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Processo n.º 143/13
2ª Secção
Relator: Conselheiro Pedro Machete
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório
1. O Banco A., S.A., recorrido nos presentes autos, impugnou junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada a decisão de liquidação da taxa prevista no artigo 15.º, n.º 1, alínea j), do Decreto-Lei n.º 13/71, de 23 de janeiro, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 25/2004, de 24 de janeiro, no valor 463,97 €, tomada pelo Diretor da Delegação Regional de Évora da B., S.A., e comunicada por ofício de 21 de março de 2012. Por sentença de 14 de dezembro de 2012, aquele Tribunal recusou aplicação àquele preceito com fundamento na sua inconstitucionalidade material, nomeadamente por violação do artigo 13.º da Constituição e, em consequência, anulou a mencionada liquidação.
Para fundamentar tal juízo de inconstitucionalidade, o Mmo. Juiz a quo assumiu as duas seguintes premissas, quanto ao direito infraconstitucional:
Após a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 637/76, de 29 de Julho, a implantação de tabuletas ou objetos de publicidade junto às áreas de jurisdição da extinta Junta Autónoma das Estradas – a entidade que antecedeu a B., S.A., ora recorrida, no exercício das respetivas competências administrativas - passou a estar submetida a licenciamento da respetiva câmara municipal, precedido de parecer da referida Junta;
Nos termos do artigo 15.º, n.º 1, alínea j), do Decreto-Lei n.º 13/71, de 23 de janeiro, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 25/2004, de 24 de Janeiro, é devido o pagamento de taxa pela emissão de parecer da B., S.A., no âmbito dos procedimentos relativos à implantação de tabuletas ou objetos de publicidade junto à sua área de jurisdição.
(«[N]ão obstante ter deixado de ter competência para proferir o ato de licenciamento, a B., S.A., mantém a mesma atividade material no procedimento. Ou seja, independentemente do produto final, a sua ação traduz-se na apreciação do pedido de licenciamento em função dos critérios que genericamente podemos referir como atinentes à segurança rodoviária. A única diferença entre os regimes que o Decreto-Lei n.º 637/76, de 29 de Julho, separou é a seguinte: no primeiro a apreciação dava lugar à prática de um ato administrativo da competência da própria entidade no âmbito da qual aquela apreciação era efetuada (inicialmente, a ex-Junta Autónoma das Estradas), ao passo que no segundo a mesma apreciação encerra a atividade da respetiva entidade, na medida em que o ato final de licenciamento é da competência de outra entidade, a câmara municipal [cfr., hoje, o artigo 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 97/88, de 17 de agosto].
No entanto, repete-se, a atividade da B., S.A., na sua materialidade substancial nada difere pelo facto de apenas elaborar o parecer sustentador da decisão final alheia. Se assim é, nem se compreenderia que deixasse de ser tributada tal atividade. É por essa razão, também, que se interpreta o artigo 15.º/1/j) do Decreto-Lei n.º 13/71, de 23 de Janeiro, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 25/2004, de 24 de Janeiro, como abarcando o parecer relativo à implantação de tabuletas ou objetos de publicidade. [… - cfr., hoje, o artigo 2.º, n.º 2, alínea b), do Decreto-Lei n.º 97/88, de 17 de agosto, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 48/2011, de 1 de abril].
Tal possibilidade em nada colide com a cobrança de uma taxa pela respetiva câmara municipal, na medida em que, e quanto a esta, está em causa uma atividade diversa da levada a cabo pela B., S.A.,, pelo que não ocorre uma dupla tributação sobre o mesmo facto.»)
Seguidamente, a sentença recorrida desenvolveu a seguinte argumentação para fundamentar a desaplicação do artigo 15.º, n.º 1, alínea j), do Decreto-Lei n.º 13/71, de 23 de janeiro, na redação aplicável ao caso dos presentes autos:
« 4. […]. De acordo com o artigo 4.º/2 da Lei Geral Tributária, as taxas assentam num dos seguintes pressupostos:
Prestação concreta de um serviço público;
Utilização de um bem do domínio público; ou
Remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares
A propósito, precisamente, do tributo previsto no artigo 15.°/1/j) do Decreto-Lei n.º 13/71, de 23 de Janeiro, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 25/2004, de 24 de Janeiro, já o Tribunal Constitucional teve oportunidade de se pronunciar, no seu acórdão n.º 288/2010, proferido em 13.7.2010 no processo n.º 839/09, fazendo-o nos seguintes termos, na parte que agora releva: «Está em causa tributo pago à ESTRADAS DE PORTUGAL, E.P.E. pela afixação de objeto publicitário em prédio de propriedade particular (edifício …, de acordo com os factos dados como provados, fl. 76 dos presentes autos), visível da estrada nacional e a uma distância que torna a mensagem publicitária percetível por quem ali circule, na sequência de autorização dada no âmbito de processo de licenciamento da competência da câmara municipal (artigos 1.º e 2.º da Lei n.º 97/88, de 17 de Agosto, e 10.º, n.º, alínea b), do Decreto-Lei n.º 13/71). A autorização que dá origem ao pagamento do tributo previsto na alínea j) do n.º 1 do artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 13/71, supõe a verificação de que a estrada ou a perfeita visibilidade do trânsito não são afetadas ou de que não é necessário impor quaisquer outras condições que, por circunstâncias especiais, se torne necessário estabelecer (artigo 12.º, n.ºs l e 2, do Decreto-Lei n.º 13/71). O que permite concluir que se trata do levantamento de um obstáculo jurídico real, ditado por um genuíno interesse administrativo. Há aqui a remoção de uma proibição (relativa) da atividade publicitária para salvaguarda das condições de segurança rodoviária, com a consequência de se dever qualificar a receita em causa como taxa». Daqui resulta, portanto, que o Tribunal Constitucional fez corresponder a taxa aqui em causa ao terceiro dos fundamentos previstos no artigo 4/2 da Lei Geral Tributária: a remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares, entendimento, aliás, ao qual se adere integralmente.
