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Processo n.º 345/13
Plenário
Relator: Conselheira maria de Fátima Mata-Mouros
Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. O representante do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional requereu, nos termos do artigo 82.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), a apreciação e a declaração, com força obrigatória geral, da inconstitucionalidade da norma constante do n.º 12 do artigo 26.º do Código das Expropriações, aprovado pela Lei n.º 168/99, de 18 de setembro, alterado e republicado pela última vez pela Lei n.º 56/2008, de 4 de setembro, quando interpretada no sentido de ser indemnizável como solo apto para construção, terreno integrado na Reserva Agrícola Nacional (RAN) com aptidão edificativa segundo os elementos objetivos definidos no n.º 2 do artigo 25.º do mesmo Código.
Legitima o pedido a circunstância de a referida dimensão normativa já ter sido julgada inconstitucional, no âmbito da fiscalização concreta da constitucionalidade, através dos Acórdãos n.º 417/2006, 118/2007 e 196/2011, todos transitados em julgado (disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).
2. Notificada nos termos e para os efeitos dos artigos 54.º e 55.º, n.º 3, da LTC, a Presidente da Assembleia da República ofereceu o merecimento dos autos.
3. Discutido o memorando apresentado pelo Presidente do Tribunal, cumpre formular a decisão em conformidade com o entendimento que prevaleceu.
II – Fundamentação
4. A norma em questão nos presentes autos decorre da interpretação do n.º 12 do artigo 26.º do Código das Expropriações, aprovado pela Lei n.º 168/99, de 18 de setembro, alterado e republicado pela última vez pela Lei n.º 56/2008, de 4 de setembro, segundo a qual é indemnizável como solo apto para construção, terreno integrado na Reserva Agrícola Nacional com aptidão edificativa segundo os elementos objetivos definidos no n.º 2 do artigo 25.º do mesmo Código.
5. Mostram-se preenchidos os requisitos previstos nos artigos 281.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa (CRP) e 82.º da LTC, uma vez que a interpretação normativa que o Tribunal Constitucional julgou inconstitucional nas decisões invocadas pelo requerente coincide com aquela que agora se pretende que venha a ser declarada inconstitucional com força obrigatória geral.
6. A questão colocada nos autos está, assim, relacionada com a interpretação do n.º 12 do artigo 26.º do Código das Expropriações.
É este o teor literal do preceito:
«Artigo 26.º
Cálculo do valor do solo apto para a construção
(…)
12 – Sendo necessário expropriar solos classificados como zona verde, de lazer ou para instalação de infraestruturas e equipamentos públicos por plano municipal de ordenamento do território plenamente eficaz, cuja aquisição seja anterior à sua entrada em vigor, o valor de tais solos será calculado em função do valor médio das construções existentes ou que seja possível edificar nas parcelas situadas numa área envolvente cujo perímetro exterior se situe a 300 m do limite da parcela expropriada.»
Por um lado, como salientado por Fernando Alves Correia, a norma do n.º 12 do artigo 26.º do Código de 1999 - como já anteriormente a constante do n.º 2 do artigo 26.º do código de 1991 - tem «como objetivo evitar as classificações dolosas de solos ou a manipulação das regras urbanísticas por parte dos planos municipais. Mas sendo este o principal objetivo da norma, está bem de ver que ela só pode abarcar no seu perímetro de aplicação aqueles solos que, se não fosse a sua classificação como “zona verde ou de lazer” (e, agora, também a sua reserva para implantação de infraestruturas e equipamentos públicos) por um plano municipal de ordenamento do território, teriam de ser considerados como solos “aptos para construção”, atendendo a um conjunto de elementos certos e objetivos, relativos à localização dos próprios terrenos, às suas acessibilidades, ao desenvolvimento urbanístico da zona e à existência de infraestruturas urbanísticas que atestam a sua aptidão ou vocação objetiva para a edificabilidade» (cfr. Fernando Alves Correia, “A Jurisprudência Constitucional sobre Expropriações por Utilidade Pública”, in Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 133.º, n.os 3911 e 3912, p. 53). Assim, a aplicação do preceito depende de o terreno em causa poder ser classificado como “apto para construção”, nos termos do artigo 25.º, n.º 2, do Código das Expropriações.
Por outro lado, a indemnização pela expropriação dos terrenos em causa deverá ter em conta que «o valor de tais solos será calculado em função do valor médio das construções existentes ou que seja possível edificar nas parcelas situadas numa área envolvente cujo perímetro exterior se situe a 300 m do limite da parcela expropriada». Assim, na determinação do valor indemnizatório de expropriação de solos destinados, por plano urbanístico, a zonas verdes ou de lazer, a lei manda atender a fatores tendencialmente convergentes, mas não coincidentes, com os estabelecidos para os terrenos aptos para construção.
Aqui chegados, torna-se claro que existe uma disfunção entre o preceito e a norma objeto do pedido de declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral. Este incide sobre a norma constante do preceito legal transcrito, quando interpretada no sentido de ser indemnizável como solo apto para construção, terreno integrado na Reserva Agrícola Nacional com aptidão edificativa segundo os elementos objetivos definidos no n.º 2 do artigo 25.º do mesmo Código. Ora, como se viu, a aplicação do n.º 12 do artigo 26.º do Código das Expropriações pressupõe que se trate de um solo apto para construção, nos termos do n.º 2 do artigo 25.º - não o contrário. Para além disso, não resulta do preceito que o solo incluído na RAN seja indemnizável como solo apto para construção nos termos gerais – este estabelece regras próprias relativas ao quantum da indemnização.
