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Processo n.º 88/13
Plenário
Relator: Conselheiro João Cura Mariano
Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional
Relatório
O representante do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional requereu, nos termos do artigo 82.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), a apreciação e a declaração, com força obrigatória geral, da inconstitucionalidade da norma constante do n.º 4, do artigo 28.º, da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho, na interpretação segunda a qual «o juiz pode conceder provimento à impugnação apresentada pela parte contrária, nos termos do n.º 5 do artigo 26.º, do mesmo diploma, sem que ao beneficiário do apoio judiciário seja dado conhecimento da impugnação e sem que lhe seja dada possibilidade de a contraditar».
Invoca o Requerente que esta dimensão normativa foi julgada inconstitucional pelos Acórdãos n.ºs 658/2011 e 105/2012 e, posteriormente, reafirmada pelas Decisões Sumárias n.ºs 585/2012 e 591/2012, já transitadas em julgado.
Notificada nos termos e para os efeitos dos artigos 54.º e 55.º, n.º 3, aplicáveis por força do artigo 82.º, todos da LTC, a Presidente da Assembleia da República limitou-se a oferecer o merecimento dos autos.
Debatido o memorando apresentado pelo Presidente do Tribunal, nos termos do artigo 63.º da LTC, e fixada a orientação do Tribunal, procedeu-se à distribuição do processo, cumprindo agora formular a decisão.
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Fundamentação
Não se suscitam dúvidas quanto ao preenchimento dos requisitos previstos nos artigos 281.º, n.º 3, da Constituição, e 82.º da LTC, tendo o Tribunal Constitucional julgado inconstitucional nas quatro decisões identificadas pelo requerente - Acórdãos n.ºs 658/2011 e 105/2012 e as Decisões Sumárias n.ºs 585/2012 e 591/2012 - a norma constante do n.º 4, do artigo 28.º, da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho, na interpretação segunda a qual «o juiz pode conceder provimento à impugnação apresentada pela parte contrária, nos termos do n.º 5 do artigo 26.º, do mesmo diploma, sem que ao beneficiário do apoio judiciário seja dado conhecimento da impugnação e sem que lhe seja dada possibilidade de a contraditar».
No essencial, é a seguinte a fundamentação do Acórdão n.º 658/2011, para a qual remetem o Acórdão n.º 105/2012 e as Decisões Sumárias n.ºs 585/2012 e 591/2012:
“…a impugnação judicial de ato administrativo, como processo jurisdicional que é, deve obedecer às regras do processo equitativo imposto pelo artigo 20.º, n.º 4, da Constituição.
Entre elas encontra-se indiscutivelmente a regra do contraditório, entendida como garantia da participação efetiva das partes no desenvolvimento da lide, mediante a possibilidade de, em plena igualdade, poderem influir na decisão do processo.
Mediante este princípio, num processo jurisdicional, previamente à prolação da decisão, deve ser conferida às partes a possibilidade de apresentar ao tribunal as razões que sustentam a sua posição, de modo a que os seus interesses não possam vir a ser preteridos sem a sua audição.
Daí que, tendo sido impugnada perante um tribunal a decisão administrativa que concedeu apoio judiciário a uma parte processual, pela contraparte nesse processo, antes que o tribunal decida sobre o mérito da impugnação, o beneficiário da proteção jurídica deve ser ouvido sobre as razões expostas na impugnação, sob pena de violação do referido princípio do contraditório.
O facto do requerente do apoio judiciário já ter exposto, perante a entidade administrativa que decidiu conceder-lhe a proteção jurídica, as razões que justificavam a sua concessão, não dispensa a sua audição no tribunal perante o qual foi impugnada essa decisão. Uma coisa é o requerente do apoio judiciário ter apresentado perante a entidade administrativa as razões que, no seu entender, justificavam a concessão da proteção jurídica e outra é ter a possibilidade de contraditar as razões que posteriormente o impugnante da decisão que lhe concedeu esse apoio apresentou para que tal decisão fosse revogada. Não só a decisão sobre a impugnação é tomada por um órgão diferente daquele a quem o requerente apresentou inicialmente as suas razões, como essa audição destina-se a permitir que o mesmo seja ouvido sobre os fundamentos da impugnação, os quais necessariamente colocam questões sobre as quais o requerente nunca teve oportunidade de se pronunciar.
E o facto da entidade administrativa que concedeu o apoio judiciário ter de se pronunciar sobre o mérito da impugnação deduzida, dado que o artigo 27.º, n.º 3, da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho, determina que aquela, após o recebimento da impugnação, deve revogar ou manter a decisão impugnada, também não é suficiente para se poder dispensar a audição do requerente sobre o conteúdo da impugnação, uma vez que a atuação da entidade administrativa se pauta por critérios objetivos, não representando os interesses e as posições do requerente.
Por outro lado, a circunstância da lei não facultar ao impugnante a possibilidade de intervir no procedimento administrativo que conduziu à concessão do apoio judiciário também não justifica a retaliação de interditar a participação do requerente no processo jurisdicional de impugnação, com fundamento numa falsa ideia de assegurar um tratamento igualitário das partes.
Apesar do processo de impugnação judicial se destinar a efetuar um controlo sobre a decisão administrativa, estamos perante procedimentos distintos e de diferente natureza, sendo um de cariz jurisdicional e outro administrativo, pelo que não faz qualquer sentido procurar igualar as intervenções duma parte no primeiro desses procedimentos com as intervenções de uma outra parte no segundo.
O princípio da igualdade de armas, que implica a paridade simétrica das posições das partes perante o tribunal e que vale para os procedimentos jurisdicionais, apenas impõe o equilíbrio entre os meios processuais ao dispor das partes para fazerem vingar as suas teses no mesmo processo; e é precisamente a garantia dessa igualdade que exige o respeito pelo princípio do contraditório dentro do processo jurisdicional de impugnação, obrigando à audição do beneficiário do apoio judiciário concedido pela decisão administrativa impugnada sobre o conteúdo da impugnação.
Realce-se ainda que, não sendo admissível recurso da decisão do tribunal que julga a impugnação (n.º 5, do artigo 28.º, da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho), a não audição do beneficiário do apoio judiciário previamente à prolação dessa decisão assume uma maior gravidade, dado que este também não poderá contestá-la posteriormente.
Por estas razões se conclui que a interpretação normativa sob fiscalização viola o princípio do contraditório incluído no direito a um processo equitativo, consagrado no artigo 20.º, n.º 4, da Constituição…”.
Concordando-se com estas considerações e a sua conclusão, deve proceder-se à generalização do juízo de inconstitucionalidade peticionada pelo Requerente.
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Decisão
Pelo exposto, declara-se, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade, por violação do disposto no artigo 20.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, da norma constante do n.º 4, do artigo 28.º, da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho, na interpretação segundo a qual o juiz pode conceder provimento à impugnação apresentada pela parte contrária, nos termos do n.º 5 do artigo 26.º, do mesmo diploma, sem que ao beneficiário do apoio judiciário seja dado conhecimento da impugnação e sem que lhe seja dada possibilidade de a contraditar.
Lisboa, 1 de outubro de 2013. – João Cura Mariano – Fernando Vaz Ventura – Maria Lúcia Amaral – Lino Rodrigues Ribeiro – Carlos Fernandes Cadilha – Ana Guerra Martins – Pedro Machete – Maria João Antunes – Maria de Fátima Mata-Mouros – José da Cunha Barbosa – Catarina Sarmento e Castro – Maria José Rangel de Mesquita – Joaquim de Sousa Ribeiro.