Imprimir acórdão
Processo n.º 444/12
2.ª Secção
Relator: Conselheiro João Cura Mariano
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
Relatório
A. e B. intentaram no Tribunal Judicial de Guimarães a presente ação declarativa de condenação, sob a forma ordinária, contra C. e D., pedindo a resolução do contrato de arrendamento que mantêm com os Réus e a condenação destes a restituírem o locado.
Os Réus contestaram, pronunciando-se pela improcedência da ação.
Após realização de audiência de julgamento foi proferida sentença em 24 de maio de 2011 que julgou a ação procedente.
Desta sentença foi interposto recurso pelos Réus para o Tribunal da Relação de Guimarães que, por acórdão proferido em 22 de novembro de 2011, julgou improcedente o recurso.
Desta decisão interpuseram os Réus recurso de revista excecional para o Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 721.º-A, n.º 1, c), do Código de Processo Civil, alegando que o Acórdão recorrido está em oposição com o Acórdão do mesmo Tribunal da Relação de Guimarães, proferido em 11 de novembro de 2010, no processo n.º 1140/08.3TBPTL.G1.
Com as alegações de recurso juntaram cópia deste último acórdão inserido na Base de Dados do ITIJ, disponível na Internet, no site www.dgsi.pt.
O Coletivo de Juízes Conselheiros, a que alude o artigo 721.º-A, n.º 3, do Código de Processo Civil, proferiu Acórdão em 3 de maio de 2012, não admitindo a revista.
Os Réus arguiram a nulidade desta decisão, o que foi indeferido.
Os Réus interpuseram recurso desta decisão para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, b), da LTC, nos seguintes termos:
“Em cumprimento do disposto no nº 2 do art. 75º-A da LTC, mais se indica expressamente que o presente recurso tem por base a fiscalização concreta da constitucionalidade dos arts. 3º, nº 3, 704º, no 1 e 721º-A, nº 1, al. c), nº 2, al. c), nº 3 e nº 4 (aditado pelo art. 2º do DL nº 303/07, de 24.8 emanado com base na Lei nº 6/07, de 2.2) do Cód. Proc. Civil, tendo em conta a sua aplicabilidade na decisão recorrida:
a. quer porque a Lei nº 6/07, de 2.2, que autorizou o Governo a alterar o regime dos recursos em sede de processo civil, designadamente a al. g), do nº 1, do art. 2º da referida Lei que dispõe sobre a “consagração da inadmissibilidade do recurso de revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e ainda que por diferente fundamento, a decisão proferida na 1ª instância, salvo quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”, viola o disposto nos arts, 161º, als. c) e d) e 165º, nº 2, da CRP e os princípios da reserva da competência legislativa da Assembleia da República e da especialidade das autorizações legislativas, pois nela não é definido de modo suficiente o sentido e alcance da autorização legislativa, designadamente, de modo a permitir a consagração de uma formação constituída por três juízes (formação não prevista na LOTJ), com poderes absolutos para rejeitar definitivamente o recurso de revista excecional interposto (ainda que numa mera apreciação preliminar sumária dos pressupostos estabelecidos no nº 1 do art. 721º-A do Cód. Proc. Civil), o que convoca a inconstitucionalidade da Lei nº 6/07, de 2.2 (pelo menos da sua al. g) do no 1, do art. 2º, do DL no 303/07, de 24.8 e do art. 721º-A do Cód. Proc. Civil, designadamente dos seus nºs 3 e 4;
b. quer porque, quando se entenda que a Lei nº 6/07, de 2.2, cumpre o estabelecido no art. 165º, nº 2 da CRP, sempre e em qualquer caso, se terá de concluir que o legislador ordinário ao consagrar no DL 303/07, de 24.8, a formação de três juízes para apreciar o recurso de revista excecional extravasou aquela Lei de autorização legislativa o que, por violação do disposto no art.º 161º, ais. c) e d) e 165º, nº 1, da CRP e dos princípios da reserva da competência legislativa da Assembleia da República e da especialidade das autorizações legislativas, convoca a inconstitucionalidade daquela diploma e do art.º 721º-A do Cód. Proc. Civil, designadamente dos seus nºs 3 e 4;
c. quer porque o entendimento feito na douta decisão proferida do art. 721º, nº 1, al. c) e nº 2, al. c) do Cód. Proc. Civil, no sentido de que cabia aos recorrentes juntar certidão do Acórdão-fundamento (sendo que a al. c) do nº 2 do art. 721º-A do Cód. Proc. Civil apenas reclama que seja junta cópia do acórdão-fundamento, o que, de um modo claro e literal não se pode confundir com certidão), é, à luz, designadamente, do teor das referidas als. c), dos nºs 1 e 2, do art. 721º-A do Cód. Proc. Civil. uma limitação arbitrária e não materialmente fundada do direito de recorrer, o que, juridicamente qualificado em sede constitucional, configura uma violação do principio de acesso à justiça e a um processo equitativo consagrado no art. 20º, nº 1 e nº 4 da CRP e bem assim os princípios da certeza, da segurança jurídica, da confiança, da boa fé e da proporcionalidade ínsitos nos arts. 1º e 2º da CRP;
d. quer ainda porque a interpretação e aplicação feita na decisão recorrida dos art. 3º, nº3, 704º, nº 1 e 721º-A, nº 1, al. c), nº2, al. c), nº3 e nº 4 do Cód. Proc. Civil, no sentido de não ser necessário ouvir os recorrentes antes de proferida a decisão de não admissão do recurso interposto, retirando-lhes, assim, o direito de exercerem o contraditório em relação à projetada decisão, viola os princípios constitucionais, da certeza, da segurança jurídica, da confiança, da boa fé, da proporcionalidade, do contraditório, do acesso ao direito, a urna tutela efetiva e a um processo equitativo consagrados nos art. 1º, 2º e 200º, nº 1 e nº 4 da CRP.
Saliente-se que a decisão proferida constitui uma decisão-surpresa com a qual os recorrentes não poderiam razoavelmente contar, mais a mais tendo em conta o facto de o art 721º-A do Cód. Proc. Civil não referir em nenhum dos seus números a necessidade de junção de certidão do acórdão-fundamento, de ser doutrinariamente consensual que não é necessária aquela junção e de que se presume o trânsito em julgado daquele acórdão-fundamento e, finalmente, no facto de os recorrentes não terem sido notificados nos termos e para os efeitos do disposto no art. 3º, nº 3 e 704º, nº 1, do Cód. Proc. Civil, momento processual em que teriam tido oportunidade de suscitar as questões de inconstitucionalidade supra enunciadas.