Face a esta disfunção, deve recordar-se que o presente julgamento deve incidir sobre uma norma efetivamente em vigor. Não cabe ao Tribunal Constitucional apreciar da correção da interpretação do direito infraconstitucional feita pelos tribunais e pelos restantes intérpretes. Mas cabe-lhe a fixação do exercício do seu poder de fiscalização.
O objeto do presente julgamento consiste, portanto, na dimensão normativa do n.º 12 do artigo 26.º do Código das Expropriações, derivada da seguinte aplicação/interpretação daquele preceito legal: verificadas que sejam as características objetivas que permitem classificar um solo como apto para construção (artigo 25.º, n.º 2, do Código das Expropriações), a respetiva expropriação dá lugar a uma indemnização calculada segundo os mesmos critérios do solo classificado como zona verde ou de lazer por instrumento de planificação urbanística (artigo 26.º, n.º 12, do Código das Expropriações). Esta indemnização é calculada em função do valor médio das construções existentes ou que seja possível edificar nas parcelas situadas numa área envolvente cujo perímetro exterior se situe a 300 m do limite da parcela expropriada.
7. A análise da questão colocada nos autos prende-se com o conceito de justa indemnização pela expropriação – ou seja, com a correta interpretação do artigo 62.º, n.º 2, da Constituição.
Este preceito estabelece o seguinte:
«Artigo 62.º
(Direito de propriedade privada)
1. (…).
2. A requisição e a expropriação por utilidade pública só podem ser efetuadas com base na lei e mediante o pagamento de justa indemnização.»
A Constituição, deste modo, «do mesmo passo que cauciona estas formas extremas de intervenção, afirma-se como norma de garantia da posição do titular», pois vem «fixar três requisitos fundamentais, cuja verificação cumulativa é condição da licitude da privação do direito de propriedade por requisição ou expropriação». Estabelece-se que «só com suporte na lei, por razões concretas de utilidade pública e tendo como contrapartida uma “justa indemnização” pode [o cidadão] ser privado do seu direito» (Joaquim de Sousa Ribeiro, “O direito de propriedade na jurisprudência do Tribunal Constitucional”, pp. 36-27, Relatório apresentado à Conferência Trilateral Espanha/Itália/Portugal, em outubro de 2009, disponível no sítio da internet supra aludido).
Nos presentes autos, é dado analisar a constitucionalidade do critério para a fixação da indemnização a ser paga por expropriação. O tema do quantum da indeminização devida por expropriação está inevitavelmente ligado ao conceito de “justa indemnização” constante do artigo 62,º, n.º 2 da Constituição. Determinando que a indemnização por expropriação deve ser justa, este preceito não define, contudo, nenhum critério objetivo de fixação ou método direto de avaliação da indemnização a aplicar, deixando ao legislador ordinário a sua definição.
A Constituição, desta forma, remete para o legislador ordinário a determinação dos critérios de fixação da indemnização por expropriação.
8. O legislador modelou estes critérios nos artigos 23.º e seguintes do Código das Expropriações (para uma análise dos critérios legislativos adotados pelo legislador infraconstitucional à luz da jurisprudência do Tribunal Constitucional, v. Fernando Alves Correia, “A jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre expropriações por utilidade pública e o Código das Expropriações de 1999”, in Separata da Revista de Legislação e Jurisprudência, Coimbra, 2000, pp. 47 e ss..
No regime legal definido, ao estatuir que «a justa indemnização não visa compensar o benefício alcançado pela entidade expropriante, mas ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da expropriação, correspondente ao valor real e corrente do bem de acordo com o seu destino efetivo ou possível numa utilização económica normal», o legislador elegeu como objetivo a prosseguir nos critérios legalmente previstos para o cálculo do valor da indemnização o da correspondência com o valor real e corrente do bem expropriado (n.os 1 e 5 do artigo 23.º do Código das Expropriações).
Para este efeito, estabeleceu um conjunto de elementos ou fatores de cálculo variáveis consoante o objeto da expropriação consista num solo, num edifício ou numa construção.
No que respeita à indemnização devida por solos expropriados, o regime legal assenta na distinção entre “solo apto para construção” e “solo para outros fins”, tendo o legislador adotado um critério concreto na definição da aptidão edificativa. Desta forma, se em abstrato, todo o solo, mesmo o de prédios rústicos, pode comportar edificação, na classificação a empreender em concreto, a recondução de cada solo expropriado a uma das referidas categorias implica o preenchimento de requisitos objetivos.
Assim, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 25.º do Código das Expropriações, considera-se “solo apto para construção”, o que dispõe de determinadas infraestruturas urbanísticas [«acesso rodoviário e de rede de abastecimento de água, de energia elétrica e de saneamento, com características adequadas para servir as edificações nele existentes ou a construir» - alínea a)]; o que, dispondo apenas em parte daquelas infraestruturas, se encontra todavia inserido em núcleo urbano existente [alínea b)]; o que, de acordo com instrumento de gestão territorial, está destinado a adquirir aquelas infraestruturas [alínea c)]; o que possui alvará de loteamento ou licença de construção em vigor no momento da declaração de utilidade pública [desde que o respetivo procedimento do licenciamento se tenha iniciado antes da data da notificação da resolução de requerer a expropriação - alínea d)].
Numa lógica de exclusão de partes, todo o solo que não deva ser considerado como “solo apto para construção”, por não observar um dos requisitos objetivos enunciados, considera-se “solo para outros fins” (artigo 25.º, n.º 3).
O artigo 26.º indica os critérios referenciais do cálculo do valor do solo apto para construção e o artigo 27.º contém os critérios referenciais do cálculo do valor do solo para outros fins.
