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Processo n.º 268/13
1ª Secção
Relatora: Conselheira Maria João Antunes
Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Coimbra, em que é recorrente A., foi interposto recurso abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), do acórdão daquele Tribunal de 11 de fevereiro de 2013.
2. Pela Decisão Sumária n.º 201/2013, decidiu-se, ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, não tomar conhecimento do objeto do recurso interposto. Tal decisão tem a seguinte fundamentação:
«2. O recorrente A. pretende a apreciação das «normas constantes do artigo 4º da Lei 101/2001 e do artigo 340º do CPP, com o sentido de que o tribunal ordenando a junção aos autos do relato a que alude o preceito citado, o mesmo fica cumprido com a junção de um relatório final elaborado por um inspetor da PJ».
Constitui requisito do recurso de constitucionalidade previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional a aplicação pelo tribunal recorrido, como ratio decidendi, da norma cuja constitucionalidade é questionada pelo recorrente. Requisito que não se pode dar por verificado nos presentes autos.
Com efeito, o que decorre da decisão recorrida é antes que o relato a que os artigos 3.º, n.º 6, e 4.º, n.º 1, da Lei n.º 101/2001, de 25 de agosto, fazem referência não incide sobre a publicitação do procedimento, onde se incluem os despachos que autorizam e validam a ação encoberta.
A não verificação daquele requisito do recurso de constitucionalidade obsta, nesta parte, ao conhecimento do seu objeto, justificando-se a prolação da presente decisão (artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC).
3. O recorrente A. pretende também a apreciação das «normas constantes dos artigos 127.º, 355.º do CPP, por referência aos artigos 3º e 4º da lei 101/2001», com o sentido de «ser possível valorar meios de prova intrusivos nos direitos fundamentais dos cidadãos sem constar dos autos os pressupostos da sua validade».
Constitui requisito do recurso de constitucionalidade previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional a aplicação pelo tribunal recorrido, como ratio decidendi, da norma cuja constitucionalidade é questionada pelo recorrente. Requisito que também se não pode dar por verificado nos presentes autos.
Na verdade, o Tribunal da Relação de Coimbra entendeu que o relato, previsto naqueles artigos da Lei n.º 101/2001, «não terá valor probatório por si só, mas tê-lo-á em conjugação com os demais meios de prova». Sem que se deixasse de referir a necessidade de «chamamento do agente infiltrado a depor em audiência de julgamento».
A não verificação daquele requisito do recurso de constitucionalidade obsta, também nesta parte, ao conhecimento do seu objeto, justificando-se a prolação da presente decisão (artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC).
4. O recorrente A. pretende igualmente a apreciação «das normas constantes dos artigos 3º, nº6, da Lei 101/2001 e 190º do CPP, aqui aplicável por analogia (…), com o sentido de que a violação do prazo de 48 horas previsto naquele preceito consubstancia uma irregularidade e por isso sanável com o decurso do tempo».
Constitui requisito do recurso de constitucionalidade previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional a aplicação pelo tribunal recorrido, como ratio decidendi, da norma cuja constitucionalidade é questionada pelo recorrente. Requisito que também se não pode dar por verificado nos presentes autos.
Além de ter afastado a aplicação, por analogia, do artigo 190.º do Código de Processo Penal, o Tribunal da Relação de Coimbra aplicou, como razão de decidir, o artigo 123.º do Código de Processo Penal. De resto, aquele artigo 3.º, n.º 6, nada diz sobre a consequência do incumprimento do prazo aí estipulado.
Nestes termos não pode, também nesta parte, tomar-se conhecimento do objeto do recurso interposto, justificando-se a prolação de decisão sumária (artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC).
5. O recorrente A. pretende também a apreciação da «norma do artigo 2º, al. o), da Lei nº101/2001 no sentido de que os crimes de contrabando qualificado se enquadram no conceito de crimes económico-financeiros».