Ora, esta remoção do obstáculo jurídico ao particular traduz-se, no que se refere à B.., na elaboração do parecer que lhe compete (não tem, por isso, razão o Impugnante quando refere que «a publicidade está afixada em propriedade privada do Banco demandante, pelo que não faz qualquer sentido o pagamento de uma taxa sem qualquer contrapartida, pois a contrapartida que justifica a taxa é a ocupação de espaço de domínio público»). O que significa que esse parecer envolve a mesma atividade independentemente do tamanho da tabuleta ou objeto de publicidade que estiver em causa, para usar a terminologia dos referidos diplomas. Na verdade, está em causa uma atividade técnica para a qual existirão critérios da mesma natureza que norteiam a apreciação dos pedidos de afixação de publicidade, os quais determinarão possíveis sentidos diversos em função da área do objeto de publicidade mas não uma diferente atividade material. Ou seja, não se vê, por exemplo, que um painel publicitário de 20 m2 possa dar lugar ao dobro do trabalho de emissão de um parecer relativamente a um painel com metade dessa área. É que a atividade de remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares nada tem que ver com a utilização de um bem do domínio público. Aí sim, se se ocupa determinada área do domínio público, é compreensível que se pague uma taxa em função, precisamente, dessa área. Ao invés, a utilização de uma base tributável ad valorem numa situação como a dos autos já suscita problemas de outra ordem.
Na verdade, ao prever que a taxa devida pela emissão de parecer pela B., S. A., é calculada em função da área de implantação das tabuletas ou objetos de publicidade, mais concretamente por cada metro quadrado ou fração dos mesmos, determina uma diferenciação no valor das taxas para a prestação do mesmo serviço: a elaboração do parecer, substancialmente indiferente à área do objeto publicitário. Ora, dar tratamento diverso, na matéria em apreço, para aquilo que é substancialmente igual traduz-se na violação do princípio da igualdade tributária decorrente do artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa, disposição que se considera violada pelo artigo l5.°/1/j) do Decreto-Lei n.º 13/71, de 23 de Janeiro, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 25/2004, de 24 de Janeiro […].
Nem se diga, tão-pouco, que o benefício é realmente diverso em função da respetiva área, ou seja, quanto maior esta fosse maior seria o respetivo benefício. É certo que, e como refere Sérgio Vasques (in O Princípio da Equivalência como Critério de Igualdade Tributária, Almedina, 2008, p. 141), “a finalidade compensatória da taxa pode dirigir-se indiferentemente ao custo que a prestação acarreta para a administração ou ao benefício que ela representa para o contribuinte”. No entanto, a valoração do benefício não pode ser feita em função do objeto de publicidade. Isto porque, numa taxa como a dos autos, o benefício tem de ser analisado em função da prestação do sujeito ativo. Se essa prestação se traduz na emissão de um parecer tendente à remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares, e se essa atividade não difere em função da área do objeto de publicidade - antes pelo contrário, é-lhe indiferente -, então o benefício do sujeito passivo é o mesmo independentemente da área desse objeto (ao invés, repete-se, do que seria se o benefício se traduzisse na ocupação de um bem do domínio público para afixação de publicidade. Nesse caso mostra-se evidente que o benefício do particular seria tanto maior quanto mais vasta a área que ocupasse). Como refere o autor atrás citado (in Taxas de Saneamento Ad Valorem: Anotação ao Acórdão n° 68/2007, do Tribunal Constitucional, Fiscalidade, 2006, n° 28, p. 22), “sempre se hão-de excluir, por desconformes ao princípio da igualdade tributária - e ao princípio da equivalência que é sua expressão as diferenciações entre contribuintes que se mostrem alheias ao custo ou valor das prestações públicas que as taxas (...) visam compensar”.
[…] Deste modo, este tribunal recusa a aplicação, ao caso dos presentes autos, do artigo 15.°/1/j) do Decreto-Lei n.º 13/71, de 23 de Janeiro, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 25/2004, de 24 de Janeiro, com fundamento na sua inconstitucionalidade material, por violação do artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa. […].»
2. O Ministério Público interpôs recurso obrigatório desta sentença para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea a), da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, adiante referida como “LTC”). Concluiu as suas alegações de recurso do modo seguinte:
« 40. A norma constante do art. 15.º, n.º 1, alínea j) do Decreto-Lei n.º 13/71, de 23 de Janeiro, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 25/2004, de 24 de Janeiro, prevê a aplicação de uma taxa no valor de € 56, 79, por cada metro quadrado ou fração, das tabuletas ou objetos de publicidade a implantar pelos particulares.