Retendo, os traços legais caracterizadores da extensão da indemnização devida pela expropriação, cumpre apreciar a validade da norma sub judicio.
9. Sem prejuízo da liberdade de escolha deixada ao legislador, a imposição da “justa indemnização” inserida na norma constitucional não pode ser vista como uma fórmula vazia, antes se apresentando como carregada de sentido limitador da discricionariedade legislativa.
Compreende-se, assim, que, sendo vasta a jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre expropriação, parte significativa da mesma incida sobre o conceito de “justa indemnização”.
Analisando essa jurisprudência emerge que «na valoração dos vários critérios legais aplicáveis, de acordo com a natureza e situação do bem expropriado, o Tribunal tem perfilhado consolidadamente a orientação geral de que “tal indemnização tem como medida o prejuízo que para o expropriado resulta da expropriação”, na sintética, mas rigorosa, formulação do Acórdão n.º 52/90. Pondo de lado fatores especulativos, muitas vezes artificialmente criados (Acórdão n.º 381/89), a “justa indemnização” há de tomar como ponto de referência o valor adequado que permita ressarcir o expropriado da perda do bem que lhe pertencia, com respeito pelo “princípio da equivalência de valores”, como se extrata do Acórdão n.º 11/2008. O princípio da justa indemnização impõe uma compensação integral, tendencialmente correspondente ao valor venal do bem, de acordo com a sua cotação no mercado. A função da indemnização é a de fazer entrar, na esfera do atingido, o equivalente pecuniário do bem expropriado, de tal modo que, efetuada a expropriação, o seu património ativo muda de composição, mas não diminui de valor» (Joaquim de Sousa Ribeiro, ob. cit. p. 39).
Assim, «a indemnização deve corresponder à reposição no património do expropriado do valor dos bens de que foi privado, por meio de pagamento do seu justo preço em dinheiro. Por isso se diz que a expropriação vem a resolver-se numa conversão de valores patrimoniais: no património onde estavam imóveis, a entidade expropriante põe o seu valor pecuniário» (Marcello Caetano, in Manual de Direito Administrativo, em colaboração com Freitas do Amaral, 9.ª edição (reimpressão), revista e atualizada por Diogo Freitas do Amaral, Almedina, tomo II, p. 1036).
10. Como de há muito foi notado pela doutrina da especialidade, «o conceito constitucional de “justa indemnização” leva implicado três ideias: a proibição de uma indemnização meramente nominal, irrisória ou simbólica; o respeito pelo princípio da igualdade de encargos; e a consideração do interesse público da expropriação» (cfr. Fernando Alves Correia, “A Jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre Expropriações por Utilidade Pública e o Código das Expropriações de 1999”, Coimbra, 2000, p. 33).
Na sua jurisprudência sobre a questão do quantum da indemnização devida pela expropriação por utilidade pública, o Tribunal Constitucional desde sempre tem acolhido as duas primeiras dimensões do conceito, em concretização do princípio da equivalência de valores e do princípio do Estado de direito democrático, nos termos do qual se torna obrigatório indemnizar os atos lesivos de direitos ou causadores de danos (cfr. Acórdão n.º 52/90, que declarou inconstitucional, com força obrigatória geral, a norma do n.º 2 do artigo 30.º do Código das Expropriações de 1976, em processo de repetição de julgado, depois de a mesma ter sido julgada inconstitucional em três casos concretos, designadamente através dos Acórdãos n.os 109/88, 381/89 e 420/89).
Também a terceira dimensão do conceito de “justa indemnização” acima avançada, i.e., a ideia de a indemnização dever igualmente ser justa na perspetiva do interesse público que a expropriação visa prosseguir, encontra, de há muito, expressão na jurisprudência do Tribunal (cfr., entre outros, Acórdãos n.os 314/95 e 470/97).
Não deixará de se destacar aqui expressamente o Acórdão n.º 314/95, por o julgamento no mesmo subjacente refletir, de certo modo, uma situação inversa da que ora nos ocupa. Neste aresto, o Tribunal, salientando a «natureza aporética do conceito constitucional de “justa indemnização”, que, em si, encerra “exigências contraditórias”», nem por isso deixou de «descortinar uma certa desigualdade de tratamento entre o expropriado e o não expropriado, se a indemnização a pagar ao primeiro “não englobar as mais-valias provenientes de obras, melhoramentos públicos ou infraestruturas urbanísticas custeadas com dinheiros públicos”, no caso de o segundo “conservar ou encaixar no seu património os aumentos de valor ocasionados pelos referidos investimentos públicos”». Com efeito «se a justiça impõe a não consideração na indemnização por expropriação das mais-valias provenientes de obras, melhoramentos públicos ou infraestruturas custeadas por dinheiros públicos, exige também, por uma questão de tratamento igual entre expropriados e não expropriados, que a estes últimos sejam retiradas as mais-valias de natureza idêntica».
Todavia – acrescenta ainda o mesmo acórdão, socorrendo-se da doutrina defendida por Fernando Alves Correia - «a desigualdade assim descortinada encontrará solução se as regras regentes da indemnização por expropriação for complementada “com medidas flanqueadoras de recuperação pela sociedade dos aumentos de valor ocorridos nos imóveis não expropriados”». E conclui, entendendo não dever «tomar posição sobre a maior ou menor eficácia» das medidas legislativas instituídas com vista à recuperação pela sociedade dos aumentos de valor ocorridos nos imóveis não expropriados, no sentido de «garantirem uma adequada igualdade de tratamento»: «o que é certo é que, então, o que se depararia seria, neste particular, uma omissão legislativa que não tem, diretamente, a ver com norma analisada».