Nesta última vertente, realce-se ainda que a interpretação normativa assumida na decisão recorrida no sentido de que o Tribunal a quo não estava constituído no dever de notificar os Recorrentes para se pronunciarem sobre a projetada não admissibilidade do recurso, tem, também ela, a natureza de uma decisão-surpresa, porquanto em face dos ditames claros da Lei — art. 3º e 704º, nº 1 do Cód. Proc. Civil - não era exigível aos recorrentes que antecipassem ou esperassem uma decisão que sufragasse aquele entendimento.”
Apresentaram alegações em que concluíram do seguinte modo:
“1ª. As inconstitucionalidades suscitadas pelos recorrentes nos pontos a., b. e d. do seu requerimento de interposição de recurso de fls. ..., poderão e deverão ser conhecidas no âmbito do presente recurso de inconstitucionalidade pois, desde logo, importa ter presente que a decisão recorrida constituiu uma decisão-surpresa com a qual os recorrentes não poderiam razoavelmente contar;
2ª. Por outro lado, a decisão recorrida foi prolatada sem que os recorrentes tivessem sido notificados nos termos e para os efeitos do disposto no art. 3º, nº 3 e 704º, nº 1, do Cód. Proc. Civil, momento processual em que teriam tido oportunidade de suscitar aquelas questões de inconstitucionalidade, a para da invocação dos fundamentos que, na sua ótica, justificavam decisão diversa daquela que veio a ser proferida;
3ª. Sempre e em todo o caso, cumpre sublinhar que os recorrentes, na arguição de nulidade processual que deduziram quando confrontados com a violação do princípio do contraditório pelo facto de não terem sido ouvidos em momento anterior ao indeferimento do recurso interposto, suscitaram aquelas questões junto do Tribunal recorrido – cfr., doc. nº 1, junto ao deante e que aqui se dá por reproduzido;
4.ª Quanto à questão suscitada sob o ponto d. do requerimento de interposição de recuso de fls. ... acrescente-se que a mesma está implicitamente contida na decisão recorrida, uma vez que a decisão proferida pelo Tribunal a quo, sem que previamente tenha sido dado cumprimento ao princípio do contraditório, contém, em si mesma, o entendimento professado pelo Tribunal a quo de que não estava constituído no dever de ouvir os recorrentes antes de proferir a decisão recorrida e que os arts. 3º, nº 3, 704º, nº 1 e 721º-A, nº 1 , al. c), nº 2, al. c), nº 3 e nº 4 do Cód. Proc. Civil, a isso não o obrigava;
5ª. Sendo que, a interpretação normativa assumida na decisão recorrida no sentido de que o Tribunal a quo não estava constituído no dever de notificar os Recorrentes para se pronunciarem sobre a projetada não admissibilidade do recurso, tem, também ela, a natureza de uma decisão- surpresa, porquanto em face dos ditames claros da Lei art. 3º e 704º, nº 1 do Cód. Proc. Civil - não era exigível aos recorrentes que antecipassem ou esperassem uma decisão que sufragasse aquele entendimento;
6ª. Decorre do disposto nas als. c) do art. 161º da CRP que compete à Assembleia da República, fazer leis sobre todas as matérias, salvo as reservadas pela Constituição ao Governo (e que são as constantes do art. 198º, nº 2 da CRP). – vd., tb., art. 165º nº 1, da CRP;
7ª. O art. 2º, nº 1, al. g), da Lei nº 6/07, viola o disposto nos arts. 161º, als. c) e d) e 165º, nº 1 e nº 2, da CRP e os princípios da reserva da competência legislativa da Assembleia da República e da especialidade das autorizações legislativas, pois nela não é definido de modo suficiente o sentido e alcance da autorização legislativa ao abrigo da qual veio a ser publicado o DL 303/07, de 24.8, que, nos termos do seu art. 2º, aditou o art. 721º-A ao Cód. Proc. Civil;
8ª. A Lei nº 6/07, no que concerne à questão sub juditio, limita-se a estabelecer de um modo geral e abstrato o direito de o Governo legislar sobre o regime de recurso de revista, apenas referindo que a alteração legislativa deverá consagrar a inadmissibilidade do recurso de revista do acórdão da Relação em caso de dupla conforme e prevendo, como válvula do sistema, a admissibilidade do recurso quando o mesmo seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, nela não se referindo, os termos e o modo como deveria ser concretizada essa limitação recursiva como não explicita nem concretiza os termos e os modos das exceções que a mesma deveria comportar, nem, menos ainda, como o mesmo deveria ser tramitado, regulado e apreciado;
9ª. Não são estabelecidos naquela lei de autorização com a necessária delimitação quer os parâmetros que deveriam nortear a atuação do legislador ordinário, quer o regime que deveria seguir o recurso de revista;
10ª. O que convoca a inconstitucionalidade da Lei nº 6/07 (ou, pelo menos, do seu art. 2º, al. g)), e, consequentemente, do art. 2º, do DL nº 303/07, de 24.8 e do art. 721º-A do Cód. Proc. Civil, designadamente dos seus nºs 3 e 4;
11ª. Quando se entenda que a Lei nº 6/07, de 2.2, cumpre o estabelecido no art. 165º, nº 2 da CRP, sempre e em qualquer caso, se terá de concluir que o legislador ordinário ao consagrar na redação do art. 721º-A introduzida pelo art. 2º do DL 303/07, de 24.8, a formação de três juízes para apreciar liminarmente o recurso de revista excecional extravasou aquela Lei de autorização legislativa o que, por violação do disposto no art. 161º, als. c) e d) e 165º, nº 1, da CRP e dos princípios da reserva da competência legislativa da Assembleia da República e da especialidade das autorizações legislativas, convoca a inconstitucionalidade daquele diploma (art. 2º do DL nº 303/07) e do art. 721º-A do Cód. Proc. Civil, designadamente dos seus nºs 3 e 4;
12ª. Ao criar um coletivo específico de três juízes nos termos que definiu (três juízes escolhidos anualmente pelo presidente do STJ de entre os mais antigos das secções cíveis) - formação de três juízes que não está, sequer, prevista na LOTJ -, transferindo para esse coletivo a competência para apreciar liminarmente a verificação dos pressupostos de interposição do recurso, o legislador ordinário extravasou claramente o sentido e a extensão da lei de autorização nº 6/07 ao abrigo da qual o DL nº 303/07 foi produzido cfr. Ac. Trib. Constitucional nº 72/90, BMJ 395, 161;
13ª. O art. 721º-A do Cód. Proc. Civil apenas carrega ao recorrente o dever de juntar cópia do acórdão-fundamento invocado como suporte do recurso de revista excecional, nele não se impondo a obrigação de ser junta uma certidão do acórdão-fundamento, seja para atestar a sua existência, seja para confirmar o seu trânsito – cfr., Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Novo Regime, pg. 415, Luís Filipe Brites Lameiras, Notas práticas ao regime dos recursos em processo civil, pg. 239, Lebre de Freitas, Armindo Ribeiro Mendes, CPC Anot., vol. III, pg. 156;
14ª. Sendo que a referência à junção de cópia do acórdão-fundamento afasta, por definição e pelas mais elementares regras da lógica jurídica, a necessidade de ser junta uma certidão do mesmo;
15ª. Pois, sob pena de contradição nos próprios termos, só é configurável que se estabeleça a obrigação de juntar uma cópia do acórdão-fundamento se não se considerar que o recorrente está, ao mesmo tempo, constituído na obrigação de juntar uma certidão do mesmo acórdão;
16ª. Admitir-se o contrário, é admitir-se a existência de uma obrigação – a junção de cópia do acórdão-fundamento - desprovida de qualquer relevância ou resultado prático e, em boa verdade, absolutamente desnecessária e inútil em face da (suposta) obrigação de junção de uma certidão do mesmo acórdão;
17ª. Para lá de que importa ter presente as regras de interpretação das normas que constam do art. 9º do Cód. Civil sendo que, de harmonia com o cânone interpretativo estabelecido no n.º 2 do artigo 9º do Código Civil, não pode ser considerado o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso, para lá de que, de acordo com o nº 3 desse inciso legal, “na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”.
