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Processo n.º 84/13
3.ª Secção
Relator: Conselheira Catarina Sarmento e Castro
Acordam, em Conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional
I - Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, A. interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, (Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, doravante designada por LTC).
2. No Tribunal Constitucional, foi proferida Decisão sumária de não conhecimento do recurso.
Na fundamentação de tal decisão, refere-se, nomeadamente, o seguinte:
“(…) O Tribunal Constitucional tem entendido, de modo reiterado e uniforme, serem requisitos cumulativos da admissibilidade do recurso, previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, a existência de um objeto normativo – norma ou interpretação normativa - como alvo de apreciação; o esgotamento dos recursos ordinários (artigo 70.º, n.º 2, da LTC); a aplicação da norma ou interpretação normativa, cuja sindicância se pretende, como ratio decidendi da decisão recorrida; a suscitação prévia da questão de constitucionalidade normativa, de modo processualmente adequado e tempestivo, perante o tribunal a quo (artigo 280.º, n.º 1, alínea b), da CRP; artigo 72.º, n.º 2, da LTC).
(…) Começando a nossa análise pela natureza do objeto do recurso, diremos que o recurso de constitucionalidade apenas pode incidir sobre a constitucionalidade de normas ou interpretações normativas, e não de decisões, nomeadamente jurisdicionais, não compreendendo o nosso ordenamento jurídico a figura do recurso constitucional de amparo ou queixa constitucional.
A esse propósito, pode ler-se no Acórdão deste Tribunal Constitucional, com o n.º 633/08 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt ):
“ (…) cumpre acentuar que, sendo o objeto do recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade constituído por normas jurídicas, que violem preceitos ou princípios constitucionais, não pode sindicar-se, no recurso de constitucionalidade, a decisão judicial em si própria, mesmo quando esta faça aplicação direta de preceitos ou princípios constitucionais, quer no que importa à correção, no plano do direito infraconstitucional, da interpretação normativa a que a mesma chegou, quer no que tange à forma como o critério normativo previamente determinado foi aplicado às circunstâncias específicas do caso concreto (correção do juízo subsuntivo).
Deste modo, é sempre forçoso que, no âmbito dos recursos interpostos para o Tribunal Constitucional, se questione a (in)constitucionalidade de normas, não sendo, assim, admissíveis os recursos que, ao jeito da Verfassungsbeschwerde alemã ou do recurso de amparo espanhol, sindiquem, sub species constitutionis, a concreta aplicação do direito efetuada pelos demais tribunais, em termos de se assacar ao ato judicial de “aplicação” a violação (direta) dos parâmetros jurídico-constitucionais. Ou seja, não cabe a este Tribunal apurar e sindicar a bondade e o mérito do julgamento efetuado in concreto pelo tribunal a quo. A intervenção do Tribunal Constitucional não incide sobre a correção jurídica do concreto julgamento, mas apenas sobre a conformidade constitucional das normas aplicadas pela decisão recorrida (…)”
Assim, impende sobre o recorrente o ónus de enunciar o concreto critério normativo, cuja desconformidade constitucional invoca, reportando-o a uma determinada disposição ou conjugação de disposições legais.
Acresce que tal enunciação deverá ser apresentada, em termos tais que o Tribunal Constitucional, no caso de concluir pela sua inconstitucionalidade, possa reproduzir tal enunciação, de modo a que os respetivos destinatários e operadores do direito em geral fiquem cientes do concreto sentido normativo julgado desconforme com a Lei Fundamental.
Ora, no presente caso, nas conclusões do requerimento de interposição de recurso, a recorrente refere que “a questão que se pretende ver discutida é a conformidade da dita decisão [datada de 11 de janeiro de 2013] com o nº 1 do artº 32º da C.R.P.”, acrescentando que tal decisão afronta o direito a um duplo grau de jurisdição e representa uma interpretação dos artigos da C.R.P. a que foi subsumida que é inconstitucional por violar o direito fundamental de recurso.”
Resulta, assim, claro da análise, não apenas das conclusões, mas do restante teor do requerimento, que a recorrente pretende, não a sindicância de constitucionalidade de um verdadeiro critério normativo – enquanto regra tendencialmente abstrata potencialmente aplicável a uma generalidade de situações - que a recorrente, em nenhum momento, enuncia, mas a apreciação da própria decisão jurisdicional, na sua dimensão casuística.
Nestes termos, por inidoneidade do objeto do recurso, não se admite o mesmo.
(…) Salienta-se que, ainda que a recorrente tivesse erigido, como objeto do recurso, no respetivo requerimento de interposição, um verdadeiro critério normativo, sempre a admissibilidade do recurso estaria prejudicada por incumprimento do ónus de suscitação prévia, perante o tribunal a quo, de qualquer questão de constitucionalidade normativa.
Na verdade, impunha-se que a recorrente colocasse a questão de constitucionalidade normativa – que pretenderia ver dirimida em ulterior recurso para o Tribunal Constitucional - junto do tribunal a quo, de uma forma expressa, direta e clara, criando para esse tribunal um dever de pronúncia sobre tal matéria.
Porém, analisada a reclamação, deduzida nos termos do artigo 405.º do Código de Processo Penal, – peça processual em que a recorrente deveria ter suscitado ou renovado a suscitação da questão de constitucionalidade, que pretendesse ver apreciada em ulterior recurso para o Tribunal Constitucional – conclui-se que, em nenhum momento, a recorrente antecipa e enuncia, de forma clara e autonomizada das circunstâncias casuísticas, qualquer questão de constitucionalidade de natureza normativa.