Tendo já como objeto normas do Código das Expropriações de 1991 vejam-se os Acórdãos n.os 194/97, 267/97, 20/2000 e 243/2001. Recorde-se, do último dos referidos arestos, a seguinte passagem: «(…), a indemnização só é justa, se conseguir ressarcir o expropriado do prejuízo que efetivamente sofreu. Não pode ser de montante tão reduzido que a torne irrisória ou meramente simbólica, mas também não pode ser desproporcionada à perda do bem expropriado. E, por isso, não deve atender a fatores especulativos ou outros que distorçam a proporção que deve existir entre o prejuízo imposto pela expropriação e a compensação a pagar por ela, para mais ou para menos. Há, consequentemente, que observar aqui um princípio de igualdade e de proporcionalidade – um princípio de justiça, em suma. O quantum indemnizatório a pagar a cada expropriado há de realizar a igualdade dos expropriados entre si e a destes com os não expropriados: trata-se de assegurar que haja igualdade de tratamento perante os encargos públicos. […]».
A mesma linha tem sido seguida no referente à apreciação de normas do Código das Expropriações de 1999, como resulta evidenciado, também, nos acórdãos que constituem o fundamento do pedido no presente processo.
11. A dimensão do conceito constitucional de “justa indemnização” que é diretamente convocada na apreciação da norma sub judicio é a que vai implicada no respeito pelo princípio da igualdade.
Com efeito, os três acórdãos que fundamentam o presente pedido de declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral (os Acórdãos n.os 417/2006, 118/2007 e 196/2011) alicerçaram o juízo de inconstitucionalidade da norma contida no n.º 12 do artigo 26.º do Código das Expropriações (no sentido acima identificado) na violação do princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa.
Os dois últimos reafirmaram a jurisprudência afirmada no primeiro, o qual, alicerçado em jurisprudência anterior e, em especial, nos fundamentos aduzidos no Acórdão n.º 275/2004, concluiu:
«[…]embora em teoria seja crível que se possa construir em qualquer solo, o facto é que a integração de um terreno na Reserva Agrícola Nacional ou na Reserva Ecológica Nacional determina, na prática, não só a impossibilidade de o proprietário nele vir a construir edifícios urbanos, mas também o fim de qualquer expectativa razoável de desafetação para que tal solo possa vir a ser destinado à construção imobiliária. Essa impossibilidade, que é determinada por razões de interesse público (reservar para a produção agrícola os terrenos que, para tal, tenham melhor aptidão ou garantir o equilíbrio ecológico e a proteção de ecossistemas fundamentais), encontra justificação constitucional, respetivamente, no artigo 93.º da Constituição, que consagra como objetivos da política agrícola o aumento da “produção e a produtividade da agricultura” e a garantia de um “uso e [uma] gestão racionais dos solos”, e no artigo 66.º também da Constituição, que prevê a criação de reservas para “garantir a conservação da natureza”. A proibição de construir em terreno integrado na Reserva Agrícola Nacional, imposta pela natureza intrínseca da propriedade, nada mais é, assim, do que “uma manifestação da hipoteca social que onera a propriedade privada do solo” (cfr. Acórdão n.º 329/99, publicado no Diário da República, II série, de 20 de julho de 1999). Assim sendo, no caso de expropriação de terrenos integrados na Reserva Agrícola Nacional, não há que considerar, para efeitos de cálculo do valor da indemnização, a pagar ao expropriado, qualquer potencialidade edificativa que não existe, nem nasce com a expropriação».
Mais se entendeu, no referido acórdão:
«Decisivo para o juízo que se vier a fazer sobre aquela interpretação normativa, afigura-se a consideração do respeito pelo princípio da igualdade perante os encargos públicos, que o princípio da “justa indemnização” postula. Ora, neste contexto, o princípio da igualdade desdobra-se em dois níveis de comparação, a saber: no âmbito relação interna e no domínio da relação externa. No âmbito da relação interna, o princípio da igualdade obriga o legislador a estabelecer critérios uniformes de cálculo da indemnização, que evitem tratamentos diferenciados entre os particulares sujeitos a expropriação. No domínio da relação externa, comparam-se os expropriados com os não expropriados, devendo a indemnização por expropriação ser fixada de tal forma que impeça um tratamento desigual entre estes dois grupos.
Ora, é precisamente em relação a este domínio da relação externa que a interpretação normativa efetuada pela decisão recorrida e questionada nestes autos coloca em crise aquele princípio. De facto, no caso concreto, os solos integrados na Reserva Agrícola Nacional são expropriados exclusivamente para construção de uma via de comunicação - uma das limitadas utilizações que, por força do interesse público, os solos agrícolas integrados na RAN podem ter, nos termos da alínea d) do n.º 2 do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 196/89, de 14 de junho. Por outro lado, as parcelas de terreno circundante mantêm-se igualmente integradas na RAN, também sem qualquer aptidão edificativa. Assim sendo, considerar-se como terreno apto para construção, como tal devendo ser indemnizado em caso de expropriação destinada a uma das limitadas utilizações legalmente permitidas, um terreno onde o proprietário não pode construir, por força da sua integração na RAN, conduz não só à atribuição de uma indemnização que não corresponde ao seu “justo valor” – para o determinar há que atender ao valor que o bem terá num mercado onde não entrem em consideração fatores especulativos ou anómalos e o valor de um terreno integrado na RAN está, necessariamente, condicionado pelo fim específico a que tal solo está destinado -, mas também a uma intolerável desigualdade em relação a todos os restantes proprietários de terrenos integrados naquela Reserva que não tenham sido contemplados com a expropriação».
