Imprimir acórdão
Processo n.º 454/13
2.ª Secção
Relator: Conselheiro João Cura Mariano
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
Relatório
A. instaurou no juízo de Trabalho e Família e Menores de Sines – Comarca do Alentejo Litoral, contra B., S.A., ação de processo comum, pedindo a condenação da Ré no pagamento da quantia de € 284,32, relativos a retribuição por trabalho prestado nos dias 22-04-2010 e 23-04-2010, acrescida de juros vencidos e vincendos.
Por sentença de 31 de maio de 2012, o juízo de Trabalho e Família e Menores de Sines da Comarca do Alentejo Litoral condenou a Ré no pedido, tendo ainda, na sequência de incidente suscitado pela Ré, fixado à causa o valor de € 296,63.
A ré, B., S.A., interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Évora da decisão que fixou o valor da ação, bem como da sentença de mérito, não tendo o recurso sido admitido.
Reclamou então a Ré para o Tribunal da Relação de Évora que, por despacho do Relator, de 17 de janeiro de 2013, deferiu a reclamação da Ré na parte respeitante ao recurso interposto atinente à impugnação da decisão da primeira instância na parte em que nela se fixou o valor da causa e indeferiu a reclamação na parte em que esta se pronunciou sobre o mérito da causa.
A Ré reclamou para a conferência e, por acórdão de 11 de abril de 2013, o Tribunal da Relação de Évora julgou a reclamação improcedente, mantendo a decisão proferida pelo Relator.
Inconformada, a Ré recorreu para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), nos seguintes termos:
“…Da Decisão Recorrida
1. O presente recurso é interposto da decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Évora, não admitindo esta decisão, quanto ao seu objeto, qualquer recurso ordinário (art. 280º, nº 1, al. b) da CRP, e art. 70º, nº 1, al. b), nºs 2 e 4, da Lei nº 28/82, de 15 de novembro).
Do Fundamento do Recurso
2. O que a Recorrente pretende submeter ao controlo normativo constitucional é, por um lado, a interpretação e aplicação que o Tribunal a quo efetua dos art.ºs 721.º-A, n.º 1, als. a) e b), do Código de Processo Civil e dos art.ºs 678.º, n.ºs 2 e 3, do Código de Processo Civil e 79.º do Código de Processo do Trabalho e, por outro lado, a interpretação e aplicação que o Tribunal de primeira instância efetua dos art.ºs 510.º, n.º 1, al. b), 511.º, 659.º e 668.º, n.º 1, al. d), todos do Código de Processo Civil, bem como dos artigos 536.º, 539.º e 541.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei 7/2009, de 12 de fevereiro, e que, salvo melhor opinião, por força da decisão recorrida, a mesma já não consentirá qualquer recurso ordinário.
Da Sucumbência
3. Contrariamente ao que foi ab initio pugnado pela Recorrente, entende o Tribunal a quo que, num pleito como o dos autos não se vislumbra significativo alcance social e/ou abrangência jurídica que lhe permitam alcançar um segundo grau de jurisdição, através da aplicação das normas que preveem a possibilidade de interposição de recurso de revista excecional, quando o valor da causa e a sucumbência, de forma meramente aritmética, não o consintam.
Com efeito,
4. A Recorrente sempre defendeu o entendimento que, para além do invocado direito do Autor à retribuição, nos presentes autos se discute o exercício (crê-se que abusivo) do direito fundamental à greve e que a questão em apreciação detém particular relevância social e significativa relevância jurídica, na medida em que uma decisão de mérito que venha a ser proferida terá a virtual idade de permitir uma melhor e mais esclarecedora aplicação do direito, no âmbito das diferentes ações que foram e possam vir a ser interpostas relativamente a esta matéria.
5. Trata-se, no mínimo, de um direito fundamental de centenas de trabalhadores afetos às Refinarias da Recorrente, o direito à greve.