Nestes termos, a admissibilidade do recurso sempre estaria prejudicada, ainda que a recorrente tivesse conseguido erigir, no requerimento de interposição de recurso, um verdadeiro objeto normativo, o que - reitera-se - não sucedeu. ”
É esta a Decisão sumária que é alvo da presente reclamação.
3. Fundamentando a sua discordância relativamente à decisão reclamada, refere a reclamante que suscitou previamente a questão de constitucionalidade que pretende ver apreciada, desde logo na motivação do recurso da decisão da primeira instância. Acrescenta que a reclamação que precedeu a decisão recorrida é centrada na questão de constitucionalidade que envolve a interpretação dos artigos 399.º, 400.º e 432.º, todos do Código de Processo Penal, que foi defendida no Tribunal da Relação. Assim, a circunstância de a decisão recorrida não se ter pronunciado sobre a questão de constitucionalidade suscitada, quanto aos artigos 399.º e 432.º, n.º 1, alínea a), ambos do Código de Processo Penal, não é imputável à recorrente, que – na sua perspetiva – colocou a questão de forma a que o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça ficasse obrigado a dela conhecer.
Mais refere a reclamante que, na conclusão 13 do requerimento de interposição de recurso, enquadrou a questão de constitucionalidade de tal modo que fosse suscetível de ser reproduzida pelo Tribunal Constitucional, em termos de tanto os destinatários da decisão como os operadores de direito, em geral, ficarem a saber, sem margem para dúvidas, qual o sentido com que o preceito em causa não deveria ser aplicado por afrontar a Constituição.
Por último, defende a reclamante que as exigências processuais de admissibilidade dos recursos de constitucionalidade devem ser mitigadas, face à dificuldade do seu cumprimento. A esta dificuldade acresce – na opinião da reclamante – “uma jurisprudência corrente” de não uso do n.º 5 do artigo 75.º-A da LTC.
Nestes termos, conclui peticionando a admissibilidade do recurso.
4. O Ministério Público, em resposta, pugna pelo indeferimento da reclamação, referindo que os argumentos utilizados pela reclamante em nada abalam os fundamentos da decisão sumária proferida.
Cumpre apreciar e decidir.
II - Fundamentos
5. Como resulta do teor da reclamação e do seu confronto com os fundamentos exarados na decisão sumária reclamada, a reclamante não aduziu qualquer argumento que abalasse a correção do juízo efetuado.
Na verdade, o objeto do recurso – delimitado no requerimento de interposição respetivo - não assume uma verdadeira natureza normativa, incidindo, ao invés, sobre a própria decisão recorrida, na sua dimensão casuística.
Refere a reclamante que, na conclusão 13 do requerimento de interposição de recurso, enquadrou adequadamente a questão que pretendia ver apreciada.
Tal conclusão é do seguinte teor:
“Deve assim reputar-se inconstitucional a decisão de não admissão de um recurso sobre a matéria em que o Tribunal de recurso se iria pronunciar em segunda instância por representar uma interpretação dos artºs 400º, 432º e 399º todos do CPP em violação do nº 1 do art.º 32º da C.R.P.”
O excerto transcrito apenas confirma que a recorrente não enunciou qualquer critério normativo – enquanto regra tendencialmente abstrata potencialmente aplicável a uma generalidade de situações – suscetível de constituir objeto idóneo de um recurso de constitucionalidade, manifestando a pretensão de ver sindicada a própria decisão jurisdicional.
Assim, reafirma-se a fundamentação já aduzida, a este propósito, na decisão reclamada.
Apesar da manifestação de discordância da reclamante, igualmente se reafirma que, na reclamação que motivou a prolação da decisão recorrida - peça processual em que a recorrente deveria ter suscitado ou renovado a suscitação da questão de constitucionalidade, que pretendesse ver apreciada em ulterior recurso para o Tribunal Constitucional -, não foi enunciada, de forma clara e autonomizada das concretas circunstâncias casuísticas, qualquer questão de constitucionalidade normativa.
Assim, também nessa parte se dá por reproduzida a fundamentação da decisão reclamada.
Por último, salienta-se que o entendimento seguido não convoca sequer um critério particularmente exigente quanto à necessidade de observância dos requisitos de admissibilidade do recurso, não sendo, no caso, equacionável a prolação de qualquer convite ao aperfeiçoamento, nos termos do artigo 75.º-A, n.os 5 e 6, da LTC.
Na verdade, o convite ao aperfeiçoamento só tem sentido útil quando faltam apenas meros requisitos formais do requerimento de interposição do recurso, carecendo, ao invés, de utilidade quando faltam pressupostos de admissibilidade do recurso, que não podem ser supridos deste modo. Nesta última hipótese, em vez de proferir um convite ao aperfeiçoamento – que determinaria a produção de processado inútil, em prejuízo dos princípios de economia e celeridade processuais – deve o relator proferir logo decisão sumária, no sentido do não conhecimento do recurso (cfr., neste sentido, acórdãos deste Tribunal Constitucional n.os 99/00, 397/00, 264/06, 33/09 e 116/09, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).
Pelo exposto, conclui-se pela improcedência da reclamação deduzida.
III - Decisão
6. Pelo exposto, julga-se improcedente a reclamação apresentada e confirma-se a Decisão sumária proferida no dia 29 de maio de 2013.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta, ponderados os critérios referidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de outubro (artigo 7.º do mesmo diploma).
Lisboa, 8 de outubro de 2013. - Catarina Sarmento e Castro – Maria José Rangel de Mesquita – Maria Lúcia Amaral