Nesse sentido, escreveu-se nos Acórdãos n.os 333/2003 e 557/2003 já citados:
“[...] Não tendo o proprietário, pela integração do terreno na RAN, expectativa razoável de ver o terreno desafetado e destinado à construção, não poderia invocar o princípio da 'justa indemnização', de modo a ver calculado o montante indemnizatório com base numa potencialidade edificativa dos terrenos que era para ele legalmente inexistente, e com a qual não podia contar.
E, em rigor, a não ser assim, poderia, eventualmente, vir a configurar-se uma situação de desigualdade entre os proprietários de parcelas contíguas, consoante fossem ou não contemplados com a expropriação, com um ocasional locupletamento injustificado destes últimos. Na verdade, enquanto os expropriados viriam a ser indemnizados com base num valor significativamente superior ao valor de mercado, os outros, proprietários de prédios contíguos igualmente integrados na RAN e na REN e delas não desafetados, se acaso pretendessem alienar os seus prédios, não alcançariam senão o valor que resultava da limitação edificativa legalmente estabelecida. Ora, se é verdade que o “princípio da igualdade de encargos” entre os cidadãos, a que o Tribunal Constitucional já fez apelo por diversas vezes, a propósito da apreciação de regras de definição do cálculo da indemnização, obriga a que o expropriado não seja penalizado no confronto com os não expropriados, também não se afigura curial que, pela via da expropriação, devam os expropriados vir a ser manifestamente favorecidos em relação aos não expropriados. De facto, se é verdade que a indemnização só é justa se conseguir ressarcir o expropriado do prejuízo que ele efetivamente sofreu, e, por isso, não pode ser irrisória ou meramente simbólica, também não poderá ser desproporcionada à perda do bem expropriado para fins de utilidade pública. Assim, se a parcela a expropriar não permite legalmente a construção, não pode ser paga com o preço que teria se pudesse ser-lhe implantada uma construção”».
Em consequência, concluiu-se que «a interpretação das normas contidas no n° 1 do artigo 23° e no n° 1 do artigo 26° do Código das Expropriações (1999), que conduz a incluir na classificação de “solo apto para a construção” e, consequentemente, a indemnizar como tal, o solo, integrado na Reserva Agrícola Nacional, expropriado para implantação de vias de comunicação, viola o princípio da igualdade, consagrado no artigo 13° da Constituição».
12. Não se acompanha, no entanto, aquela fundamentação que, de resto, não é unânime neste Tribunal Constitucional (vide Acórdãos n.os 114/2005, 234/2007, 239/2007, 276/2007, 469/2007 e 315/2013, todos da 2.ª Secção).
Em primeiro lugar cumpre assinalar que o entendimento acabado de expor assenta em pressupostos que não encontram acolhimento na norma sub judicio. Com efeito, como já se referiu, esta norma não manda proceder ao cálculo do valor da indemnização da parcela expropriada nos precisos termos em que é efetuado o cálculo da indemnização devida pela expropriação de um qualquer “solo apto para construção”. Antes reconhece a verificação de constrangimentos legais à edificação no solo em referência, razão pela qual aponta como critério de avaliação do valor da indemnização o indicado no n.º 12 do artigo 26.º do Código das Expropriações, i.e., o valor médio das construções existentes ou que seja possível edificar na área envolvente.
Tão-pouco pode ser dado como adquirido que a indemnização assim calculada se apresente necessariamente como desproporcionada ou excessiva. Desde logo, porque não é certo que a indemnização assim calculada represente valor superior ao valor real do bem expropriado.
A previsão do artigo 26.º, n.º 12, do Código das Expropriações institui um tertium genus, permitindo indemnização mais elevada do que se tratasse de simples terreno classificado como “solo para outros fins”, mas menos elevada que a devida aos terrenos com efetiva e atual capacidade edificativa, solução que o Tribunal já afirmou ser adequada a assegurar a justa indemnização ao expropriado no caso de superveniente integração na RAN de prédios à partida aptos para a construção (cfr. Acórdão n.º 469/2007).
Não cabe no âmbito desta decisão apreciar a aplicação do direito infraconstitucional efetuada previamente, mas apenas verificar se a “norma” que é objeto de pedido de fiscalização se apresenta como conforme aos parâmetros constitucionais aplicáveis, no caso, o parâmetro da “justa indemnização” contido no artigo 62.º, n.º 2, da Constituição.
Ora, sem ser necessário ir tão longe, ao ponto de afirmar a bondade da solução normativa sob escrutínio, certo é que, subsistindo a dúvida sobre a superioridade do valor indemnizatório, assim calculado, relativamente ao valor real do terreno expropriado, afastada fica, desde logo, a desproporção do referido critério normativo para assegurar a justa indemnização devida.
13. Em matéria de indemnização por expropriação, o Tribunal Constitucional tem, com efeito, associado o princípio da igualdade ao princípio da justa indemnização, na linha propugnada por Fernando Alves Correia (cfr. “O Plano Urbanístico e o Princípio da Igualdade”, Almedina, 1989, p. 534), ao sublinhar que «no conceito de justa indemnização vai implicada necessariamente a observância do princípio da igualdade, na sua manifestação de igualdade dos cidadãos perante os encargos públicos. Uma indemnização justa – na perspetiva do expropriado – será aquela que, repondo a observância do princípio da igualdade violado com a expropriação, compense plenamente o sacrifício especial suportado pelo expropriado, de tal modo que a perda patrimonial que lhe foi imposta seja equitativamente repartida entre todos os cidadãos».