41. Este tributo, conforme já decidido, anteriormente, pelo Tribunal Constitucional, no seu Acórdão n.º 177/10, não é um imposto, mas uma verdadeira taxa, devida pela remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares.
42. O valor desta taxa, fazendo apelo ao princípio da equivalência económica, não impõe que o seu quantum seja determinado, exclusivamente, por um critério de cobertura dos custos para a administração, antes permitindo, que tal valor se obtenha, igualmente, pela consideração do benefício para o particular.
43. Ao admitir-se este critério, tem de se aceitar que a discriminação estabelecida pela alínea j), do n.º 1, do artigo 15.º, do Decreto-Lei n.º 13/71, de 23 de Janeiro, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 25/2004, de 24 de Janeiro, trata, proporcionalmente, de forma desigual, situações que são, também elas, desiguais.
44. Este tratamento discriminado de situações desiguais, não só não viola o disposto no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa como, por outro lado, lhe dá cumprimento positivo e o densifica.
45. Pelo acabado de expor, entende-se que a norma contida na alínea j), do n.º 1, do artigo 15.º, do Decreto-Lei n.º 13/71, de 23 de Janeiro, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 25/2004, de 24 de Janeiro, não viola o disposto no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa.»
3. O ora recorrido, Banco A. , S.A., contra-alegou, sustentando a tese sufragada pela sentença recorrida.
4. Tendo em conta o caráter obrigatório do presente recurso, e que a B., S.A., é parte no processo de onde o mesmo emerge, podendo vir a ser prejudicada pela decisão a proferir por este Tribunal Constitucional, caso este confirmasse a decisão recorrida quanto à questão de constitucionalidade, foi ordenada a sua notificação, ao abrigo do princípio do contraditório, ínsito no artigo 3.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 69.º da LTC, para, querendo, deduzir alegações. Nestas, a B., S.A., concluiu nos seguintes termos:
« a) O recurso instaurado pelo Ministério Público, contra a sentença da primeira instância que afirma que a autorização de taxa por publicidade à margem das estradas nacionais, a favor da B., SA, se trata de um mero ato e deve ter sempre o mesmo valor, o mesmo custo, deverá ter provimento por parte deste Tribunal, o que se requer;
b) Não se depara a Administração (EP) sempre com a mesma remoção de obstáculos a uma atividade, por regra proibida, de exibição de publicidade que tem de se conformar com o ambiente e a segurança rodoviárias;
c) A publicidade pode ocupar maior ou menor espaço visual pelo que, além de justo, os DL 13/71 e 25/04 defendem o princípio da igualdade, nas suas diversas vertentes, designadamente a da externalidade, já que quem possuir maior suporte publicitário que interfira com a estrada, pagará maior taxa pela remoção do obstáculo, existindo um carácter bilateral ou sinalagmático neste tributo;
d) A lei estabeleceu uma diversidade de tratamento em relação a situações concretas diferentes, tomando por base de tributação da publicidade um valor unitário sujeito ao fator da multiplicação pela área pretendida de exibição da publicidade;
e) Assim, um expositor de painel de publicidade, à margem de uma EN (Estrada Nacional) que usufrua a vantagem de publicitar, e pretenda a remoção do obstáculo legal, numa área de 30 metros quadrados, pagará, justamente, o triplo do valor de um outro expositor que queira usufruir da publicidade colocada numa área de 10 metros quadrados de suporte — princípio da igualdade, da proporcionalidade.
f) A sentença, ora em crise, ao julgar que o ato tributário da B., SA é o mesmo, quer se trate de publicidade existente numa área de 20 metros quadrados ou em metade desta, é redutora e injusta, violando os preceitos legais supra referidos de defesa do estatuto da estrada e o Arte° 13° da Constituição porquanto o custo da permissão de painéis de diferente dimensão, obriga a valor tributário diferente;
g) O respeito pelo princípio da igualdade, no caso concreto é aplicar um valor unitário à universalidade de particulares e diferenciar consoante a área de exposição de que colhem o benefício de terem visto eliminada a restrição jurídica;
h) Não estamos perante um estudo técnico de um projeto, honorários ou preço por prestação de serviço, mas sim face à retirada administrativa, a remoção de obstáculo legal que se traduz em algo físico, existente, implantado à margem da estrada, num objeto de diferentes dimensões e com diferentes implicações visuais, donde sujeito a diferentes valores de ordem tributária;
i) Porque se trata de uma taxa e de contrapartida do benefício mensurável em área, tem de se tratar de modo igual o que é igual e diferente o que é diferente, sob pena de um cidadão pagar a taxa de 56,79 por exibir um painel de 1 metro quadrado e outro cidadão pagar a mesma taxa de 56,79 por exibir um painel de 100 (cem metros) quadrados, isto é, um pagar só 56,79 por cortar a visibilidade da estrada em 100 m2 e outro pagar o mesmo para exibir, tão só 1 m2 da visibilidade rodoviária;
j) Dessa sorte, fácil será adivinhar que proliferarão em todas as estradas do nosso País painéis publicitários contínuos de diversos anunciantes e de diferentes dimensões sempre ao mesmo preço, independente do tamanho exibido;
k) A vontade do legislador, de colocar fortes obstáculos à publicidade junto do meio rodoviário, cairia pela base, a confusão seria geral, pois os painéis, placards, totens, cartazes, suportes, mupis, e o mais teria as maiores extensões a preço reduzido;
l) A finalidade do Decreto-Lei n° 13/71, ainda em vigor, é, por regra, a de proibir a proliferação de publicidade junto das estradas nacionais e a exceção é a de permitir, autorizar, a colocação da mesma, perante uma taxa em contrapartida cujo valor tem previsão legal no mesmo DL 13/7l, atua1izado pelo DL 25/04, e é, por lei, o de € 56,79 por cada metro quadrado de publicidade exibida.»