18ª. Saliente-se ainda que a previsão constante da al. c), do nº 2, do art. 721º-A do Cód. Proc. Civil não é uma ilha isolada, não vive por si e para si e, ao invés, enquadra-se num conjunto, sejam os demais números da norma em causa, sejam as disposições paralelas do mesmo corpo de leis – cfr., art. 765º, nº 2, do Cód. Proc. Civil.
19ª. Mesmo que assim não fosse, sempre se terá de concluir que tem aplicação analógica ao recurso de revista excecional o regime previsto no art. 763º, nº 2, do Cód. Proc. Civil e, assim, os recorrentes beneficiam de uma presunção de trânsito em julgado daquele acórdão-fundamento, o que os dispensava de juntar uma certidão do mesmo com indicação do trânsito – vd., tb., art. 765º, nº 2, do Cód. Proc. Civil e art. 1oº do Cód. Civil;
20ª. Não existindo nenhuma razão que sobre esta questão – presunção de trânsito em julgado - justifique uma diferença de tratamento entre o regime do recurso de revista excecional (art. 721º-A) e o recurso para uniformização de jurisprudência (art. 763º) – cfr., Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Novo Regime, pg. 420;
21ª. Sendo certo que, in casu, a cópia junta aos autos foi tirada, como resulta evidente da mesma, de um repositório de jurisprudência oficial gerido por um organismo público dependente do Ministério da Justiça (www.dgsi.pt), o que, assegura a sua genuinidade;
22ª. Caso entendesse que a junção da simples cópia do acórdão-fundamento não satisfazia os requisitos das als. c) do n.º 1 e do n.º 2 do art. 721º-A do Cód. Proc. Civil, estava o Tribunal a quo incurso no dever processual de convidar os recorrentes a juntar uma certidão do mesmo com os elementos que considerasse em falta e/ou ordenar as diligências que reputasse de necessárias para determinar a existência e o trânsito em julgado do acórdão-fundamento, único entendimento conforme com o princípio pro actione e os seus múltiplos afloramentos ou concretizações normativas – cfr., art. 700º, a), b) e d) do Cód. Proc. Civil, art. 685.º-A, n.º 3, do Cód. Proc. Civil, Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Novo Regime, pg. 417 e 419, Lebre de Freitas CPC Anot., vol. III, t.1, 2.ª ed, pg. 59, Ac. 265/2001 do TC (DR, II série, de 16.7.01), Ac. 320/2002 (DR, II série, de 7.10.02);
23ª. Por outro lado, os fundamentos específicos da revista excecional considerados pelo legislador demonstram à saciedade que este recurso não visa, em primeira linha, a defesa dos interesses das partes, mas antes a proteção do interesse geral na boa aplicação do direito e, em particular, o terceiro fundamento do recurso de revista excecional – oposição de julgados – tem subjacente uma preocupação geral de uniformização da jurisprudência – cfr., Miguel Teixeira de Sousa, CDP nº 20, pg. 10, Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, CPC Anot., vol. 3º, pg. 154, Abrantes Geraldes, Recurso em Processo Civil, Novo Regime, pg. 399;
24ª. Funcionando como uma válvula de segurança do sistema, pretende-se com ele contribuir para uma maior certeza, segurança e previsibilidade na aplicação do Direito por força da existência de uma jurisprudência mais uniformizada;
25ª. À luz dos fins visados com o instituto do recurso de revista excecional, deve-se prescindir de um absoluto rigor formalista sempre que tal coloque em causa, sem razão que o justifique, a obtenção daquele fim último e uma efetiva tutela jurisdicional;
26ª. Importando ter presente que “o direito processual é instrumental do substantivo” - Cardona Ferreira, Subsídios para o Estudo do Direito Processual Recursório, Estudos em Memória do Prof. Dr. José Dias Marques, pg. 168, Cardona Ferreira, A reforma do regime legal dos recursos cíveis, de 2007. Algumas notas, O Direito, 140, II, pg. 325, Ac. Uniformização de Jurisprudência, nº 2/2010, de 20.1.10, Ac. STJ de 16.11.96, BMJ 461, 379, Miguel Teixeira de Sousa, Convolação de ato nulo: substituição de interposição de recurso por reclamação para a conferência, CDP nº 33, pg. 38;
27ª. O direito de acesso aos tribunais ou a uma tutela jurisdicional, condensado no artigo 20º, nº 1 e nº 4, da Lei Fundamental, implica a garantia de uma proteção jurisdicional eficaz ou de uma tutela judicial efetiva cfr., Ac. Trib. Const. de 20.11.91 , Proc. nº 90-0184;
28ª. Através do postulado constitucional do direito de acesso à justiça importa assegurar que seja colocado à disposição de todos aqueles que possam ser afetados por uma diligência judicial um meio processual que lhes permita reagir contra a mesma e contra os atos praticados em seu prejuízo;
29ª. O direito a um processo equitativo e a prossecução de uma tutela jurisdicional efetiva, para lá de constituir um ditame constitucional e um princípio fundamental do Estado de Direito democrático é também um eixo estruturante do direito processual civil, por ele se reclamando uma prevalência das decisões de fundo sobre as meras decisões de forma - cfr., arts. 1º, 2.º, 20º, nº 1, 2 e 4 da CRP, art. 265.º, 2, 265º-A, 266º do Cód. Proc. Civil, Gomes Canotilho e Vital Moreira, CRP Anotada, vol. I, 4ª ed. revista, pg. 415), Cardona Ferreira, A reforma do regime legal dos recursos cíveis, de 2007. Algumas notas, O Direito, 140, II, pg. 325 Lebre de Freitas, Introdução, pg. 39 e Remédio Marques, Curso de Processo Executivo Comum, pgs. 39 e ss, Pessoa Vaz, Direito Processual Civil, Do Antigo ao Novo Código, pgs. 337;
30ª. Do dever de cooperação decorre para o Tribunal, entre o mais, um dever de esclarecimento, um dever de prevenção e um dever de consulta dos quais resulta no dever de o tribunal se esclarecer junto das partes quanto às dúvidas que tenha sobre as suas alegações, pedidos ou posições em juízo (art. 266.º, nº 2) e no dever de o tribunal prevenir as partes sobre eventuais deficiências ou insuficiências das suas alegações ou pedidos e de as ouvir antes de decidir sobre uma questão de facto ou de direito em relação às quais as partes não tenham tido oportunidade de se pronunciar, procurando-se, desse modo, evitar as decisões-surpresa – cfr, inter allia, arts. 265.º, n.º 2 e n.º 3, 265º-A, 266º, 508º, n.º 1, al. a) e b), n.º 2 e n.º 3, 508º-A, n.º 1, al. c), 535º, 685º-A, n.º 3, 700º, n.º 1, al. a), b) e d) do Cód. Proc. Civil; vd., tb., Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, pg. 66; Sérvulo Coreia, CJA, n.º 48, pg. 47, Ac. Rel. Lisboa de 28.1.97 (CJ, ano 22, t. 1, 38), Ac. STJ de 25.2.97 (BMJ 464, 463), Ac. STJ de 26.11.96 (BMJ 461, 379).