Sucede, porém, que o tribunal recorrido não condenou o recorrente pela prática do crime de contrabando e assim sendo, revelar-se-ia inútil a apreciação da questão de inconstitucionalidade colocada nos autos. De facto, ainda que se viesse a concluir pela desconformidade constitucional daquela norma, manter-se-ia a condenação pela prática do crime de tráfico de estupefacientes.
Este Tribunal tem entendido que, «(…) não visando os recursos dirimir questões meramente teóricas ou académicas, a irrelevância ou inutilidade do recurso de constitucionalidade sobre a decisão de mérito torna-o uma mera questão académica sem qualquer interesse processual, pelo que a averiguação deste interesse representa uma condição da admissibilidade do próprio recurso» (Acórdão n.º 366/96, disponível em www.tribunalconstitucional.pt).
Uma vez que um eventual juízo de inconstitucionalidade da norma em causa nenhuma virtualidade teria de alterar a decisão recorrida, há que concluir pelo não conhecimento do objeto do recurso, justificando-se, também nesta parte, a prolação da presente decisão (artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC).
6. O recorrente A. pretende, ainda, a apreciação das «normas constantes dos artigos 2º e 3º da Lei 101/2001, que permitem a intervenção do agente encoberto na investigação de um ilícito – tráfico de estupefacientes – para o qual não existia autorização da autoridade judiciaria, ainda que esse agente encoberto estivesse devidamente autorizado a investigar outros ilícitos – corrupção e contrabando» e também no sentido de «que permita o agente encoberto extravasar o plano de ação que lhe foi traçado».
Constitui requisito do recurso de constitucionalidade previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional a aplicação pelo tribunal recorrido, como ratio decidendi, da norma cuja constitucionalidade é questionada pelo recorrente. Requisito que se não pode dar por verificado nos presentes autos.
O Tribunal da Relação de Coimbra não interpretou e aplicou os artigos 2.º e 3.º da Lei n.º 101/2001, nos sentidos especificados pelo recorrente, uma vez que entendeu que os meios de prova obtidos pelo agente encoberto relativamente ao tráfico de estupefacientes se integram em conhecimentos de investigação devidamente autorizada (a relativa ao contrabando e à corrupção), não se tratando, portanto, de meios de prova obtidos na investigação de um ilícito (tráfico de estupefacientes) relativamente ao qual não houvesse autorização para a ação encoberta.
Nestes termos não pode tomar-se conhecimento do objeto do recurso interposto, justificando-se, também nesta parte, a prolação de decisão sumária (artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC)».
3. Da decisão sumária vem agora reclamar para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 78.º-A da LTC, com os seguintes fundamentos:
«1. Apreciação das normas constantes do artigo 4º da lei 101/2001 e do artigo 340º do CPP.
A douta decisão reclamada sustenta que a decisão recorrida se fundamentou sobre a circunstância das referidas normas não fazerem referência “…sobre a publicitação do procedimento, onde se incluem os despachos que autorizam e validam a ação encoberta.”
Salvo o devido respeito não foi esta (pelo menos apenas esta) a fundamentação da decisão recorrida sobre a interpretação das aludidas normas.
Com efeito, resulta da aludida decisão que, “O facto de puder não estar mencionada no relato a totalidade das diligências no decurso da investigação e de não estar integrado nos autos o processo da ação encoberta não configura elemento que impeça a defesa do arguido, na certeza de que só releva a prova produzida em audiência de julgamento, nomeadamente os depoimentos das testemunhas aí inquiridas e os elementos documentais legalmente admissíveis.
De igual modo, pelas razões que se deixam enunciadas, também não se vê que a restrição dos elementos da ação encoberta ao relato que já integra os autos configure impedimento ao exercício do contraditório: o recorrente, tal como a generalidade dos arguidos, não viu cerceada a possibilidade de questionar em audiência o agente encoberto, sobre a generalidade da matéria a que foi inquirido, na certeza de que os factos estranhos à prova produzida em audiência ou que nela não pudessem ter sido considerados são irrelevantes.
(...)
A decisão que indeferiu a integração nos autos da generalidade dos elementos da ação encoberta, por não estar prevista na Lei nº101/2001 e por haver razões que o justifiquem não merece censura.”
