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Processo n.º 272/12
3.ª Secção
Relator: Conselheira Maria José Rangel de Mesquita
Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional
I – RELATÓRIO
1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é recorrente A., Lda. e recorrida B., a primeira vem interpor recurso ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual versão (LTC), do despacho proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, em 25/01/2012 (cfr. fls. 143 a 150), que indeferiu a reclamação apresentada pela ora recorrente do despacho da Exma. Juíza do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido em 25/11/2011 (cfr. fls. 104), que não admitiu o recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, ao abrigo do disposto no artigo 763.º, n.º 1, do Código do Processo Civil, na redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de agosto.
2. Tendo o recurso de constitucionalidade sido admitido por despacho do Tribunal recorrido de 28/03/2012 (cfr. fls. 190) e prosseguido neste Tribunal (cfr. fls. 195), a recorrente apresentou alegações (cfr. fls. 197-207), concluindo no sentido da inconstitucionalidade da interpretação normativa do artigo 763.º do Código do Processo Civil «no sentido de vedar a possibilidade de interposição do recurso extraordinário de uniformização de jurisprudência de acórdãos proferidos pelo Tribunal da Relação, no âmbito de processos com alçada inferior ao Supremo Tribunal de Justiça e que contrariem a jurisprudência dominante deste mesmo Tribunal», por violação dos «princípios constitucionais plasmados no artigo 13.º (princípio da igualdade) e artigo 20.º (direito ao recurso e acesso ao direito), ambos da CRP».
3. A recorrida, notificada para o efeito (cfr. fls. 208), não contra-alegou.
4. Dos documentos juntos aos autos, tem-se por assente, com relevância para a decisão, o seguinte:
4.1 A recorrente A., LDA., não se conformando com o acórdão proferido, em conferência, pelo Tribunal da Relação de Lisboa, no âmbito do Processo n.º 20/10/7TTBRR.L1, que alterou a decisão proferida em primeira instância e considerou ilícito o despedimento promovido pela Recorrente, considerando que as faltas dadas pela trabalhadora daquela empresa não preenchiam o elemento subjetivo necessário ao despedimento previsto no artigo 351.º, n.º 1, do Código do Trabalho, interpôs recurso extraordinário de fixação de jurisprudência para o Supremo Tribunal de Justiça, nos termos conjugados dos artigos 763.º, 764.º e 768.º, todos do Código do Processo Civil, invocando contrariedade do entendimento perfilado com jurisprudência, quer do Supremo Tribunal de Justiça, quer dos Tribunais da Relação.
4.2 O recurso não foi admitido, nos termos do despacho da Exma. Desembargadora do Tribunal da Relação de Lisboa, de 25/11/2011, com o seguinte teor:
«Nos presentes autos de apelação em que é apelante B. e apelada ‘A., Ld.ª’: proferido acórdão em 14/6/2011, a apelada reclamou, arguindo nulidades, o que pelo acórdão de 14/9/2011, mereceu indeferimento.
À ação foi atribuído na sentença o valor de € 14.210,00, inferior à alçada deste tribunal, pelo que o acórdão não é passível de recurso ordinário.
Em 19/10/2011, portanto dentro do prazo de 30 dias contado do trânsito em julgado do acórdão, veio a R. interpor recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, alegando que o entendimento expresso no acórdão contraria jurisprudência, quer do Supremo Tribunal de Justiça, quer das Relações, referenciando para o efeito diversos acórdãos, que junta.
Sucede que, ao contrário do que expressamente dispunha o art. 764º do CPC, anterior à revisão introduzida pelos DL 329-A/95, de 12/12 e 180/96, de 25/9, o recurso para fixação de jurisprudência (abolido na revisão de 1996), ressuscitado pelo DL 303/2007, de 24/8, não é aplicável a acórdãos das Relações, mas apenas a acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, como claramente resulta do teor do art. 763.º do CPC. Como referem os autores citados na anotação n.º 5 ao art. 763º, “o objeto deste recurso é hoje, sempre, uma decisão do Supremo Tribunal de Justiça já transitada há menos de 30 dias. Na versão originária do Código podia ser também objeto do recurso uma decisão da relação (art. 764.º de então)”.
Pelo exposto, não admito o recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, dado o mesmo ser inadmissível no caso.
Custas pela recorrente».
4.3 A recorrente A., LDA., não se conformando com o despacho, apresentou reclamação para o Supremo Tribunal de Justiça, nos termos que se transcrevem:
1 - A Recorrente nos presentes autos foi absolvida em primeira instância de todos os pedidos formulados pela Autora nos mesmos.
2 - Inconformada, a Recorrida interpôs recurso para o Tribunal da Relação, alegando fundamentalmente que '...uma vez que a lesão apresentada era notória e do conhecimento geral, as faltas dadas pela A devidas a doença são materialmente justificadas.' (último parágrafo da penúltima página das conclusões do recurso),
3 - Tendo o Tribunal da Relação promovido a alteração da decisão proferida em primeira instância, considerando o despedimento promovido pela ora Recorrente como ilícito, por considerar que as 8 (oito) faltas injustificadas dadas pela A. não preenchem o elemento subjetivo necessário ao despedimento – artigo 351.º, n.º 1, do Código do Trabalho (de ora em diante CT).
4 - Não se conformando, a ora Recorrente interpôs recurso de uniformização de jurisprudência, nos termos conjugados do disposto nos artigos 763.º, 764.º e 768.º, todos do CPC.
5 - Contudo, em 02 de dezembro de 2011, foi notificada do despacho de não admissão de recurso, proferido pela Exma. Senhora Desembargadora Relatora C.,
6 - Assentando a respetiva fundamentação no facto de que o recurso para fixação de jurisprudência não é aplicável a acórdãos das Relações, mas apenas a acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça.
7 - Chegados aqui cumpre delimitar o objeto da presente reclamação:
8 - O acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa e do qual a Recorrente interpôs recurso de uniformização de jurisprudência para o Supremo Tribunal de Justiça, contraria de forma flagrante aquilo que tem sido a jurisprudência, quer do Supremo Tribunal de Justiça, quer dos Tribunais da Relação, onde se inclui necessariamente a Relação de Lisboa.
9 - Ora, uma interpretação restritiva do artigo 763.º do CPC, implicará de forma necessária, não só uma limitação inadmissível do direito de recurso, mas também colocará em crise, de forma irremediável, a unidade e pacificação jurídica que se impõem nas decisões dos tribunais superiores;
10 - Isto é, a interpretação do artigo 763.º do CPC, no sentido de vedar o recurso de uniformização de jurisprudência de acórdãos proferidos pelas Relações que se encontrem em contradição com outros acórdãos proferidos pelo Supremo Tribunal de Justiça, viola de forma clara a Constituição da República Portuguesa;
11 - Nomeadamente, o direito ao recurso e acesso à justiça, artigo 20º da CRP,
12 - E, bem assim, a imposição, ainda que meramente programática, de que o nosso ordenamento jurídico deve primar pela unidade e coerência jurídica.