31ª. À luz do princípio da proporcionalidade, toda e qualquer medida de restrição de direitos deve revelar-se:
a. Adequada para a prossecução dos fins visados pela lei;
b. Necessária, no sentido de os fins visados pela lei não poderem ser obtidos por outros meios menos gravosos para o exercício do direito em causa;
c. Os meios legais restritivos e os fins obtidos devem situar-se numa justa medida, impedindo-se a adoção de medidas restritivas desproporcionadas, excessivas, em relação aos fins obtidos.
32ª. Sendo que o princípio da proporcionalidade, enquanto princípio geral de limitação do poder público, pode ancorar-se no princípio geral do Estado de direito, impondo limites resultantes da avaliação da relação entre os fins e as medidas públicas, não se bastando como um princípio diretor em matéria de restrição de direitos, liberdades e garantias - Ac. TC n.º 200/01, arts. 1º, 2º e 18º, nº 3 da CRP;
33ª. O entendimento professado no acórdão recorrido de que à luz do regime do recurso de revista excecional previsto no art. 721º, nº 1, al. c) e nº 2 al. c) do Cód. Proc. Civil que os recorrentes estavam constituídos na obrigação de juntar aos autos uma certidão do acórdão-fundamento que desse conta da sua existência e do seu trânsito, não era um entendimento com o qual os recorrentes pudessem legitimamente contar, seja à luz do texto da Lei - art. 721º, nº 1, al. c) e nº 2 al. c) do Cód. Proc. Civil -, seja à luz do regime paralelo do recurso extraordinário de uniformização de jurisprudência, donde se retira apenas lhe ser exigível a junção de uma cópia do acórdão-fundamento – art. 763º, nº 2 e 765, nº 2 do Cód. Proc. Civil -, seja ainda em face das posições dos mais ilustres processualistas supra identificadas - cfr., art. 9º do Cód. Civil;
34ª. Ou seja, a expectativa dos recorrentes, à luz do texto da Lei e do regime paralelo do recurso extraordinário de uniformização de jurisprudência, ia no sentido de apenas lhe ser exigível a invocação do preenchimento dos pressupostos de que dependia o recurso interposto e a junção de uma cópia do acórdão-fundamento, não recaindo sobre eles o ónus de juntar qualquer certidão o acórdão-fundamento;
35ª. Como era legítimo contar, à luz dos princípios imperantes sobre a matéria e supra alegados, que caso o Tribunal tivesse dúvidas ou, por qualquer razão, pretendesse comprovar de um outro modo a existência do acórdão-fundamento e o seu trânsito, procedesse à notificação dos recorrentes para a junção de uma certidão do acórdão-fundamento com as indicações que melhor entendessem ou que, o Tribunal, por sua própria iniciativa, promovesses oficiosa e diretamente a sua obtenção;
36ª. Por outro lado, tal interpretação tem por efeito colocar os recorrentes numa posição de desproteção e desfavor irrazoável, injustificada e desnecessária, carregando-lhes uma obrigação difícil de cumprir, tendo em a maior ou menor dificuldade na busca do acórdão-fundamento e na obtenção daquela certidão, sendo ainda desadequada e desproporcionada no sacrifício que impõe tanto o mais que o Tribunal está em condições de, facilmente, obter a comprovação da existência do acórdão-fundamento e do seu trânsito;
37ª. Não se afigurando existir nenhuma razão que justifique que, em sede de recurso extraordinário de uniformização de jurisprudência, seja suficiente a instrução do recurso com uma cópia do acórdão-fundamento e que se presuma o seu trânsito e já assim não suceda, reclamando-se uma certidão do mesmo acórdão, no âmbito do recurso de revista excecional, o que acentua a desproporcionalidade e pouca razoabilidade daquele entendimento perante os interesses em causa;
38ª. Acresce que, a rejeição do recurso, sem que ninguém, mormente a parte contrária, tenha colocado em causa a existência do acórdão-fundamento e o seu trânsito, revela-se, também neste ângulo complementar de observação, como uma medida despropositada e desproporcionada;
39ª. A norma sub juditio, interpretada no sentido supra exposto, afetou, de forma definitiva e absoluta e por isso, intolerável e inadmissível, o direito da recorrente de ver sindicada a manifesta oposição jurisprudencial existente entre o acórdão recorrido e o acórdão-fundamento no âmbito do recurso de revista excecional que interpuseram, único meio de defesa ao seu alcance, retirando-se-lhe, efetivamente, qualquer possibilidade de se defender da decisão proferida;
40ª. O entendimento e a interpretação feita do art. 721º-A, nº 1, al. c) e nº 2, al. c) do Cód. Proc. Civil no Acórdão recorrido, por forma a considerar-se que os recorrentes estavam constituídos no dever de juntar uma certidão do acórdão-fundamento, traduz uma violação clara dos princípios constitucionais da certeza, da segurança jurídica, da confiança, da boa-fé, da proporcionalidade e do acesso ao direito, negando-se, dessa forma, à recorrente o direito a uma tutela judicial efetiva e equitativa – cfr., art. 2º, 3º e 156º do Cód. Proc. Civil, art. 698º do Cód. Civil e arts. 1º, 2º, 20º e 202º da Constituição da República Portuguesa;
41ª. Tanto mais que, semelhante interpretação, corresponde a um entendimento que não sai, em nenhuma medida revelado no texto do normativo em causa não tem o mínimo suporte na Lei e, inclusive, vai contra a Lei –, não é consonante com o disposto no art. 763º, nº 2, do Cód. Proc. Civil - onde, num lugar paralelo se presume o trânsito -, nem com o princípio pro actione – a prevalência da substância sobre a forma - nem com os princípios que norteiam o recurso de revista excecional – a procura de uma uniformização da jurisprudência -, nem com os poderes oficiosos carregados ao Tribunal, o qual estava em condições de ordenar as diligências que considerasse necessárias para a prova quer da existência do acórdão-fundamento, quer do seu trânsito;
42ª. Por força do princípio do contraditório, que passa por ser um dos princípios estruturantes do processo civil, as partes têm a faculdade de intervir processualmente, fazendo ouvir a sua voz, na esteira do decantado brocardo latino audiatur et alter pars - cfr., Miguel Teixeira de Sousa, Introdução ao Processo Civil, Lisboa, 1993, pgs. 38 e 39; Manuel Andrade, NEPC, 1976, pgs. 377e 378; João de Castro Mendes, Direito Processual Civil, vol. I, 1986, pgs. 195 e ss. e Fernando Luso Soares, Processo Civil de Declaração, 1985, pg. 478.