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
5. O presente recurso foi interposto ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, para apreciação do artigo 15.º, n.º1, alínea j) do Decreto-Lei n.º 13/71, de 23 de janeiro, na redação que lhe foi dada pelo artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 25/2004, de 24 de janeiro. É o seguinte o teor do preceito desaplicado pelo tribunal a quo:
«Artigo 15.º
(Taxas)
1 – Sem prejuízo de legislação específica, as taxas a pagar por cada autorização ou licença são as seguintes:
[…]
j) Pela implantação de tabuletas ou objetos de publicidade, por cada metro quadrado ou fração dos mesmos - € 56,79;
[…].»
No seu Acórdão n.º 288/2010 (disponível, como os demais adiante referidos, em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/ ) teve já este Tribunal oportunidade de apreciar a constitucionalidade desta mesma norma. Nos autos em que foi proferido aquele Acórdão, a norma em apreço havia sido desaplicada com fundamento em inconstitucionalidade orgânica, em virtude de a sentença então recorrida ter considerado que aquele preceito consagrava um imposto, e não uma taxa, devido à falta da “desejada proporcionalidade entre a taxa e o custo do serviço”. O Tribunal Constitucional, no mencionado Acórdão, seguindo a jurisprudência mais recente do mesmo Tribunal em matéria de taxas de licença (cfr. o Acórdão n.º 177/2010), determinou a reforma da sentença, por considerar:
1.º - Que o preceito legal em causa consagra uma taxa:
« A autorização que dá origem ao pagamento do tributo previsto na alínea j) do n.º 1 do artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 13/71, supõe a verificação de que a estrada ou a perfeita visibilidade do trânsito não são afetadas ou de que não é necessário impor quaisquer outras condições que, por circunstâncias especiais, se torne necessário estabelecer (artigo 12.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 13/71). O que permite concluir que se trata do levantamento de um obstáculo jurídico real, ditado por um genuíno interesse administrativo. Há aqui a remoção de uma proibição (relativa) da atividade publicitária para salvaguarda das condições de segurança rodoviária, com a consequência de se dever qualificar a receita em causa como taxa.»];
2.º - Que inexiste desproporcionalidade entre a mesma taxa e o custo do serviço prestado, a ponto de ser posto em causa o que, verdadeiramente, distingue aquele tributo do imposto - o caráter bilateral ou sinalagmático da primeira por contraposição ao carácter unilateral do segundo:
« Este Tribunal tem rejeitado o entendimento de que uma taxa cujo montante exceda o custo do serviço prestado se deve qualificar como imposto, acentuando que “o carácter sinalagmático do nexo entre o pagamento desse tributo e a prestação da atividade pelo ente público não é descaracterizado se não existir equivalência económica, bastando, essencialmente, a correspondência jurídica” (Acórdão n.º410/00 e, entre muitos outros, Acórdãos n.ºs 1140/96, 115/02, 269/02 e 258/08, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt/ ).
Ora, é esta correspondência jurídica que não pode ser negada nos presentes autos, sendo irrelevante, porque está em causa este tipo de correspondência e não uma qualquer equivalência económica, a argumentação da sentença recorrida no que se refere à não distinção entre taxa de autorização e taxa de licença e ao cálculo da taxa em função do metro quadrado dos objetos publicitários (artigo 15.º, n.º 1, alínea j), do Decreto-Lei n.º 13/71).»
6. In casu a sentença recorrida não questiona que a norma do artigo 15.º, n.º 1, alínea j), do Decreto-Lei n.º 13/71, de 23 de janeiro, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 25/2004, de 24 de janeiro, consagre uma taxa. Aliás, sufraga expressamente esse entendimento (“o Tribunal Constitucional fez corresponder a taxa aqui em causa ao terceiro dos fundamentos previstos no artigo 4/2 da Lei Geral Tributária: a remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares, entendimento, aliás, ao qual se adere integralmente”).
Diversamente, o que fundamenta o seu juízo positivo de inconstitucionalidade é a consideração de que a remoção do obstáculo jurídico à atividade do particular em causa se traduz, no que se refere à B., S.A., na elaboração de um parecer técnico e que tal parecer “envolve a mesma atividade independentemente do tamanho da tabuleta ou objeto de publicidade que estiver em causa”:
«[E]stá em causa uma atividade técnica para a qual existirão critérios da mesma natureza que norteiam a apreciação dos pedidos de afixação de publicidade, os quais determinarão possíveis sentidos diversos em função da área do objeto de publicidade mas não uma diferente atividade material. Ou seja, não se vê, por exemplo, que um painel publicitário de 20 m2 possa dar lugar ao dobro do trabalho de emissão de um parecer relativamente a um painel com metade dessa área.»