6. Ao decidir como decidiu, mantendo a irrecorribilidade da decisão de mérito, por falta de verificação do valor da sucumbência, o Tribunal a quo aplicou e adotou uma interpretação dos referidos normativos (art.º 678.º, n.º 2 e 3, do Código de Processo Civil, art.º 79.º, do Código de Processo do Trabalho e art.º 721.º-A, n.º 1, do Código de Processo Civil) que se revela contrária à Constituição da República Portuguesa, porque contrários ao princípio constitucional do acesso ao direito e tutela jurisdicional, ínsito no art.º 20.º da CRP, coartando, assim, o direito das partes a um duplo grau de jurisdição.
7. Crê-se que, ao decidir como decidiu, e ao interpretar os referidos preceitos legais de forma restritiva e literal, como o fez, o Tribunal a quo impôs uma restrição desproporcional ao direito fundamental da Recorrente poder aceder a um duplo grau de jurisdição, consubstanciando uma interpretação normativa contrária ao mencionado art.º 20.º da Lei Fundamental.
Da Fundamentação de Direito com Recurso a Factos Não Alegados e / ou Não Assentes
8. Ciente de que a decisão recorrida não aborda as temáticas infra descritas1 não pode, porém, a Recorrente, cautelarmente, deixar de as incluir no presente requerimento de interposição de recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade para o Tribunal Constitucional, na medida em que, por força da decisão proferida, das mesmas, salvo melhor opinião, também não caberá recurso ordinário2 (art. 280º, nº 1, al. b) da CRP, e art. 70º, nº 1, al. b), nºs 2 e 4, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro).
Efetivamente,
9. Em sede de recurso de Apelação interposto da sentença proferida pelo Tribunal de primeira instância, a Recorrente alegou que a mesma se fundamentava em factos não assentes, parte dos quais não alegados e que, quanto aos demais factos alegados ou contra-alegados, a Recorrente foi impedida de fazer prova, assim incorrendo no vício de omissão de fundamentação ou de contradição entre os fundamentos e a decisão, nos termos impostos pelos art.ºs 510.º, n.º 1, al. b), 511.º e 659.º, todos do Cód. de Processo Civil.
10. Entende-se que a interpretação normativa feita pelo Tribunal de primeira instância dos referidos preceitos se revela desconforme com a Lei Fundamental, atenta a violação do princípio constitucional do processo equitativo, também ele ínsito no art.º 20.º da CRP.
11. De igual modo, mas não menos importante, em sede de recurso de Apelação foi também suscitada pela Recorrente a omissão de pronúncia do Tribunal de primeira instância sobre a defesa por exceção aduzida pela Recorrente, o que, salvo melhor opinião, consubstancia, no entender desta, uma interpretação normativa dos art.ºs 510.º, n.º 1, al. b), 511.º, 659.º e 668.º, n.º 1, al. d), todos do Código de Processo Civil, desconforme com a CRP, porquanto claramente violadora do princípio constitucional do processo equitativo, nela ínsito.
Do exercício abusivo do direito à greve
12. Por fim, crê-se que, ao ratificar o modo abusivo como foi a concretizada a greve em causa pelo Autor e pelas estruturas sindicais, o Tribunal de primeira instância efetuou uma interpretação dos artigos 536.º, 539.º e 541.º do Código do Trabalho e do artigo 334.º do Código Civil desconforme com o artigo 57.º da Lei Fundamental, na medida em que tal interpretação consente a possibilidade de ser decretada pelas estruturas sindicais e posta em prática pelos trabalhadores uma greve abusiva, atento o modo como foi executada, que colide frontalmente com outros bens e direitos constitucionalmente protegidos, designadamente os direitos à integridade física, à iniciativa económica privada e ao ambiente e qualidade de vida, previstos nos artigos 25.º,61.º e 66.º da CRP.
Conclusão
13. Em síntese e em cumprimento do disposto no art.º 75.º-A, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, vem a Recorrente indicar:
(i) Normas cuja interpretação literal e restritiva se revela contrária à CRP e cuja inconstitucionalidade se pretende ver apreciada:
a. art.º 678.º, n.º 2 e 3, do Código de Processo Civil;
b. art.º 79.º, do Código de Processo do Trabalho;
c. art.º 721.º-A, n.º 1, do Código de Processo Civil;
d. art.º 510.º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Civil;
e. art.º 511.º do Código de Processo Civil;
f. art. º 659.º do Código de Processo Civil;
g. art.º 668.º, n.º 1, al. d), Código de Processo Civil;
h. art.º 536.º do Código do Trabalho;
i. art.º 539.º do Código do Trabalho;
j. artigo 541.º do Código do Trabalho; e
k. art.º 334.º do Código Civil.