13 – Mais, de acordo com a legislação em vigor, os tribunais têm como função específica a aplicação da lei (geral e abstrata) aos casos particulares e concretos.
14 – Contudo neste exercício, ao abrigo da liberdade que assiste ao julgador, podem surgir resultados indesejáveis, nomeadamente, atribuindo à mesma norma jurídica sentidos diferentes.
15 - É assim que o princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei passa de realidade a ilusão e mito.
16 - A máxima constitucional – a lei é igual para todos – fica reduzida a cinzas, em consequência da liberdade de interpretação jurisdicional.
17 - Tanto mais que em casos concretos, rigorosamente iguais, correspondem soluções jurídicas antagónicas ou divergentes.
18 - Sendo que ao cidadão interessa, acima de tudo, a atuação concreta da lei e não a sua função/formulação abstrata.
19 - Daí a necessidade de conciliar o princípio da liberdade de interpretação da lei com o princípio da igualdade da lei para todos os indivíduos.
20 - Reconhecendo-se a necessidade e conveniência de tomar providências tendentes a assegurar a uniformidade da jurisprudência.
21 - Razão pela qual se consagrou no CPC a figura do recurso extraordinário de fixação de jurisprudência.
22 - No entanto, ao limitar-se a possibilidade de interposição recurso extraordinário de fixação de jurisprudência aos acórdãos proferidos apenas pelo Supremo Tribunal de Justiça, estamos a restringir de tal forma este mecanismo de equilíbrio, que acabamos por esvaziá-lo.
23 - Tanto mais quando aplicamos este mecanismo à realidade dos processos laborais, cujo valor, em regra, não confere alçada à fiscalização de matérias tão sensíveis como estas são, por parte do Supremo Tribunal de Justiça.
24 - Sacrificando-se assim, de forma injustificada, o princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei, a favor do princípio da liberdade jurisdicional.
25 - Sendo que tal solução apenas pugnará por um espetáculo desconsolador: em vez de jurisprudência uniforme, teremos jurisprudência variável, flutuante e incerta.
26 - Que incentivará ainda mais a tendência individualista dos nossos magistrados, ao abrigo do excessivo amor pela liberdade de interpretação.
27 - Em suma, um mesmo cidadão poderá ser confrontado com um acórdão da Relação que contrarie a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça.
28 - Que tem como função primordial estabelecer a interpretação e aplicação da Lei.
29 - Mas não tem forma de garantir ao cidadão a igualdade de aplicação da sua interpretação junto das Relações.
30 - Situação que é facilmente ilustrada nos autos sub judice e na vasta jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça aí indicada.
31 - Chegados aqui, salvo o devido respeito por opinião contrária, o Tribunal da Relação, ao interpretar o artigo 763.º do CPC da forma como o fez, viola claramente o princípio constitucional da igualdade dos cidadãos perante a Lei – artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa.
32 - Razão pela qual, se requer a V. Exa. se digne a reconhecer que a interpretação efetuada ao artigo 763.º do CPC no despacho que não admitiu o recurso extraordinário de fixação de jurisprudência, viola, de forma irremediável, o artigo 13.º da C.R.P.
33 - Pelo que, consequentemente, deverá o recurso extraordinário de uniformização de jurisprudência ser admitido, seguindo-se os ulteriores termos legais, pois só assim se fará JUSTIÇA e garantirá a plenitude da igualdade de todos os cidadãos perante a lei.».
4.4 O Supremo Tribunal de Justiça indeferiu a reclamação deduzida (cfr. fls. 143-150), apreciando as questões de constitucionalidade colocadas. E fê-lo nos seguintes termos:
«(…) O requerente – pretextando uma pretensa afronta aos princípios Constitucionais programáticos plasmados nos arts. 13.º e 20.º da C.R.P., que convoca – entendeu que se procedeu a uma interpretação restritiva da norma contida no art. 763.º do C.P.C. e que, por isso, deve ser admitido, in casu, o pretendido recurso extraordinário de uniformização de Jurisprudência.
Não tem razão.
Com efeito:
A reforma dos recursos cíveis foi norteada – como expressamente se consigna no Preâmbulo do diploma que a concretizou, acima identificado – por três objetivos fundamentais: ‘simplificação, celeridade processual e racionalização do acesso ao Supremo Tribunal de Justiça, acentuando-se as suas funções de orientação e uniformização da Jurisprudência.
(...) É feita uma opção determinada pela racionalização do acesso ao Supremo Tribunal de Justiça, procurando dar resposta à notória tendência de crescimento de recursos cíveis entrados neste Tribunal, onde o número de recursos entrados em 2004 é superior em mais de 90 ao valor verificado em 1990’...
E, mais adiante:
‘Servem especificamente o propósito de uma maior uniformização da jurisprudência: ... a introdução de um recurso extraordinário de uniformização de jurisprudência para o pleno das secções cíveis do Supremo quando este Tribunal, em secção, proferir acórdão que esteja em contradição com outro anteriormente proferido, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito’.
Foi aditado, em conformidade, o art. 763.º, anteriormente revogado, a cujo n.º 1, que aqui importa, foi dada esta redação:
‘As partes podem interpor recurso para o pleno das secções cíveis do Supremo Tribunal de Justiça quando o Supremo proferir acórdão que esteja em contradição com outro anteriormente proferido pelo mesmo tribunal, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito’. (Sublinhado e bold agora).
Como se depreende dos anunciados propósitos constantes dos considerandos do diploma – que acima lembrámos – a norma reflete inequivocamente a ratio legis, a sua razão de ser, respeitando a operação subjacente à interpretação assumida todos os fatores hermenêuticos que lhe presidem, pressupostos no cânone constante do art. 9.º do Cód. Civil, concretamente o gramatical e o lógico, neste considerados os elementos racional/teleológico, sistemático e histórico, nos termos tradicionalmente caracterizados pela doutrina:
É fundamento da interposição do recurso extraordinário para uniformização de Jurisprudência que, além do mais, o Supremo Tribunal tenha proferido Acórdão que esteja em contradição com outro anteriormente proferido pelo mesmo Tribunal.
(No mesmo sentido, inter alia, Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, ‘Código de Processo Civil Anotado’, VoI. 3.º, Tomo I, 2.ª Edição, pg. 207. Também F. Amâncio Ferreira, ‘Manual dos Recursos em Processo Civil’, 8.ª Edição, pg. 297)
O despacho de que se reclama, acima transcrito, interpretou corretamente este dispositivo, sendo, por isso, irrepreensível.
Não operou qualquer interpretação restritiva, limitando-se a eleger, declarativamente, o sentido que o texto, direta, clara e expressamente comporta, por ser, como se dilucidou, o que corresponde ao pensamento legislativo.
