Imprimir acórdão
Processo n.º 278/13
2.º Secção
Relator: Conselheiro João Cura mariano
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
Relatório
Nos presentes autos de expropriação litigiosa que correm termos no 4.º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Maia, em que é expropriante “EP - Estradas de Portugal E.P.E.”, e expropriada A., por despacho do Sr. Secretário de Estado Ajunto das Obras Públicas de 10.08.2004, publicado no Diário da República nº 205, II série, (Suplemento) de 31.08.2004, foi declarada a utilidade pública, com caráter de urgência, da expropriação da parcela n.º 117, com a área de 10.759 m2, a desanexar do prédio misto sito no Lugar de Parada, freguesia de Águas Santas, concelho da Maia, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 759, da freguesia de Águas Santas, e na matriz predial urbana sob os artigos 1506, 2004, 1348 e 1347, todos da mesma freguesia, e descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial da Maia sob o n.º 306, da mencionada freguesia.
A expropriação destinou-se à execução da obra SCUT do Grande Porto, A4-1P4, sublanço Via Norte, Águas Santas.
Foi realizada a vistoria ad perpetuam rei memoriam, sem que fosse possível alcançar acordo entre expropriante e expropriada quanto ao valor da indemnização devida pela referida parcela n.º 117.
Procedeu-se então a arbitragem, tendo sido fixada à parcela expropriada o valor de € 205.106,52, após classificação do solo como apto para construção e valorização das benfeitorias.
A Expropriante procedeu ao depósito da quantia arbitrada.
Foi proferido despacho de adjudicação da parcela expropriada à Expropriante “EP - Estradas de Portugal, EPE”, após lhe ter sido atribuída posse administrativa da mesma parcela.
Notificadas ambas as partes da decisão arbitral, nos termos do disposto no artigo 51.º, n.º 5, do Código das Expropriações, dela recorreu a Expropriada.
A Expropriante recorreu subordinadamente.
Por sentença proferida em 8 de junho de 2012 foi julgado parcialmente procedente o recurso interposto pela Expropriada e improcedente o recurso interposto pela Expropriante, tendo sido fixado o montante indemnizatório em € 405.839,32.
A Expropriante recorreu desta decisão para o Tribunal da Relação do Porto que, por acórdão proferido em 21 de fevereiro de 2013, julgou improcedente o recurso.
A Expropriante recorreu desta decisão para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, b), da LTC, nos seguintes termos:
“A norma, cuja inconstitucionalidade se pretende que o Tribunal Constitucional aprecie, é o n.º 12 do artigo 26.º do Código das Expropriações aprovado pela lei n.º 168/99 de 18 de setembro.
Mais se refere, em cumprimento do n.º 2 do artigo 75.º-A da Lei n.º 28/82 de 15 de novembro, que os princípios constitucionais que se consideram violados são o princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da C.R.P. e o princípio da justa indemnização, consagrado no n.º 2 do artigo 62.º da C.R.P.
O recorrente suscitou a questão da inconstitucionalidade da norma citada nas segundas alegações aduzidas ao abrigo do art.º 64.º do C.E., bem como nas alegações do recurso de apelação.
A inconstitucionalidade foi suscitada em duas diferentes vertentes:
a) Inconstitucionalidade do artigo 26.º/12 do C.E. quando interpretado no sentido de que, para efeitos da sua aplicação, a aptidão edificativa da parcela expropriada não tem de aferir-se pelos elementos objetivos definidos no artigo 25.º/2 do mesmo Código.
b) Inconstitucionalidade do critério de avaliação previsto no artigo 26.º/12 do C.E. dado que estabelece um critério abstrato sem qualquer correspondência com as reais aptidões do solo, na medida em que, apesar de existirem num perímetro de 300 metros solos com habitações ou em que é possível construir, pode suceder que o solo expropriado não possua aptidão construtiva, por lhe faltarem as condições materiais para a edificação (não dispõe de acesso, tem dimensão insuficiente, é demasiado declivoso, etc.), ou devido a proibição legal ou regulamentar (servidões non aedificandi preexistentes, etc.). Mas mesmo que detenha aptidão construtiva, pode ser apto para a construção de prédio urbano com valor diverso do resultante da média das construções existentes ou que sejam possíveis de edificar na área envolvente, como pode dispor de condições de facto diversas dos prédios existentes num perímetro de 300m.”
