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Processo n.º 452/12
Plenário
Relatora: Conselheira Ana Maria Guerra Martins
Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Um grupo de deputados representativo de 46,8% da totalidade da atual composição da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira deduziu perante este Tribunal um “pedido de fiscalização sucessiva e abstrata da inconstitucionalidade e da ilegalidade”, com base no artigo 281.º, n.º 1, alíneas a) e d), e n.º 2, alínea g), da Constituição, bem como nos artigos 62.º e seguintes da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (alterada pelas Leis n.º 143/85, de 26 de novembro, 85/89, de 7 de setembro, 88/95, de 1 de setembro, e 13-A/98, de 26 de fevereiro), fazendo-o através da apresentação de um requerimento com o seguinte teor:
«Objeto
1. Pela Resolução n.º 5/2012/M da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira (adiante ALM) publicada a 17 de janeiro de 2012, foram aprovadas alterações ao Regimento da ALM, incidentes sobre os artigos 9.º, 24.º, 60.º, 66.º, 69.º, 78.º, 81.º, 84.º, 85.º, 89.º a 92.º, 94.º, 97.º, 100.º, 101.º, 105.º, 136.º, 162.º e 236.º do Regimento aprovado pela Resolução n.º 1/2000/M de 12 de janeiro (sucessivamente alterado pelas Resoluções 19-A/2005/M de 25 de novembro, 17/2007/M de 21 de agosto, 16-A/2008/M de 15 de julho e 2/2009/M de 15 de janeiro).
2. A Resolução em causa, no número 2 do artigo 2.º, manda publicar em anexo o Regimento da ALM revisto e alterado e em conformidade com a deliberação assim publicada.
3. Conforme resulta do próprio texto da Resolução as deliberações em causa fundamentam-se no n.º 3 do artigo 232.º da CRP e na alínea a) do artigo 49.º do Estatuto Politico-Administrativo da Região Autónoma da Madeira (adiante EPARAM).
4. O preceito constitucional habilitante determina que o Regimento da Assembleia Legislativa da Madeira deve estar conforme à Constituição e ao Estatuto Político- Administrativo (artigo 232.º n.º 3), o que deve entender-se como a sua subordinação às normas e princípios constitucionais e estatutários, quer no que respeita ao que deve estar disciplinado nesse Regimento, quer nos princípios constitucionais que enformam os órgãos políticos constitucionais.
Questão prévia – da sindicabilidade constitucional dos preceitos regimentais
5. Por diversas vezes, o Tribunal Constitucional tem sido chamado a pronunciar-se sobre a sindicabilidade judicial das normas regimentais, onde, em jurisprudência uniforme e constante, vem considerando como objeto de controlo apenas as normas, mas todas as normas, remetendo a questão para o conceito de norma funcionalmente adequado ao sistema de fiscalização da constitucionalidade instituído na Constituição. Nesse contexto, tem entendido o TC serem sindicáveis os atos de criação normativa.
6. Para integrar o conceito de norma constante dos artigos 278.º a 282.º da Constituição e para efeitos de fiscalização da constitucionalidade, não se pode partir de um conceito clássico e aprioristicamente fixado de norma, nomeadamente aquele a que se ligam as características de generalidade e abstração, mas torna-se necessário buscar um entendimento de norma funcionalmente adequado ao sistema de fiscalização da constitucionalidade instituído na Constituição e que seja consonante com a sua justificação e sentido.
7. O conceito funcional de norma faz apelo a um conceito formal, já que o sistema de fiscalização de constitucionalidade é um sistema que intenta controlar os atos do poder normativo público, o que inculca, antes do mais, a sua edição através da forma adequada ao exercício de um poder normativo.
8. Conforme se referiu a propósito do regulamento que fixa as normas necessárias ao funcionamento e organização da Assembleia da República, inserido na sua competência interna (artigo 178.º alínea a) da CRP) essas normas preenchem as características para efeitos da sua apreciação pelo Tribunal Constitucional, já que é questionável que o Regimento em causa seja puro regulamento interno e, não antes, um ato normativo específico sui generis (embora não um ato legislativo), que é expressão de autonomia normativa interna.
9. Deve assim considerar-se que, pese embora a forma de Resolução que reveste os Regimentos das Assembleias políticas do País, as suas normas na medida em que concretizem princípios constitucionais e não se limitem a disciplinar procedimentos de expediente ou de tratamento logístico dos trabalhos parlamentares, serão atos de criação normativa enquadráveis nos poderes de fiscalização da constitucionalidade.
10. Também agora desde que as normas do Regimento da ALM representem obrigações ou estatuições de comando dirigidas a terceiros, é certo que se enquadrarão naquilo que o Tribunal Constitucional considera norma para efeitos dos artigos constitucionais acima citados. Haverá assim que, numa exegese casuística, descortinar em cada preceito regimental a natureza da norma para assim se julgar da sua constitucionalidade.
Do sistema de Governo Regional
11. A Constituição da Republica e em sua sequência cada um dos Estatutos político-administrativos, traçou para as Regiões Autónomas um sistema de governo distinto do sistema que desenhou para os órgãos de soberania. Como se sabe neste, o sistema de governo, que tem vindo a ser designado por semipresidencialista, assenta numa dupla responsabilidade do Governo perante a Assembleia da Republica e perante o Presidente da Republica, numa triangulação de poderes e deveres políticos que têm concretização em diversos preceitos constitucionais.
12. Nas Regiões autónomas, o sistema de governo traçado pela lei fundamental é parlamentar puro já que o Governo Regional “é politicamente responsável perante a Assembleia Legislativa da região autónoma” (artigo 231.º n.º 3 da CRP) e só perante esta.