(ii) Normas constitucionais que se consideram violadas:
a. art.º 20.º da CRP; e
b. art.º 57.º da CRP.
(iii) As peças processuais em que a Recorrente suscitou as supras descritas interpretações normativas desconformes à CRP (por ordem cronológica de apresentação) :
a. Reclamação de nulidades da sentença;
b. Recurso de Apelação;
c. Reclamação de despacho que manteve os termos da sentença;
d. Reclamação para o Tribunal da Relação de Évora do despacho que não admitiu o recurso de Apelação interposto; e
e. Reclamação para a Conferência do Tribunal da Relação de Évora.
Nestes termos, requer-se muito respeitosamente a Vossa Excelência se digne admitir o presente recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade, seguindo-se ulteriormente o rito fixado nos arts. 69.º a 85.º da Lei 28/82, de 15 de novembro.»
Foi proferida decisão sumária de não conhecimento do recurso, com a seguinte fundamentação:
“No sistema português de fiscalização de constitucionalidade, a competência atribuída ao Tribunal Constitucional cinge-se ao controlo da inconstitucionalidade normativa, ou seja, das questões de desconformidade constitucional imputada a normas jurídicas ou a interpretações normativas, e já não das questões de inconstitucionalidade imputadas diretamente a decisões judiciais, em si mesmas consideradas.
Por outro lado, tratando-se de recurso interposto ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC – como ocorre no presente caso –, este cabe apenas «de decisões que não admitam recurso ordinário, por a lei o não prever ou por já haverem sido esgotados todos os que no caso cabiam» (n.º 2 do mesmo preceito), estando a sua admissibilidade depende ainda da verificação cumulativa dos requisitos de a questão de inconstitucionalidade haver sido suscitada «durante o processo», «de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (n.º 2, do artigo 72.º, da LTC), e de a decisão recorrida ter feito aplicação, como sua ratio decidendi, das dimensões normativas arguidas de inconstitucionais pelo recorrente.
No requerimento de interposição de recurso de constitucionalidade pode ler-se que «o que a Recorrente pretende submeter ao controlo normativo constitucional é, por um lado, a interpretação e aplicação que o Tribunal a quo efetua dos art.ºs 721.º-A, n.º 1, als. a) e b), do Código de Processo Civil e dos art.ºs 678.º, n.ºs 2 e 3, do Código de Processo Civil e 79.º do Código de Processo do Trabalho e, por outro lado, a interpretação e aplicação que o Tribunal de primeira instância efetua dos art.ºs 510.º, n.º 1, al. b), 511.º, 659.º e 668.º, n.º 1, al. d), todos do Código de Processo Civil, bem como dos artigos 536.º, 539.º e 541.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei 7/2009, de 12 de fevereiro, e que, salvo melhor opinião, por força da decisão recorrida, a mesma já não consentirá qualquer recurso ordinário». Ou seja, a recorrente interpõe recurso para o Tribunal Constitucional do acórdão do Tribunal da Relação de Évora, que confirmou a decisão do Relator, no sentido de não admitir o recurso da sentença da primeira instância na parte em esta se pronunciou sobre o mérito da causa e, em simultâneo, da sentença da primeira instância, também na parte respeitante ao mérito da causa. Assim, são duas as decisões recorridas.
Em abstrato, nada obsta a que se recorra simultaneamente de mais do que uma decisão judicial, desde que ambas sejam autonomamente recorríveis para o Tribunal Constitucional. Contudo, conforme se referiu, tratando-se de um recurso interposto ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC, este cabe apenas de decisões que não admitam recurso ordinário, por a lei o não prever ou por já haverem sido esgotados todos os que no caso cabiam (cfr. art. 70.º, n.º 2 da LTC).