Apresentou alegações, com as seguintes conclusões:
“I. O artigo 26.º/12 do C.E. é inconstitucional quando interpretado no sentido de que, para efeitos da sua aplicação, a aptidão edificativa da parcela expropriada não tem de aferir-se pelos elementos objetivos definidos no artigo 25.º/2 do mesmo Código.
II. O solo expropriado não preenche qualquer das alíneas do n.º 2 do artigo 25.º do C.E.
III. Esta norma apenas diz respeito a solos previamente classificados como aptos para construção, conforme se pode constatar pelo próprio título do art.º 26.
IV. O 26.º/12 não tem como intuito conferir aptidão construtiva a solos que não possuem qualquer possibilidade de edificação, apenas estabelecendo um critério de avaliação de solos que são classificados como “aptos para construção”, de acordo com o art.º 25 do CE/99, mas, contudo, não possuem possibilidade real de edificar, por virtude de limitação decorrente de plano urbanístico.
V. Não se pode, em sede de expropriação, avaliar os prédios expropriados como se estes tivessem possibilidade efetiva de construção quando os seus proprietários nunca teriam hipótese de obter uma licença para construção.
VI. Avaliando dessa forma, não se alcança o valor real de mercado da parcela expropriada pois nenhum indivíduo vai adquirir e pagar como solo apto para construção, um terreno onde não é possível construir.
VII. O Tribunal Constitucional já se pronunciou no passado sobre esta questão, no seu acórdão n.º 145/2005, de 16 de março, e na sua decisão sumária proferida nos autos de recurso 365/05, 1ª Secção, sobre o n.º 12 do art.º 26, julgando-o inconstitucional por violação do princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da Constituição, quando interpretada no sentido de que, para efeitos da sua aplicação, a aptidão edificativa da parcela expropriada não tem de aferir-se pelos elementos objetivos definidos no artigo 25.º/2 do mesmo Código.
VIII. Outro relevante acórdão do Tribunal Constitucional foi o n.º 275/2004, de 20 de abril, julgando inconstitucionais, por violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição, as normas contidas no n.º 1 do artigo 23.º e no n.º 1 do artigo 26.º do Código das Expropriações (1999), quando interpretadas no sentido de incluir na classificação de “solo apto para construção” e, consequentemente, de como tal indemnizar, o solo, integrado na Reserva Agrícola Nacional, expropriado para implantação de vias de comunicação.
IX. Pelo que requeremos que seja declarada a inconstitucionalidade do n.º 12 do artigo 26.º do C.E. por violar os princípios da igualdade e da justa indemnização, quando interpretado no sentido de que, para efeitos da sua aplicação, a aptidão edificativa da parcela expropriada não tem de aferir-se pelos elementos objetivos definidos no artigo 25.º/2 do mesmo Código.
X. Igualmente pugnamos pela inconstitucionalidade do critério de avaliação previsto no n.º 12 do artigo 26.º do C.E. por violar os princípios da igualdade e da justa indemnização dado que estabelece um critério abstrato sem qualquer correspondência com as reais aptidões do solo.
XI. Apesar de existirem num perímetro de 300 metros solos com habitações ou em que é possível construir, pode suceder que o solo expropriado não possua aptidão construtiva, por lhe faltarem as condições materiais para a edificação (não dispõe de acesso, tem dimensão insuficiente, é demasiado declivoso, etc.), ou devido a proibição legal ou regulamentar (servidões non aedificandi” preexistentes, etc.).