A leitura/interpretação que se fez, no despacho sob protesto, da norma constante do art. 763.º do CP.C não viola, de modo algum, os princípios ínsitos nos convocados arts. 13.º e 20.º da CR.P.
O princípio Constitucional da igualdade dos cidadãos perante a Lei não proíbe ao legislador ordinário – como é consabido e reiteradamente proclamado pela Jurisprudência do T.C. – que faça distinções.
Proíbe apenas, como se escreveu no Acórdão do T.C publicado no D.R. n.º 169, II Série, de 24 de julho, as diferenciações de tratamento sem fundamento material bastante, sem uma justificação razoável, segundo critérios objetivos e relevantes.
Proíbe, sim, o arbítrio no estabelecimento da diferenciação, impondo que se trate de forma igual o que é igual e desigualmente o que é desigual.
No que mais concretamente importa reter, (...) ‘a vinculação jurídico-material do legislador a este princípio (o da proibição do arbítrio) não elimina a liberdade de conformação legislativa, pois lhe pertence, dentro dos limites constitucionais, definir e qualificar as situações de facto ou as relações da vida que hão de funcionar como elementos de referência a tratar igualou desigualmente’.
Não resulta do art. 20.º da Constituição da República Portuguesa, no âmbito da reclamada tutela jurisdicional efetiva, como também é comummente entendido, a garantia geral de um direito a diferentes graus de jurisdição, em termos absolutos.
A previsão da existência de Tribunais de recurso, inviabilizando apenas a sua eliminação pura e simples, como se concede, não impede o legislador ordinário, dentro dos seus poderes de conformação legislativa, de prever e regular as modalidades dos recursos e as condições ou requisitos de recorribilidade das decisões judiciais.
Fica, pois, afastada qualquer eventual inconstitucionalidade, nomeadamente a que resultaria da pretensa afronta das referidas disposições programáticas da CRP.»
4.5 Deste despacho do Supremo Tribunal de Justiça veio interposto o presente recurso de constitucionalidade, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, formulado nos seguintes termos (cfr. fls. 154-159):
«(…) 9. Chegados aqui, salvo o devido respeito por opinião contrária, o Supremo Tribunal de Justiça ao não conceder provimento à reclamação apresentada pela Recorrente violou de forma grosseira os princípios constitucionais consagrados no artigo 13º e 20º da CRP;
10. Porquanto ao interpretar o artigo 763º do CPC da forma como o fez, viola claramente o princípio constitucional da igualdade dos cidadãos perante a lei, artigo 13º da Constituição da República Portuguesa.
11. Razão pela qual, se requer a V. Exa. se digne a reconhecer que a interpretação efetuada ao artigo 763º do CPC no despacho que não admitiu o recurso extraordinário de fixação de jurisprudência, viola de forma irremediável o artigo 13.º da CRP,
12. Tanto mais que qualquer outra interpretação da norma, artigo 763º CPC, implica não só uma violação grosseira do princípio da igualdade do acesso dos cidadãos aos tribunais, no sentido de igualdade de oportunidade de recorrer das decisões desfavoráveis, artigo 20º da CRP;
13. E, acima de tudo irá gerar um conflito de competências entre Tribunal da Relação e Supremo Tribunal de Justiça;
14. Permitindo num caso limite que se fixem jurisprudências distintas, consoante a alçada dos processos;
15. Sendo certo que a Constituição da República Portuguesa pressupõe um sistema judicial seguro e uniforme.
16. Pelo que, consequentemente, deverá o presente recurso para o Tribunal Constitucional ser admitido nos termos do artigo 75º-A, nº 1, em virtude da atual redação do artigo 763º do CPC, ao permitir que os acórdãos do Tribunal da Relação, que contrariem a jurisprudência uniforme do Supremo Tribunal de Justiça, não sejam passíveis de recurso de uniformização de jurisprudência, viola de forma grosseira os princípios constitucionais plasmados no artigo 13º (princípio da igualdade) e artigo 20º (direito ao recurso e de acesso ao direito), ambos da CRP.
17. Pois só assim se fará JUSTIÇA e garantirá a plenitude da igualdade de todos os cidadãos perante a lei.»
4.6. Notificada para apresentar alegações, faculdade exercida pela recorrente, foram desenvolvidos os fundamentos do seu pedido de julgamento de inconstitucionalidade da interpretação normativa do preceito invocado, ali se concluindo (cfr. Alegações, Conclusões, fls. 202-207):
«CONCLUSÕES:
1º
O artigo 763º do CPC, ao limitar o direito de uniformização de jurisprudência de acórdãos proferidos pelos tribunais das Relações, que contrariem a jurisprudência uniforme do Supremo Tribunal de Justiça, viola de forma grosseira os princípios constitucionais plasmados no artigo 13º (princípio da igualdade) e artigo 20º (direito ao recurso e de acesso ao direito), ambos da CRP.
2º
Ora, uma interpretação restritiva do artigo 763º do CPC, implicará de forma necessária, não só uma limitação inadmissível do direito de recurso, mas também colocará em crise, de forma irremediável, a unidade e pacificação jurídica que se impõem nas decisões dos tribunais superiores;
3º
Ou seja, a interpretação do artigo 763º do CPC, no sentido de vedar o recurso de uniformização de jurisprudência de acórdãos proferidos pelas Relações que se encontrem em contradição com outros acórdãos proferidos pelo Supremo Tribunal de Justiça, viola de forma clara a Constituição da República Portuguesa;
4º
Nomeadamente, o direito ao recurso e acesso à justiça, artigo 20º da CRP,
5º
E, bem assim, a imposição, ainda que meramente programática, de que o nosso ordenamento jurídico deve primar pela unidade e coerência jurídica.
6º
Mais, de acordo com a legislação em vigor, os tribunais têm como função específica a aplicação da lei (geral e abstrata) aos casos particulares e concretos.
7º
Contudo neste exercício, ao abrigo da liberdade que assiste ao julgador, podem surgir resultados indesejáveis, nomeadamente, atribuindo à mesma norma jurídica sentidos diferentes;
8º
É assim que o princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei, passa de realidade a ilusão e mito.
9º
A máxima constitucional – a lei é igual para todos – fica reduzida a cinzas, em consequência da liberdade de interpretação jurisdicional,
10º
Tanto mais que em casos concretos rigorosamente iguais correspondem soluções jurídicas antagónicas ou divergentes,
11º
Sendo que ao cidadão interessa acima de tudo a atuação concreta da lei e não a sua função/formulação abstrata.