43ª. Sendo que apesar de não depararmos, no texto da lei fundamental, com uma alusão expressa ao princípio do contraditório processual civil, a Ciência do Direito Constitucional afirma a relevância e dignidade jusconstitucional desse princípio – cfr., art. 2º e 20º da CRP, Sérvulo Correia e Jorge Bacelar Gouveia ROA, ano 57 (1997), Tomo I, pg. 326, Gomes Canotilho e Vital Moreira, Fundamentos da Constituição, Carlos Lopes do Rego, Acesso ao Direito e aos Tribunais, in Estudos Sobre a Jurisprudência do Tribunal Constitucional, Lisboa, 1993, pg. 57, Parecer da Comissão Constitucional nº 18/81 (Pareceres da Comissão Constitucional, vol. 17º, pgs. 14 e ss.); Ac. Trib. Const. nº 434/87, de 4.11.87, BMJ 371-160),
44ª. O direito ao contraditório assume relevância jusconstitucional através dos princípios do estado de direito e da tutela jurisdicional efetiva que implicam a proibição da “indefesa”, assentando o seu núcleo essencial na inadmissibilidade de prolacção de qualquer decisão – mesmo interlocutória – sem que seja previamente conferido ao sujeito processual contra quem é dirigida a efetiva possibilidade de a discutir e contestar – arts. 2º e 20º da CRP;
45ª. À luz do disposto nos arts. 3º, nº 3, 700º, nº 1, al. b), 704º, nº 1 e 726º do Cód. Proc. Civil, cumpria ao Tribunal a quo ouvir os recorrentes, dando-lhes oportunidade de se pronunciarem sobre a projetada rejeição do recurso, previamente à decisão proferida, o que não foi feito e convoca a violação do princípio do contraditório;
46ª. A interpretação feita no Acórdão-recorrido, pelo menos implicitamente, dos arts. 3º, nº 3, 704º, nº 1 e 721º-A, nºs 1, al. c), nº 2, al. c) e 3 e 4 do Cód. Proc. Civil, no sentido de que não há lugar à audição dos recorrentes antes de se decidir pela rejeição do recurso interposto obstando-se, assim, ao conhecimento da questão de fundo nele suscitada – a existência de uma oposição de julgados -, designadamente porque não se considerou estar cumprido o ónus de junção de certidão do acórdão-fundamento e a verificação dos pressupostos estabelecidos no nº 1, do art. 721º-A do Cód. Proc. Civil (existência e trânsito do acórdão-fundamento), padece de inconstitucionalidade material por ofensa dos princípios constitucionais, da certeza, da segurança jurídica, da confiança, da boa-fé, da proporcionalidade, do contraditório, do direito de acesso à justiça e a um processo equitativo plasmados nos arts. 1º, 2º e 20º, nº 1 e nº 4 da CRP;
47ª. Na decisão recorrida violaram-se as disposições legais supracitadas
Termos em que, pelos fundamentos expostos e pelos que V. Exas doutamente suprirão, deverá julgar-se inconstitucional
a. lei nº 6/07 (ou, pelo menos, o seu art. 2º, nº 1, al. g)), o art. 2º do DL nº 303/07, de 24.8 e o art. 721º-A do Cód. Proc. Civil, designadamente dos seus nºs 3 e 4.
b. o art. 721º-A, nºs 1, al. c), nº 2, al. c) do Cód. Proc. Civil quando interpretado no sentido de se considerar que os recorrentes estavam constituídos no dever de juntar uma certidão do acórdão-fundamento para instruir o recurso de revista excecional ao invés de uma cópia do mesmo como vem expressamente referido naquela norma;
c. os arts. 3º, nº 3, 704º, nº 1 e 721º-A, nºs 1, al. c), nº 2, al. c) e 3 e 4 do Cód. Proc. Civil, quando interpretados no sentido de que não há lugar à audição dos recorrentes antes de se decidir pela rejeição do recurso interposto por se ter considerado não estar cumprido o ónus de junção de certidão do acórdão-fundamento e a verificação dos pressupostos estabelecidos no nº 1, do art. 721º-A do Cód. Proc. Civil (existência e trânsito do acórdão-fundamento).”
Não foram apresentadas contra-alegações.
*
Fundamentação
1. Da delimitação do objeto do recurso
No sistema português de fiscalização de constitucionalidade, a competência atribuída ao Tribunal Constitucional cinge-se ao controlo da inconstitucionalidade normativa, ou seja, das questões de desconformidade constitucional imputada a normas jurídicas ou a interpretações normativas, e já não das questões de inconstitucionalidade imputadas diretamente a decisões judiciais, em si mesmas consideradas.
Nos recursos interpostos ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC – como ocorre no presente processo –, a sua admissibilidade depende ainda da verificação cumulativa dos requisitos de a questão de inconstitucionalidade haver sido suscitada «durante o processo», «de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (n.º 2, do artigo 72.º, da LTC), e de a decisão recorrida ter feito aplicação, como sua ratio decidendi, das dimensões normativas arguidas de inconstitucionais pelo recorrente.
Consistindo a competência do Tribunal Constitucional, no domínio da fiscalização concreta, na faculdade de revisão, em via de recurso, de decisões judiciais, compreende-se que a questão de constitucionalidade deva, em princípio, ter sido colocada ao tribunal a quo, além de que permitir o acesso a este Tribunal, com base numa invocação da inconstitucionalidade unicamente após a prolação da decisão recorrida, abriria o indesejável caminho à sua utilização como expediente dilatório. Daí que só tenha legitimidade para pedir ao Tribunal Constitucional a fiscalização de constitucionalidade de uma norma quem tenha suscitado previamente essa questão ao tribunal recorrido, em termos de o vincular à sua apreciação, face às normas procedimentais que regem o processo em que se enxerta o recurso constitucional.
