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Processo n.º 985 e 986/2013
Plenário
Relator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha
(Conselheiro Lino Ribeiro)
Acordam em Plenário do Tribunal Constitucional:
I – Relatório
1. Rúben Luís Tristão de Carvalho e Silva, mandatário da Lista apresentada pela “CDU – Coligação Democrática Unitária (PCP-PEV)” à Assembleia de Freguesia de Belém e à Assembleia de Freguesia de Penha de França, vem impugnar, com invocação do disposto no artigo 102.º-B da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual versão (LTC), os despachos proferidos pelo 4º Juízo Cível de Lisboa (Processo n.º 985/13) e pelo 3º Juízo Cível de Lisboa (Processo n.º 986/13) que indeferiram a emissão, de forma gratuita, de certidões comprovativas da qualidade dos candidatos às assembleias de freguesia de Belém e de Penha de França, destinadas a comprovar, junto das entidades empregadoras, que se encontravam em situação justificativa da dispensa a que se refere o artigo 8.º da Lei das Autarquias Locais, aprovada pela Lei Orgânica n.º 1/2001, de 14 de agosto (LEOAL).
No Processo n.º 985/13 o recorrente apresentou alegações em que formulou as seguintes conclusões:
“1. O ora recorrente requereu oportunamente ao tribunal recorrido certidões donde constasse a qualidade de candidato dos candidatos da “CDU- Coligação Democrática Unitária (PCP - PEV)” à assembleia da freguesia de Belém, para comprovar junto das entidades empregadoras que se encontram em situação justificativa da dispensa a que se refere o art. 8.º da Lei Eleitoral das Autarquias Locais.
2. Por carta datada de 05-09-2013, com a referência 13330041, foi notificado de que as certidões requeridas se encontravam disponíveis devendo proceder ao pagamento e levantamento contra entrega do respetivo comprovativo de pagamento.
3. Face a isto, o ora recorrente veio dizer que nos termos da lei, são isentas de quaisquer taxas as certidões, os documentos destinados a instruir quaisquer reclamações, protestos ou contraprotestos nas assembleias eleitorais ou de apuramento geral, bem como quaisquer reclamações ou recursos previstos na lei, as procurações forenses a utilizar em reclamações e recursos previstos na lei e quaisquer requerimentos judiciais relativos ao processo eleitoral (cf. art.227.º da Lei Eleitoral das Autarquias Locais).
4. Assim, não é devida qualquer taxa pela emissão das certidões requeridas já que o processo eleitoral em que se está não é ação, execução, incidente, procedimento cautelar ou recurso e, portanto não está sujeito a custas (cf. art. 1.º a contrario do RCP).
5. E não estando sujeito a custas, não é devida qualquer taxa de justiça (cf. art. 3.º, n.º 1 a contrario do RCP).
6. Pois que as taxas relativas a atos avulsos são taxa de justiça nos termos e para os efeitos do n.º 1 do art. 3.º do RCR
7. E mesmo que assim não fosse que é, a Lei Eleitoral das Autarquias Locais é uma Lei Orgânica pelo que Lei de va1or reforçado relativamente ao Regulamento das Custas Processuais aprovado por simples decreto-lei.
8. Requereu por isso o ora recorrente que as certidões requeridas que se encontravam passadas, pudessem ser levantadas sem que fossem pagas quaisquer taxas ao que foi indeferido.
9. Entende o tribunal recorrido, mal salvo o devido respeito, que a isenção prevista no art. 227.º da LEOAL carece de ser enquadrada nalgum dos casos previstos nas suas diversas alíneas, o que impõe a alegação pelo requerente do fim a que as certidões se destinam, designadamente para os fins previstos na al. b) do citado preceito legal, o que não ocorreu no caso em apreço, atenta a invocação singela contida nos pedidos de emissão de certidão.
10.A sujeição a custas é regulada pelo Regulamento das Custas Processuais que estabelece quem a elas está sujeito.
11.Com efeito, diz no n.º 1 do seu art. 1.º que todos os processos estão sujeitos a custas, nos termos nele fixados.
12.Para efeitos do Regulamento das Custas Processuais, considera-se como processo autónomo cada ação, execução, incidente, procedimento cautelar ou recurso, corram ou não por apenso, desde que o mesmo possa dar origem a uma tributação autónoma (cf. n.º 2 do mesmo dispositivo legal).