13. Esta circunstância torna a relação do Governo Regional com a respetiva Assembleia Legislativa mais direta e mais responsabilizante, acima de tudo nos poderes de fiscalização política e de controlo da atividade governativa.
14. Acresce ainda que, também ao contrário do que se passa a nível nacional, nas Regiões Autónomas, há uma efetiva separação de poderes entre o poder legislativo e o poder executivo, cabendo aquele em exclusivo às Assembleias Legislativas (artigo 232.º n.º 1 da CRP) e ao Governo Regional o poder executivo, expresso, por exemplo, no poder regulamentar (artigos 55.º e 70.º do EPARAM).
15. Tem esta questão especial interesse já que havendo uma dependência direta do Governo Regional dos respetivos parlamentos os seus atos são também inteiramente dependentes dos atos legislativos das Assembleias Legislativas regionais.
16. Estes dois traços do sistema de governo regional tem especial significado quanto às normas que vão disciplinar as relações entre as Assembleias e os respetivos governos, tentando descortinar se elas correspondem a esse desenho constitucional de distribuição de poderes e de responsabilidade.
17. Importará a este respeito averiguar se as normas regimentais correspondem às exigências constitucionais do próprio sistema político regional, ou seja, se de facto o Governo Regional responde perante a Assembleia Legislativa respetiva e de que forma.
18. Tem aqui especial sentido e acuidade, as normas que concretizam a responsabilidade do Governo perante o Parlamento, que concretizamos fundamentalmente nas seguintes (vide artigo 47.º do EPARAM):
a. A aprovação do programa de governo e a possibilidade da sua rejeição;
b. As moções de censura e de confiança;
c. As interpelações;
d. Os inquéritos;
e. Os debates com presença obrigatória do Executivo;
f. O processo legislativo comum ou ordinário;
g. As perguntas ao Governo.
19. Nesta matéria convém desde já referir que a análise constitucional não se pode bastar no julgamento da letra da norma em questão, mas importará que se procure a visão sistemática e a interpretação que das normas se faz em especial pelo órgão executor.
20. Por outras palavras, para que a constitucionalidade seja de facto averiguada não importa apenas um julgamento que se cinja à semântica ou ao sentido literal do preceito, mas que seja capaz de ver a materialidade subjacente e pratica pelas normas regimentais em presença.
Das normas regimentais respeitantes à relação entre Assembleia Legislativa e Governo Regional
21. O Regimento acima referido contém diversas normas sobre o relacionamento entre a Assembleia e o Governo Regional que importa transcrever as mais relevantes:
22. Poderes dos Deputados e Grupos Parlamentares
Artigo 8.º
Poderes dos deputados
1 — Constituem poderes dos deputados:
(...)
g) Requerer e obter do Governo Regional ou dos órgãos de qualquer entidade pública regional os elementos, informações e publicações oficiais que considerem úteis para o exercício do seu mandato;
h) Formular perguntas ao Governo Regional sobre quaisquer atos deste ou da administração pública regional;
i) Provocar, por meio de interpelação ao Governo Regional, a abertura de dois debates em cada sessão legislativa sobre assuntos de política regional;
j) Requerer a constituição de comissões parlamentares eventuais e de inquérito;
(…).
Artigo 12.º
Poderes e direitos dos grupos parlamentares
1 — Constituem poderes de cada grupo parlamentar:
(…)
d) Requerer, com a presença do Governo, o debate de questões de interesse público atual e urgente nos termos previstos no artigo 206.º do Regimento;
(…)
f) Provocar, por meio de interpelação ao Governo Regional, a abertura de dois debates em cada sessão legislativa sobre assunto de política geral ou sectorial;
(…)
h) Requerer a constituição de comissões parlamentares de inquérito;
(…)
i) Requerer a constituição de comissões eventuais;
(…)
n) Ser informado pelo Governo Regional, regular e diretamente, sobre o andamento dos principais assuntos de interesse público nos termos do Estatuto da Região;
o) Apresentar propostas de moção.
(…).
23. Presença e participação do Governo em termos gerais
Artigo 23.º
Competência relativamente a outros órgãos
Compete ao Presidente da Assembleia Legislativa, relativamente a outros órgãos:
(…)
h) Marcar, de acordo com o Governo Regional, as reuniões plenárias em que os seus membros estarão presentes para responder a perguntas e a pedidos de esclarecimento dos deputados, formulados oralmente ou por escrito;
(…).
Artigo 41.º
Competência
Compete às comissões especializadas permanentes:
(…)
e) Solicitar a participação dos membros do Governo Regional nos seus trabalhos, devendo estes comparecer quando tal seja requerido;
(…)
h) Inteirar-se dos problemas políticos e administrativos que sejam do seu âmbito e fornecer à Assembleia Legislativa, quando esta o julgue conveniente, os elementos necessários à apreciação dos atos do Governo Regional e da administração pública regional autónoma;
i) Verificar o cumprimento pelo Governo Regional e pela administração pública regional autónoma das leis e resoluções da Assembleia Legislativa, podendo sugerir a esta as medidas consideradas convenientes;
Artigo 67.º
Presença do Governo
1 — Os membros do Governo Regional têm assento nas reuniões da Assembleia Legislativa e o direito ao uso da palavra para efeito de apresentação de comunicação, de intervenção e de prestação de esclarecimentos.
2 — O Governo Regional pode tomar a iniciativa de promover um debate parlamentar sobre assunto de relevante interesse regional.
3 — A Assembleia Legislativa poderá fixar ordem do dia exclusivamente destinada aos membros do Governo Regional responderem às perguntas e aos pedidos de esclarecimento dos deputados, nos termos da alínea h) do n.º 1 do artigo 8.º e dos artigos 198.º e seguintes do Regimento.