12º
Daí a necessidade de conciliar o princípio da liberdade de interpretação da lei com o princípio da igualdade da lei para todos os indivíduos,
13º
Reconhecendo-se a necessidade e conveniência de tomar providências tendentes a assegurar a uniformidade da jurisprudência;
14º
Razão pela qual se consagrou no CPC a figura do recurso extraordinário de fixação de jurisprudência
15º
No entanto, ao limitar-se a possibilidade de interposição recurso extraordinário de fixação de jurisprudência aos acórdãos proferidos apenas pelo Supremo Tribunal de Justiça, estamos a restringir de tal forma este mecanismo de equilíbrio que acabamos por esvaziá-lo,
16º
Tanto mais quando aplicamos este mecanismo à realidade dos processos laborais, cujo valor em regra não confere alçada à fiscalização de matérias tão sensíveis como estas são, por parte do Supremo Tribunal de Justiça,
17º
Sacrificando-se assim, de forma injustificada o princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei, a favor do princípio da liberdade jurisdicional,
18º
Sendo que tal solução apenas pugnará por um espetáculo desconsolador, em vez de jurisprudência uniforme, teremos jurisprudência variável, flutuante e incerta,
19º
Que incentivará ainda mais a tendência individualista dos nossos magistrados, ao abrigo do excessivo amor pela liberdade de interpretação.
20º
Em suma, um mesmo cidadão poderá ser confrontado com um acórdão da Relação que contrarie a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça,
21º
Que tem como função primordial estabelecer a interpretação e aplicação da lei,
22º
Mas não tem forma de garantir, ao cidadão, a igualdade de aplicação da sua interpretação junto das Relações,
23º
Situação que é facilmente ilustrada nos autos sub judice e na vasta jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça aí indicada;
24º
Pelo que, deverá o mérito do presente recurso ser conhecido pelo Tribunal Constitucional nos termos e para os efeitos do artigo 75º-A, nº 1, em virtude da atual redação do artigo 763.º do CPC, violar de forma grosseira os princípios constitucionais plasmados no artigo 13.º (princípio da igualdade) e artigo 20.º (direito ao recurso e de acesso ao direito), ambos da CRP.
25º
E, consequentemente, ser declarado inconstitucional o artigo 763.º do CPC quando interpretado no sentido de vedar a possibilidade de interposição do recurso extraordinário de uniformização de jurisprudência de acórdãos proferidos pelo Tribunal da Relação, no âmbito de processos com alçada inferior ao Supremo Tribunal de Justiça e que contrariem a jurisprudência dominante deste mesmo Tribunal.
26º
Pois só assim se fará JUSTIÇA e garantirá a plenitude da igualdade de todos os cidadãos perante a lei.»
Cumpre apreciar e decidir.
II - FUNDAMENTAÇÃO
5. O presente recurso de constitucionalidade baseia-se na seguinte asserção: «a atual redação do artigo 763º do CPC, ao permitir que os acórdãos do Tribunal da Relação, que contrariem a jurisprudência uniforme do Supremo Tribunal de Justiça, não sejam passíveis de recurso de uniformização de jurisprudência, viola de forma grosseira os princípios constitucionais plasmados no artigo 13º (princípio da igualdade) e artigo 20º (direito ao recurso e de acesso ao direito), ambos da CRP» (cfr. fls. 159).
5.1. Estabelece o artigo 763.º do Código do Processo Civil, com a redação conferida pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de agosto, o seguinte:
“Artigo 763.º
(Fundamento do recurso)
1. As partes podem interpor recurso para o pleno das secções cíveis do Supremo Tribunal de Justiça quando o Supremo proferir acórdão que esteja em contradição com outro anteriormente proferido pelo mesmo tribunal, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito.
2. Como fundamento do recurso só pode invocar-se acórdão anterior com trânsito em julgado, presumindo-se o trânsito.
3. O recurso não é admitido se a orientação perfilhada no acórdão recorrido estiver de acordo com jurisprudência uniformizada do Supremo Tribunal de Justiça.”
5.2. No presente recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade está fundamentalmente em causa a norma contida no n.º 1 do artigo 763.º do CPC, que delimita objetivamente o recurso para uniformização de jurisprudência à contradição entre acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, já que o fundamento do recurso é a não inclusão das situações de oposição de julgados ocorridas na jurisprudência dos Tribunais da Relação por confronto com a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça. Já as normas constantes dos números 2 e 3 do preceito legal transcrito, regulando requisitos de admissibilidade do recurso em causa, não relevam autonomamente para o controlo de constitucionalidade requerido.
Por outro lado, dificilmente se pode qualificar, como pretende a recorrente, a interpretação conferida à norma contida no n.º 1 do artigo 763.º, do CPC, como uma interpretação restritiva, pois não se vislumbra em que termos o intérprete aplicador operou uma restrição à letra da lei na decisão tomada quanto à pretensão de recurso ao meio jurisdicional ali regulado mediante a invocação de jurisprudência não proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça.
6. Tratando-se de uma norma introduzida na reforma ao Código de Processo Civil operada pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de agosto, vale a pena, como já feito no Acórdão n.º 383/2009, dar conta da recente evolução do regime processual civil relativamente aos meios destinados a assegurar a uniformidade de jurisprudência:
«Tradicionalmente, o meio processual último para assegurar a uniformidade de jurisprudência era, entre nós, constituído pelo denominado recurso para o Pleno, regulado nos artigos 763.º e segs., do Código de Processo Civil, que culminava na emissão de um assento pelo Supremo Tribunal de Justiça, assento esse que o artigo 2.º do Código Civil enunciava entre as fontes de direito, dotando a respetiva doutrina de força obrigatória geral (Cfr. sobre a evolução histórica, doutrinária e dogmática do instituto, acórdão n.º 810/93, publicado em no Diário da República, II Série, de 2 de março de 1994).
Na sequência da jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre o instituto dos assentos, mais proximamente da declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral do artigo 2.º do Código Civil, na parte em que conferia aos tribunais a possibilidade de fixar doutrina com força obrigatória geral, operada pelo acórdão n.º 743/96, publicado no Diário da República, I Série-A, de 18 de julho de 1996), o legislador da reforma do processo civil de 1995-96 (Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de dezembro, alterado pelo Decreto Lei n.º 180/96, de 25 de setembro) optou, não só por revogar totalmente o artigo 2.º do Código Civil (artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 329-A/95), como por eliminar o recurso para o tribunal pleno, revogando os artigos 763.º a 770.º do CPC. A função específica de uniformização de jurisprudência, cometida ao Supremo Tribunal de Justiça, passou a efetuar-se mediante um mecanismo que é o “julgamento ampliado da revista” (aliás, também do agravo interposto em 2.ª instância, mas essa é hipótese que não vem ao caso considerar), instituído pelo artigo 732.º-A do Código e inspirado no “julgamento em secções reunidas” previsto no também revogado n.º 3 do artigo 728.º do CPC.