XII. Mas mesmo que detenha aptidão construtiva, pode ser apto para a construção de prédio urbano com valor diverso do resultante da média das construções existentes ou que sejam possíveis de edificar na área envolvente, como pode dispor de condições de facto diversas dos prédios existentes num perímetro de 300m.
XIII. A indemnização por expropriação só será justa se repuser o princípio da igualdade violado, através da reconstituição da posição de proprietário que o expropriado detinha.
XIV. O n.º 12 do artigo 26.º do C.E. obsta a que tal suceda, uma vez que os solos não serão avaliados segundo as suas potencialidades, nem sequer segundo as potencialidades de parcelas de terreno com os mesmos condicionalismos materiais e legais “situadas numa área envolvente cujo perímetro exterior se situe a 300 m do limite da parcela expropriada”.
XV. De acordo com esta norma, o solo deverá ser avaliado “em função do valor médio das construções existentes ou que seja possível edificar nas parcelas situadas numa área envolvente cujo perímetro exterior se situe a 300 m do limite da parcela expropriada”.
XVI. Este critério em primeiro lugar não atende ao facto de na prática não ser possível realizar no solo expropriado uma construção semelhante às existentes ou possíveis de edificar na zona envolvente.
XVII. Não respeitando os condicionalismos materiais e legais que impendem sobre o solo, esta norma leva à determinação de uma indemnização que não repõe a situação patrimonial do expropriado.
XVIII. É nossa opinião que o n.º 12 do artigo 26.º estabelece um critério de avaliação que se afasta das potencialidades inerentes ao respetivo solo, as quais são delimitadas pelas suas características materiais bem como pelos condicionalismos legais que sobre ele impendem.
XIX. O Tribunal a quo não cumpriu o preceituado no acórdão da Relação anteriormente proferido, o qual ordenou, nomeadamente, que “(…) se ponderarão, fundamentadamente, as restrições construtivas a que se refere o PDM da Maia, designadamente nos artigos 34 e 35, mas valorando, eventualmente, melhor capacidade construtiva se, e na medida em que, na data da DUP, objetivamente, a expropriada pudesse ter uma expectativa jurídica fundada (…) de vir a obter, no futuro próximo, de alguma potencialidade edificativa superior à prevista no PDM(…)”.
XX. O acórdão em crise, não considera as restrições impostas pelo PDM, omitindo o facto de que não se encontra provada a expectativa de num futuro próximo construir com índices superiores ao 0,2 imposto pelo PDM.
XXI. Ora, porém, mesmo que tal tivesse sido provado, seria violado o artigo 23.º/1 do C.E. o qual preenche o conceito constitucional da justa indemnização determinando que esta deve ser calculada de acordo com as circunstâncias e condições de facto existentes na data da DUP, mas atualizando-a, segundo os IPC até ao momento do trânsito em julgado da decisão que a fixar.
XXII. Nestes termos, o valor que resulta da aplicação do artigo 26.º/12 é superior ao necessário para restabelecer a situação patrimonial do expropriado, o que se revela claramente uma injustiça.
XXIII. Além de que tal situação é claramente violadora do princípio da igualdade na sua vertente externa já que o expropriado recebe assim um montante indemnizatório superior ao que receberiam os proprietários de prédios semelhantes, não expropriados, caso os tentassem transacionar no mercado corrente.
XXIV. É que nenhum eventual comprador avisado, algum dia pagaria o valor fixado na decisão do Tribunal a quo quando, o terreno não permite construir segundo os índices de construção considerados.
XXV. Pelo que é inconstitucional a aplicação do n.º 12 do artigo 26.º do C.E. ao caso sub judice, aplicando o seu critério de avaliação a solo que não dispõe da potencialidade para edificar construção com as mesmas características e índice de implantação daquelas que se situam num perímetro de 300 m.”
A Expropriada contra-alegou, pronunciando-se pelo não conhecimento do recurso.