No caso em apreço, não pode considerar-se que a sentença da primeira instância seja já recorrível segundo tal critério. Com efeito, com a dedução da reclamação para o Tribunal da Relação de Évora e subsequente recurso de constitucionalidade interposto do acórdão que sobre a mesma recaiu, a Recorrente obstou a que a sentença da primeira instância se tenha tornado definitiva, ou seja, que tenha constituído a última palavra dos Tribunais comuns sobre a matéria apreciada. Assim, enquanto não estiver definitivamente decidida a admissibilidade de recurso da aludida sentença para o Tribunal da Relação de Évora, não se mostra possível dela recorrer para o Tribunal Constitucional.
Deste modo, não se pode apreciar o presente recurso na parte relativa à «interpretação e aplicação que o Tribunal de primeira instância efetua dos art.ºs 510.º, n.º 1, al. b), 511.º, 659.º e 668.º, n.º 1, al. d), todos do Código de Processo Civil, bem como dos artigos 536.º, 539.º e 541.º do Código do Trabalho».
Importa agora apreciar verificação dos demais requisitos da admissibilidade do recurso quanto à parte relativa à «interpretação e aplicação que o Tribunal a quo efetua dos art.ºs 721.º-A, n.º 1, als. a) e b), do Código de Processo Civil e dos art.ºs 678.º, n.ºs 2 e 3, do Código de Processo Civil e 79.º do Código de Processo do Trabalho», designadamente, no que respeita à suscitação de modo processualmente adequado da questão de constitucionalidade e quanto à decisão recorrida ter feito aplicação, como sua ratio decidendi, da dimensão normativa arguida de inconstitucional pela recorrente.
A suscitação processualmente adequada de uma questão de constitucionalidade implica, desde logo, que o recorrente tenha cumprido o ónus de a colocar ao tribunal recorrido, enunciando-a de forma expressa, clara e percetível, em ato processual e segundo os requisitos de forma que criam para o tribunal a quo um dever de pronúncia sobre a matéria a que tal questão se reporta.
Acresce que, no caso de pretender questionar apenas certa interpretação de uma dada norma, deverá o recorrente especificar claramente qual o sentido ou dimensão normativa do preceito ou “arco normativo” que tem por violador da Constituição, enunciando cabalmente e com precisão e rigor todos os pressupostos essenciais da dimensão normativa tida por inconstitucional.
Neste sentido, escreveu-se no acórdão n.º 269/94 (acessível na Internet, tal como os restantes acórdãos que a seguir se referem sem outra menção, em www.tribunalconstitucional.pt):
“Suscitar a inconstitucionalidade de uma norma jurídica é fazê-lo de modo tal que o tribunal perante o qual a questão é colocada saiba que tem uma questão de constitucionalidade determinada para decidir. Isto reclama, obviamente, que - como já se disse - tal se faça de modo claro e percetível, identificando a norma (ou um segmento dela ou uma dada interpretação da mesma), que (no entender de quem suscita essa questão) viola a Constituição; e reclama, bem assim, que se aponte o porquê dessa incompatibilidade com a Lei Fundamental, indicando, ao menos, a norma ou princípio constitucional infringidos.”
Por outro lado, vem o Tribunal Constitucional entendendo que o cumprimento do ónus de suscitação, clara e precisa, não se basta com a afirmação de que uma “diferente interpretação” normativa será violadora da Constituição, sendo necessário que o recorrente enuncie, de forma clara a percetível, o exato sentido normativo que, na sua perspetiva, padecerá de inconstitucionalidade.
Este entendimento encontra-se expresso, entre outros, no Acórdão n.º 376/06, no qual se refere que “Não basta (…) a afirmação de que interpretação diferente daquela que se propugna viola normas constitucionais (…). É necessário referenciar tal violação a um sentido normativo determinado, extraído de um preceito ou de um conjunto de preceitos perfeitamente identificados, com um mínimo de argumentação demonstrativa dessa desconformidade com a Constituição. De tal modo que o tribunal da causa, se chegar a esse sentido no termo do processo interpretativo do direito ordinário que lhe cumpra aplicar, saiba ou deva saber que lhe é proposto que recuse tal aplicação, no exercício do poder que lhe é conferido pelo artigo 204.º da Constituição”.