Contudo, este requisito (suscitação da questão de inconstitucionalidade perante o tribunal recorrido, antes de proferida a decisão impugnada) considera-se dispensável nas situações especiais em que, por força de uma norma legal específica, o poder jurisdicional se não esgota com a prolação da decisão recorrida, ou naquelas situações, de todo excecionais ou anómalas, em que o recorrente não dispôs de oportunidade processual para suscitar a questão de constitucionalidade antes de proferida a decisão recorrida ou em que, tendo essa oportunidade, não lhe era exigível que suscitasse então a questão de constitucionalidade.
Por outro lado, considerando o caráter ou função instrumental dos recursos de fiscalização concreta de constitucionalidade face ao processo-base, exige-se, para que o recurso tenha efeito útil, que haja ocorrido efetiva aplicação pela decisão recorrida da norma ou interpretação normativa cuja constitucionalidade é sindicada. É necessário, pois, que esse critério normativo tenha constituído ratio decidendi do acórdão recorrido, pois, só assim, um eventual juízo de inconstitucionalidade poderá determinar uma reformulação dessa decisão.
O objeto do recurso constitucional é definido, em primeiro lugar, pelos termos do requerimento de interposição de recurso. Tem sido entendimento constante do Tribunal Constitucional que, ao definir, no requerimento de interposição de recurso, a norma ou interpretação normativa cuja constitucionalidade pretende sindicar, o recorrente delimita, em termos irremediáveis e definitivos, o objeto do recurso, não lhe sendo consentida qualquer modificação ulterior, com exceção duma redução do pedido, nomeadamente, no âmbito da alegação que produza.
Expostos, sumariamente, os pressupostos essenciais ao conhecimento do recurso de constitucionalidade interposto nos termos do artigo 70.º, n.º 1, b), da LTC, cumpre verificar o seu preenchimento, relativamente às questões colocadas pelos Recorrentes neste processo.
As questões colocadas pelos Recorrentes no requerimento de interposição de recurso foram as seguintes:
a) a inconstitucionalidade da alínea g), do artigo 2.º, da Lei n.º 6/07, de 2 de fevereiro;
b) a inconstitucionalidade do artigo 721.º-A, n.º 3 e 4, do Código de Processo Civil, quando estabelece uma formação de três juízes para apreciar o recurso de revista excecional;
c) a inconstitucionalidade da interpretação do artigo 721º-A, nº 1, c), e n.º 2, c), do Código de Processo Civil, no sentido de que no recurso de revista excecional cabe ao recorrente juntar certidão do acórdão-fundamento com o requerimento de interposição de recurso, sob pena deste ser liminarmente rejeitado;
d) a inconstitucionalidade da interpretação dos artigos 3º, n.º 3, 704.º, n.º 1, e 721.º-A, n.º 1, c), n.º 2, c), n.º 3 e 4, do Código de Processo Civil, no sentido de não ser necessário ouvir os recorrentes antes de proferida a decisão de não admissão do recurso interposto.
Relativamente às questões acima referidas sob as alíneas a) e b), tendo o Recorrente interposto um recurso de revista excecional que se encontra previsto e regulado no artigo 721.º - A, do Código de Processo Civil, tinha obrigação de saber que o disposto neste preceito iria ser aplicado, sendo o recurso apreciado pela formação do Supremo Tribunal de Justiça, referida no n.º 3, daquele preceito, assim como tinha obrigação de saber que este preceito tinha sido aditado pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de agosto, o qual foi emitido ao abrigo da Lei de autorização legislativa n.º 6/07, de 2 de fevereiro, pelo que lhe era exigível que tivesse suscitado perante o Supremo Tribunal de Justiça as questões de constitucionalidade que agora pretende que o Tribunal Constitucional aprecie no próprio requerimento de recurso que dirigiu ao Supremo Tribunal de Justiça.
Não tendo suscitado adequadamente perante o tribunal recorrido as questões de constitucionalidade acima referidas sob as alíneas a) e b), carece de legitimidade, para colocá-las ao Tribunal Constitucional, nos termos do artigo 72.º, n.º 2, da LTC, pelo que não podem as mesmas integrar o objeto do presente recurso.
Quanto à questão acima referida sob a alínea d), constata-se que a decisão recorrida não se pronunciou sobre a necessidade dos recorrentes serem ouvidos previamente à decisão de não admissão de um recurso de revista excecional, sobre essa possibilidade.
É certo que o Conselheiro Relator não determinou essa audição, mas o acórdão recorrido não abordou tal omissão, não se tendo pronunciado sobre a necessidade de efetuar tal diligência, não sendo por isso possível considerar que nele se encontra implícita a adoção de tal critério.
É certo também que os mesmos Conselheiros que subscreveram o acórdão recorrido vieram posteriormente a sustentar a desnecessidade da audição do Recorrente em acórdão posterior que decidiu o incidente de arguição de nulidade da decisão recorrida, mas o mesmo não é objeto do presente recurso.
Por estas razões, o critério normativo acima referido sob a alínea d) não integra a ratio decidendi do acórdão recorrido, pelo que atenta a natureza instrumental do recurso de constitucionalidade, esta questão também não deve ser conhecida.
Resta, pois, como objeto do presente recurso a interpretação do artigo 721º, n.º 1, c), e n.º 2, c), do Código de Processo Civil, no sentido de que no recurso de revista excecional cabe ao recorrente juntar certidão do acórdão-fundamento com o requerimento de interposição de recurso, sob pena deste ser liminarmente rejeitado.
2. Do mérito do recurso
O artigo 721.º-A, do Código de Processo Civil, introduzido pela reforma do processo civil em matéria de recursos, levada a cabo pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de agosto, criou um recurso de revista excecional como forma de atenuar as consequências da inadmissibilidade de recurso de revista em situações de dupla conforme, excecionando, assim, os casos que encontram justificação na necessidade de tutelar interesses de particular relevância social ou jurídica, ou de uniformizar a jurisprudência.
Para prosseguir esta última finalidade admitiu-se o recurso de revista excecional para o Supremo Tribunal de Justiça quando o acórdão da Relação proferido em situação de dupla conforme esteja em contradição com outro, já transitado em julgado, proferido por qualquer Tribunal da Relação ou pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme (artigo 721.º-A, n.º 1, c), do Código de Processo Civil).
A decisão quanto à verificação dos pressupostos deste recurso compete ao Supremo Tribunal de Justiça, devendo ser objeto de apreciação preliminar sumária, a cargo de uma formação constituída por três juízes escolhidos anualmente pelo Presidente daquele tribunal de entre os mais antigos das secções cíveis.