Como se alcança da transcrição da decisão recorrida a sua fundamentação é mais extensa que a considerada na decisão reclamada.
O recorrente suscitou a inconstitucionalidade daquelas normas quando interpretadas no sentido de que o tribunal ordenando a junção aos autos do relato a que alude o preceito citado, o mesmo fica cumprido com a junção de um relatório final elaborado por um inspetor da PJ. Esta interpretação colide com o disposto no artigo 32º, nº1 e 5, do CPP, uma vez que limita desproporcionalmente o direito de defesa do arguido.
Ou seja, uma interpretação que limite o arguido de aceder a todos os elementos constantes da ação encoberta inquina de inconstitucionalidade aquelas normas jurídicas, designadamente por o impedirem de exercer o contraditório.
Entendemos, pois, que estão verificados os pressupostos constantes da al. b) do nº1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional.
2. Apreciação das normas constantes dos artigos 127º, 355º do CPP por referência aos artigos 3º e 4º da Lei 101/2001.
A questão de constitucionalidade que o recorrente suscitou prende-se com a circunstância da possibilidade de ser valorado o meio de prova ação encoberta sem o recorrente ter conhecimento (constarem dos autos) os pressupostos da sua validade, ou seja, os despachos que autorizaram esse meio intrusivo.
A douta decisão reclamada fundamenta o não conhecimento do recurso do recorrente na circunstância de a decisão recorrida ter sustentado a sua decisão em que “...o relato, previsto naqueles artigos da lei nº101/2001, não terá valor probatório por si só, mas tê-lo-á em conjugação com os demais meios de prova.”
A douta decisão recorrida é bem mais extensa na sua fundamentação que o pequeno trecho de que a douta decisão reclamada se socorreu. Com efeito, para além da fundamentação aduzida, quanto ao ponto anterior, ainda argumentou que, “Tratando-se de um despacho de magistrado do Ministério público, não se põe em causa a veracidade do seu conteúdo e o que decorre do mesmo é que foi dada autorização para a ação encoberta. É certo que o despacho de autorização não está junto aos autos, mas nem tem que estar, a ação encoberta não é um inquérito, mas uma técnica de investigação policial, cujo controle pertence ao Ministério público. É ao Ministério Público que compete sindicar a legalidade da ação encoberta.”
Ora, o recorrente alegou no seu recurso para o Constitucional, além do mais, que “a única interpretação de acordo com a constituição é aquela que concede o direito ao arguido de aceder aos elementos da ação encoberta, sobretudo aos despachos que autorizaram e controlaram a respetiva ação a fim de poder exercer o contraditório, como seja sindicar a legalidade da mesma.”
Portanto, entendemos que a questão de constitucionalidade suscitada pelo recorrente – obrigatoriedade de constarem dos autos os pressupostos da validade da ação encoberta sobretudo para o arguido sindicar a validade dos respetivos despachos de autorização – foi efetivamente apreciado pela decisão recorrida – esta decidiu que esses despachos não têm de constar dos autos não tendo assim o arguido direito de os sindicar, aliás, mais decidiu que é ao Ministério público que compete essa sindicância –
Deve a reclamação ser procedente.
3. Apreciação das normas constantes dos artigos 3º, nº6 da Lei 101/2001 e 190º do CPP
A douta decisão reclamada não toma conhecimento da questão suscitada pelo recorrente com fundamento de que, “Além de ter afastado a aplicação, por analogia, do artigo 190º do Código de Processo Penal, o Tribunal da Relação de Coimbra aplicou, como razão de decidir, o artigo 123º do Código de Processo Penal. De resto, aquele artigo 3º, nº6, nada diz sobre a consequência do incumprimento do prazo aí estipulado.”
É verdade que a decisão recorrida afastou a aplicação do artigo 190º do CPP.
Porém, a razão de decidir da decisão recorrida foi inquestionavelmente com base na norma constante do artigo 3º, nº6 da Lei 101/2001.