No caso dos autos, a recorrente fez constar do requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional que pretende sindicar a interpretação e aplicação que o Tribunal a quo efetuou «dos art.ºs 721.º-A, n.º 1, als. a) e b), do Código de Processo Civil e dos art.ºs 678.º, n.ºs 2 e 3, do Código de Processo Civil e 79.º do Código de Processo do Trabalho», referindo ainda que «ao decidir como decidiu, mantendo a irrecorribilidade da decisão de mérito, por falta de verificação do valor da sucumbência, o Tribunal a quo aplicou e adotou uma interpretação dos referidos normativos (art.º 678.º, n.º 2 e 3, do Código de Processo Civil, art.º 79.º, do Código de Processo do Trabalho e art.º 721.º-A, n.º 1, do Código de Processo Civil) que se revela contrária à Constituição da República Portuguesa, porque contrários ao princípio constitucional do acesso ao direito e tutela jurisdicional, ínsito no art.º 20.º da CRP, coartando, assim, o direito das partes a um duplo grau de jurisdição».
Desde logo a Recorrente não enuncia, de forma clara e percetível, qual a interpretação normativa dos aludidos preceitos efetivamente adotada pela decisão recorrida e que reputa de inconstitucional, parecendo até imputar a inconstitucionalidade à própria decisão de não admissão do recurso e não a uma determinada interpretação dos aludidos preceitos. É certo que a falta da enunciação no requerimento de interposição de recurso da interpretação normativa arguida de inconstitucional poderá ser suprida mediante convite dirigido à recorrente para o efeito (cfr. art. 75.º-A, n.ºs 1 e 5, da LTC). Contudo, no presente caso, tal convite mostra-se inútil, uma vez que, na reclamação para a conferência apresentada junto do Tribunal da Relação de Évora, peça processual em que a questão de constitucionalidade deveria ser suscitada, tal interpretação normativa também não se mostra enunciada.
Aí, a Recorrente limitou-se a defender que, estando em causa nos autos, como questão essencial, o direito à greve, se impunha «(…) com base numa interpretação adequada do disposto no art.º 20.º da CRP, devidamente conjugado com uma interpretação analógica do disposto nos art.ºs 79.º, do CPT, 678.º, n.º 1 e 721.º-A, n.º 1, do CPC (os quais estabelecem a possibilidade interposição de recurso, para além da regra geral de natureza quantitativa estabelecida para aferir da recorribilidade das decisões judiciais), conferir às partes a possibilidade excecional de poderem submeter à apreciação de um tribunal superior uma causa de tão elevada complexidade Jurídica e relevância social». E acrescentou ainda que «Ao decidir como decidiu quanto à irrecorribilidade da decisão de mérito, por falta de verificação do valor da sucumbência, a decisão de que ora se reclama aplica normas e/ou adota interpretações normativas, designadamente no que respeita aos artºs. 678.°, n.º 2 e 3, do CPC, e 79.º do CPT, bem como o art. 721.º A, n.º 1, do CPC, que se mostram inconstitucionais, porque contrárias ao preceituado no art. 20.º da CRP, que consagra o princípio constitucional do acesso ao direito e tutela jurisdicional, na medida em que coartam o direito a um duplo grau de jurisdição num pleito em que se discutem os contornos do exercício do Direito Fundamental à Greve – matéria que se mostra de extraordinária relevância jurídica, além de envolver interesses de notória relevância social (…)».
Ou seja, o que a Recorrente fez foi invocar determinadas normas e princípios constitucionais, que entendeu serem aplicáveis na resolução do litígio, sem que, no entanto, tenha questionado a conformidade constitucional de uma determinada interpretação normativa, enunciada de forma clara e precisa.
É certo que a recorrente pugna pela interpretação de um conjunto de preceitos que entende deverem ser aplicados analogicamente ao caso, sustentando que outra interpretação dos mesmos, que negue o direito ao recurso, será inconstitucional. Contudo, conforme se referiu, o Tribunal Constitucional tem mantido o entendimento de que o cumprimento do ónus de suscitação, clara e precisa de uma questão de constitucionalidade não se basta com a afirmação de que uma “diferente interpretação” normativa será violadora da Constituição, sendo necessário que o recorrente enuncie, de forma clara a percetível, o exato sentido normativo que, na sua perspetiva, padecerá de inconstitucionalidade.