13.O processo eleitoral em que se está não é ação, execução, incidente, procedimento cautelar ou recurso, pelo que não está sujeito a custas (cf. art. 1.º, n.º 1 a contrario do Regulamento das Custas Processuais).
14.As taxas são custas processuais (cf. art. 3.º, n.º 1 do Regulamento das Custas Processuais).
15.E sendo custas processuais e não estando o processo eleitoral sujeito a custas elas não são devidas, contrariamente ao que foi o entendimento do tribunal recorrido.
16.As taxas relativas a atos avulsos, devidas pela emissão de certidões e fixadas no n.º 3 do art. 9.º do Regulamento das Custas Processuais, são custas processuais nos termos e para os efeitos do mesmo Regulamento.
17.E não estando o processo eleitoral sujeito a custas também não pode estar sujeito a taxa de justiça já que esta é abrangida por aquelas.
18.Destinando-se as certidões em causa a comprovar a existência de um direito eleitoral dos candidatos, estamos perante uma situação equivalente às descritas no artigo 227.º, da Lei Eleitoral, o que justifica que a emissão dessas certidões não esteja condicionada ao pagamento de qualquer taxa.
19.E por se tratar de uma situação equivalente às descritas no artigo 227.º da LEOAL que não de uma situação descrita no artigo 227.º da LEOAL, o ora recorrente não podia alegar, contrariamente ao que é o entendimento do tribunal recorrido, qualquer dos fins previstos no artigo 227.º da LEOAL, designadamente os previstos na al. b) do citado preceito legal.
20.Por isso a decisão recorrida deve ser revogada e substituída por outra que permita o levantamento das certidões requeridas e passadas sem que seja paga qualquer taxa, o que se pede, assim se fazendo
Justiça!
No Processo n.º 986/13, o recorrente concluiu as alegações do seguinte modo:
1. O ora recorrente requereu oportunamente ao tribunal recorrido certidões donde constasse a qualidade de candidato para comprovar junto da entidade empregadora que se encontra em situação justificativa da dispensa a que se refere o art. 8.º da Lei Eleitoral das Autarquias Locais.
2. Por carta datada de 06-09-2013, com a referência 133329438, foi notificado de que as certidões requeridas se encontravam passadas e aguardavam o seu levantamento.
3. Mais foi notificado que o valor a liquidar era de € 20,40 por cada uma e cujo pagamento deveria ser efetuado através de DUC.
4. Face a isto, o ora recorrente veio dizer que nos termos da lei, são isentas de quaisquer taxas as certidões, os documentos destinados a instruir quaisquer reclamações, protestos ou contraprotestos nas assembleias eleitorais ou de apuramento geral, bem como quaisquer reclamações ou recursos previstos na lei, as procurações forenses a utilizar em reclamações e recursos previstos na lei e quaisquer requerimentos judiciais relativos ao processo eleitoral (cf. art. 227.º da Lei Eleitoral das Autarquias 1.ocais).
5. Assim, não é devida qualquer taxa pela emissão das certidões requeridas já que o processo eleitoral em que se está não é ação, execução, incidente, procedimento cautelar ou recurso e, portanto não está sujeito a custas (cf. art. 1.º a contrario do RCP).
6. E não estando sujeito a custas, não é devida qualquer taxa de justiça (cf. art. 3.º, n.º l a contrario do RCP).
7. Pois que as taxas relativas a atos avulsos são taxa de justiça nos termos e para os efeitos do n.º 1 do art.3.ºdo RCP.
8. E mesmo que assim não fosse que é, a Lei Eleitoral das Autarquias Locais é uma Lei Orgânica pelo que Lei de valor reforçado relativamente ao Regulamento das Custas Processuais aprovado por simples decreto-lei.
9. Requereu por isso o ora recorrente que as certidões requeridas que se encontravam passadas, pudessem ser levantadas sem que fossem pagas quaisquer taxas ao que foi indeferido.
10.Louvou-se para tal o tribunal recorrido nos textos legais que transcreveu da alínea a) do artigo 227.º da Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais, Lei Orgânica n.º 1/2001, de 14/08, do artigo 226.º do referido diploma legal e do artigo 8.º da referida lei.