Na redação vigente até 31 de dezembro de 2007, (…), dispunha o artigo 732.º-A do CPC o seguinte:
“Artigo 732.º-A
(Uniformização de Jurisprudência)
1. O Presidente do Supremo Tribunal de Justiça determina, até à prolação do acórdão, que o julgamento do recurso se faça com intervenção do plenário das secções cíveis, quando tal se revele necessário ou conveniente para assegurar a uniformidade da jurisprudência.
2. O julgamento alargado, previsto no número anterior, pode ser requerido por qualquer das partes ou pelo Ministério Público e deve ser sugerido pelo relator, por qualquer dos adjuntos, ou pelos presidentes das secções cíveis, designadamente quando verifiquem a possibilidade de vencimento de solução jurídica que esteja em oposição com jurisprudência anteriormente firmada, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito.”
Na recente reforma operada pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de agosto, do regime dos recursos em processo civil, embora mantendo-se a “revista ampliada”, foi reintroduzido, no Código de Processo Civil, um recurso por oposição de acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, à semelhança do que já se concretizara no processo penal (artigo 437.º, n.º 1, do CPP) e no contencioso administrativo (artigo 152.º, n.º 1, do CPTA), nos termos do artigo 763.º do Código que passou a dispor:
“Artigo 763.º
(Fundamento do recurso)
1. As partes podem interpor recurso para o pleno das secções cíveis do Supremo Tribunal de Justiça quando o Supremo proferir acórdão que esteja em contradição com outro anteriormente proferido pelo mesmo tribunal, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito.
2. Como fundamento do recurso só pode invocar-se acórdão anterior com trânsito em julgado, presumindo-se o trânsito.
3. O recurso não é admitido se a orientação perfilhada no acórdão recorrido estiver de acordo com jurisprudência uniformizada do Supremo Tribunal de Justiça.”
No preâmbulo do diploma, o legislador justifica a solução nos seguintes termos:
“Servem especificamente o propósito de uma maior uniformização da jurisprudência: i) a obrigação que passa a impender sobre o relator e os adjuntos de suscitar o julgamento ampliado da revista sempre que verifiquem a possibilidade de vencimento de uma solução jurídica que contrarie jurisprudência uniformizada do Supremo Tribunal de Justiça e, ii) a introdução de um recurso extraordinário de uniformização de jurisprudência para o pleno das secções cíveis do Supremo quando este tribunal, em secção, proferir acórdão que esteja em contradição com outro anteriormente proferido, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito.”
Este recurso para uniformização de jurisprudência, que tem por objeto imediato um acórdão do próprio Supremo, é agora expressamente qualificado pela lei como tendo natureza de recurso extraordinário (artigo 677.º, n.º 2), sendo interposto no prazo de 30 dias após o trânsito em julgado do acórdão recorrido (artigo 764.º).
6. Embora igualmente ordenados a assegurar a uniformidade da jurisprudência – diretamente, da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça e, indiretamente, da jurisprudência dos tribunais da respetiva ordem jurisdicional, mediante o efeito de precedente persuasivo qualificado e através do alargamento da recorribilidade das decisões proferidas contra jurisprudência uniformizada (…) o julgamento ampliado da revista e o recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência são instrumentos processuais diferentes.
Basicamente, a “revista ampliada”, ou melhor o “julgamento ampliado da revista” é uma forma de composição da formação de julgamento do recurso que se traduz num modo mais solene ou mais participado de apreciação de determinado recurso ordinário. O Presidente do Supremo determina que o julgamento da revista se faça com intervenção do pleno das secções cíveis (…). Embora com especialidades de julgamento e tramitação, é um recurso de revista que tem por objeto imediato um acórdão da Relação ou uma sentença de que se tenha interposto recurso per saltum (artigo 725.º do CPC), como é próprio desta espécie de recurso.
Diversamente, o recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência constitui uma nova instância de recurso que tem por objeto imediato, já não uma decisão das instâncias, mas um acórdão proferido pelo próprio Supremo Tribunal, que assim é submetido a revisão perante uma formação mais alargada do mesmo tribunal.»
7. A nossa atenção recai então sobre este recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência, previsto no artigo 763.º do CPC, sendo posta em crise a solução normativa que limita o seu objeto imediato a acórdão do próprio Supremo Tribunal de Justiça (constante do n.º 1 do preceito citado), por alegadamente operar uma restrição deste meio processual civil para uniformização de jurisprudência em termos que contendem com os princípios e direitos consagrados nos artigos 13.º (princípio da igualdade) e 20.º (direito de acesso aos tribunais para defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos), ambos da Constituição.
7.1. Comecemos por este último – o direito fundamental de acesso aos tribunais para defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos e obtenção de uma sua tutela jurisdicional plena e efetiva. Tendo por referência o artigo 20.º da Constituição, e socorrendo-nos da abundante jurisprudência constitucional sobre o mesmo, tem sido assim entendido o respetivo âmbito de proteção normativa:
«o artigo 20.º da CRP garante a todos o direito de acesso aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, impondo igualmente que esse direito se efetive – na conformação normativa pelo legislador e na concreta condução do processo pelo juiz - através de um processo equitativo (n.º 4).
Como o Tribunal Constitucional tem repetidamente sublinhado, o direito de acesso aos tribunais é, entre o mais, o direito a uma solução jurídica dos conflitos a que se deve chegar em prazo razoável e com observância das garantias de imparcialidade e independência, mediante o correto funcionamento das regras do contraditório (acórdão n.º 86/88, publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 11º, pág. 741). Como concretização prática do princípio do processo equitativo e corolário do princípio da igualdade, o direito ao contraditório, por seu lado, traduz-se essencialmente na possibilidade concedida a cada uma das partes de “deduzir as suas razões (de facto e de direito)”, de “oferecer as suas provas”, de “controlar as provas do adversário” e de “discretear sobre o valor e resultados de umas e outras” (entre muitos outros, o acórdão n.º 1193/96).
Quer isto dizer, fundamentalmente, que no âmbito de proteção normativa do artigo 20.º da CRP se integrarão, além de um geral direito de ação, ainda o direito a prazos razoáveis de ação e de recurso e o direito a um processo justo, no qual se incluirá, naturalmente, o direito da cada um a não ser privado da possibilidade de defesa perante os órgãos judiciais na discussão de questões que lhe digam respeito. Integrando, assim, a “proibição da indefesa” o núcleo essencial do “processo devido em Direito”, constitucionalmente imposto, qualquer regime processual que o legislador ordinário venha a conformar – seja ele de natureza civil ou penal – estará desde logo vinculado a não obstaculizar, de forma desrazoável, o exercício do direito de cada um a ser ouvido em juízo.