Ora, uma tal forma de proceder é manifestamente insuficiente para que se possa considerar cumprido o ónus, que recai sobre o recorrente, de, caso pretenda vir a recorrer para o Tribunal Constitucional, suscitar previamente, perante o tribunal recorrido, de modo processualmente adequado, uma questão de constitucionalidade normativa em termos de este a dever apreciar.
Refira-se, por fim, que mesmo que se admita estar-se perante uma questão de constitucionalidade suscitada de modo processualmente adequado, ter-se-ia de concluir que o arco normativo em causa não foi integralmente interpretado e aplicado pelo tribunal a quo como efetivo fundamento de decisão.
Com efeito, a Recorrente baseou a desconformidade com a Constituição das normas que entendeu terem sido aplicadas pela decisão recorrida na circunstância de se discutir nos autos «os contornos do exercício do Direito Fundamental à Greve – matéria que se mostra de extraordinária relevância jurídica, além de envolver interesses de notória relevância social», o que, em seu entender, justificaria a aplicação analógica do artigo 721.º-A, n.º 1, do CPC e a admissibilidade do recurso.
Ora, conforme se pode constatar pela leitura da decisão recorrida, entendeu-se, a este propósito, o seguinte:
«Sucede que nem está em causa a admissibilidade de recurso de revista excecional ao abrigo do disposto no art. 721º-A do Cód. Proc. Civil, nem a intervenção deste tribunal de 2.ª instância por via de recurso pode assentar numa eventual futura necessidade de melhor ou mais esclarecedora aplicação do direito, nem a decisão do presente pleito poderá interessar a todos os trabalhadores da R. filiados nas estruturas sindicais que decretaram a greve e muito menos à generalidade dos trabalhadores e empregadores do tecido empresarial nacional.
Na verdade, como decorre da sentença recorrida proferida em 1.ª instância e que anteriormente reproduzimos, o que está verdadeiramente em causa na presente ação, na medida em que emerge do pedido e da causa de pedir nela deduzidos, é apenas saber se o A. A., enquanto trabalhador ao serviço da R. B., S.A., tem ou não direito a receber desta a remuneração respeitante ao trabalho por ele efetivamente prestado nos dias 22 e 23 de abril de 2010, na sequência de a greve convocada para o setor pelas estruturas sindicais e que decorreu entre as 00h00 de dia 19 de abril de 2010 e as 06h00 do dia 22 de abril de 2010, trabalho aquele que se traduziu em operações de arranque da refinaria após o período de paragem em consequência da aludida greve. Com efeito, não está em causa qualquer direito reclamado por aquele A. atinente ao exercício do direito à greve ou durante o período de tempo em que a mesma decorreu na empresa R., mas, frisa-se, apenas o direito remuneratório por trabalho efetivamente prestado pelo A. ao serviço da R. em dois dias subsequentes àquele período de greve.
É certo que, como se infere da mesma sentença, na contestação deduzida nos presentes autos, a R. invoca argumentos donde infere a verificação de um exercício abusivo do direito à greve por parte do A. e outros trabalhadores das suas refinarias baseado na falta de definição de serviços mínimos, e prejuízos daí decorrentes. No entanto, pelas razões ali aduzidas e que aqui se dão por reproduzidas, não é isso que está verdadeiramente em causa na presente ação. Nesta e como referimos, o que está em apreciação é a verificação de um direito que apenas ao A. diz respeito, não assumindo, por isso mesmo, a presente ação e o que nela verdadeiramente se discute, o alcance social e muito menos da abrangência em termos de relevância jurídica que a R. invoca como fundamento de recurso.
Acresce que não se encontra legalmente prevista qualquer possibilidade de consideração da norma que prevê o recurso de Revista excecional para o Supremo Tribunal de Justiça, para se poder recorrer para esta 2.ª instância de uma decisão que em face do valor da causa ou da sucumbência o não admita, não fazendo, por isso, qualquer sentido o apelo que a R. faz às disposições do art. 721.º-A do C.P.C. com o objetivo de se alcançar um 2.º grau de jurisdição que, atentas as circunstâncias do caso, a lei vigente claramente impede».