11.De acordo com o tribunal recorrido, a passagem de qualquer certidão que não caiba no âmbito do citado artigo 226.º da Lei Eleitoral, não está isenta do pagamento de taxa.
12.Assim, conclui o tribunal recorrido, salvo o devido respeito, mal, que não gozando os candidatos, individualmente, de isenção subjetiva quanto ao pagamento de custas, apenas lhes poderia aproveitar a isenção objetiva das mesmas, a qual está limitada, no que diz respeito à emissão de certidões, aos casos expressamente previstos na Lei Eleitoral.
13.O Regulamento das Custas Processuais estabelece quem está sujeito a custas.
14.Com efeito, diz no n.º 1 do seu art. 1.º que todos os processos estão sujeitos a custas, nos termos nele fixado.
15.Para efeitos do Regulamento das Custas Processuais, considera-se como processo autónomo cada ação, execução, incidente, procedimento cautelar ou recurso, corram ou não por apenso, desde que o mesmo possa dar origem a uma tributação autónoma (cf. N.º 2 do mesmo dispositivo legal),
16.O processo eleitoral em que se está não é ação, execução, incidente, procedimento cautelar ou recurso, pelo que não está sujeito a custas (cf. art, 1.º, n.º 1 a contrario do Regulamento das Custas Processuais).
17.As taxas são custas processuais (cf. art. 3.º, n.º 1 do Regulamento das Custas Processuais).
18.E sendo Custas processuais e não estando o processo eleitoral sujeito a custas elas não são devidas, contrariamente ao que foi o entendimento do tribunal recorrido.
19.As taxas relativas a atos avulsos, devidas pela emissão de certidões e fixadas no n.º 3 do art. 9.º do Regulamento das Custas Processuais, são custas processuais nos termos e para os efeitos do mesmo Regulamento.
20.E não estando o processo eleitoral sujeito a custas também não pode estar sujeito a taxa de justiça já que esta é abrangida por aquelas.
21.Destinando-se as certidões em causa a comprovar a existência de um direito eleitoral dos candidatos, estamos perante uma situação equivalente às descritas no artigo 227.º, da Lei Eleitoral, o que justifica que a emissão dessas certidões não esteja condicionada ao pagamento de qualquer taxa.
22.Por isso a decisão recorrida deve ser revogada e substituída por outra que permita o levantamento das certidões requeridas e passadas sem que seja paga qualquer taxa, o que se pede, assim se fazendo
Justiça!
No que se refere ao Processo n.º 985/13, o recurso assim interposto para o Tribunal Constitucional não foi admitido pelo 4.º juízo Cível com base na seguinte ordem de considerações:
“Vem a CDU interpor recurso para o Tribunal Constitucional do despacho que indeferiu a reclamação do ato da secretaria, que liquidou em €20,40 o custo das certidões oportunamente requeridas, invocando, para o efeito, o disposto no art 102º-B, n.º 7 da Lei n.º 28/82, cie 25 de novembro (Lei de Organização e Funcionamento do Tribunal Constitucional).
Lê-se no citado artigo (epigrafado “Recursos de atos de administração eleitoral”), que «o disposto nos números anteriores [respeitante a recursos das deliberações da Comissão Nacional de Eleições] é aplicável ao recurso interposto de decisões de outros órgãos da administração eleitoral».
Sucede que as decisões proferidas pelo juiz no âmbito do processo eleitoral que corre perante o tribunal de comarca (art 20º da LEOAL) não se reconduzem a “decisão de outro órgão da administração eleitoral”, mas sim a decisão do tribunal de 1ª instância, que, no caso vertente, não contempla nem matéria respeitante ao contencioso de apresentação de candidaturas (art. 31º da LEOAL e art. 101º da Lei 28/82), nem respeitante ao contencioso eleitoral (art. 102º da Lei nº 28/82).
Decorre, assim, de forma cristalina, que o recurso em apreço, relativo a decisão proferida sobre a reclamação de ato da secretaria (art. 157º, n.º 5 do Novo C.P.C.) está sujeito ao regime do Código de Processo Civil.
Com relevo para o caso vertente, dispõe o art 629º, n.º do Novo CPC que o recurso ordinário só é admissível quando a causa tenha valor superior à alçada do tribunal de que se recorre e a decisão impugnada seja desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal, atendendo-se, em caso de fundada dúvida acerca do valor da sucumbência, somente ao valor da causa”.