*
Fundamentação
1. Delimitação do objeto do recurso
No sistema português de fiscalização de constitucionalidade, a competência atribuída ao Tribunal Constitucional cinge-se ao controlo da inconstitucionalidade normativa, ou seja, das questões de desconformidade constitucional imputada a normas jurídicas ou a interpretações normativas, e já não das questões de inconstitucionalidade imputadas diretamente a decisões judiciais, em si mesmas consideradas.
Nos recursos interpostos ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC – como ocorre no presente processo –, a sua admissibilidade depende ainda da verificação cumulativa dos requisitos de a questão de inconstitucionalidade haver sido suscitada «durante o processo», «de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (n.º 2, do artigo 72.º, da LTC), e de a decisão recorrida ter feito aplicação, como sua ratio decidendi, das dimensões normativas arguidas de inconstitucionais pelo recorrente.
Na verdade, considerando o caráter ou função instrumental dos recursos de fiscalização concreta de constitucionalidade face ao processo-base, exige-se, para que o recurso tenha efeito útil, que haja ocorrido efetiva aplicação pela decisão recorrida da norma ou interpretação normativa cuja constitucionalidade é sindicada. É necessário, pois, que esse critério normativo tenha constituído ratio decidendi do acórdão recorrido, pois, só assim, um eventual juízo de inconstitucionalidade poderá determinar uma reformulação dessa decisão.
A Recorrente solicitou a apreciação da constitucionalidade das seguintes normas:
- do artigo 26.º, n.º 12, do Código das Expropriações, quando interpretado no sentido de que, para efeitos da sua aplicação, a aptidão edificativa da parcela expropriada não tem de aferir-se pelos elementos objetivos definidos no artigo 25.º, n.º 2, do mesmo Código.
- do critério de avaliação previsto no referido artigo 26.º, n.º 12, do Código das Expropriações, ou seja, que o valor dos solos classificados como zona verde, de lazer ou para instalação de infraestruturas e equipamentos públicos por plano municipal de ordenamento do território plenamente eficaz, cuja aquisição seja anterior à sua entrada em vigor, será calculado em função do valor médio das construções existentes ou que seja possível edificar nas parcelas situadas numa área envolvente cujo perímetro exterior se situe a 300 metros do limite da parcela expropriada.
Da leitura da decisão recorrida verifica-se que esta não aplicou a primeira das normas indicadas, uma vez que ela exigiu precisamente, como condição para aplicação do critério indemnizatório referido no artigo 26.º, n.º 12, do Código das Expropriações, que a parcela expropriada fosse apta para a construção segundo os elementos objetivos definidos no artigo 25.º, n.º 2, do mesmo Código, tendo constatado que a parcela em questão reunia essas características.
Assim sendo, não pode o recurso ser conhecido nessa parte.
A Recorrida defende que também a segunda questão de constitucionalidade colocada pelo Recorrente não deve ser conhecida, uma vez que esta no recurso subordinado interposto da decisão arbitral apenas se limitou a defender que o terreno devia ser classificado e avaliado como solo apto para outros fins, não se tendo pronunciado quanto ao critério a adotar para a hipótese de o terreno ser classificado como apto para construção, pelo que o conhecimento desta questão sempre será inútil.
A utilidade do recurso constitucional tem como pressuposto que a norma cuja constitucionalidade nele está em causa tenha integrado as razões em que se fundamentou a decisão recorrida, de tal modo que um juízo que a declare inconstitucional seja suscetível de determinar uma alteração do decidido pelo tribunal recorrido.
Ora, tendo o critério indemnizatório estabelecido no artigo 26.º, n.º 12, do Código das Expropriações, sido adotado pela decisão recorrida para estabelecer a indemnização pela expropriação em causa nos presentes autos, um eventual julgamento no sentido da sua inconstitucionalidade obrigará o tribunal recorrido a não o aplicar, o que é suscetível de determinar uma alteração do montante indemnizatório fixado.