Ou seja, o Tribunal da Relação de Évora pronunciou-se no sentido de a questão em causa dos autos não dizer respeito ao exercício do direito à greve e ainda de não ser uma questão cuja decisão pudesse interessar a todos os trabalhadores da R. filiados nas estruturas sindicais que decretaram a greve e muito menos à generalidade dos trabalhadores e empregadores do tecido empresarial nacional, afastando os fundamentos em que a R. baseava a aplicabilidade, por analogia, do artigo 721.º-A do C.P.C., e a consequente admissibilidade do recurso.
Dado o caráter ou função instrumental dos recursos de fiscalização concreta, exige-se, para que o recurso tenha efeito útil, que haja ocorrido efetiva aplicação pela decisão recorrida, da norma ou interpretação normativa cuja constitucionalidade é sindicada.
É necessário, pois, que a interpretação acusada de inconstitucionalidade tenha constituído ratio decidendi da decisão recorrida, pois, só assim, um eventual juízo de inconstitucionalidade poderá determinar uma reformulação dessa decisão.
Verificada a falta de aplicação efetiva, pelo tribunal a quo, da referida norma do artigo 721.º-A do C.P.C, por entender não verificados os fundamentos indicados pela Recorrente, importa concluir que também não está preenchido este requisito de admissibilidade do recurso de constitucionalidade.
Face ao exposto, é manifesto que, quanto à parte do recurso relativa à «interpretação e aplicação que o Tribunal a quo efetua dos art.ºs 721.º-A, n.º 1, als. a) e b), do Código de Processo Civil e dos art.ºs 678.º, n.ºs 2 e 3, do Código de Processo Civil e 79.º do Código de Processo do Trabalho», não se pode considerar que tenha sido “suscitada, pelo recorrente, de modo processualmente adequado, perante o Tribunal que proferiu a decisão recorrida”, uma questão de constitucionalidade normativa, conforme exige o n.º 2 do artigo 72º da Lei do Tribunal Constitucional ou, mesmo que assim não se entendesse, que a interpretação acusada de inconstitucionalidade tenha constituído ratio decidendi da decisão recorrida.
Não estando preenchidos os aludidos requisitos de admissibilidade do recurso de constitucionalidade previsto no artigo 70.º, n.º 1, b), da LTC, deverá ser proferida decisão sumária de não conhecimento, nos termos do artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC.
O Recorrente reclamou desta decisão, com os seguintes argumentos:
“…A) Atento o teor da reclamação para a conferência do TRE deduzida pela Recorrente e ora Reclamante, resulta evidente que a mesma identificou, com a clareza exigível, a interpretação normativa adotada, como critério decisório, pela decisão recorrida, e que pretende venha a ser objeto de um juízo de inconstitucionalidade por parte do TC.
B) De facto, no aludido articulado a Recorrente referiu, de forma clara, expressa e percetível que, ao se decidir pela irrecorribilidade da decisão de mérito, por falta de verificação do valor da sucumbência, o TRE adotou uma interpretação aos artºs. 678.º, n.º 2 e 3, do CPC, e 79.º do CPT, bem como o art.º 721.º A, n.º 1, do CPC, que se mostra inconstitucional, porque contrária ao preceituado no art.º 20.º da CRP.
C) A Recorrente e ora Reclamante identificou a interpretação normativa que reputa de inconstitucional com a precisão necessária para colocar o tribunal recorrido em posição de tomar conhecimento sobre a mesma - o que veio, efetivamente, a acontecer, na medida em que o TRE se pronunciou sobre a invocada inconstitucionalidade, tendo-se pronunciado no sentido da sua não verificação.
D) Além disso, ao decidir-se pela inaplicabilidade ao caso dos autos do artigo 721.º-A do CPC, o TRE pronunciou-se e tomou posição, ainda que de forma indireta, sobre esse preceito, incorporando-o no thema decididum dos presentes autos: saber se deve ou não ser concedido às partes o acesso a um duplo grau de jurisdição em virtude de, in casu, se discutir os contornos e limites do exercício do direito fundamental à greve, questão de grande relevância jurídica, que justificaria uma melhor aplicação do direito, e com particular relevância social.