4 — O dia e hora das reuniões previstas no número anterior serão fixados por acordo entre o Presidente da Assembleia Legislativa e o Presidente do Governo.
Artigo 97.º
Duração do uso da palavra
1 — No período da ordem do dia, o tempo global do uso da palavra para o debate na generalidade do projeto ou proposta de lei ou de decreto legislativo regional, salvo quanto a Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares dispuser diversamente, não poderá exceder:
a) Para cada Grupo Parlamentar, dois minutos vezes o número de deputados que o compõem;
b) Três minutos por cada deputado único representante de partido;
c) O autor da iniciativa dispõe de mais dois minutos;
d) O Governo dispõe de tempo igual ao do grupo parlamentar com maior representatividade.
2 — Tratando-se de discussão na especialidade, o tempo global será reduzido a metade dos referidos no n.º 1.
(…).
Artigo 107.º
Participação de membros do Governo e outras entidades
1 — Os membros do Governo Regional podem participar nos trabalhos das comissões, a solicitação destas, devendo aqueles comparecer quando tal seja requerido ou por sua iniciativa.
(…).
4 — As diligências previstas relativamente aos Membros do Governo são efetuadas pelo Presidente da Assembleia Legislativa, por solicitação do Presidente da Comissão, precedida de deliberação desta.
24. Presença e participação do Governo em termos gerais
Secção I
Plano e Orçamento
Artigo 179.º
Agendamento
Elaborado o parecer da comissão competente, o Presidente da Assembleia Legislativa acordará com o Governo Regional a marcação dos dias das reuniões plenárias.
Artigo 180.º
Debate na generalidade
1 — O debate na generalidade das propostas tem a duração máxima de três dias, conforme for deliberado e organizado pela Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares, devendo a última destas reuniões ser exclusivamente destinada ao encerramento.
2 — O debate inicia-se e encerra-se com uma intervenção do Governo Regional.
3 — Antes do encerramento do debate usarão da palavra todos os partidos, sendo o tempo distribuído e atribuído na proporção de um minuto por cada deputado, com o mínimo de três minutos para cada um dos deputados que sejam únicos representantes de partido e de cinco minutos para cada um dos grupos parlamentares.
Secção I
Apreciação do Programa de Governo
Artigo 187.º
Reuniões da Assembleia Legislativa
1 — As reuniões da Assembleia Legislativa para debate do Programa de Governo, nos termos do artigo 59.º do Estatuto da Região são fixados pelo Presidente da Assembleia Legislativa, de acordo com o Presidente do Governo.
(…).
Artigo 188.º
Início do debate
1 — O Programa de Governo é submetido à apreciação da Assembleia Legislativa mediante uma intervenção do Presidente do Governo.
2 — A Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares organizará o debate fixando a distribuição do tempo proporcionalmente pelos grupos parlamentares e deputado único representante de partido, em função da sua representatividade.
Artigo 189.º
Encerramento do debate
1 — O debate terminará na última reunião plenária com intervenção de um deputado de cada partido, pela ordem inversa do quantitativo de deputados por que é representado e do Presidente do Governo que o encerrará.
2 — O tempo será distribuído e atribuído na proporção de um minuto por cada deputado, com o mínimo de três minutos para cada um dos deputados que sejam únicos representantes de partido e de cinco minutos para cada um dos grupos parlamentares.
Secção II
Moções de confiança ao Governo
Artigo 192.º
Debate
1 — O debate não poderá exceder três dias, conforme for deliberado e organizado pela Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares.
2 — No debate intervirão deputados de todos os grupos parlamentares e partidos, bem como o Presidente do Governo e quaisquer membros do Governo Regional.
3 — No conjunto das reuniões dos dois primeiros dias parlamentares, a distribuição do tempo de intervenção é feita proporcionalmente pelos grupos parlamentares e deputado único representante de partido, em função da sua representatividade.
4 — O tempo de intervenção do Governo será fixado pela Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares, não podendo ser superior ao tempo de intervenção atribuído ao maior grupo parlamentar.
Artigo 193.º
Encerramento do debate
1 — Após as intervenções previstas no artigo anterior, o debate terminará na última reunião plenária com intervenções de um deputado de cada partido, pela ordem inversa do quantitativo de deputados por que é representado e do Presidente do Governo Regional que o encerrará.
2 — O tempo será distribuído e atribuído na proporção de um minuto por cada deputado, com o mínimo de três minutos para cada um dos deputados que sejam únicos representantes de partido e de cinco minutos para cada um dos grupos parlamentares.
Secção III
Moção de censura ao Governo
Artigo 195.º
Iniciativa
1 — Por iniciativa dos grupos parlamentares, pode a Assembleia Legislativa votar moções de censura ao Governo Regional sobre a execução do seu programa ou assunto relevante de interesse regional.
2 — Aplica-se às moções de censura o n.º 2 do artigo 192.º
Artigo 196.º
Debate
1 — O debate iniciar-se-á no oitavo dia parlamentar subsequente à apresentação da moção de censura, não poderá exceder três dias e será deliberado e organizado pela Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares.
2 — O debate será aberto e encerrado pelo primeiro dos signatários da moção, que usará da palavra por período não superior a trinta minutos.
3 — O Presidente do Governo tem direito a intervir imediatamente após e antes das intervenções previstas no número anterior, sem limite de tempo.
4 — Durante os dias de reunião destinados ao debate, os tempos de intervenção serão os mesmos que os definidos para o debate da moção de confiança.
Secção IV
Perguntas ao Governo
Artigo 198.º
Formulação de perguntas
1 – (…)
2 — Cada pergunta deverá definir com rigor o seu objeto.