Ora, atendendo a que o custo das certidões corresponde a €20,40, é patente que o valor da sucumbência corresponde a tal quantia, inferior a metade da alçada deste tribunal
Pelo exposto, por a decisão não admitir recurso, não admito o recurso interposto pela Recorrente (art 641º, nº e 2, al. a) do C.P.C.)”.
Também no que respeita ao Processo n.º 986/13, o recurso não foi admitido pelo 3.º juízo Cível por se considerar, com base no entendimento expresso no Acórdão n.º 517/2009 do Tribunal Constitucional, que o ato que indeferiu a emissão gratuita de certidão da qualidade de candidato às eleições autárquicas não constitui acto de administração eleitoral para os efeitos do disposto no artigo 102º-B da LTC.
Na sequência, o recorrente apresentou reclamação das decisões de não admissão de recurso, “pedindo que tal ato seja considerado inexistente e admitido o recurso, o mesmo julgado”.
2. Recebidos os recursos no Tribunal Constitucional, os mesmos foram mandados apensar, por despacho do Presidente do Tribunal Constitucional, de 27/09/2013.
II – Fundamentação
3. O recurso de atos de administração eleitoral a que se refere o artigo 102º-B da LTC não contempla qualquer mecanismo de controlo pelo tribunal recorrido sobre a admissibilidade dos recursos interpostos ao abrigo dessa disposição, nem qualquer incidente de reclamação de despacho de não admissão do recurso, devendo entender-se que é ao Tribunal Constitucional que cabe pronunciar-se em primeira instância quanto à viabilidade do prosseguimento do recurso.
Neste contexto, o que importa verificar, em primeira linha, e independentemente das posições adotadas pelo tribunal recorrido nessa matéria, é se está em causa ato suscetível de ser sindicado pelo Tribunal Constitucional por via do recurso contencioso previsto na referida disposição do artigo 102.º-B da LTC.
Trata-se, no contexto normativo do contencioso eleitoral lato sensu, de um recurso que assume especificidades inerentes à tipologia dos atos impugnáveis, seja na perspetiva das entidades intervenientes (Comissão Nacional de Eleições ou «outros órgãos da administração eleitoral»), seja na perspetiva da sua materialidade («atos de administração eleitoral»). Mas a determinação exata do seu âmbito de aplicação, isto é, do que seja o sentido decisivo das particularidades normativas que o distinguem dos demais recursos de contencioso eleitoral, implica necessariamente a sua integração axiológica numa unidade de sentido, que integra todo o contencioso eleitoral atribuído ao Tribunal Constitucional enquanto órgão jurisdicional com competência para «julgar em última instância a regularidade e validade dos atos de processo eleitoral» (artigo 223.º, n.º 2, alínea c), da Constituição).
Analisando, neste plano unitário, as competências legalmente atribuídas ao Tribunal Constitucional em relação aos processos eleitorais, descortinam-se, desde logo, áreas típicas ou preferenciais de intervenção que, pelo seu direto relevo político-constitucional, no quadro de um Estado de Direito Democrático, naturalmente reclamam uma atuação de controlo jurisdicional em ordem à tutela direta dos princípios constitucionais imperantes em matéria eleitoral, designadamente no contencioso pré-eleitoral, que se reporta aos «litígios surgidos antes das eleição propriamente dita, tendo por objeto um controlo prévio ou a priori dos atos destacáveis do processo eleitoral praticados a montante da eleição», que paradigmaticamente inclui o contencioso de apresentação de candidaturas (artigos 31.º da LEOAL e 8.º, alínea d), e 101.º da LTC), nele intervindo o Tribunal Constitucional como instância de recurso em relação às decisões proferidas pelo juiz do tribunal de comarca.