A decisão de 1ª instância não fundamentou a pretensão do recorrente, quanto a este concreto ponto, com base no artigo 123º do CPP.
O recorrente alegou que o desrespeito pelo prazo constante do referido artigo 3º constituía uma proibição de prova. A decisão de 1ª instancia não acolheu a tese do recorrente alegando que se tratava de uma mera irregularidade e, portanto, sanada.
Ora, desde o primeiro momento em que esta questão é suscitada que a controvérsia gira em torno da interpretação da norma constante do artigo 3º, nº6 da Lei 101/2001.
E a decisão recorrida fundamenta a sua argumentação também no aludido artigo 3º, nº6, como resulta claramente da mesma, “Contudo e contrariamente ao alegado peio arguido A., entendemos que o facto de o relato não ser feito no prazo de 48 horas, não constitui uma nulidade.”
(...)
Não quererá isto dizer que o mesmo possa ser apresentado a qualquer altura, tem é de haver uma interpretação restritiva do preceito.”
Portanto, é a própria decisão a fundamentar-se numa interpretação restritiva da referida norma, cuja constitucionalidade se suscitou.
É também verdade que a decisão recorrida, para além deste argumento, alega que estamos perante uma irregularidade já há muito sanada. Mas este argumente é indiscutivelmente marginal. O centro argumentativo da decisão rodeia a interpretação da norma constante do artigo 3º, nº6 da Lei 101/2001, como resulta claramente da argumentação dirigida, quase em exclusivo, para aquela norma.
Acresce ainda que o recorrente sempre alegou que a violação daquela norma não constituía uma mera irregularidade. Portanto, de um ponto de vista substancial, o recorrente suscitou a questão apesar de não ter referido expressamente a norma constante do artigo 123º. Mas, implicitamente sempre arredou a aplicação do artigo 123º do CPP.
Entendemos que a ratio decidendi da decisão recorrida foi a interpretação normativa cuja constitucionalidade se suscitou.
4. Apreciação da norma do artigo 2º, al. o), da Lei nº101/2001.
Quanto a este ponto a decisão reclamada fundamenta a rejeição do recurso com fundamento na inutilidade da apreciação da constitucionalidade da referida norma jurídica.
Salvo o devido respeito, não podemos aceitar semelhante entendimento.
Desde logo, porquanto, não é, seguramente, ao Tribunal Constitucional que compete apreciar a in/utilidade da questão suscitada. Entendemos que as consequências das decisões do Tribunal Constitucional devem ser retiradas pelas respetivas instâncias.
Por outro lado, e mais decisivo de que qualquer argumento, é que a apreciação da constitucionalidade da norma jurídica tinha absoluta relevância processual!
Repare-se!
A ser procedente a pretensão do recorrente como está bom de ver a prova subsequente poderia estar contaminada.
Melhor dizendo: sendo os primeiros atos da ação encoberta nulos, os atos que deles dependessem estavam também eles contaminados, conforme artigo 122º do CPP.
No caso concreto, este raciocínio jurídico parece elementar.
Deve, pois, a reclamação ser procedente.
5. Apreciação dos artigos 2º e 3º da Lei 101/2001.
A decisão reclamada propendeu no sentido de que o Tribunal da Relação “não interpretou e aplicou os artigos 2º e 3º da Lei 101/2001, nos sentidos especificados pelo recorrente, uma vez que entendeu que os meios de prova obtidos pelo agente encoberto relativamente ao tráfico de estupefacientes se integram em conhecimentos de investigação devidamente autorizada (a relativa ao contrabando e à corrupção), não se tratando, portanto, de meios de prova obtidos na investigação de um ilícito (tráfico de estupefacientes) relativamente ao qual não houvesse autorização para a ação encoberta.”