E) Ainda que tenha considerado o art.º 721.º-A do CPC inaplicável ao caso dos autos, o aludido preceito constitui o fundamento decisório da decisão recorrida, a sua ratio decidendi, na medida em que a sua (não) aplicação à situação sub judice e a consequente negação do direito de as partes alcançarem, in casu, um duplo grau de jurisdição, revela-se contrária ao princípio de acesso ao direito, ínsito no artigo 20.º da Lei Fundamental.
F) Aliás, entender que uma decisão que desconsidera toda a matéria de facto e de direito aduzida em sede de exceção, e por essa via adota outra visão de direito, apta a excluí-la da ratio decidendi para efeitos de recurso para o TC, constituiria, por si só, uma interpretação do art.º 70.º da LTC desconforme com o art.º 20.º da CRP, já que constituiria uma contração inadmissível do princípio de acesso ao direito e à tutela jurisdicional.
G) Por fim, e ainda que se considere, que o requerimento de interposição de recurso para o TC padece dos vícios que lhe são apontados pelo Exmo. Senhor Juiz Conselheiro Relator, sempre deverá a Recorrente e ora Reclamante ser notificada para proceder à indicação dos elementos em falta, ao abrigo do disposto nos n.ºs 5 e 6 do art.º 75.º-A da LTC…”
*
Fundamentação
A decisão reclamada não conheceu do mérito do recurso por ter entendido que não se mostravam preenchidos dois requisitos essenciais à apreciação do mérito do recurso de constitucionalidade: a suscitação prévia perante o tribunal recorrido da questão de constitucionalidade colocada ao Tribunal Constitucional e a coincidência entre o critério normativo cuja inconstitucionalidade é invocada e o critério normativo utilizado pela decisão recorrida como seu fundamento.
Independentemente do conhecimento pela decisão recorrida da questão de constitucionalidade que o Recorrente pretende ver apreciada poder ou não suprir a sua deficiente suscitação, constata-se que o critério normativo cuja constitucionalidade o Recorrente sustenta ter suscitado não foi assumido pela decisão recorrida.
Na verdade, sendo elemento essencial desse critério que na ação em causa se discutem os contornos e limites do exercício do direito fundamental à greve, verifica-se que a decisão recorrida recusou expressamente que esse fosse o tema em discussão.
Escreveu-se nessa peça:
“Com efeito, não está em causa qualquer direito reclamado por aquele A. atinente ao exercício do direito à greve ou durante o período de tempo em que a mesma decorreu na empresa R., mas, frisa-se, apenas o direito remuneratório por trabalho efetivamente prestado pelo A. ao serviço da R. em dois dias subsequentes àquele período de greve.
É certo que, como se infere da mesma sentença, na contestação deduzida nos presentes autos, a R. invoca argumentos donde infere a verificação de um exercício abusivo do direito à greve por parte do A. e outros trabalhadores das suas refinarias baseado na falta de definição de serviços mínimos, e prejuízos daí decorrentes. No entanto, pelas razões ali aduzidas e que aqui se dão por reproduzidas, não é isso que está verdadeiramente em causa na presente ação. Nesta e como referimos, o que está em apreciação é a verificação de um direito que apenas ao A. diz respeito, não assumindo, por isso mesmo, a presente ação e o que nela verdadeiramente se discute, o alcance social e muito menos da abrangência em termos de relevância jurídica que a R. invoca como fundamento de recurso.”
Não havendo coincidência entre o critério normativo cuja fiscalização se pretende e aquele que foi adotado pela decisão recorrida não pode o recurso de constitucionalidade ser conhecido.
Como se disse na decisão reclamada, dado o caráter ou função instrumental dos recursos de fiscalização concreta, é necessário, que a interpretação acusada de inconstitucionalidade tenha constituído ratio decidendi da decisão recorrida, pois, só assim, um eventual juízo de inconstitucionalidade poderá determinar uma reformulação dessa decisão.
Por esta razão deve ser indeferida a reclamação apresentada.
*
Decisão
Pelo exposto, indefere-se a reclamação apresentada por B., S.A.
Custas pela Recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta, ponderados os elementos referidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de outubro (artigo 7.º, do mesmo diploma).
Lisboa, 26 de setembro de 2013. – João Cura Mariano – Ana Guerra Martins – Joaquim de Sousa Ribeiro