Como sublinhado no Acórdão n.º 11/2008, «ao conceito de “justa indemnização” está umbilicalmente ligada a observância do princípio constitucional da igualdade (artigo 13.º, n.º 1, da C.R.P.), na sua manifestação de igualdade dos cidadãos perante os encargos públicos, abrangendo a relação externa da expropriação (…)».
Enquanto elemento normativo que deve presidir à definição dos critérios do valor da indemnização por expropriação, o teste do princípio da igualdade a empreender desdobra-se por dois espaços diferentes: no âmbito interno e no âmbito externo. No primeiro confrontam-se as regras aplicáveis às diferentes expropriações (os expropriados que se encontrem em situações idênticas não podem receber indemnizações quantitativamente diferentes); no segundo, comparam-se os expropriados com os não expropriados (a indemnização por expropriação não deve conduzir a um tratamento desigual entre os dois grupos).
É em relação ao domínio da relação externa do teste da igualdade que a interpretação normativa objeto dos autos tem sido colocada em crise, designadamente nos acórdãos que suportam o pedido de generalização de juízo de inconstitucionalidade que ocupa os presentes autos.
14. De acordo com a jurisprudência resultante dos acórdãos fundamento do pedido formulado nos autos (Acórdãos n.os 417/2006, 118/2007 e 196/2011), o cálculo do valor da indemnização por expropriação de terreno incluído na RAN de acordo com critérios definidos para a indemnização por expropriação de solo apto para construção conduziria a que os expropriados viessem a ser indemnizados com base num valor superior ao valor do mercado, enquanto os proprietários de prédios contíguos igualmente integrados na RAN nunca obteriam senão o valor que resulta daquela limitação edificativa.
Uma vez que a norma em análise se dirige a terrenos que apresentam aptidão edificativa segundo os elementos objetivos definidos no n.º 2 do artigo 25.º do Código das Expropriações, a questão essencial que cumpre decidir é, porém, a de saber se a existência do condicionamento decorrente da integração do terreno na RAN é suficiente para se poder afirmar que a aplicação do critério previsto no artigo 26.º, n.º 12, daquele Código, na fixação da indemnização devida pela expropriação destes terrenos, conduz a um resultado que não respeita a exigência da “justa indemnização” devida pela expropriação.
15. A Reserva Agrícola Nacional constitui um instrumento de gestão territorial que se consubstancia numa restrição por utilidade pública, estabelecendo condicionamentos à utilização não agrícola do solo sobre um conjunto de áreas territoriais que, em virtude das suas características morfológicas, climatéricas e sociais, apresentam maiores potencialidades para a atividade agrícola.
A RAN foi instituída em 1982, através do Decreto-Lei n.º 451/82, de 16 de novembro, sendo que, após diversas alterações legislativas, o respetivo regime jurídico consta, atualmente do Decreto-Lei n.º 73/2009, de 31 de março.
Este regime tem como objetivo a promoção da utilização racional dos solos, em especial dos que têm uma maior potencialidade agrícola – que são vistos como um recurso natural precioso, escasso e indispensável à sustentabilidade dos nossos ecossistemas. O regime combina, hoje em dia, preocupações relativas ao correto ordenamento do território, à conservação do ambiente e à eficaz utilização dos recursos – os nossos solos agrícolas mais produtivos. A afetação de determinados terrenos à RAN encontra, assim, justificação na defesa das áreas constituídas por solos de maiores potencialidades agrícolas, tendo em vista contribuir para o desenvolvimento sustentável desta atividade e a preservação dos recursos naturais, com a consequente melhoria das condições sócio-económicas das populações.
Daí que os solos da RAN sejam exclusivamente afetos à agricultura, sendo proibidas todas as ações que diminuam ou destruam as suas potencialidades agrícolas, designadamente a construção imobiliária. São, portanto, «áreas non aedificandi, numa ótica de uso sustentado e de gestão eficaz do espaço rural» (cfr. artigo 20.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 73/2009).
16. Não se coloca, no presente processo, nenhuma questão de constitucionalidade relativa ao regime aplicável aos terrenos classificados como RAN, embora sempre se possa lembrar - como o Tribunal também tem reiteradamente afirmado (cfr., por exemplo, no Acórdão n.º 347/2003) – que esta inclusão não atinge o núcleo essencial do direito de propriedade, sendo as proibições de construção daí resultantes mera consequência da vinculação situacional da propriedade que sobre o terreno incide.
A questão que nos ocupa é outra e está relacionada com a tomada em consideração desse regime para efeitos do cálculo da “justa indemnização” por expropriação.
É sabido que a limitação de construção, decorrente da integração do terreno na RAN, influi necessária e decisivamente no valor venal dos terrenos afetados, retirando-lhe mesmo o principal fator de valorização. Um tal constrangimento não constitui, todavia, impedimento constitucionalmente relevante para que o cálculo da indemnização devida pela expropriação de terrenos, aos quais é objetivamente reconhecida aptidão edificativa, seja feito em função «do valor médio das construções existentes ou que seja possível edificar nas parcelas situadas numa área envolvente cujo perímetro exterior se situe a 300 metros do limite da parcela expropriada» (artigo 26.º, n.º 12).
Não só o princípio constitucional da “justa indemnização”, concretizando uma garantia constitucional de proteção do direito de propriedade (sendo, portanto, seu titular o particular expropriado e não o Estado expropriante), pode conviver com a atribuição de indemnizações acima do valor real dos bens expropriados, desde que estas não se apresentem como manifestamente excessivas ou desproporcionadas ao ponto de comprometerem a viabilização do interesse público visado pela expropriação, como o princípio da igualdade, designadamente na sua vertente de igualdade perante os encargos públicos, não impõe a mesma solução normativa a situações intrinsecamente diferentes e insuscetíveis de comparação.