3 — O Presidente da Assembleia Legislativa enviará as perguntas ao Governo Regional, até cinco dias antes da reunião plenária e mandá-las-á publicar no Diário.
4 — A Sessão Plenária destinada a perguntas ao Governo deverá realizar-se no período de 30 dias a contar da apresentação do requerimento para a realização da sessão.
Artigo 199.º
Respostas
1 — Na distribuição das respostas do Governo Regional por reunião plenária destinada a esse efeito, atender-se–á ao critério de duas perguntas por deputado.
2 — O Presidente da Assembleia Legislativa diligenciará junto do Presidente do Governo a respeito das perguntas a que será dada resposta e dará conhecimento dos seus resultados até à última reunião plenária anterior à reunião em que os membros do Governo Regional estarão presentes.
Artigo 200.º
Tramitação
A tramitação da reunião plenária da Assembleia Legislativa será deliberada pela Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares.
Secção V
Interpelações e debates
Artigo 204.º
Reunião da Assembleia Legislativa
No caso de exercício do direito previsto nas alíneas d) e f) do n.º 1 do artigo 12.º, o debate será agendado e organizado pela Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares.
Artigo 205.º
Debates sobre assuntos de política geral ou sectorial
1 — O debate será aberto com a intervenção de um representante do grupo parlamentar interpelante e dos membros do Governo por período não superior a quinze minutos cada.
2 — O debate realizar-se-á numa única reunião plenária e nela terão direito a intervir deputados de todos os partidos e membros do Governo Regional.
3 — A distribuição dos tempos de intervenção é feita proporcionalmente pelos grupos parlamentares e deputados únicos representantes de partido em função da sua representatividade.
4 — O tempo de intervenção do Governo é fixado pela Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares, não podendo ser superior ao tempo de intervenção atribuído ao maior grupo parlamentar.
5 — O debate termina com as intervenções de um deputado do grupo parlamentar interpelante e do Presidente ou membro do Governo Regional que o encerra, não podendo nenhuma das intervenções exceder quinze minutos cada.
Artigo 206.º
Debates sobre questões de interesse público, atual
1 — Os grupos parlamentares e deputados representantes de partido podem requerer, com a presença do Governo Regional, debates sobre questões de interesse público, atual e urgente.
2 — Os requerimentos para a realização dos debates de interesse público, atual e urgente deverão ser fundamentados e serão apreciados e votados pela Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares, na primeira reunião posterior à apresentação do requerimento, com direito de recurso para o Plenário.
3 — O debate será agendado e organizado pela Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares.
Secção V
Inquéritos
Artigo 217.º
Apreciação
1 — A Assembleia Legislativa pronunciar-se-á sobre o requerimento ou a proposta até ao 15.º dia posterior ao da sua publicação no Diário ou à sua distribuição em folhas avulsas.
2 — No debate intervirão um dos requerentes ou proponentes do inquérito, o Presidente do Governo ou outro membro do Governo Regional e um representante de cada partido.
Artigo 236.º
Regra supletiva
1 – (…)
2 — Na discussão na generalidade, salvo quando a Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares dispuser diversamente, os grupos parlamentares, os deputados únicos representantes de partido e representante de partido não constituído em grupo e o Governo Regional não poderão exceder o tempo global de:
a) Um minuto por cada deputado de Grupo Parlamentar;
b) Dois minutos por cada deputado único representante de partido;
c) O Governo dispõe de tempo igual ao do grupo parlamentar com maior representatividade.
25. Se genericamente podemos referir que o Regimento da Assembleia Legislativa Regional tem um conjunto de processos/procedimentos próprios dos sistemas democráticos e que teoricamente permitiriam um efetivo exercício dos poderes de fiscalização e de controlo dos atos do Governo Regional por parte dos deputados e grupos parlamentares (vide artigos 8.º e 12° acima transcritos), a verdade é que as mesmas normas pecam por um lado pela desproporcionalidade de meios entre o Governo Regional e os grupos parlamentares, (como por exemplo quando não conferem quaisquer limites de tempo de intervenção aos membros do Governo Regional, máxime, ao Presidente do Governo Regional, nos debates de processos especiais – vd. art. 196.º n.º 3, para o debate das moções de censura), por outro, pela transferência da competência para a fixação dos termos do debate para a Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares onde a deliberação é tomada pelos votos que cada grupo representa, e, por outro ainda, pelo entendimento de não imperatividade das normas, agravada pela forma como as mesmas têm sido interpretadas.
26. De facto, o Presidente e a Mesa da Assembleia Legislativa da Madeira têm vindo a interpretar as normas que determinam a presença dos membros do Governo Regional no plenário e nas Comissões como não constituindo nenhuma obrigação mas sendo antes uma faculdade. Na sua interpretação assente nas utilizações verbais dos artigos em causa, o Governo Regional pode deixar de vir ao Plenário da Assembleia apresentar as suas propostas de diplomas e não está obrigado a comparecer quando o próprio regimento, nos processos especiais, em causa o determina.
27. Desde logo, na competência do Presidente da Assembleia a utilização de termos como: “marcar, de acordo com o Governo Regional, as reuniões...” (artigo 23.º alínea h); “o dia e hora serão fixados por acordo entre o Presidente da ALM e o Presidente do Governo“ (artigo 67.º n.º 4), as diligências previstas em relação aos membros do Governo são efetuadas pelo Presidente da ALM...” (artigo 107º n.º 4), acordará com o Governo Regional a marcação dos idas” (artigo 179.º), de acordo com o Presidente do Governo (artigo 187.º n.º 1) diligenciará junto do Presidente do Governo a respeito das perguntas... (artigo 199.º n.º 2) tem vindo a ser entendido como conferindo um direito de veto ao Presidente do Governo Regional, já que não dando o seu acordo, as sessões que consubstanciam direitos dos Grupos parlamentares e exercício de poderes de fiscalização política não se realizam.