A competência que a norma da alínea f) do artigo 8.º da LTC atribui ao Tribunal Constitucional para «julgar os recursos contenciosos interpostos de atos administrativos definitivos e executórios praticados pela Comissão Nacional de Eleições ou por outros órgãos da administração eleitoral» assume-se, pois, nesse contexto, como uma competência que, sendo “adicional” àquela que já resulta das citadas normas atributivas de competência (ESPERANÇA MEALHA, Recurso contencioso dos atos de administração eleitoral – notas ao artigo 102º-B da Lei do Tribunal Constitucional, 35.º Aniversário da Constituição de 1976, volume II, pág. 347) – pois que versa especificamente tal categoria de atos de administração eleitoral –, não pode deixar de comungar da mesma vocação teleológica de «defesa dos valores constitucionais da regularidade e validade dos atos de processo eleitoral», pretendendo garantir-se, a final, também neste específico domínio de intervenção, «que o ato eleitoral produza os efeitos que a vontade popular determinou» (cf. Acórdãos do TC n.º 14/98, 472/98 e 471/2008).
De modo que, embora se pretenda residualmente incluir no âmbito da competência de fiscalização eleitoral do Tribunal Constitucional a pluralidade de atos e procedimentos sucessivos que precedem o processo de votação e apuramento do seu resultado, e a ele se sucedem, afetando-se-lhe também o contencioso administrativo eleitoral, não se pretende seguramente, com tal afetação acrescida de competências, atribuir ao Tribunal Constitucional, e apenas ao Tribunal Constitucional, o controlo de legalidade de atos administrativos cuja conexão com as eleições seja de ordem meramente temporal ou temática.
Assim, apesar da aparente amplitude ou plasticidade com que a lei delimita o objeto do recurso previsto nas disposições conjugadas dos artigos 8.º, alínea f), e 102.º-B da LTC, referindo-se a «atos administrativos definitivos e executórios praticados pela Comissão Nacional de Eleições ou por outros órgãos da administração eleitoral» ou a «atos de administração eleitoral», praticados por tais entidades administrativas (ou funcionando como tal), só interessam, para esse efeito, os atos administrativos que, prévios ou posteriores ao ato eleitoral propriamente dito, impliquem relevantemente com o processo eleitoral, em sentido restrito (como sucede, por exemplo, com os atos apreciados nos Acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 1/99, 456/2005 e 539/13). Só assim se justifica e compreende, aliás, a urgência subjacente ao regime processual do presente recurso, que deve ser interposto no prazo de 1 dia a contar da data da deliberação impugnada e decidido em prazo não superior a 3 dias (artigo 102.º-B, nºs. 2 e 5, da LTC).
4. No caso vertente, está em causa, pelo menos a título mediato, o ato de cobrança de taxa pela emissão de certidões extraídas de um processo judicial comprovativas da condição de candidato com vista a comprovar os pressupostos de que depende o direito à dispensa de serviço. O recurso vem, porém, imediatamente interposto da decisão do juiz do tribunal de comarca que indeferiu reclamação deduzida nos termos do n.º 5 do artigo 157.º do CPC contra tal ato de cobrança da secretaria.
Não é, desde logo, claro que se trate de um ato que, embora praticado por um juiz, assuma materialmente a natureza de ato administrativo. Trata-se de uma decisão judicial que indeferiu reclamação deduzida nos termos do n.º 5 do artigo 157.º do CPC contra o ato da secretaria que cobrou taxas pela certificação da qualidade de candidato baseada em documentos constantes de processos judiciais, ainda que de espécie eleitoral. Por outro lado, ainda que se pudesse configurar como um ato de natureza administrativa, atenta a direção funcional que compete ao juiz em relação a atos praticados pelas secções judiciais, nele não se descortina relevante conexão material-valorativa com o processo eleitoral propriamente dito ao ponto de o considerar ato de administração eleitoral que nele ainda se integra. É que, mesmo considerando o facto certificado (qualidade de candidato) e o fim a que a certidão requerida se destina (dispensa de funções), não se vê como a tributação de uma certidão extraída com base num processo judicial eleitoral já findo, para o efeito de justificar faltas ao trabalho dos requerentes, possa substancialmente implicar com o processo eleitoral propriamente dito, de modo a justificar a intervenção garantística do Tribunal Constitucional nos moldes de celeridade e urgência em que o artigo 102.º-B a concebe e impõe (cf. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 517/2009).
Por estas razões, o ato de passagem de certidões e respetiva tributação não pode ser qualificado como um ato de administração eleitoral, sindicável por via do disposto no artigo 102.º-B da LTC, o que impede o conhecimento dos presentes recursos.
III – Decisão
Pelo exposto, o Tribunal Constitucional decide não conhecer dos recursos.