Sobre este ponto alegou o recorrente “As normas constantes dos artigos 2º e 3º da Lei 101/2001, que permitem a intervenção do agente encoberto na investigação de um ilícito – tráfico de estupefacientes – para o qual não existia autorização da autoridade judiciária, ainda que esse agente encoberto estivesse devidamente autorizado a investigar outros ilícitos – corrupção e contrabando – inquinam de inconstitucionalidade material aquelas normas jurídicas por contenderem com o estatuído nos artigos 18º, 26º e 32º da Constituição da República Portuguesa;”
A questão que se pretende ver dirimida – constitucionalidade daquelas normas jurídicas – é exatamente a de se saber se estamos perante conhecimentos de investigação – tal como alega a decisão recorrida – ou se a interpretação daquelas normas excede, ou nada tem que ver – como a defesa entende – com conhecimentos de investigação.
Com efeito, como o recorrente alegou os conhecimentos de investigação esgotam-se num ato. Ora, no caso concreto, o agente encoberto investigou durante vários meses crimes – tráfico de estupefacientes e associação criminosa – para o qual não tinha autorização.
A enquadrar o comportamento do agente encoberto na figura dos conhecimentos de investigação aquelas normas afrontam vários princípios constitucionais, designadamente o previsto no artigo 18º (principio da proporcionalidade) na medida em que os conhecimentos de investigação não podem perdurar por vários meses a coberto da investigação de outro ilícito ainda que de catálogo.
Portanto, também, desta feita, a razão de decidir do acórdão recorrido foi exatamente no sentido e âmbito da questão suscitada pelo recorrente.
Deve, pois, a reclamação proceder.
Nestes termos e nos demais de direito, deve em conferencia, esta reclamação ser julgada procedente».
4. Notificado desta reclamação, o Ministério Público vem dizer o seguinte:
«1º
Pela douta Decisão Sumária n.º 201/2013, não se conheceu do objeto do recurso no que toca às várias questões de inconstitucionalidade que o recorrente A. identificava no requerimento de interposição do recurso.
2º
No que respeita à primeira dessas questões (inconstitucionalidade dos artigos 4.º da Lei n.º 101/2001 e 340.º do CPP) em abono e reforço do entendimento segundo o qual o tribunal recorrido não aplicou a norma na interpretação questionada, apenas diremos que, efetivamente, quanto ao que constava do relato a que alude o n.º 6 do artigo 3.º da Lei n.º 101/2001, de 25 de Agosto, a decisão recorrida entendeu também, fundamentadamente, que não havia razões que justificassem a integração de alguns elementos, matéria insindicável por este Tribunal.
3.º
Quanto à segunda questão (inconstitucionalidade dos artigos 127.º e 355.º do CPP, por referência aos artigos 3º e 4º da Lei nº 101/2001), poderemos ainda acrescentar em abono do fundamento que consta da douta Decisão Sumária o que se considerou no acórdão recorrido.
4.º
Diz-se naquele aresto:
“No caso dos autos, a prolação dos despachos em causa, a data em que ocorreram e os crimes cuja investigação visavam é afirmada no despacho do Ministério Público, proferido no âmbito do processo n.º 2015/10.1TDLSB.
O arguido também não questiona a certificação que aí é feita, insurgindo-se contra o facto de tais despachos não integrarem os presentes autos.”
5.º
Como se vê, estamos perante uma dimensão normativa diferente da invocada pelo recorrente, sendo certo, ainda, que esta questão está relacionada com a anterior o que até se vê pela forma como a mesma consta do requerimento de interposição do recurso onde, diferentemente das outras, não aparece autonomamente, sendo as duas tratadas como “Da não junção aos autos de todos os elementos da ação encoberta”.
6.º
Aliás, exemplo vivo de que o recorrente teve oportunidade de questionar os pressupostos, é o presente recurso e as questões que nele são suscitadas.
7.º
Quanto à terceira questão (reportada ao prazo de 48 horas referido no art.º 3.º, n.º 6), parece-nos evidente que, tendo de uma forma expressa aplicado o artigo 123.º do CPP e não aquele cuja aplicação foi expressamente afastada (artigo 190.º do CPP), falta um requisito de admissibilidade do recurso, continuando o recorrente, na reclamação, a insistir que “arredou a aplicação do artigo 123º do CPP”, quando este foi o efetivamente aplicado.