28. Da mesma forma tem sido interpretado que a norma regimental quando fala Presidente do Governo nos processos especiais de fiscalização política, não significa que o respetivo titular seja obrigado em pessoa a comparecer no plenário da Assembleia mas que possa escolher um outro membro do Governo para o representar mesmo que não haja razões de impedimento justificativas.
29. Parece evidente (à semelhança do que disciplina o Regimento da Assembleia da Republica) que o sistema político assenta na responsabilização do Executivo perante o Parlamento pressupõe direitos potestativos dos Grupos Parlamentares nas Assembleias Legislativas democráticas, resultantes do próprio sistema democrático e da legitimidade eleitoral, que obrigam à presença do Governo, para que possa publicamente responder às questões que são colocadas pelos deputados.
Da inconstitucionalidade
30. Determina o n.º 4 do artigo 232.º da CRP que se aplica à Assembleia Legislativa da região autónoma e respetivos grupos parlamentares, “com as necessárias adaptações, o disposto na alínea c) do artigo 175.º, nos n.ºs 1 a 6 do artigo 178.º e no artigo 179.º com exceção do disposto nas alíneas e) e f) do n.º 3 e no n.º 4, bem como no artigo 180.º”.
31. De entre as alíneas do artigo 180.º da CRP consta o poder dos grupos parlamentares de apresentar moções de rejeição do programa do Governo;”
32. Esse poder não está refletido nem procedimentalmente admitido no Regimento da ALM (bem como no EPARAM) o que configura uma inconstitucionalidade por não estar assegurado um direito que é fundamental ao sistema político regional desenhado constitucionalmente.
33. Acresce que as normas regimentais acima referidas na medida em que têm vindo a ser interpretadas e aplicadas no sentido de que a presença do Governo Regional nas sessões plenárias, mesmo quando estamos em presença de processos de fiscalização política, é facultativa porque dependente da vontade do Governo, constitui uma inconstitucionalidade por violação do artigo 231.º n.º 3 da CRP (e uma ilegalidade por violação do artigo 58.º do EPARAM).
34. A desproporcionalidade de tempos de intervenção e a ilimitada utilização do tempo de intervenção pelos membros do Governo Regional em debates parlamentares que resulta de alguns dos preceitos do Regimento acima transcritos, constitui um clara violação dos princípios constitucionais de proporcionalidade e dos direitos dos partidos políticos representados no parlamento (artigo 114.º da CRP).
Da legalidade
35. O Regimento da Assembleia Legislativa Regional traçou um processo especial para a discussão e aprovação das Resoluções, previsto nos artigos 164.º a 164.º-E, segundo o qual a sua discussão e votação efetua-se no seio das comissões especializadas, só subindo a plenário no caso da proposta ou projeto de resolução ter merecido o voto favorável.
36. Este processo distingue-se do processo comum fundamentalmente por impedir que o Plenário discuta e delibere sobre propostas ou projetos que não mereçam o voto favorável na respetiva Comissão especializada, o que na prática – desvaloriza a importância desses documentos e impede a publicidade da discussão normalmente associada ao funcionamento do plenário.
37. Revestem a forma de resolução muitas das iniciativas parlamentares (artigo 41.º do EPARAM), algumas das quais enquadradas em processos especiais de fiscalização política, mas todas as outras subordináveis a este procedimento especial e mitigado.
38. Determina o artigo 46.º do EPARAM que:
1 – O processo legislativo comum é o adotado para a discussão e votação dos decretos legislativos regionais.
2 — O processo comum aplica-se aos diplomas que sejam propostos com a forma de resolução.
39. Por força do Estatuto Político Administrativo o processo previsto para a discussão das Resoluções é igual ao processo adotado para a discussão e votação dos decretos legislativos regionais, processo onde é assegurada sempre a discussão e votação em plenário.
40. Nesta conformidade o procedimento específico previsto no Regimento está viciado de ilegalidade por violação das normas do Estatuto.
Assim, por violação dos artigos 232.º n.º 4, 180.º, 231.º n.º 3 e 114.º da CRP e 46.º e 58.º do Estatuto Político Administrativo da Região Autónoma da Madeira, são respetivamente, inconstitucionais e/ou ilegais pela fundamentação que antecede, por violação dos direitos das Regiões Autónomas, maxime da Região Autónoma da Madeira os artigos acima referidos constantes do Regimento da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira alterado e republicado pela Resolução n.º 5/2012/M».
2. Notificado para se pronunciar, querendo, sobre o pedido, o Presidente da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira apresentou uma resposta com o seguinte teor:
«(…)
1) Em julho de 2012, um grupo de deputados à Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira solicitou ao Tribunal Constitucional a fiscalização sucessiva abstrata da constitucionalidade e da legalidade de inúmeros artigos do seu Regimento, recentemente alterado pela Resolução n.º 5/2012/M, publicada a 1 de janeiro de 2012.
2) Notificado da receção desse pedido, a que foi atribuído o nº 452/12, o Presidente da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira vem, para os efeitos dos arts. 54°, 55° e 56° da Lei do Tribunal Constitucional, apresentar a sua resposta, contestando os argumentos que sustentam as putativas inconstitucionalidades e ilegalidades que viciariam os referidos preceitos.
3) O texto que fundamenta aquele pedido de pronúncia pela inconstitucionalidade e ilegalidade é um texto prolixo, em que se misturam considerações jurídicas e políticas, não se percebendo bem o fio condutor do discurso relativamente ao objeto do processo de fiscalização.