Importa reter, no entanto, que o legislador dispõe de uma ampla margem de liberdade na concreta modelação do processo, cabendo-lhe designadamente ponderar os diversos direitos e interesses constitucionalmente relevantes, incluindo o próprio interesse de ambas as partes; em qualquer caso, à luz do princípio do processo equitativo, os regimes adjetivos devem revelar-se funcionalmente adequados aos fins do processo e conformar-se com o princípio da proporcionalidade, não estando o legislador autorizado a criar obstáculos que dificultem ou prejudiquem, arbitrariamente ou de forma desproporcionada, o direito de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efetiva (LOPES DO REGO, Os princípios constitucionais da proibição da indefesa, da proporcionalidade dos ónus e cominações e o regime da citação em processo civil, in «Estudos em homenagem ao Conselheiro José Manuel Cardoso da Costa», Coimbra, 2003, pág. 839, e ainda os acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 122/02 e 403/02).
Assim, entre os valores da “proibição da indefesa” e do contraditório e os princípios da celeridade processual, da segurança e da paz jurídica existe à partida, e como se afirmou no acórdão n.º 508/2002, uma relação de equivalência constitucional: todos estes valores detêm igual relevância e todos eles são constitucionalmente protegidos. Ora, quando vinculado por vários valores constitucionais, díspares entre si pelo conteúdo mas iguais entre si pela relevância, deve o legislador optar por soluções de concordância prática, de tal modo que das suas escolhas não resulte o sacrifício unilateral de nenhum dos valores em conflito, em benefício exclusivo de outro ou de outros (em idêntico sentido, mais recentemente, o acórdão n.º 20/2010).» (Cfr. Acórdão 350/2012).
Isto, sublinhando-se, a montante, que os direitos em presença não assumem um caráter absoluto:
«O direito de acesso aos tribunais para defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos e obtenção de uma sua tutela jurisdicional, plena e efetiva, constitui um direito ou garantia fundamental que se encontra consagrada no art.º 20.º da Constituição. Mas daí não decorre que seja um direito absoluto, de uso incondicionado. Desde logo, ele consente as restrições que caibam nos parâmetros estabelecidos nos n.ºs 2 e 3 do art.º 18.º da CRP. Por outro lado, decorre da própria previsão constitucional que a tutela jurisdicional dos direitos e interesses legalmente protegidos seja efetuada “mediante um processo equitativo” e cujos procedimentos possibilitem uma decisão em prazo razoável e sejam “caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efetiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos” que esse direito, além do mais, está sujeito a regras ou condicionamentos procedimentais e a prazos razoáveis de ação ou de recurso.
Ponto é que esses condicionamentos, pressupostos e prazos não se revelem desnecessários, desadequados, irrazoáveis ou arbitrários, e que não diminuam a extensão e o alcance do conteúdo desse direito fundamental de acesso aos tribunais” (Acórdão n.º 178/2007).
7.2. Nos termos do artigo 763.º, n.º 1, do Código do Processo Civil, o legislador consagrou o recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência (em processo civil) apenas em caso de oposição de julgados do Supremo Tribunal de Justiça, não incluindo neste meio processual a oposição de julgados de tribunais de instância inferior, no caso, dos Tribunais da Relação, por contradição com a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça.
Na linha do que já tem sido afirmado por este Tribunal, o direito ao recurso em processo civil e, em concreto, o direito ao recurso para uniformização de jurisprudência não encontram expressa previsão no artigo 20.º da CRP, no sentido de se poderem considerar uma imposição constitucional ao legislador em matéria processual. Tem sido, ao invés, nesta sede, reconhecido dispor o legislador infraconstitucional de uma ampla margem de conformação na escolha e configuração dos meios processuais (civis) adequados à garantia do direito de acesso ao direito e aos tribunais pelos cidadãos. Como se ponderou no Acórdão nº 415/2001, reiterando anterior jurisprudência deste Tribunal (designadamente a constante do Acórdão nº 202/99, aprovado em plenário):
«O artigo 20º, nº 1, da Constituição assegura a todos ‘o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos’. Tal direito consiste no direito a ver solucionados os conflitos, segundo a lei aplicável, por um órgão que ofereça garantias de imparcialidade e independência, e face ao qual as partes se encontrem em condições de plena igualdade no que diz respeito à defesa dos respetivos pontos de vista (designadamente sem que a insuficiência de meios económicos possa prejudicar tal possibilidade). Ao fim e ao cabo, este direito é ele próprio uma garantia geral de todos os restantes direitos e interesses legalmente protegidos. Mas terá de ser assegurado em mais de um grau de jurisdição, incluindo-se nele também a garantia de recurso? Ou bastará um grau de jurisdição?
A Constituição não contém preceito expresso que consagre o direito ao recurso para um outro tribunal, nem em processo administrativo, nem em processo civil; e, em processo penal, só após a última revisão constitucional (constante da Lei Constitucional nº 1/97, de 20 de setembro), passou a incluir, no artigo 32º, a menção expressa ao recurso, incluído nas garantias de defesa, assim consagrando, aliás, a jurisprudência constitucional anterior a esta revisão, e segundo a qual a Constituição consagra o duplo grau de jurisdição em matéria penal, na medida (mas só na medida) em que o direito ao recurso integra esse núcleo essencial das garantias de defesa previstas naquele artigo 32º. Para além disso, algumas vozes têm considerado como constitucionalmente incluído no princípio do Estado de direito democrático o direito ao recurso de decisões que afetem direitos, liberdades e garantias constitucionalmente garantidos, mesmo fora do âmbito no Acórdão nº 202/90, id., vol. 16, pág. 505).
Em relação aos restantes casos, todavia, o legislador apenas não poderá suprimir ou inviabilizar globalmente a faculdade de recorrer”. Na verdade, este Tribunal tem entendido, e continua a entender, com A. Ribeiro Mendes (Direito Processual Civil, III - Recursos, AAFDL, Lisboa, 1982, p. 126), que, impondo a Constituição uma hierarquia dos tribunais judiciais (com o Supremo Tribunal de Justiça no topo, sem prejuízo da competência própria do Tribunal Constitucional - artigo 210º), terá de admitir-se que ‘o legislador ordinário não poderá suprimir em bloco os tribunais de recurso e os próprios recursos’ (cfr., a este propósito, Acórdãos nº 31/87, Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 9, pág. 463, e nº 340/90, id., vol. 17, pág. 349).
Como a Lei Fundamental prevê expressamente os tribunais de recurso, pode concluir-se que o legislador está impedido de eliminar pura e simplesmente a faculdade de recorrer em todo e qualquer caso, ou de a inviabilizar na prática. Já não está, porém, impedido de regular, com larga margem de liberdade, a existência dos recursos e a recorribilidade das decisões (cfr. os citados Acórdãos nº 31/87, 65/88, e ainda 178/88 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 12, pág. 569); sobre o direito à tutela jurisdicional, ainda Acórdãos nº 359/86, (Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 8, pág. 605), nº 24/88, (Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 11, pág. 525), e nº 450/89, (Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 13, pág. 1307).
(...)»