17. Constituindo um dos principais eixos estruturantes do regime constitucional dos direitos fundamentais, decorrente do Estado de direito democrático e do sistema constitucional global, e vinculando diretamente os poderes públicos, tenham eles competência legislativa, administrativa ou jurisdicional (cfr., a mero título de exemplo, os Acórdãos n.º 76/85, n.º 400/91, n.º 563/96, n.º 436/2000 e n.º 403/2004, disponíveis no sítio da internet supra referenciado; cfr. também Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 4.ª ed., Coimbra, 2007, p. 336-337), o princípio da igualdade encontra-se previsto no artigo 13.º da Constituição – encontrando-se, no seu n.º 1, uma afirmação geral do princípio da igualdade perante a lei e, no seu n.º 2, a proibição de discriminação com base numa listagem exemplificativa de “categorias suspeitas”.
Na dimensão do princípio convocada na apreciação da norma sob escrutínio - a igualdade perante os encargos públicos – os custos sociais devem ser repartidos por todos os cidadãos impondo uma igualdade nos sacrifícios exigidos a todos.
Em qualquer das suas vertentes, a aplicação do princípio da igualdade não dispensa um esforço argumentativo complexo, uma vez que do seu enunciado não resulta uma solução simples e igualitária – obrigando ao tratamento igual, independentemente da semelhança de situações –, mas antes a necessidade de comparação prévia das situações em causa para aferir do seu caráter semelhante ou dissemelhante. Só após este racíocínio se poderá aferir se estamos perante situações de facto essencialmente iguais, que devem ser tratadas de forma igual, ou não.
Tratando-se de um conceito relacional, é necessário determinar quais são os elementos essenciais e os não essenciais a ter em conta, quer dizer, as características comuns deduzíveis que permitem equiparar situações ou estabelecer diferenciações. Assim, o princípio da igualdade é «não tanto um princípio dotado de sentido absoluto, mas antes um conceito que carece de integração numa perspetiva histórica e relacional» (cfr. Acórdão n.º 231/94).
Dependendo, em última análise, da essencialidade (ou não essencialidade) das características próprias dos objetos comparados, a decisão sobre a verificação de igualdade pode ficar refém do ponto de vista de que se parte. É o critério de comparação adotado que determina se dois objetos são, ou não, iguais.
Indispensável é, pois, que o julgador se socorra de valores objetivos, e não de valores de natureza subjetiva, na escolha do critério de comparação a adotar.
De igual modo, no teste da igualdade a empreender na análise de uma norma, importa não perder de vista quais os efetivos destinatários da mesma. Só o tratamento jurídico conferido aos destinatários da norma pode ser alvo de comparação tendo em vista a verificação de igualdade ou desigualdade de tratamento.
18. Ora, como foi explanado no Acórdão n.º 315/2013, em fundamentação que aqui se reproduz:
«Em primeiro lugar, há que ressaltar que a dúvida sobre a constitucionalidade do critério aqui em análise reside na possibilidade do princípio constitucional da justa indemnização ser afetado por excesso, na medida em que o montante indemnizatório resultante da aplicação da norma em causa incorporaria, em certos termos, a compensação de uma perda efetivamente não sofrida – a perda de uma capacidade edificativa que não existe face às limitações legais existentes.
Ora, o princípio da justa indemnização, como se escreveu no Acórdão n.º 597/2008, “dá corpo a uma garantia constitucional integrada no âmbito de proteção do direito de propriedade. É uma garantia sub-rogatória da que tem por objeto o direito de propriedade. Tendo este que ceder, por força do predominante interesse público que fundamenta a expropriação, ao particular afetado é assegurado, pelo menos, que não fica em pior situação patrimonial do que aquela em que anteriormente se encontrava. Por isso, ele tem direito a uma quantia pecuniária que traduza o valor real do bem.
Mas dificilmente se poderá sustentar que corresponde a um imperativo constitucional, por força apenas do parâmetro da justa indemnização, a não ultrapassagem dessa medida. Tal significaria atribuir-lhe uma dupla natureza e função, em termos de considerar a justa indemnização também como um limite máximo à reparação. Inibindo uma indemnização inferior ao valor do bem, em garantia do expropriado, o critério da justa indemnização vedaria também, nesta ótica, que ele pudesse beneficiar de uma verba, a título ressarcitório, superior àquela correspondente ao valor corrente do bem, no mercado.
No plano constitucional, pela pura via de interpretação da norma consagradora do direito fundamental de propriedade, na dimensão atinente ao direito de não ser privado dela, nada autoriza semelhante conclusão. Ela desvirtua o sentido tutelador e o alcance garantístico do preceito, contrariando a sua teleologia imanente”.
Daí que seja, no mínimo, duvidoso que o eventual excesso das indemnizações pagas pela aplicação do critério normativo sob análise pudessem, por tal razão, conduzir à sua censura por este Tribunal.
Em segundo lugar, a circunstância de nos encontrarmos perante terrenos que, fisicamente, dispõem dos requisitos necessários para neles se construir, e que se situam numa área em que nas proximidades (num raio de 300 metros) já foram erguidas construções, denota que era perspectivável que, no futuro, pudesse ocorrer uma desafetação desses terrenos das áreas reservadas, sendo possível a sua utilização para a construção. E o ato expropriativo pôs termo a esta expectativa.