E é nessa diferença de tratamento relativamente à mesma atividade que o Mmo. Juiz a quo descortina uma violação do princípio da igualdade:
«[A]o prever[-se] que a taxa devida pela emissão de parecer pela B., S. A., é calculada em função da área de implantação das tabuletas ou objetos de publicidade, mais concretamente por cada metro quadrado ou fração dos mesmos, determina[-se] uma diferenciação no valor das taxas para a prestação do mesmo serviço: a elaboração do parecer, substancialmente indiferente à área do objeto publicitário. Ora, dar tratamento diverso, na matéria em apreço, para aquilo que é substancialmente igual traduz-se na violação do princípio da igualdade tributária decorrente do artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa, disposição que se considera violada pelo artigo l5.°/1/j) do Decreto-Lei n.º 13/71, de 23 de Janeiro, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 25/2004, de 24 de Janeiro […]».
Por outro lado, a sentença recorrida não ignora que o cálculo do montante das taxas não tem de obedecer exclusivamente ao «princípio da cobertura dos custos» (Kostendeckungsprinzip), podendo também considerar um «princípio de equivalência» com a utilidade do bem ou do serviço (Äquivalenzprinzip). A citação, a este propósito, de Sérgio Vasques é elucidativa: “a finalidade compensatória da taxa pode dirigir-se indiferentemente ao custo que a prestação acarreta para a administração ou ao benefício que ela representa para o contribuinte“ (cfr. o Autor cit., O Princípio da Equivalência como Critério de Igualdade Tributária, Almedina, Coimbra, 2008, p. 141). Na verdade, o Mmo. Juiz a quo sustenta que:
«[A] valoração do benefício não pode ser feita em função do objeto de publicidade. Isto porque, numa taxa como a dos autos, o benefício tem de ser analisado em função da prestação do sujeito ativo. Se essa prestação se traduz na emissão de um parecer tendente à remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares, e se essa atividade não difere em função da área do objeto de publicidade - antes pelo contrário, é-lhe indiferente -, então o benefício do sujeito passivo é o mesmo independentemente da área desse objeto (ao invés, repete-se, do que seria se o benefício se traduzisse na ocupação de um bem do domínio público para afixação de publicidade. Nesse caso mostra-se evidente que o benefício do particular seria tanto maior quanto mais vasta a área que ocupasse). Como refere o autor atrás citado [- Sérgio Vasques -] (in Taxas da Saneamento Ad Valorem: Anotação ao Acórdão n° 68/2007, do Tribunal Constitucional, Fiscalidade, 2006, n° 28, p. 22), “sempre se hão-de excluir, por desconformes ao princípio da igualdade tributária - e ao princípio da equivalência que é sua expressão as diferenciações entre contribuintes que se mostrem alheias ao custo ou valor das prestações públicas que as taxas (...) visam compensar”.»
7. Liminarmente cumpre distinguir entre o plano conceptual e de qualificação das figuras tributárias, designadamente para efeitos de controlo da habilitação constitucional da entidade que as cria, e o plano dos seus requisitos de validade, seja quanto à respetiva legalidade, seja quanto à respetiva constitucionalidade (material). É certo que a jurisprudência constitucional se tem preocupado mais com o primeiro aspeto; mas não será esta a primeira vez que o segundo é aflorado (cfr., por exemplo, as declarações de voto da Conselheira Maria Fernanda Palma nos Acórdãos n.os 115/2002 e 610/2003; v. também a seguinte referência no Acórdão n.º 68/2007: pode “deixar-se em aberto a questão de saber se, qualificado o tributo como taxa, existirá ainda espaço para intervenção autónoma do princípio da proporcionalidade, em termos de a sua violação determinar uma inconstitucionalidade material”). Deste ponto de vista, não pode causar perplexidade que, tal como sucedeu na sentença recorrida, se analise a constitucionalidade material de uma norma que inequivocamente consagra uma taxa.
Com efeito, os tributos correspondentes à figura de “taxa” apresentam uma natureza bilateral que se projeta nos limites relativos ao seu quantum. E é essa bilateralidade que explica a menor exigência formal em matéria de legalidade tributária. Como observa Casalta Nabais, “enquanto os impostos obedecem ao exigente princípio da legalidade fiscal e a sua medida tem por base o princípio da capacidade contributiva, as taxas bastam-se com a reserva de lei parlamentar (ou decreto-lei parlamentarmente autorizado) do seu regime geral e a sua medida assenta no princípio da proporcionalidade taxa/prestação estadual proporcionada ou taxa/custos específicos causados à respetiva comunidade” (v. Autor cit., Direito Fiscal, 7.ª ed., Almedina, Coimbra, 2012, p. 46). Na verdade, “o que faz com que as taxas não estejam sujeitas à reserva de lei, é o facto de a sua estrutura sinalagmática permitir o controlo do seu montante e, portanto, conterem uma imanente salvaguarda do sujeito passivo quanto às exações excessivas” (assim, v. Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, 3.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, p. 37). Todavia, como recorda Cardoso da Costa a este propósito, aquela proporcionalidade, enquanto “marca de uma real (e não simplesmente aparente) signalagmaticidade das «taxas»”, assume “um relevo fundamentalmente «estrutural-formal», e [é] compatível, assim, com taxas de montante superior (e, porventura, até consideravelmente superior) ao custo do serviço prestado” (cfr. Autor cit., “O enquadramento constitucional do Direito dos impostos em Portugal: a jurisprudência do Tribunal Constitucional” in Perspectivas Constitucionais – Nos 20 Anos da Constituição de 1976, II, Coimbra, 1997, pp. 404–405; itálico aditado).