4) Importa, contudo, depurar o texto daquilo que verdadeiramente não interessa – o que vem a ser a maior parte do articulado da petição apresentada – e ir ao cerne das questões que o Tribunal Constitucional é chamado a tratar e concentrar a atenção desta resposta na infirmação dos referidos vícios.
5) As disposições regionais ora impugnadas referem-se ao tema geral da competência regimental, com o que se pretende regular o funcionamento da Assembleia Legislativa.
II. A violação do princípio do pedido por parte do pedido de fiscalização apresentado.
6) Um dos mais relevantes princípios do Direito Constitucional Processual português é o princípio do pedido, através do qual quem tem legitimidade processual delimita o objeto processual.
7) Quer isso dizer que o Tribunal Constitucional - como, de resto, qualquer tribunal - está definitivamente vinculado a responder àquilo sobre que se pede a sua intervenção.
8) Assim é por diversas razões: desde razões de ordem processual até razões de ordem substancial.
9) Em todas essas razões, igualmente avultam razões intelectuais que se prendem com a seriedade da argumentação, uma vez que se deve levar a sério os processos judiciais e o processo de fiscalização da constitucionalidade e da legalidade em particular.
10) Ora, o não respeito pelo princípio do pedido sem dúvida que constitui um obstáculo à verdade argumentativa, fazendo com que todo um conjunto de normas não indicadas possa ser alvo da cognição do Tribunal Constitucional sobre a sua conformidade com a Constituição e a lei.
11) É verdade que pela leitura da petição de fiscalização da constitucionalidade e legalidade, os deputados regionais autores da mesma se dão ao trabalho de enumerar e transcrever uns quantos artigos que, na sua opinião, estariam viciados.
12) Mas fazem-no de um modo singular: dizem que pretendem a declaração, com força obrigatória geral, da inconstitucionalidade e da ilegalidade do Regimento da Assembleia Legislativa da Madeira.
13) E depois acrescentam: '...designadamente os artigos 9°, 24°, 60°, 66°, 69°, 78°, 81º, 84º, 85°, 89 a 92º, 94°, 97°, 100º, 101º, 105º, 136°, 162º e 236°, alterados pela Resolução na 5/2012/M da Assembleia Legislativa da Madeira, aprovada em sessão plenária de 13 de dezembro de 2011'.
14) Sinceramente, não se consegue perceber: é todo o Regimento que se pretende submeter à fiscalização do Tribunal Constitucional ou são apenas aqueles artigos mencionados?
15) Como se calcula, esta não é uma questão despicienda do ponto de vista da delicadeza da intervenção do Tribunal Constitucional como não é despicienda também da perspetiva dos argumentos que devem ser alinhados quanto à fundamentação de uma decisão de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade, e de uma decisão de legalidade ou de ilegalidade.
16) Só quem não tem a perceção da complexidade das decisões judiciais do prisma da congruência que obviamente elas devem ostentar na relação entre a decisão e os seus fundamentos pode encarar com ligeireza a necessidade de se ser rigoroso na delimitação do objeto processual.
17) O uso erróneo do advérbio 'designadamente' por parte dos requerentes tem de ter uma consequência óbvia: a da violação do sacrossanto princípio do pedido.
18) Assim sendo, a petição apresentada no âmbito do processo n.° 452/12 deve ser liminarmente indeferida por preterição desse princípio processual fundamental.
19) Qualquer uma das opções possíveis para salvar a petição é inconsistente.
20) Se se pretende a fiscalização de todo o regimento, o mesmo não é recortado de acordo com o princípio do pedido, que exige a especificação das normas ou preceitos a fiscalizar.
21) Se se pretende a fiscalização dos artigos enunciados, não se compreende a alusão global feita ao Regimento, em diversos passos, aliás, da petição de fiscalização.
III. A insindicabilidade do regimento parlamentar para efeitos de fiscalização da constitucionalidade e da legalidade
22) Outro tópico fundamental no presente processo de fiscalização da constitucionalidade e da legalidade diz respeito à sindicabilidade do regimento parlamentar.
23) De resto, antevendo essa óbvia dificuldade, os requerentes suscitam como questão prévia saber se o Regimento da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira poderia ser objeto de fiscalização da constitucionalidade e da legalidade.
24) Além de referirem algumas decisões do Tribunal Constitucional, afadigam-se a elencar vários argumentos no sentido de considerarem que o regimento parlamentar preenche o 'conceito funcional de norma', podendo, por isso, ser objeto de fiscalização da constitucionalidade.
25) E certo que o Tribunal Constitucional, alargando o sentido constitucional de norma, tem vindo a aceitar que o objeto de fiscalização da constitucionalidade possa compreender não apenas um conteúdo de efeitos gerais e abstratos – o que seria o conceito clássico de norma jurídica – mas também podendo incluir atos jurídico-públicos que, não tendo um conteúdo normativo, corresponderiam a uma forma normativa, por assim dizer.
26) Não que houvesse um grande mal ao mundo se esse alargamento não tivesse sido aceite, nos limites da Constituição, porque sabemos que em Estado de Direito não há imunidades do poder público.
27) E não sendo a competência do Tribunal Constitucional, sempre restaria a outras jurisdições - corno a jurisdição comum na sua qualidade de jurisdição residual - a intervenção para a invalidação de atos ou normas inconstitucionais e ilegais.
28) Compreendendo-se o alargamento do conceito de norma na definição do objeto do processo constitucional, com a consequência de dilatar a intervenção do Tribunal Constitucional para além daquilo que a Constituição diz, pelo menos, literalmente, ainda assim esse alargamento não inclui o caso vertente.