8.º
Quanto à quarta questão (inconstitucionalidade relacionada com o artigo 2.º, alínea o), da Lei n.º 101/2001) na senda do afirmado na douta Decisão Sumária, acrescentaríamos algumas considerações.
9.º
A necessidade de ação encoberta foi constatada no âmbito de um inquérito em que já era investigado um crime de contrabando de tabaco (altamente organizado e com ligações internacionais), com recurso a corrupção de funcionários da alfândega, sendo, em larga medida, a corrupção instrumental de crime de contrabando.
10.º
No desenvolvimento da investigação, a ação encoberta foi alargada à prática do crime de tráfico de estupefacientes, pelo qual o recorrente acabaria por ser condenado.
11.º
Ora, estes relevantes elementos circunstanciais que constam da decisão recorrida e naturalmente modelam a dimensão normativa efetivamente aplicada, estão absolutamente ausentes na dimensão normativa, algo linear, que o recorrente enuncia.
12.º
Quanto à quinta questão “Dos limites da ação encoberta”, parece-nos claro que a Relação de Coimbra não aplicou a norma, na interpretação que vem questionada.
13.º
No acórdão recorrido analisa-se criteriosa e exaustivamente a tramitação e o desenvolvimento da ação encoberta e é após essa análise que se conclui:
“Evidencia-se assim que os meios de prova obtidos pelo agente encoberto relativamente ao tráfico de estupefacientes se integram em conhecimentos decorrentes da investigação devidamente autorizada. Como antes se assinalou, os conhecimentos que daí derivam não veem posto em causa o seu valor probatório, estando em causa crimes que integram o catálogo, o que ocorre em relação ao crime de tráfico de estupefacientes, face ao exposto na alínea j) do artigo 2.º da Lei n.º 101/2001.
O desenvolvimento desta situação e a constatação de que havia de facto o propósito de importação de cocaína justificou que se suscitasse a realização de ação encoberta visando especificamente a investigação da prática de crime de tráfico de estupefacientes e que, em 2 de Dezembro de 2010, viesse a ser autorizada a sua realização.”
14.º
Pelo exposto, deve indeferir-se a reclamação».
5. Notificado desta peça processual, o reclamante pronunciou-se no sentido da procedência da reclamação.
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
1. Na decisão sumária reclamada entendeu-se não tomar conhecimento do objeto do recurso interposto, na parte relativa à apreciação da constitucionalidade das «normas constantes do artigo 4º da Lei 101/2001 e do artigo 340º do CPP, com o sentido de que o tribunal ordenando a junção aos autos do relato a que alude o preceito citado, o mesmo fica cumprido com a junção de um relatório final elaborado por um inspetor da PJ», por não se poder dar como verificado o requisito da aplicação pelo tribunal recorrido, como ratio decidendi, de tal norma. Para contrariar este entendimento, o reclamante transcreve uma parte da decisão recorrida, concluindo que «uma interpretação que limite o arguido de aceder a todos os elementos constantes da ação encoberta inquina de inconstitucionalidade aquelas normas jurídicas».
Importa ter presente que o Tribunal da Relação de Coimbra acordou que a decisão que indeferiu a integração nos autos da generalidade dos elementos da ação encoberta, por não estar prevista na Lei n.º 101/2001 e por haver razões que o justifiquem não merece censura. E, para assim decidir, interpretou os artigos 3.º, n.º 6, e 4.º, n.º 1, da Lei n.º 101/2001, de 25 de agosto, no sentido de que o relato a que fazem referência não incide sobre a publicitação do procedimento, onde se incluem os despachos que autorizam e validam a ação encoberta. Para o que importava apreciar e decidir não relevou, pois, de todo, a interpretação de que, ordenando o tribunal a junção aos autos do relato a que alude o preceito citado, o mesmo fica cumprido com a junção de um relatório final elaborado por um inspetor da PJ. Por outro lado, entendeu que dos preceitos legais em causa não decorre a integração nos autos do processo, dos elementos, da ação encoberta.