Lisboa, 2 de Outubro de 2013. – Carlos Fernandes Cadilha – Ana Guerra Martins – Maria João Antunes – Maria de Fátima Mata-Mouros – Catarina Sarmento e Castro – Maria José Rangel de Mesquita – Fernando Vaz Ventura – Maria Lúcia Amaral – Pedro Machete (vencido, no essencial, pelas razões constantes da declaração de voto apresentada pelo Senhor Conselheiro Lino Ribeiro) – José da Cunha Barbosa (vencido, nos termos e com os fundamentos da declaração de voto do Senhor Conselheiro Lino Ribeiro). – João Cura Mariano (vencido, pelas razões constantes da declaração apresentada pelo Conselheiro Lino Ribeiro) – Lino Rodrigues Ribeiro (vencido, conforme declaração anexa.). – Joaquim de Sousa Ribeiro
DECLARAÇÃO DE VOTO
Votei vencido, pois considero que o Tribunal Constitucional é competente para decidir o presente recurso. A sua competência relativa a processos eleitorais abrange não apenas a regularidade do “acto eleitoral” em si, mas a regularidade de todo o “processo eleitoral”, o que abrange actos residuais que mantenham uma conexão relevante com esse processo eleitoral. O recurso previsto no artigo 102.º-B da LTC concretiza uma competência «adicional», atribuída ao Tribunal Constitucional precisamente para apreciar actos de administração eleitoral distintos dos «actos de processo eleitoral», cujo julgamento já lhe compete, nos termos da alínea c) do n.º2 do artigo 223.º da CRP, e das alíneas a), c) d), e) e g) do artigo 8.º da LTC.
Ora, o acto em causa nos presentes autos possui, de facto, essa conexão relevante com a matéria eleitoral. Atenta a sua natureza, não se pode considerar que a única conexão existente com o processo eleitoral seja meramente física, traduzida no simples facto de o documento a certificar constar de um processo eleitoral. De facto, ao atestar a qualidade de candidatos, os requeridos certificados (que se deverão qualificar mais propriamente como “certidões”, já que se destinam a comprovar determinados factos, como sejam a qualidade de candidatos eleitorais) possibilitam aos mesmos a garantia de dispensa de funções, prevista no artigo 8.º da LEOAL, e, assim, o exercício do direito a serem eleitos. Com isso, eles têm como último fim, não só efectivar os direitos constitucionais de participação na vida pública (artigo 48.º da CRP) e de acesso a cargos públicos (artigo 50.º, n.º1 e 2 da CRP) mas, ainda, possibilitar a própria realização das eleições, já que a garantia de dispensa de funções é um instrumento fundamental para a participação activa dos candidatos no processo eleitoral.
Por estas razões, o acto de passagem dos mesmos deve ainda ser qualificado como um acto de administração eleitoral, pelo que o Tribunal Constitucional deveria ser considerado competente, nos termos da alínea f) do artigo 8.º da LTC, para conhecer do presente recurso.
Por outro lado, o acto objecto deste recurso contencioso nega o acesso a informação constante de um processo eleitoral, configurando portanto um acto lesivo de direitos e interesses legalmente protegidos de quem é directamente interessado nesse processo, pelo que se deve considerar impugnável (de forma a poder respeitar-se o princípio da tutela jurisdicional efectiva, previsto no artigo 268.º, n.º4 da Constituição), perante o Tribunal que é o competente para julgar questões eleitorais, sendo inadequado submeter questões desta natureza à jurisdição administrativa.
Assim, admitiria o presente recurso, e daria provimento ao mesmo, já que, estando fora de dúvida de que a certidão em causa só pode ser emitida a favor de quem é candidato às eleições autárquicas, pois que só o mesmo goza do direito de dispensa de funções prevista no artigo 8.º da LEOAL, carece de sentido exigir que o mesmo candidato, isento do pagamento de qualquer taxa de justiça ou outra no processo eleitoral, seja obrigado a pagar uma taxa pela emissão de uma certidão que comprava precisamente aquela qualidade e que visa, ademais, possibilitar a efectivação do direito à dispensa do exercício de funções. Deveria aplicar-se assim, extensivamente, o disposto no artigo 227.º da LEOAL.
Lino Rodrigues Ribeiro