Especificamente quanto ao recurso para uniformização de jurisprudência, na versão do Código do Processo Civil anterior à vigência das alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de agosto, já no Acórdão nº 574/98 se afirmou que «desde logo, importa referir que não existe na Lei Fundamental um preceito ou princípio que imponha, dentro do processo civil, a existência de um recurso para uniformização de jurisprudência. Com efeito, a Constituição não se refere «qua tale» sequer à garantia do duplo grau de jurisdição ou à previsão da existência de recursos em processo civil. Mas, garantindo a todos o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legítimos e reconhecendo a Constituição a existência de tribunais de recurso, entre as várias categorias de tribunais, não pode deixar aceitar, mesmo que implicitamente, a existência de um sistema de recursos judiciais.
No Acórdão nº 359/86 (in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 8º V., pág. 605) o Tribunal Constitucional decidiu que a Constituição não garantia um triplo grau de jurisdição, ou seja, o direito geral de recurso ao STJ, doutrina que foi repetida, nos Acórdãos nºs 202/90 e 330/90 (in Diário da República, IIª Série, respetivamente, de 21 de janeiro de 1991 e de 15 de novembro de 1991).
Pode, assim, concluir-se que o legislador ordinário, em matéria de recursos de natureza não penal, goza de ampla liberdade de conformação, podendo criar ou suprimir certos recursos judiciais desde que não proceda à abolição do sistema de recursos in totum».
E, mais recentemente, defendeu-se no Acórdão n.º 383/2009 que «a garantia de tutela jurisdicional efetiva (n.º 1 do artigo 20.º da Constituição) não implica a garantia genérica de recurso das decisões em matéria cível e, menos ainda, compreende o direito fundamental a um grau de jurisdição que envolva a intervenção de uma formação qualificada do Supremo Tribunal de Justiça para prevenir ou resolver conflitos de jurisprudência».
Decorre assim da jurisprudência constitucional citada que a consagração, pelo legislador ordinário, de um recurso para uniformização de jurisprudência (em matéria cível) não corresponde a um imperativo constitucional que se faça derivar do artigo 20.º da Lei Fundamental.
Se a garantia de uma tutela jurisdicional efetiva não obriga o legislador a prever um mecanismo processual dirigido à uniformização da jurisprudência civil, assinalando-se, ao invés, a ampla margem de conformação do legislador, tal não significa, porém, que a concreta modelação do recurso possa ser feita de modo irrazoável, arbitrário ou desproporcionado. Já assim na seguinte passagem do Acórdão n.º 383/2009:
«A circunstância de a Constituição não impor um determinado modelo processual, designadamente um meio ou uma configuração do recurso perante o Supremo Tribunal de Justiça que seja especificamente destinado a prevenir ou resolver conflitos de jurisprudência, não significa que o legislador seja inteiramente livre na conformação dos meios que crie com essa finalidade. Mesmo onde não concretize imposições constitucionais de legislar, tendo optado por estabelecer um certo procedimento - na hipótese sob exame um procedimento finalisticamente orientado para prevenir divergências na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, mediante a imposição de deveres (aos juízes da formação em que o conflito se preveja), a concessão de faculdades (às partes) e a atribuição de poderes (ao Presidente) para fazer intervir uma formação alargada de julgamento – o legislador não pode fixar pressupostos processuais desnecessários, não adequados ou desproporcionados. Essa exigência de racionalidade na conformação dos meios processuais, ainda que constitucionalmente facultativos, encontra suporte constitucional no direito a um processo equitativo (artigo 20.º, n.º 4, da CRP).»
Ora o artigo 763.º do Código do Processo Civil, reintroduzido pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de agosto, veio estabelecer uma nova instância de recurso que tem por objeto uma decisão do próprio Supremo Tribunal de Justiça, de modo a habilitar a revisão das suas decisões – com fundamento na oposição de julgados de acórdãos provindos das suas secções – a decidir segundo uma forma mais solene e participada, pelo pleno das secções cíveis daquele Tribunal, com vista a assegurar a uniformização de jurisprudência.
A consagração desta instância excecional de recurso servirá a realização dos valores comummente associados à uniformização jurisprudencial, designadamente os princípios da igualdade e da segurança jurídica, no quadro de escolhas – cometidas ao legislador democrático – determinadas pela necessidade de organização dos meios de recurso e dos respetivos requisitos de acesso, sendo que, como se lê no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 303/2007, «a presente reforma dos recursos cíveis é norteada por três objetivos fundamentais: simplificação, celeridade e racionalização do acesso ao Supremo Tribunal, acentuando-se as suas funções de orientação e uniformização da jurisprudência».
Pode equacionar-se se da concreta modelação do recurso previsto no artigo 763.º do Código do Processo Civil, ao limitar o seu objecto à contradição horizontal de julgados provindos das secções do Supremo Tribunal de Justiça, não decorre uma restrição ao direito de acesso aos tribunais (e ao recurso) que se possa revelar desrazoável ou desproporcionada.
A resposta a tal questão não pode deixar de ter em conta quer a prossecução dos objectivos acima enunciados pelo próprio legislador, quer sobretudo o facto de o recurso em causa assim modelado coexistir com outros instrumentos processuais destinados à apreciação de contradição de acórdãos da Relação com outros, proferidos por qualquer Relação ou pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, tal como expressamente decorre do artigo 721.º- A do Código do Processo Civil, preceito também aditado pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de agosto. Com efeito, previu o legislador em 2007 que, mesmo em face da regra de não admissão de revista de acórdãos da Relação em que tenha ocorrido a «dupla conforme» com a decisão da 1ª instância (artigo 721.º, n.º 3, CPC), possa haver lugar – excepcionalmente – à revista desses acórdãos, entre outros casos, quando verificada uma contradição de julgados horizontal (com acórdãos das Relações) ou vertical (com acórdãos do supremo Tribunal de Justiça), como decorre do artigo 721.º - A, n.º 1, alínea c), do Código do Processo Civil.
Na coerência do sistema de recursos em matéria cível – mesmo no confronto com as opções tomadas pelo legislador processual noutros domínios, de que relevam o administrativo e o penal (cfr. artigo 152.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e artigo 437.º, n.º 2, do Código de Processo Penal) –, aquela possibilidade mostra-se determinante para afastar um juízo de censura ao legislador.
Assim, pelo exposto, não se afigura que o legislador tenha estabelecido pressupostos de acesso ao meio processual contemplado no artigo 763.º do Código do Processo Civil que se possam considerar desnecessários, desadequados, irrazoáveis ou arbitrários ou que operou uma diminuição da extensão e do alcance do direito fundamental de acesso aos tribunais, in casu em matéria cível, à luz da Constituição portuguesa.
7.3 No presente recurso de constitucionalidade é ainda invocada a violação do princípio da igualdade, contemplado no artigo 13.º da CRP.