Daí, também, a afirmação feita no Acórdão n.º 288/2010 de que o Tribunal Constitucional “tem rejeitado o entendimento de que uma taxa cujo montante exceda o custo do serviço prestado se deve qualificar como imposto, acentuando que «o carácter sinalagmático do nexo entre o pagamento desse tributo e a prestação da atividade pelo ente público não é descaracterizado se não existir equivalência económica, bastando, essencialmente, a correspondência jurídica» (Acórdão n.º410/00 e, entre muitos outros, Acórdãos n.ºs 1140/96, 115/02, 269/02 e 258/08 […]“. Na verdade, partindo da bilateralidade própria do conceito de taxa – a existência de uma contraprestação individualizada por parte do respetivo sujeito ativo em benefício do sujeito passivo (e que corresponde ao “teste de bilateralidade”) -, tem este Tribunal analisado o critério de fixação do montante da taxa com vista a apurar se, pela sua relação com os custos associados à referida contraprestação ou com a utilidade que dela extrai o sujeito passivo, tal critério é «completamente alheio» a tais custos e utilidade (análise que corresponde a um “teste de proporcionalidade”) – cfr., em especial, os Acórdãos n.os 610/2003 e 68/2007 (sobre o duplo teste da bilateralidade e da proporcionalidade, v. Casalta Nabais, ob. cit., p. 46). A existência de uma taxa, enquanto tributo distinto do imposto, pressupõe, assim, um requisito positivo - que a mesma assente numa contraprestação individualizada da entidade pública (prestação de um serviço, utilização de um bem público ou remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares) - e um requisito negativo - que o critério de fixação do seu montante não seja “completamente alheio” aos custos para a entidade pública associados àquela contraprestação ou à utilidade dela derivada para o particular.
De todo o modo, se a delimitação no plano constitucional da figura da «taxa» face ao «imposto» é fundamental para definir o âmbito de aplicação da reserva de lei parlamentar constitucionalmente prevista em relação aos impostos, a mesma não esgota a função de proteção desempenhada pela Constituição relativamente às taxas. Definidas por lei ou regulamento, estas últimas não deixam de continuar subordinadas aos princípios constitucionais fundamentais, mormente os que, como a igualdade e a proporcionalidade, são estruturantes do Estado de Direito democrático (em sentido convergente, v. a decisão do Tribunal Constitucional Federal alemão, de 19 de março de 2003, in BVerfGE 108, 1, em especial, pp. 13-14). O princípio da igualdade tem particular relevo na determinação da incidência, podendo relevar também na modulação da taxa em função de outros critérios para além do atinente à cobertura dos custos da contraprestação específica (como, por exemplo, fins extrafiscais ou os benefícios e utilidades para o contribuinte); o princípio da proporcionalidade mantém-se como um parâmetro relevante, por exemplo, no controlo da relação de equilíbrio entre o montante total do tributo a pagar e os diferentes fins legais justificativos dos critérios determinantes desse montante ou, bem assim, e caso aplicável, no controlo da justa medida dos valores unitários de base ou do grau de progressão ou regressão de escalões.
8. A sentença recorrida decidiu que a norma do artigo 15.º, n.º 1, alínea j), do Decreto-Lei n.º 13/71, de 23 de janeiro, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 25/2004, de 24 de janeiro, viola o princípio da igualdade, por considerar que a mesma consagra montantes de taxa diferentes para situações exatamente iguais.
As situações a considerar correspondem aos pareceres previstos no artigo 2.º, n.º 2, alínea b), do Decreto-Lei n.º 97/88, de 17 de agosto, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 48/2011, de 1 de abril, a emitir pela B., S. A. Segundo a sentença recorrida, a elaboração de tais pareceres “envolve a mesma atividade independentemente do tamanho da tabuleta ou objeto de publicidade que estiver em causa”, porquanto se traduz numa “atividade técnica para a qual existirão critérios da mesma natureza que norteiam a apreciação dos pedidos de afixação de publicidade, os quais determinarão possíveis sentidos diversos em função da área do objeto da publicidade mas não uma diferente atividade material”. Assim, a norma em apreciação, “ao prever que a taxa devida pela emissão de parecer pela B., S. A., é calculada em função da área de implantação das tabuletas ou objetos de publicidade, mais concretamente por cada metro quadrado ou fração dos mesmos, determina uma diferenciação no valor das taxas para a prestação do mesmo serviço: a elaboração do parecer, substancialmente indiferente à área do objeto publicitário”. A título ilustrativo, acrescenta-se na mesma decisão: “não se vê, por exemplo, que um painel publicitário de 20 m2 possa dar lugar ao dobro do trabalho de emissão de um parecer relativamente a um painel com metade dessa área”.
