (artigo 202.º); dificilmente se compreenderia que fosse proibido o recurso à autodefesa; dificilmente se explicaria que se confiasse na capacidade da comunidade política para assegurar no seu seio a paz e a segurança jurídica.
Ora este princípio de tutela jurisdicional efetiva – que se integra assim na ideia mais vasta de Estado de direito – não tem apenas uma dimensão subjetiva.
É certo que dele nascem direitos, ou posições jurídico-subjetivas constitucionalmente tuteladas, entre as quais se conta o direito a um processo equitativo, contrapartida necessária (como se viu no texto acima transcrito) do direito de acesso à justiça. Quer isto dizer que as pessoas detêm, na verdade, o direito [fundamental] a um processo ordenado de tal forma que permita alcançar a justa composição do litígio. No entanto, a efetivação deste direito pressupõe que os poderes públicos cumpram as tarefas a que estão adstritos por força da dimensão objetiva do princípio que o artigo 20.º consagra, dimensão essa que implica o dever de erigir instituições, definir procedimentos e emitir em geral normas que tornem possível o acesso ao tribunal e ao processo justo.
Nesta ineliminável dimensão objetiva do princípio contido no artigo 20.º da CRP, e que tem como destinatário geral o próprio Estado, incluem-se ordens de regulação que se dirigem especificamente ao legislador ordinário. O princípio da tutela jurisdicional efetiva, enquanto elemento integrante da ideia de Estado de direito, exige desde logo que o legislador defina as regras do processo, seja ele civil, penal ou administrativo. E obriga-o a ter em conta, no modo de definição dessas regras, todas as dimensões que compõem o imperativo constitucional de edificação de um processo justo, fazendo-as concordar praticamente.
7. As normas do processo de insolvência integram o domínio mais geral das normas de processo civil. No entanto, detêm, dentro deste âmbito, um cunho específico, o que aliás terá levado a que, a partir de 1993, o legislador tivesse optado por coligi-las autonomamente, com a elaboração do código da insolvência. A especificidade reside na densa responsabilidade que tem todo o direito da insolvência na garantia da fluidez do tráfego jurídico, pelo objetivo precípuo, que tal direito prossegue, de pôr à disposição dos credores instrumentos jurídicos eficientes que possibilitem a satisfação dos seus créditos. O imperativo constitucional de edificação de um processo justo, no que a este específico processo respeita, não pode por isso ser recortado sem que se considere esta última componente, que integra portanto o conteúdo da ordem de regulação que impende sobre o legislador ordinário. De forma a garantir a efetividade do exercício do direito a um processo justo, este último está obrigado, no que ao direito da insolvência diz respeito, a erigir instituições e a definir procedimentos que tenham em conta, não apenas a defesa dos interesses substanciais e processuais do devedor, mas ainda a defesa dos interesses dos credores (em cumprimento, ainda, da garantia objetiva do património privado inserta no n.º 1 do artigo 62.º da CRP), e, concomitantemente, da própria comunidade.
É, pois, à luz destes critérios que se deve saber se a norma sob juízo no caso concreto viola o disposto no n.º 4 do artigo 20.º.
Não parece que assim seja. Já vimos qual era a razão justificativa da exigência feita pelo n.º 2 do artigo 30.º do CIRE ao devedor que se oponha à declaração de insolvência. A obrigatoriedade, para o devedor-oponente, de juntar, ao requerimento de oposição, a lista dos cinco maiores credores, visa facilitar a ação do Tribunal. Mais precisamente, visa propiciar-lhe a informação que é necessária para que, sendo caso disso, se faça o chamamento dos ditos credores ao processo. Trata-se, como atrás se disse, de uma exigência compreensível, no contexto de uma política legislativa toda ela inspirada pela necessidade de arquitetar, nestes domínios, processos céleres e eficazes na satisfação dos créditos. Tal política é, face às coordenadas jurídico-constitucionais dentro das quais se move, nestes domínios, a margem de livre conformação do legislador, perfeitamente legítima. Por outro lado, o ónus que impende sobre o devedor – de indicação dos seus maiores credores – não é um ónus pesado, ou de árduo e difícil cumprimento. Por regra não o será nunca: ninguém, melhor do que o devedor, conhecerá o universo dos credores. Mas não o será especialmente naquela fase do processo em que o mesmo devedor apresenta a sua oposição à declaração de insolvência.
Naturalmente que não estava o legislador ordinário obrigado a seguir a solução que seguiu. Como já vimos, a exigência de que o devedor faça a indicação dos seus cinco maiores credores no momento em que se opõe à declaração da sua insolvência é uma exigência nova, feita pelo novo Código da Insolvência. Não a continha o regime antes vigente, que exprimia portanto uma diferente (mas igualmente legítima) escolha do legislador. Mas a verdade é que tal exigência nova se compreende ainda no contexto de prossecução de uma política legislativa que, face aos parâmetros constitucionais que lhe são aplicáveis, não merece qualquer censura. Como é verdade ainda que o ónus que ela faz impender sobre uma das partes do processo – o devedor – se não afigura de difícil cumprimento.
Assim sendo, nenhum motivo há para que se conclua pela inconstitucionalidade da norma sob juízo.
III – Conclusão
Nestes termos, o Tribunal decide:
a) Não julgar inconstitucional a norma do artigo 30.º, nº 2, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, na interpretação segundo a qual a oposição que não se mostra acompanhada de informação sobre a identidade dos cinco maiores credores do requerido não deve ser recebida, sem que ao devedor seja facultada a oportunidade de suprir essa omissão;
b) Consequentemente, conceder provimento ao recurso, reformando-se a decisão recorrida quanto ao juízo sobre a questão de constitucionalidade.
Sem custas.
Lisboa, 24 de setembro de 2013. – Maria Lúcia Amaral – Maria João Antunes – Maria de Fátima Mata-Mouros – José da Cunha Barbosa (vencido nos termos da declaração de voto do Exmº. Juiz Presidente Conselheiro) – Joaquim de Sousa Ribeiro (vencido, no essencial pelas razões constantes da fundamentação do Ac. nº 556/2008, que subscrevi. O ónus imposto ao devedor não é excessivo, mas já o é a consequência resultante do seu não cumprimento. Ao não ser facultada a oportunidade de suprir a omissão de identificação dos cinco maiores credores, quem efectivamente se opôs à execução é tratado como se não o tivesse feito, por uma falta lateral, que não tem a ver com o desenrolar da dinâmica da tramitação. A sanção é desconforme com a natureza de uma obrigação de cooperação com o tribunal e manifestamente desproporcionada, não se apresentando justificada por um critério de necessidade. De facto, nos termos do art. 37º, nº 3, do CIRE, os referidos valores só são citados da sentença que declare a insolvência, só nesse momento lhes sendo enviado cópia da petição inicial. Nenhum dano relevante para a celeridade do processo haveria pois, pela concessão de um prazo suplementar de suprimento pois o prazo seguiria normalmente até àquele momento).
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[1] Retificado pelo Acórdão nº 649/2013