Isto, na medida em que, segundo a recorrente, «ao limitar-se a possibilidade de interposição de recurso extraordinário de fixação de jurisprudência aos acórdãos proferidos apenas pelo Supremo Tribunal de Justiça, estamos a restringir de tal forma este mecanismo de equilíbrio que acabamos por esvaziá-lo (…) Tanto mais quando aplicamos este mecanismo à realidade dos processos laborais, cujo valor em regra não confere alçada à fiscalização de matérias tão sensíveis como estas são, por parte do Supremo Tribunal de Justiça, (…) Sacrificando-se assim, de forma injustificada o princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei, a favor do princípio da liberdade jurisdicional, (…) Sendo que tal solução apenas pugnará por um espetáculo desconsolador, em vez de jurisprudência uniforme, teremos jurisprudência variável, flutuante e incerta, (…) que incentivará ainda mais a tendência individualista dos nossos magistrados, ao abrigo do excessivo amor pela liberdade de interpretação» (cfr. Alegações, Conclusões 15.º a 19.º, fls 202-207).
Também, a este respeito, não se vislumbra a violação do invocado princípio da igualdade (dos cidadãos perante a lei), previsto no artigo 13.º, n.º 1 da Constituição e elemento estruturante do princípio do Estado de Direito (artigo 2.º, CRP).
Desde logo, dificilmente se pode acompanhar a alegação de ocorrer, designadamente e em especial no domínio dos processos laborais quando o valor da alçada da causa não permitir a interposição de recurso junto do Supremo Tribunal de Justiça, uma ofensa ao princípio da igualdade, não se reconhecendo um direito ilimitado de recurso em processos cíveis (a Constituição não garante genericamente, em processo cível, «o direito a um segundo grau de jurisdição e, muito menos, a um terceiro grau», como se lê no Acórdão n.º 287/90), nem sendo esta a sede, tendo em conta a delimitação do objecto do recurso de constitucionalidade formulada pela recorrente, para sindicar os requisitos genéricos de acesso ao Supremo Tribunal de Justiça.
Depois, a igualdade dos cidadãos perante a lei não é posta em causa pela possibilidade de divergência de julgados não suscetíveis de revisão para uniformização de jurisprudência. Acompanhamos os termos em que a questão foi já equacionada neste Tribunal em face da alegada desconformidade com o princípio da igualdade (pese embora a falta de acesso ao recurso de uniformização de jurisprudência fosse determinada pela aplicação das disposições transitórias do Decreto-Lei n.º 303/2007):
«É exato que ao Supremo Tribunal de Justiça, como órgão superior da hierarquia dos tribunais judiciais, sem prejuízo da competência própria do Tribunal Constitucional (art.º 210.º da CRP) compete, além da comum função de julgamento do caso individual que compartilha com todos os tribunais, a função específica dos supremos tribunais que consiste em procurar assegurar a unidade da ordem jurídica mediante a interpretação e aplicação uniformes do direito pelos tribunais. Princípio da uniformidade da jurisprudência que se entende sem prejuízo da independência decisória e da liberdade judicativa das instâncias jurisdicionais e da abertura a novas necessidades e a novos problemas da prática jurídica que exijam a assimilação de novos critérios jurídicos. Mas que merece tutela sob pena de os valores da segurança jurídica e da igualdade sofrerem intolerável erosão no momento da aplicação da lei pelos tribunais. O Supremo é chamado a desempenhar, dizendo-o como CASTANHEIRA NEVES, O Instituto dos “Assentos” e a Função Jurídica dos Supremos Tribunais, p. 658, a tarefa de “conjugar a estabilidade com a continuidade na unidade e como unidade (prático-normativa), embora uma estabilidade que, como sabemos, não é nem deverá ser fixidez e uma continuidade que não é nem deverá ser imutabilidade”. Para essa função específica do Supremo Tribunal de Justiça contribuem, no modo organizativo, a unicidade orgânica e a qualificação funcional dos seus Juízes (inerente aos critérios de recrutamento e seleção) e, no plano processual, instrumentos como os referidos julgamento ampliado da revista e recurso por oposição de julgados.
Porém, a mais do que aquilo que resulta da consagração constitucional da hierarquia dos tribunais, trata-se de finalidade prosseguida pelo direito de organização judiciária e processual infraconstitucional. E, ainda que se considere possível retirar da Constituição, designadamente dos princípios da segurança jurídica e da igualdade, a imposição ao legislador de um dever de consagrar medidas organizatórias e instrumentos processuais especificamente ordenados à prossecução do interesse da uniformização da jurisprudência, tratar-se-á sempre de uma exigência de proteção institucional objetiva da unidade da ordem jurídica, não de um direito subjetivo ou situação ativa equiparada dos cidadãos (de cada cidadão litigante) a deduzir uma pretensão dirigida à manutenção (ou pelo menos à uniformização) da jurisprudência. Como no Acórdão nº 574/98 (Acórdãos, 41º, 149, 162) se afirmou “ não existe na Lei Fundamental um preceito ou princípio que imponha, dentro do processo civil, a existência de um recurso para uniformização de jurisprudência”, pelo que não pode considerar-se violados os preceitos constitucionais que a recorrente invoca por lhe não ser aberta tal via processual.»
Não há razões que possam infletir o entendimento já perfilhado. Com efeito, se o princípio da igualdade (e também da certeza e segurança jurídicas) subjaz ao instituto da uniformização de jurisprudência, enquanto valor que especialmente informa este tipo de recursos dirigidos à revisão de decisões divergentes no mesmo quadro legal e quanto à mesma questão de direito, o valor da uniformidade do direito aplicado não é um valor absoluto de que decorra sempre e necessariamente a eliminação da inelutável diferença que possa resultar da jurisprudência produzida pelos vários tribunais e a sua própria evolução, cabendo, em qualquer caso, aos tribunais a liberdade - e a consequente responsabilidade - de realizar a justiça em cada caso concreto em aplicação da lei (artigo 203.º, CRP). Depois, aquele valor traz em si essencialmente uma preocupação sistémica - de harmonização e coerência do próprio sistema judicial - elemento que avulta em face da invocação de um direito subjetivo das partes à revisão das decisões judiciais no âmbito de um recurso extraordinário de uniformização de jurisprudência.
7.4 Assim, em conclusão, não merece a opção normativa sindicada um juízo de censura à luz da Constituição portuguesa.
III – DECISÃO
8. Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide:
a) Não julgar inconstitucionais as normas do artigo 763.º do Código do Processo Civil, na redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de agosto; e, em consequência,
b) Não conceder provimento ao recurso.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 25 (vinte e cinco) UCs, nos termos do n.º 1 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de outubro, ponderados os critérios previstos no artigo 9.º, n.º 1, do mesmo diploma.
Lisboa, 8 de outubro de 2013. – Maria José Rangel de Mesquita – Lino Rodrigues Ribeiro – Catarina Sarmento e Castro – Maria Lúcia Amaral.