Os mencionados pareceres, conforme também é reconhecido na sentença recorrida, têm por objeto salvaguardar que a publicidade não afete a segurança de pessoas e bens, nomeadamente no âmbito da circulação rodoviária (cfr. o artigo 4.º, n.º 1, alínea d), do Decreto-Lei n.º 97/88, de 17 de agosto), o que supõe a verificação de que a implantação de tabuletas ou objetos de publicidade não se confundam com a sinalização da estrada, que a estrada ou a perfeita visibilidade do trânsito não são afetadas e, ainda que não é necessário impor quaisquer outras condições que, por circunstâncias especiais (por exemplo, devido a potenciarem a distração dos condutores, em prejuízo do cuidado que deveriam reservar à condução), se torne necessário estabelecer (cfr. os artigos 10.º, n.º 1, alínea b), e 12.º, n.os 1 e 2, ambos do Decreto-Lei n.º 13/71, de 23 de janeiro).
Acontece que este interesse administrativo de salvaguarda das condições de segurança rodoviária é (ou pode ser) ameaçado de modo diferente em função das dimensões do painel publicitário. Para tanto, basta pensar que a dimensão do painel é um fator que potencia a respetiva visibilidade e percetibilidade a partir da estrada: quanto maior for o painel, mais visível o mesmo se torna a maior distância e num mais curto espeço de tempo e, por conseguinte, mais eficaz é o respetivo poder comunicacional. Daí que também sejam maiores os riscos de captação da atenção dos condutores, em prejuízo do cuidado que deveriam reservar à condução – riscos para os quais a sentença recorrida muito justamente adverte. E, por isso, a prevenção dos mesmos riscos em tais circunstâncias tende a tornar-se mais complexa e é, seguramente, mais premente.
Assim, e contrariamente ao que é assumido na sentença recorrida, não é linear nem seguro que a «atividade material» correspondente à elaboração do parecer pela B., S. A., seja constante ou «sempre a mesma», quando o grau de risco criado pela afixação de painéis publicitários para a segurança rodoviária não é idêntico em todos os casos; aliás, o mais provável será, de acordo com as regras de experiência comum, que a importância e complexidade do parecer aumentem na proporção do aumento dos riscos criados pelo painel a afixar; e, do mesmo modo, também aumenta a responsabilidade da B., S. A., relacionada com a emissão do mesmo parecer. Existe, por conseguinte, uma correlação entre a dimensão dos painéis publicitários e os riscos para a circulação rodoviária por eles criados.
Deste modo, a elaboração de um parecer do tipo dos que aqui estão em análise relativo a um painel publicitário de 20 m2 é seguramente mais complexa e envolve uma maior prevenção de riscos do que a emissão de um parecer referente a um painel com metade dessa área. Daí que exista uma forte probabilidade de a emissão do primeiro dar lugar a mais trabalho e envolver mais responsabilidade do que a elaboração do segundo. Daí, também, que a conclusão de que, «para a elaboração do parecer em causa, é substancialmente indiferente a área do objeto publicitário», não se afigure correta. Ao invés: a diferenciação no valor das taxas em função da área das tabuletas ou objetos de publicidade, tal como prevista no artigo 15.º, n.º 1, alínea j), do Decreto-Lei n.º 13/71, de 23 de janeiro, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 25/2004, de 24 de janeiro, acompanha a medida do aumento do risco criado por tais objetos de publicidade e a consequente complexidade e responsabilidade da análise a realizar em vista da emissão do parecer, que é a contrapartida específica de tais taxas. Por esta razão, a diferença de tratamento entre a apreciação de objetos de publicidade maiores e menores é justificada em termos objetivos e materiais.
Acresce o ponto de vista referido pela B., S. A.: a proliferação de painéis publicitários – em especial, os de grandes dimensões – ao longo das vias rodoviárias, pelos riscos de distração que implicam, não deve ser encorajada, expressando o regime da taxa em análise no caso sub iudicio a vontade do legislador, não apenas a vontade de prevenir tais riscos, como a de desincentivar e limitar a sua criação (cfr. supra no n.º 4 as conclusões j), k) e l) das respetivas alegações).
Consequentemente, aquele preceito não viola o princípio da igualdade, já que trata diferentemente situações diferentes entre si, segundo a medida da respetiva diferença. As diferenças de tratamento refletidas nos montantes das taxas aplicáveis têm correspondência nas diferenças entre as situações comparadas – risco criado para a segurança da circulação rodoviária - e são justificadas em razão dos fins prosseguidos mediante a diferenciação do tratamento – desincentivar a criação de riscos e compensar o grau de exigência e complexidade posto na respetiva análise.
Com efeito, o Tribunal Constitucional já se pronunciou, abundantemente, sobre o princípio da igualdade, tendo produzido jurisprudência consistente, de que, a título de exemplo, e no segmento relevante, se pode citar o Acórdão n.º 437/2006, no qual se decidiu que:
« [O] princípio da igualdade, consagrado no artigo 13º da Constituição da República Portuguesa, é um princípio estruturante do Estado de direito democrático e postula, como o Tribunal Constitucional tem repetidamente afirmado, que se dê tratamento igual ao que for essencialmente igual e que se trate diferentemente o que for essencialmente diferente. Na verdade, o princípio da igualdade, entendido como limite objetivo da discricionariedade legislativa, não veda à lei a adoção de medidas que estabeleçam distinções. Todavia, proíbe a criação de medidas que estabeleçam distinções discriminatórias, isto é, desigualdades de tratamento materialmente não fundadas ou sem qualquer fundamentação razoável, objetiva e racional. O princípio da igualdade, enquanto princípio vinculativo da lei, traduz-se numa ideia geral de proibição do arbítrio (cfr. por todos acórdão n.º 232/2003, publicado no Diário da República, I Série-A, de 17 de Junho de 2003 e nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 56.º Vol., págs. 7 e segs.).»