Por esta razão deve, nessa parte, o mérito deste recurso ser conhecido.
2. Do mérito do recurso
O Recorrente questiona a constitucionalidade do critério indemnizatório estabelecido no artigo 26.º, n.º 12, do Código das Expropriações.
Aí se determina que, para efeitos de atribuição de uma indemnização por expropriação, o valor dos solos classificados como zona verde, de lazer ou para instalação de infraestruturas e equipamentos públicos por plano municipal de ordenamento do território plenamente eficaz, cuja aquisição seja anterior à sua entrada em vigor, será calculado em função do valor médio das construções existentes ou que seja possível edificar nas parcelas situadas numa área envolvente cujo perímetro exterior se situe a 300 metros do limite da parcela expropriada.
O Código das Expropriações de 1991, procurando ir de encontro à jurisprudência do Tribunal Constitucional firmada durante a vigência do Código de 1976, para efeitos de fixação do valor da indemnização a atribuir aos particulares pela expropriação dos seus terrenos, classificou-os em solos aptos para construção e para outros fins, tendo, contudo, disposto no artigo 26.º, n.º 2:
“Sendo necessário expropriar solos classificados como zona verde ou de lazer por plano municipal de ordenamento do território plenamente eficaz, o valor de tais solos será calculado em função do valor médio das construções existentes ou que seja possível edificar nas parcelas situadas numa área envolvente cujo perímetro exterior se situe a 300 metros do limite da parcela expropriada”.
As modificações introduzidas nesta disposição pelo Código das Expropriações de 1999 traduziram-se, por um lado, numa ampliação do âmbito de aplicação da norma que passou a abranger para além dos solos classificados como zona verde ou de lazer por um plano municipal de ordenamento do território, também os solos reservados à instalação de infraestruturas e para a construção de equipamentos públicos, e, por outro lado, numa restrição a esse mesmo âmbito de aplicação, consistente na exigência de que esses solos tenham sido adquiridos antes da entrada em vigor desse instrumento de planeamento territorial.
Seguindo de perto o exposto no acórdão n.º 315/13 deste Tribunal, cumpre referir que é comum a ideia de que esta norma visou evitar as classificações dolosas de solos ou a manipulação das regras urbanísticas por parte dos planos municipais (vide, neste sentido, ALVES CORREIA, em “Código das Expropriações e outra legislação sobre expropriações por utilidade pública”, pág. 23, da ed. de 1992, da Aequitas, e em “A jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre expropriações por utilidade pública e o Código das Expropriações de 1999”, na R.L.J., Ano 133, pág. 53-54, e OSVALDO GOMES, em “Expropriações por utilidade pública”, pág. 195-196, da ed. de 1997, da Texto Editora). De modo a prevenir que a administração pública fosse tentada a proceder à classificação pré-ordenada de terrenos, de modo a restringir as suas aptidões edificativas, para mais tarde os mesmos poderem ser expropriados a baixo custo, o legislador impôs que, independentemente da prova dessa intenção dolosa, a indemnização pela expropriação de tais terrenos seja efetuada em função do valor médio das construções existentes ou que seja possível edificar nas parcelas situadas na área envolvente. Prescindindo da demonstração da atuação dolosa nestas intervenções a dois tempos, o legislador entendeu que a expropriação de determinados terrenos após a sua anterior classificação como zona verde, de lazer ou para instalação de infraestruturas ou equipamentos públicos, por plano municipal de ordenamento do território, relativamente a quem já era proprietário desses terrenos à data desta classificação, deveria ser compensada, não com o pagamento duma indemnização equivalente ao seu diminuto valor de mercado à data da expropriação, mas sim com uma indemnização que tivesse em consideração a capacidade edificativa dos terrenos vizinhos que não foram atingidos por aquela restrição de uso. Considerou-se, assim, que, objetivamente, as referidas limitações impostas por plano de ordenamento do território aniquilavam de tal forma o conteúdo mínimo essencial do direito de propriedade que se traduziam em atos próximos de uma verdadeira expropriação, pelo que a sua posterior expropriação efetiva não poderia ser efetuada por um valor que atendesse à desvalorização resultante das severas limitações anteriormente impostas. O artigo 26.º, n.º 12, do Código das Expropriações, traduz, pois, o recurso a um valor normativo, isto é a um valor que se afasta do valor de mercado resultante do jogo da oferta e da procura, e procura responder a exigências de justiça.