Nos recursos interpostos com este fundamento, a alínea c), do n.º 2, do artigo 721.º-A, do Código de Processo Civil, exige que o recorrente indique, no requerimento de interposição de recurso, os aspetos de identidade que determinam a contradição alegada e junte cópia do acórdão-fundamento com o qual o acórdão recorrido se encontra em oposição.
Apesar de serem apontados diversos institutos processuais portugueses vigentes em épocas remotas (v.g. as façanhas) como antepassados dos recursos de uniformização de jurisprudência (vide Alberto dos Reis, no Código de Processo Civil anotado, Vol. VI, pág. 233 e seg., da ed. de 1953, da Coimbra Editora), ele só surge com esta configuração durante o período da Ditadura Militar, através do Decreto n.º 12.353, de 22 de setembro de 1926 (artigo 66.º), que permitiu o recurso para o pleno do Supremo Tribunal de Justiça quando uma decisão deste Tribunal contrariasse outra por ele emitida anteriormente (Armindo Ribeiro Mendes, em Direito Processual Civil III. Recursos”, ed. de 1982, da A.A.F.D.L.)
No domínio desta legislação começou por exigir-se que o recorrente juntasse com o requerimento de interposição de recurso certidão do acórdão anterior quando este não estivesse publicado na Coleção Oficial ou no Diário de Governo (§ 2.º, do artigo 66.º, na redação do Decreto n.º 13.979, de 25 de julho de 1927, e § 3.º, do artigo 1176.º, do Código de Processo Civil de 1876, na redação do Decreto n.º 21.287, de 26 de maio de 1932).
Contudo, o Código de Processo Civil de 1939, inovando relativamente ao respetivo Projeto, que no artigo 722.º mantinha a solução anterior, entendeu que era suficiente a indicação, com a necessária individualização, do acórdão-fundamento, com referência ao lugar em que ele se encontrava publicado ou, sendo inédito, o número do seu registo no livro do Supremo Tribunal de Justiça ou o número do processo onde foi proferido (artigo 764.º do Código de Processo Civil).
Bastava, pois, ao recorrente fornecer os elementos que permitissem ao tribunal de recurso identificar e localizar o acórdão de modo a este poder verificar se estavam reunidas as condições para o recurso ser conhecido.
Só a falta de indicação dos elementos identificativos e da localização do acórdão anterior é que justificavam a rejeição do recurso.
No § 2.º, do artigo 763.º, do Código de Processo Civil, exigia-se que o acórdão anterior tivesse transitado em julgado, presumindo-se o trânsito, salvo se o recorrido alegasse que o acórdão não havia transitado. Esta solução dispensava o recorrente de alegar e demonstrar o trânsito do acórdão-fundamento, mas caso o recorrido viesse invocar que ele não tinha transitado em julgado, então teria o recorrente de fazer prova desse facto (Alberto dos Reis, na ob. cit., pág. 284).
A reforma do processo civil de 1961 veio admitir também o mesmo recurso para o Pleno do Supremo Tribunal de Justiça, relativamente à oposição de acórdãos dos tribunais da Relação, quando não fosse admissível recurso de revista ou de agravo por motivo estranho à alçada do tribunal (artigo 764.º do Código de Processo Civil).
A reforma do processo civil operada pelo Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de dezembro, perante os julgamentos de inconstitucionalidade dos Assentos proferidos pelo Tribunal Constitucional, suprimiu o referido recurso para o Tribunal Pleno, tendo instituído, em sua substituição, o julgamento ampliado de revista pelas secções cíveis do Supremo Tribunal de Justiça, como simples vicissitude da fase de julgamento desse recurso ordinário, visando, deste modo, prevenir as situações de conflitos jurisprudenciais (artigos 732.º - A e 732.º - B do Código de Processo Civil).
E a reforma dos recursos em processo civil resultante do Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de agosto, além do recurso de revista excecional aqui em análise, veio também reintroduzir o recurso para uniformização de jurisprudência, agora para o plenário das secções cíveis do Supremo Tribunal de Justiça, relativamente a acórdãos proferidos por este Tribunal que contrariem outro anteriormente por ele proferido transitado em julgado, presumindo-se o trânsito (artigo 763.º do Código de Processo Civil).
E também neste recurso o legislador limitou-se a exigir ao recorrente que juntasse cópia do acórdão anteriormente proferido pelo Supremo, com o qual o acórdão recorrido se encontra em oposição (artigo 765.º, n.º 2, do Código de Processo Civil).
Assim, relativamente ao regime que vigorava desde a aprovação do Código de Processo Civil de 1939, substituiu-se a identificação e a indicação dos elementos necessários à localização do acórdão-fundamento, pela junção de uma cópia do seu teor.
Com a junção da cópia, além de dela constarem os elementos identificativos anteriormente exigidos, permite-se a rápida verificação da oposição entre as soluções jurídicas das duas decisões, tornando-se muitas vezes dispensável as tarefas de localização e obtenção do acórdão-fundamento e de apuramento do seu trânsito.
A utilização do termo “cópia” de uma decisão judicial reporta-se a uma mera reprodução mecânica do seu texto, diferentemente de “certidão” que consiste numa declaração da secretaria de um tribunal, atestando o conteúdo dessa decisão.
António Geraldes entende que a cópia exigida nos artigos 721.º-A, n.º 1, c), e 765.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, se basta com uma mera reprodução obtida a partir de alguma das vias através das quais a decisão tenha sido publicitada, sem exclusão sequer das publicações ou dos sites não oficiais, não estando afastada a possibilidade, ou mesmo a necessidade do tribunal de recurso efetuar diligências complementares para aferição de elementos cuja comprovação não é exigida ao recorrente, mas cuja verificação pode ser necessária, como seja a autenticidade do acórdão e o seu trânsito (em “Recursos em Processo Civil. Novo Regime”, pág. 357, reimpressão de 2008, da Almedina).
Contudo, a decisão recorrida, na sequência de outras proferidas recentemente pelo Supremo Tribunal de Justiça, sustentou que a necessidade de comprovar a autenticidade do acórdão-fundamento, assim como o seu trânsito em julgado, exige que o recorrente junte com o requerimento de interposição de recurso, sob pena da sua imediata rejeição, certidão, com nota de trânsito daquela decisão.
Apesar de vigorar, na definição da tramitação do processo civil, uma ampla discricionariedade legislativa que permite ao legislador ordinário, por razões de conveniência, oportunidade e celeridade, fazer incidir ónus processuais sobre as partes e prever quais as cominações ou preclusões que resultam do seu incumprimento, isso não significa que as soluções adotadas sejam imunes a um controle de constitucionalidade que verifique, nomeadamente, se esses ónus são funcionalmente adequados aos fins do processo, ou se as cominações ou preclusões que decorram do seu incumprimento se revelam totalmente desproporcionadas perante a gravidade e relevância da falta, ou ainda, se de uma forma inovatória e surpreendente, face ao texto legal em vigor, são impostas às partes exigências formais que elas não podiam razoavelmente antecipar, sendo o desculpável incumprimento sancionado em termos irremediáveis e definitivos (vide, neste sentido, Lopes do Rego, em “Os princípios constitucionais da proibição da indefesa, da proporcionalidade, dos ónus e cominações e o regime da citação em processo civil”, em “Estudos em homenagem ao Conselheiro José Manuel Cardoso da Costa”, pág. 839 e seg.).