Ora, conforme se referiu no Acórdão n.º 408/08 “a possibilidade de construção, é um elemento de forte valorização fundiária. Na formação dos preços numa economia de mercado, as expectativas relativas a acontecimentos futuros são determinantes do comportamento dos agentes económicos, pelo que constituem um elemento imprescindível na determinação do valor dos bens, o que, aliás, é especialmente relevante na formação dos preços da propriedade imobiliária, relativamente às possíveis alterações do estatuto fundiário, através da projeção de futuras possibilidades de construção em solo em que atualmente é relativamente proibida essa utilização.
Não estamos aqui perante uma valorização de um qualquer fenómeno especulativo, resultante de um aumento artificial dos preços que não corresponde ao valor corrente de mercado, em situação de normalidade, mas sim perante a consideração de reais expectativas que não podem deixar de influir na determinação daquele valor corrente, pelas potencialidades que conferem ao imóvel.”
É evidente que essas expectativas não são suficientes para conferir aos terrenos expropriados um valor venal idêntico aos dos prédios vizinhos sobre os quais não incidem quaisquer limitações à construção, mas não se afigura necessariamente excessivo que o legislador, atendendo a razões de justiça, equipare esses valores, compensando, assim, o facto da expropriação impedir definitivamente que aquelas expectativas se venham a concretizar. Este critério indemnizatório não deixa de tutelar uma muito próxima capacidade edificativa, pelo que não é possível afirmar-se que já não estamos perante um critério que procure alcançar um valor de mercado normativo para o terreno expropriado e que, portanto, seja manifestamente desproporcionado relativamente ao prejuízo causado.
Mas os arestos que se pronunciaram pela inconstitucionalidade desta interpretação normativa salientaram a verificação de uma intolerável desigualdade em relação a todos os restantes proprietários de terrenos integrados naquelas áreas reservadas que não tenham sido abrangidos pela expropriação, uma vez que estes, se procedessem à venda dos seus terrenos, nunca obteriam o valor que os expropriados recebem com a aplicação do critério previsto no artigo 26.º, n.º 12, do Código das Expropriações.
Todavia, não é possível na análise da constitucionalidade da norma aqui em causa uma utilização do parâmetro da igualdade no plano externo, dado que tal método resulta na comparação de realidades intrinsecamente distintas, uma vez que a indemnização que é atribuída decorre precisamente do facto de se ter verificado uma expropriação, o que não sucede, relativamente aos restantes proprietários, que mantêm integro o seu património. A especificidade do dano causado pela expropriação e das ponderações avaliativas que suscita conferem ao legislador a liberdade de definir critérios que tenham em consideração o caráter coativo da perda sofrida pelo expropriado, levando-o a valorar circunstâncias que, por razões de justiça, afastam o montante indemnizatório do valor venal do terreno expropriado.
Não é possível impor ao legislador, em nome da igualdade entre proprietários de terrenos sujeitos a limitações legais à construção expropriados e não-expropriados, que valore de modo idêntico os prejuízos que sofrem os primeiros com a expropriação, e o preço de mercado que os segundos, sujeitos às mesmas limitações, conseguem obter com a sua alienação voluntária.
Ao proprietário expropriado é-lhe imposto coactivamente o prejuízo constituído pelo comprometimento definitivo das expectativas da cessação daquelas limitações, o que o coloca numa posição distinta do proprietário não expropriado, o que permite ao legislador estabelecer uma indemnização diversa do preço que este último consegue obter com a alienação voluntária de terreno sujeito às mesmas limitações legais à construção.
Não se revelando que a interpretação normativa fiscalizada viole o princípio do pagamento de uma justa indemnização pela expropriação, designadamente na vertente da igualdade, nem qualquer outro parâmetro constitucional deve o recurso ser julgado improcedente».
Tanto basta para julgar improcedente a crítica que vê na dimensão normativa sob julgamento uma violação do princípio da igualdade.
O que a observância deste princípio na expropriação por utilidade pública exige é que «esta seja acompanhada de uma indemnização integral (volle Entschädigung) ou de uma compensação total do dano infligido ao expropriado. Aquele princípio impõe que a indemnização por expropriação possua um “caráter reequilibrador” em benefício do sujeito expropriado, objetivo que só será atingido (…) se a indemnização se traduzir numa compensação “séria e adequada” ou, noutros termos, numa compensação integral do dano suportado pelo particular, em termos de o colocar na posição de adquirir outro bem de igual natureza e valor» (Fernando Alves Correia, “A Jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre Expropriações por Utilidade Pública e o Código das Expropriações de 1999”, Coimbra, 2000, p. 36).
Assim sendo, neste caso, não se pode considerar a norma visada como inconstitucional, com fundamento numa ponderação feita com base no princípio da igualdade.
III – Decisão
Pelo exposto, decide-se não declarar inconstitucional a norma constante do n.º 12 do artigo 26.º do Código das Expropriações, aprovado pela Lei n.º 168/99, de 18 de setembro, quando interpretada no sentido de ser indemnizável como solo apto para construção, terreno integrado na Reserva Agrícola Nacional com aptidão edificativa segundo os elementos objetivos definidos no n.º 2 do artigo 25.º do mesmo Código.
Lisboa, 2 de Outubro de 2013. – Maria de Fátima Mata-Mouros – José da Cunha Barbosa – Catarina Sarmento e Castro – Maria José Rangel de Mesquita – João Cura Mariano – Fernando Vaz Ventura – Lino Rodrigues Ribeiro – Ana Guerra Martins – Carlos Fernandes Cadilha (vencido, pelas razões constantes dos acórdãos-fundamento) – Pedro Machete (vencido, pelas razões constantes dos acórdãos-fundamento) – Maria João Antunes – (vencida, pelas razões constantes do Acórdão n.º 417/2006) – Joaquim de Sousa Ribeiro