Esse valor normativo situou-se no valor médio dos prédios vizinhos em que, num raio de 300 metros, fosse possível construir.
É este critério que o Recorrente acusa de violar o princípio da justa indemnização.
Alega o Recorrente que ele não atende ao facto de, na prática, não ser possível realizar no solo expropriado uma construção semelhante às existentes ou possíveis de edificar na zona envolvente, uma vez que não considera as restrições impostas pelo PDM, pelo que o valor que resulta da sua aplicação é superior ao necessário para restabelecer a situação patrimonial do expropriado, além de que viola o princípio da igualdade na sua vertente externa, já que o expropriado recebe um montante indemnizatório superior ao que receberiam os proprietários de prédios em igual situação, não expropriados, caso os tentassem transacionar no mercado corrente. E, além disso, mesmo que se aceite que a indemnização possa ignorar as limitações à edificação resultantes do PDM, a aptidão para a construção da parcela expropriada pode ter um valor diverso dos prédios existentes na área envolvente, pelo que a aplicação de tal critério não garante a atribuição de uma justa compensação.
Nesta argumentação, o Recorrente esquece, desde logo, que o critério indemnizatório sindicado, como acima se referiu, perseguindo uma ideia de justiça e de prevenção das classificações dolosas do solo pelos PDM, visa precisamente evitar a repercussão nos valores indemnizatórios das limitações à edificação tipificadas no artigo 26.º, n.º 12, do Código das Expropriações. Este critério procura que o proprietário de um terreno afetado, num primeiro momento, por uma limitação de utilização de tal forma redutora do conteúdo mínimo essencial do direito de propriedade que equivale a uma quase expropriação, e, num segundo momento, por um ato formal de expropriação que retira definitivamente do seu património o bem expropriado, não deixe de ser indemnizado pelos efeitos conjugados destes dois atos, através da atribuição de uma compensação integral do dano suportado em termos de reposição, por equivalente, da situação patrimonial, que se verificaria caso os mesmos não tivessem ocorrido.
Tal finalidade, cuja satisfação se obtém através do recurso ao estabelecimento de um valor normativo, isto é a um valor que se afasta do valor de mercado resultante do jogo da oferta e da procura no momento da declaração de utilidade pública da expropriação, ao obedecer a exigências de equidade, é perfeitamente legítima, uma vez que, ao invés de contrariar a ideia de justa indemnização, nela se insere.
Além disso, não se esqueça, como se afirmou no Acórdão n.º 597/08, que o princípio da justa indemnização “dá corpo a uma garantia constitucional integrada no âmbito de proteção do direito de propriedade. É uma garantia sub-rogatória da que tem por objeto o direito de propriedade. Tendo este que ceder, por força do predominante interesse público que fundamenta a expropriação, ao particular afetado é assegurado, pelo menos, que não fica em pior situação patrimonial do que aquela em que anteriormente se encontrava. Por isso, ele tem direito a uma quantia pecuniária que traduza o valor real do bem.
Mas dificilmente se poderá sustentar que corresponde a um imperativo constitucional, por força apenas do parâmetro da justa indemnização, a não ultrapassagem dessa medida. Tal significaria atribuir-lhe uma dupla natureza e função, em termos de considerar a justa indemnização também como um limite máximo à reparação. Inibindo uma indemnização inferior ao valor do bem, em garantia do expropriado, o critério da justa indemnização vedaria também, nesta ótica, que ele pudesse beneficiar de uma verba, a título ressarcitório, superior àquela correspondente ao valor corrente do bem, no mercado.