29) O que temos no presente processo é uma duvidosa pretensão processual de submeter a uma sindicação judicial um conjunto de regras internas acerca do funcionamento da Assembleia Legislativa da Madeira.
30) Essas regras não têm qualquer eficácia externa e são regras interna corporis, que apenas assumem o enfoque da regulação de certos aspetos da vida parlamentar.
31) Nunca está em causa, ao contrário do que os requerentes quiserem antecipadamente fazer crer, a proteção de ninguém: nem de terceiros, nem dos partidos da oposição.
32) Além do mais, não é por acaso que o Regimento parlamentar regional da Madeira é aprovado por resolução, sendo certo que igualmente existe a competência legislativa.
33) Estando bem cientes desse problema, que os ora requerentes pretendem ocultar, chegam uma conclusão bastante primária no argumento de que todas as normas do regimento são sindicáveis …
34) Só que, mesmo a terminar a questão prévia por eles suscitada, caem na evidente contradição de remeter para uma apreciação casuística aquilo que linhas antes tinham afirmado ser evidente, o que, pelas suas próprias palavras, deixou de ser.
35) É o que se pode ler nesta passagem do ponto n.° 10, in fine: 'Haverá assim que numa exegese casuística, descortinar em cada preceito regimental a natureza da norma para assim se julgar da sua constitucionalidade”.
36) No fim da questão prévia em que se cuidou de afirmar solenemente a natureza normativa do Regimento deitam por terra essa asserção porque, afinal, ela tem de ser encontrada numa 'exegese casuística ... '.
37) Acresce ainda mencionar que os regimentos parlamentares suscitam outro tipo de problemas que tangem com a natureza eminentemente política das decisões e dos efeitos que neles se contêm.
38) Trata-se de um domínio puramente político, em que se assinalam idiossincrasias fortes do poder parlamentar na conformação e configuração da sua organização e funcionamento.
39) Nem sequer é por acaso a distinção, sempre praticada, entre os domínios regulados pelas leis - a lei da organização e do funcionamento parlamentar - e pelos regimentos - os quais incluem aspetos internos eminentemente políticos.
40) Seria perigoso fazer entrar no âmbito sensível da discricionariedade político-parlamentar um juízo jurídico-judicial completamente espúrio à sua natureza.
41) Nem esse resultado alguma vez poderia ser tolerado ao abrigo do princípio da separação de poderes, ainda que seja aceite na sua máxima flexibilidade como princípio da interdependência de poderes ou mesmo como singelo princípio do equilíbrio de poderes.
42) Os regimentos parlamentares são áreas reservadas à intervenção política pura dos Parlamentos e não se adequam aos critérios - certamente nobres e necessários - dos tribunais e do poder judicial.
43) Se assim não fosse, o Estado de Direito, constitucionalmente consagrado, entraria em rápida desagregação, com os tribunais em geral e o Tribunal Constitucional em especial a interferir e a dirimir questões políticas, quando o seu diapasão de controlo não é esse.
44) Se já durante certas épocas se alertaram as jurisdições constitucionais para o perigo do 'Governo dos Juízes', eis que aqui se abriria uma nova chance para um 'Governo Parlamentar dos Juízes', o que vivamente repudiamos.
IV. A constitucionalidade dos preceitos regimentais sobre moção de rejeição do programa de Governo
45) Entrando agora na apreciação concreta dos argumentos de inconstitucionalidade relativamente à floresta de normas que foram referidas pelos requerentes, o primeiro aspeto liga-se ao facto de alegadamente não haver qualquer alusão ao poder de os deputados apresentarem moções de rejeição do programa do governo.
46) Em primeiro lugar, se se trata de uma inconstitucionalidade por omissão, no entendimento dos requerentes, foi errado o meio processual utilizado, que é o da fiscalização sucessiva abstrata da constitucional idade por ação, e não por omissão.
47) Mas nem sequer se crê que possa aqui existir qualquer problema de inconstitucionalidade: as moções de censura, instrumento essencial num sistema de governo parlamentar, estão obviamente previstas e podem acomodar a função específica de rejeitar o programa do Governo apresentado.
48) Como se pode ler no Regimento, no seu artigo 195.º, n.º 1, 'Por iniciativa dos grupos parlamentares, pode a Assembleia Legislativa votar moções de censura ao Governo Regional sobre a execução do seu programa ou assunto relevante de interesse regional'.
49) Não é preciso ser muito sagaz para perceber que esta norma facilmente acolhe a possibilidade da aprovação de uma moção de censura ao programa de Governo, e por duas vias: se se pode censurar a execução do programa, também se poderá censurar o próprio programa, porque quem pode o mais, pode o menos ...
50) Por outro lado, parece inequívoco que sempre entrará no conceito de 'assunto relevante de interesse regional' a questão da aprovação ou rejeição do programa de governo.
V. A constitucionalidade dos preceitos regimentais sobre a presença dos membros do Governo Regional nos trabalhos da Assembleia Legislativa da Madeira
51) Outra questão que foi suscitada prende-se com os preceitos que são atinentes à presença dos membros do Governo Regional nos trabalhos da Assembleia Legislativa da Madeira.
52) Sem se perceber muito bem os argumentos, os requerentes chegam à conclusão de que aquela presença é ' ... facultativa porque dependente da vontade do Governo ... ', conforme se diz no ponto n.° 33.
53) Há aqui um grave equívoco quanto ao sentido daquela facultatividade, pois que o Regimento da Assembleia Legislativa, de um modo absolutamente irrepreensível, determina a presença dos membros dos Governo em todos os atos e trabalhos em que a sua presença se justifique nos termos da lógica da sua responsabilidade política perante o Parlamento Madeirense.