Ora, é afinal contra este entendimento que o recorrente se insurge – «uma interpretação que limite o arguido de aceder a todos os elementos constantes da ação encoberta inquina de inconstitucionalidade aquelas normas jurídicas». Tal entendimento (a integração nos autos da generalidade dos elementos da ação encoberta não está prevista na Lei n.º 101/2001) não encontra, porém, qualquer suporte nas normas cuja apreciação foi requerida pelo recorrente – as «normas constantes do artigo 4º da Lei 101/2001 e do artigo 340º do CPP, com o sentido de que o tribunal ordenando a junção aos autos do relato a que alude o preceito citado, o mesmo fica cumprido com a junção de um relatório final elaborado por um inspetor da PJ».
Há que confirmar, pois, a decisão reclamada.
2. Na decisão sumária reclamada entendeu-se também não tomar conhecimento do objeto do recurso interposto, na parte relativa à apreciação da constitucionalidade das «normas constantes dos artigos 127.º, 355.º do CPP, por referência aos artigos 3º e 4º da lei 101/2001», com o sentido de «ser possível valorar meios de prova intrusivos nos direitos fundamentais dos cidadãos sem constar dos autos os pressupostos da sua validade», por não se poder dar como verificado o requisito da aplicação pelo tribunal recorrido, como ratio decidendi, de tal norma.
O reclamante contraria este fundamento, mas sem razão. O Tribunal da Relação de Coimbra entendeu que o relato, previsto naqueles artigos da Lei n.º 101/2001, «não terá valor probatório por si só, mas tê-lo-á em conjugação com os demais meios de prova». Sem que se deixasse de referir a necessidade de «chamamento do agente infiltrado a depor em audiência de julgamento». O que se distancia, manifestamente, da interpretação de que é possível valorar meios de prova intrusivos nos direitos fundamentais dos cidadãos. A decisão recorrida é, aliás, inequívoca:
«Afigura-se no entanto que “não faz sentido dizer que o relato não tem qualquer valor probatório quando a lei diz expressamente que ele será junto ao processo quando for indispensável em termos probatórios”, sem prejuízo de se admitir que o inverso, em termos incondicionais, amputaria “em grande medida o sentido útil do princípio da imediação”, pelo que, “o relato, a ser junto ao processo por ser indispensável enquanto meio de prova, terá de implicar necessariamente o chamamento do agente infiltrado a depor em audiência de julgamento e deverá ser corroborado por outros meios de prova. Nesta medida o relato não terá valor probatório por si só, mas tê-lo-á em conjugação com os demais meios de prova».
Há que confirmar, pois, também quanto a esta parte da decisão reclamada.
3. Na decisão sumária reclamada entendeu-se, ainda, não tomar conhecimento do objeto do recurso interposto, na parte relativa à apreciação da constitucionalidade das «normas constantes dos artigos 3º, nº6, da Lei 101/2001 e 190º do CPP, aqui aplicável por analogia (…), com o sentido de que a violação do prazo de 48 horas previsto naquele preceito consubstancia uma irregularidade e por isso sanável com o decurso do tempo», por tal norma não ter sido aplicada na decisão recorrida como ratio decidendi.
O reclamante contraria também este fundamento, mas mais uma vez sem razão. Contrariamente ao sustentado pelo reclamante, o Tribunal da Relação de Coimbra aplicou, como razão de decidir, o artigo 123.º do Código de Processo Penal e não o artigo 3.º, n.º 6, da Lei n.º 101/2001, o qual nada diz sobre a consequência do incumprimento do prazo aí estipulado. Quanto a isto é bem clara a decisão recorrida:
«(…) a Lei n.º 101/2001 não prevê expressa sanção para a apresentação do relatório para além do prazo estipulado, especificamente, que tal determine a nulidade de toda a investigação.
A elaboração do relatório visa, essencialmente, permitir à autoridade judiciária que autorizou a ação encoberta o respetivo controlo. Este facto não determina por si só que se considere ferida de nulidade pelo atraso na elaboração do relatório, na certeza de que este não determina necessariamente a ofensa a vários direitos fundamentais do arguido, entre os quais, o direito à palavra, à informação e à intimidade.