No plano constitucional, pela pura via de interpretação da norma consagradora do direito fundamental de propriedade, na dimensão atinente ao direito de não ser privado dela, nada autoriza semelhante conclusão. Ela desvirtua o sentido tutelador e o alcance garantístico do preceito, contrariando a sua teleologia imanente”.
Daí que seja, no mínimo, duvidoso que o eventual excesso das indemnizações pagas pela aplicação do critério normativo sob análise pudessem, por tal razão, conduzir à sua censura por este Tribunal.
É se é certo que é possível, em algumas situações, que a aptidão física para a construção da parcela expropriada tenha características diversas das que assistem aos prédios existentes na área envolvente, isso não significa que o critério indemnizatório previsto no artigo 26.º, n.º 12, do Código das Expropriações, se afaste do princípio da justa indemnização.
Exigindo o artigo 24.º, n.º 1, do Código das Expropriações, que o montante da indemnização seja calculado por referência à data de declaração de utilidade pública, e encontrando-se o prédio expropriado nesse momento numa das situações tipificadas no artigo 26.º, n.º 12, do Código das Expropriações, não é possível determinar a sua real capacidade edificativa naquela data, pelo que o recurso ao valor médio das construções existentes ou que seja possível edificar nas parcelas situadas numa área envolvente cujo perímetro exterior se situe a 300 metros do limite da parcela expropriada, atenta a proximidade dos terrenos em causa, em regra, fornecerá um valor que corresponde às suas potencialidades construtivas.
E, nas hipóteses em que a aplicação deste critério resulte, excecionalmente, no apuramento de valores manifestamente desajustados da aptidão física edificativa da parcela expropriada, não deixará de ser possível o recurso, a requerimento das partes ou oficiosamente, à cláusula de salvaguarda prevista no artigo 23.º, n.º 5, do Código das Expropriações, a qual faculta a adoção pelo tribunal de outros critérios que permitam uma adequação entre o montante devido pela expropriação e a aptidão física potencial do terreno expropriado.
Quanto à invocada desigualdade entre proprietários expropriados e proprietários de prédios em idêntica situação não expropriados, conforme já se escreveu no já referido Acórdão n.º 315/13, não é possível na análise da constitucionalidade da norma aqui em causa uma utilização do parâmetro da igualdade no plano externo, dado que tal método resulta na comparação de realidades intrinsecamente distintas, uma vez que a indemnização que é atribuída decorre precisamente do facto de se ter verificado uma expropriação, o que não sucede, relativamente aos restantes proprietários, que mantêm integro o seu património. A especificidade do dano causado pela expropriação e das ponderações avaliativas que suscita conferem ao legislador a liberdade de definir critérios que tenham em consideração o caráter coativo da perda sofrida pelo expropriado, levando-o a valorar circunstâncias que, por razões de justiça, afastam o montante indemnizatório do valor venal do terreno expropriado.
Por estas razões deve o recurso ser julgado improcedente.
*
Decisão
Nestes termos, decide-se:
a) Não julgar inconstitucional a norma constante do artigo 26.º, n.º 12, do Código das Expropriações;
b) julgar improcedente o recurso nesta parte;
c) e não conhecer a restante questão de constitucionalidade colocada pelo Recorrente.
*
Custas pelo Recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 25 unidades de conta, ponderados os critérios referidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de outubro (artigo 6.º, n.º 1, do mesmo diploma).
Lisboa, 26 de setembro de 2013. – João Cura Mariano – Fernando Vaz Ventura – Ana Guerra Martins – Pedro Machete (vencido, no essencial, pelas razões que suportam a jurisprudência tomada nos Acs. 410/2006, 118/2007 e 196/2011). – Joaquim de Sousa Ribeiro