A exigência que o recorrente, neste tipo de recursos, juntamente com o requerimento de interposição, não se limite a juntar uma cópia do acórdão-fundamento, devendo antes apresentar uma certidão judicial que ateste a existência, o teor e o trânsito daquela decisão, não deixa de revelar-se funcionalmente adequada aos fins do recurso, não sendo uma exigência arbitrariamente imposta, sem qualquer sentido útil para a tramitação processual. Na verdade, visando este tipo de recursos a uniformização da jurisprudência, através da prolação de uma decisão que solucione uma contradição entre a fundamentação jurídica de decisões proferidas por tribunais superiores em processos distintos, é necessário assegurar-se a existência, o conteúdo e o trânsito em julgado da decisão-fundamento. E se, algumas vezes, a localização do processo onde foi proferida essa decisão e a obtenção da pretendida certidão pode colocar alguns problemas, não é possível afirmar que a imposição desse ónus à parte recorrente dificulte de modo excessivo ou intolerável a sua atuação procedimental com vista à utilização do direito ao recurso nestas situações, até porque essa exigência não é incompatível com o deferimento de um pedido do recorrente no sentido do tribunal de recurso lhe conceder um prazo suplementar que lhe permita superar os obstáculos surgidos (vide, sustentando essa possibilidade, Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, em “Código de Processo Civil anotado”, vol. 3.º, Tomo I, pág. 156, da 2.ª ed., da Coimbra Editora), ou que colabore na ultrapassagem desses escolhos.
É certo que a solução de exigir da parte do recorrente a obtenção e apresentação de elementos que o tribunal de recurso poderá obter com maior facilidade, uma vez que respeitam a decisões judiciais, inclusive de decisões que podem ter sido proferidas por esse mesmo tribunal (quando a contradição ocorre relativamente a uma decisão do Supremo Tribunal de Justiça), não é seguramente necessária para a obtenção dos elementos necessários à decisão do recurso, como também não se revela a menos onerosa para as partes, mas isso não é suficiente para a excluir da área de conformação do legislador ordinário.
O problema de constitucionalidade da norma sob fiscalização reside sobretudo na consequência estabelecida para a inobservância de um requisito formal que não se encontra expressamente previsto no texto legal. Enquanto a letra do artigo 721.º-A, n.º 2, c), do Código de Processo Civil, exige a mera junção de cópia do acórdão fundamento, a interpretação efetuada pela decisão recorrida, impõe que o recorrente junte certidão com nota de trânsito daquele acórdão, sob pena de, irremediavelmente, o recurso não ser admitido. A exigência de uma certidão não se compreende nos sentidos possíveis do termo “cópia”, não sendo possível retirar da necessidade do acórdão-fundamento ter transitado em julgado, a obrigatoriedade do recorrente juntar logo com o requerimento de interposição de recurso a prova documental desse trânsito. E o facto de já existirem anteriores decisões do Supremo Tribunal de Justiça sufragando o mesmo entendimento não é suficiente para se poder concluir que exista uma jurisprudência suficientemente sedimentada para que as partes, num juízo de razoabilidade, devessem contar com ela. Na verdade, a reforma operada, ao nível dos recursos, que introduziu o recurso de revista excecional, apenas foi aplicada aos processos entrados em juízo após 1 de janeiro de 2008, pelo que tem um tempo de vigência demasiado curto para que se possa falar, a este respeito, de uma jurisprudência de tal modo consolidada e publicitada em termos de as partes poderem ser sancionadas com a perda irremediável de um direito tão importante como é o direito ao recurso por não terem observado essa orientação jurisprudencial, sem que lhes tenha sido dado uma específica oportunidade de suprirem essa inobservância.
Neste quadro, em que o ónus imposto pela interpretação impugnada não é discernível no texto legal para os interessados em recorrer, mesmo que estes cumpram os deveres de uma conduta processual diligente e observem os ditames de prudência técnica, a sanção do não recebimento do recurso com fundamento no incumprimento desse ónus, sem que lhes seja dada uma específica oportunidade para o cumprir, revela-se uma solução manifestamente injusta.
A imposição de um ónus imprevisto, perante a letra de lei, e por isso de difícil cumprimento pelas partes, tendo como consequência para a sua inobservância a perda imediata e irremediável de um importante direito de defesa processual, como é o direito ao recurso, não é seguramente conforme a um fair trial.
Ora, a garantia da via judiciária estatuída no artigo 20.º, da Constituição, conferida a todos os cidadãos para tutela e defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos, abrange não só a atribuição do direito de ação judicial, mas também a garantia de que o processo, uma vez iniciado, deve seguir as regras de um processo equitativo, conforme impõe o n.º 4, do referido artigo 20.º, da Constituição.
A expressão constitucional um processo equitativo é premeditadamente aberta, estando dotada de uma força expansiva que lhe permite alcançar aqueles casos, como o presente, em que o incumprimento de um ónus imprevisível é sancionado com a perda definitiva de um importante direito processual, como é o direito ao recurso (vide, neste sentido, Lopes do Rego, na ob. cit., pág. 846-849).
Aliás o Tribunal Constitucional em situações semelhantes não tem deixado de intervir, recorrendo quer a este parâmetro constitucional quer ao princípio da proteção da confiança, imanente a um Estado de direito democrático (artigo 2.º da Constituição), como ocorreu nos Acórdãos n.º 431/02 e 213/12 (acessíveis no site www.tribunalconstitucional.pt).
Por estas razões deve o recurso ser julgado procedente.
*
Decisão
Nestes termos decide-se
a) julgar inconstitucional, por violação do direito a um processo equitativo, consagrado no artigo 20.º, n.º 4, da Constituição, a norma constante do artigo 721º-A, n.º 1, c), e n.º 2, c), do Código de Processo Civil, interpretado no sentido de que no recurso de revista excecional cabe ao recorrente juntar certidão do acórdão-fundamento, com o requerimento de interposição de recurso, sob pena deste ser liminarmente rejeitado;
e, em consequência,
b) julgar procedente o recurso interposto por C. e D.;
c) e determinar a reforma da decisão recorrida de acordo com o precedente juízo de inconstitucionalidade.
*
Sem custas
Lisboa, 26 de setembro de 2013. – João Cura Mariano – Fernando Vaz Ventura – Ana Guerra Martins – Pedro Machete – Joaquim de Sousa Ribeiro