Como antes se assinalou, a prova por escutas telefónicas não tem identidade com a investigação pelo recurso à ação encoberta. Daí que não tenham aplicação as regras dos artigos 187.º a 190.º do Código de Processo Penal.
E na ausência de cominação específica de nulidade, no diploma que disciplina a ação encoberta, prevalece necessariamente o entendimento de que o vício em causa se traduz em irregularidade, com referência ao disposto no artigo 123.º do Código de Processo Penal».
Há, por isso, que confirmar, também nesta parte, a decisão que é objeto da presente reclamação.
4. Na decisão sumária reclamada entendeu-se não tomar conhecimento do objeto do recurso interposto, na parte relativa à apreciação da constitucionalidade das «norma do artigo 2º, al. o), da Lei nº101/2001 no sentido de que os crimes de contrabando qualificado se enquadram no conceito de crimes económico-financeiros», por ser inútil a apreciação da questão de inconstitucionalidade colocada.
Independentemente desta questão, o facto é que, como bem nota o Ministério Público, seria sempre de concluir no sentido de «a dimensão normativa efetivamente aplicada» pela decisão recorrida não corresponder à «dimensão normativa, algo linear, que o recorrente enuncia» – a «norma do artigo 2º, al. o), da Lei nº101/2001 no sentido de que os crimes de contrabando qualificado se enquadram no conceito de crimes económico-financeiros». Com efeito, a norma aplicada pelo Tribunal da Relação de Coimbra, como razão de decidir no sentido da condenação do reclamante pela prática de crime de tráfico de estupefacientes, está necessariamente modelada por «elementos circunstanciais» que constam do acórdão – os que têm a ver com o facto de ter sido autorizada inicialmente ação encoberta relativamente aos crimes de contrabando e de corrupção e de ter havido uma autorização posterior quanto ao crime de tráfico de estupefacientes, na sequência da investigação até então levada a cabo (ponto 2.5)
A argumentação do reclamante é, pois, improcedente.
5. Na decisão sumária reclamada entendeu-se não tomar conhecimento do objeto do recurso interposto, na parte relativa à apreciação da constitucionalidade das «normas constantes dos artigos 2º e 3º da Lei 101/2001, que permitem a intervenção do agente encoberto na investigação de um ilícito – tráfico de estupefacientes – para o qual não existia autorização da autoridade judiciária, ainda que esse agente encoberto estivesse devidamente autorizado a investigar outros ilícitos – corrupção e contrabando» e também no sentido de «que permita o agente encoberto extravasar o plano de ação que lhe foi traçado», por tal norma não ter sido aplicada na decisão recorrida como ratio decidendi.
Contrapõe agora o reclamante que a questão que pretende ver dirimida «é exatamente a de saber se estamos perante conhecimentos de investigação – tal como alega a decisão recorrida – ou se a interpretação daquelas normas excede, ou nada tem que ver – como a defesa entende – com conhecimentos de investigação». Trata-se, porém, de questão que o Tribunal Constitucional não pode dirimir, uma vez que é «o tribunal ao qual compete especificamente administrar a justiça em matérias de natureza jurídico-constitucional (artigo 221.º da Constituição).
Relativamente à norma cuja apreciação foi requerida pelo recorrente, há que concluir que, com efeito, não foi aplicada pelo Tribunal da Relação de Coimbra, como razão de decidir. A decisão recorrida entendeu que «os meios de prova obtidos pelo agente encoberto relativamente ao tráfico de estupefacientes se integram em conhecimentos decorrentes da investigação devidamente autorizada». Isto é: não decorrem da investigação do crime de tráfico de estupefacientes, por via de ação encoberta não autorizada.
Em suma, há, também quanto a esta parte, que confirmar a decisão reclamada.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência, confirmar a decisão reclamada.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 13 de agosto de 2013. – Maria João Antunes – Maria de Fátima Mata-Mouros (votei a decisão, não obstante ter decidido quanto ao não conhecimento da última norma) – Maria Lúcia Amaral.