9. Por outro lado, o próprio Tribunal Constitucional - é certo que no domínio do estabelecimento da distinção entre taxas e impostos - já teve ocasião de decidir, no seu Acórdão n.º 115/2002, que o quantum da taxa não tem de ser condicionado, exclusivamente, pelo custo da atividade material da Administração, mas deve relacionar-se, igualmente, com o valor do benefício resultante para o particular, nos seguintes termos:
« A clara desproporção que afeta o carácter sinalagmático de um tributo não pode relacionar-se apenas com o carácter fortemente excessivo da quantia a pagar relativamente ao custo do serviço; ela há-de igualmente ser aferida em função da utilidade do serviço para quem deva pagar o tributo (cfr. o acórdão 1140/96, já citado).
[…]
[E]screveu-se neste último aresto [- o Acórdão n.º 1108/96 -] que sendo, embora, a taxa juridicamente estruturada “através da sinalagmaticidade e da correspetividade das prestações, tendo como causa uma prestação de que é beneficiário o cidadão vinculado ao seu pagamento” não há-de ser necessariamente justificada pelo exato custo da prestação ou do benefício.
Como, então, mais se ponderou, em termos que ora interessa reter (e refletindo, de certo modo, o exposto precedentemente), “[a] base funcional da distinção entre taxa e imposto não impõe, todavia, uma sinalagmaticidade construída juridicamente e um sentido de correspetividade suscetível de ser entendido e aceite como tal pelos cidadãos atingidos”.
Daí se retira que “a consignação financeira de uma tal prestação económica que surge como uma elevação de um preço estabelecido em convenção poderá não afetar a natureza de taxa da referida prestação, na medida em que se entenda que a elevação do preço tem o seu fundamento (a sua causa) num determinado modo de relacionamento dos cidadãos com os custos (benefícios ou utilidades) e a própria elevação do preço seja aceitável racionalmente como contrapartida de um benefício”.
Encontra-se implícita, nesta conceção, que a aferição do montante da taxa não decorre tanto do seu “custo” mas, essencialmente, da utilidade que do serviço se extrai.».
[Esta jurisprudência foi posteriormente reiterada nos Acórdãos n.os 610/2003 e 68/2007.]
E, diga-se, que não se vislumbra razão, nem base jurídica, para distinguir, neste particular, entre taxas assentes na remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares (taxas de licença), e as assentes na prestação concreta de um serviço público ou na utilização de um bem do domínio público. Na verdade, e independentemente da igual atividade material desenvolvida pela Administração, as taxas podem variar em função do benefício obtido pelo particular obrigado ao tributo; o que não podem é apresentar variações que respeitem à rentabilidade da atividade desenvolvida por este ou ao seu rendimento pessoal. Por isso, não se vislumbra qualquer razão, de ordem constitucional, ou sequer, legal, para que o valor da taxa, ainda que de taxa para remoção de obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares, não seja definido também, ainda que não apenas, pelo benefício auferido pelo particular.
Ora, aceite esta premissa - o benefício obtido pelos particulares pode constituir critério de quantificação do valor de uma taxa, ainda que se trate de uma taxa de licença -, em nada viola o princípio constitucional da igualdade, nas suas vertentes de proibição do arbítrio, proibição da discriminação e de obrigação de diferenciação, o estabelecimento de uma norma que imponha a quantia de € 56, 79, por cada metro quadrado ou fração, das tabuletas ou objetos de publicidade a implantar. Aliás, como bem refere o Ministério Público, a diferenciação, determinada pelo legislador, resultante da aplicação de uma regra de proporção geométrica, acaba por responder à imposição constitucional de interdição de tratamento igual para situações manifestamente desiguais, porquanto o benefício do anunciante tende a aumentar, em razão do aumento da eficácia comunicacional da sua mensagem publicitária, com o aumento da dimensão do respetivo painel de publicidade.
Assim, também por esta razão, a norma constante do artigo 15.º, n.º 1, alínea j), do Decreto-Lei n.º 13/71, de 23 de janeiro, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 25/2004, de 24 de janeiro, não se mostra violadora da Constituição, nomeadamente do disposto no seu artigo 13.º.
III. Decisão
Pelo exposto, acordam em:
Não julgar inconstitucional a norma do artigo 15.º, n.º 1, alínea j), do Decreto-Lei n.º 13/71, de 23 de janeiro, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 25/2004, de 24 de janeiro; e, em consequência,
Conceder provimento ao recurso e determinar a reforma da sentença recorrida de harmonia com o decidido quanto à questão de constitucionalidade.
Sem custas.
Lisboa, 26 de Setembro de 2013. – Pedro Machete – João Cura Mariano – Fernando Vaz Ventura – Ana Guerra Martins – Joaquim de Sousa Ribeiro.