54) Daí que se impugne frontalmente a afirmação simples e destituída de que a presença dos membros do Governo seja facultativa.
55) Coisa bem diversa é o reconhecimento de que esse preceito regimental apela à combinação do trabalho governamental com o trabalho parlamentar, para o que importa assinalar a concorrência das vontades em causa e as disponibilidades de agendas.
56) Se porventura o membro do Governo não quiser comparecer, estamos perante um dever de comparência a cujo incumprimento o Regimento não atribui - nem podia atribuir - qualquer sanção, sendo uma norma imperfeita.
57) Certamente que não passará pela cabeça dos requerentes mandar a polícia a casa dos membros do Governo Regional a fim de os obrigar a comparecer nos trabalhos regionais para que foram convocados.
58) Nem isso se afirma verdadeiramente nevrálgico no funcionamento do sistema de governo parlamentar, dado que os efeitos da responsabilidade política se podem sempre fazer sentir através das moções de censura ou através da formulação de perguntas, daí não se deduzindo um qualquer défice de informação política necessária para a operacionalização daquele mecanismo da responsabilidade política.
59) E mesmo que assim não fosse, eis como aqui se percebe tão bem que a regulação deste tema pertence a um centro intangível da discricionariedade político-parlamentar, na qual é sempre ilegítimo que um tribunal - mesmo o Tribunal Constitucional - possa imiscuir-se.
VI. A constitucionalidade dos tempos atribuídos aos membros do Governo Regional para intervirem nos trabalhos da Assembleia Legislativa Regional
60) Terceiro aspeto que é também apontado como argumento de inconstitucionalidade é atinente à conclusão de supostamente haver uma ' ... desproporcionalidade de tempos de intervenção e a ilimitada utilização de tempo de intervenção pelos membros do Governo Regional em debates parlamentares ... ,' como se escreve no ponto n° 33.
61) Desde logo se deve assinalar que a conclusão dos requerentes é bem ambivalente, já que oscilam entre a não presença dos membros do Governo Regional - como se dizia no argumento anterior, com a tese da 'facultatividade da sua presença' - e o facto de os mesmos 'abusarem' do tempo nas suas intervenções ...
62) Não parece que este argumento tenha qualquer procedência, na medida em que a ilimitação de tempo na intervenção é sempre um benefício da instituição parlamentar, que fica da melhor maneira informada sobre a atividade dos membros do Governo Regional.
63) Sendo o Governo Regional politicamente responsável perante a Assembleia Legislativa, devia ser bem-vinda a disponibilidade de os membros do Governo Regional explicitarem a sua atividade, mesmo à exaustão, nos trabalhos parlamentares.
64) Estranha-se muito que se possa assinalar aqui, infelizmente, uma esquizofrénica argumentação por parte dos requerentes, como se pudessem pertencer igualmente a dois mundos antagónicos ou como pudessem verberar, com a mesma coerência, algo e o seu contrário: o 'nada', que é a facultatividade da presença dos membros do Governo Regional, e o 'tudo', que é a sua presença sem limites de tempo, para explicitar a sua atividade.
65) Em que ficamos, afinal?
VII. A legalidade dos preceitos regimentais sobre o procedimento parlamentar de aprovação das resoluções
66) No que tange às questões de ilegalidade, é unicamente mencionado um falso problema que se relaciona com o procedimento de aprovação das resoluções parlamentares.
67) Invoca-se a desconformidade dos artigos 164.º a 164.º e do Regimento da Assembleia Legislativa da Madeira com o artigo 46°, n° 2, do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira (EPARAM).
68) Essa alegada ilegalidade reportar-se-ia ao facto de no procedimento de aprovação das resoluções se poder prescindir da intervenção do plenário, sendo as resoluções sempre aprovadas pela comissão especializada e só o sendo em plenário com o consentimento daquela comissão, com isso se violando, alegadamente, a norma estatutária que imporia uma paridade de procedimentos deliberativos entre leis e resoluções.
69) Esta é uma conclusão que assenta num pressuposto completamente errado: o pressuposto de se achar que, na dinâmica parlamentar, a produção de leis regionais tem a mesma importância da produção de resoluções regionais.
70) Por alguma razão a Constituição e o EPARAM fazem a distinção entre lei e resolução, a qual, não sendo absolutamente rigorosa, se explica muito pela maior importância político-parlamentar da lei em relação à resolução.
71) Pelos vistos, os requerentes ignoram a essência dessa distinção e tentam, para seu benefício, equiparar o estatuto parlamentar-regimental das resoluções ao das leis, quando isso sempre poria em causa a natureza das coisas e a hierarquia da consistência dos efeitos dos correspondentes atos jurídico-públicos.
72) Noutra perspetiva, mesmo que esta distinção não entrasse pelos olhos dentro, o que o EPARAM determina não é uma absoluta igualação de estatutos ou de normas regimentais, mas a aplicação de um mesmo 'processo comum', o que tem um significado normativo-hermenêutico bastante diferente.
73) Desde logo, porque dentro dos processos comuns, há regras diferenciadas entre diversas leis que são tramitadas.
74) Por outro lado, o dizer-se que se aplica aponta para uma nuclearidade normativa-regimental, não para todos os pormenores de uma concreta regulação regimental.
75) Ora, o que podemos ver é o escrupuloso respeito por essa nuclearidade normativo-regimental, a qual deriva diretamente do princípio democrático-representativo.
76) É sempre garantido que a vontade eleitoral que se traduziu na verdade dos mandatos parlamentares está presente nas votações efetuadas, que na comissão especializada se apresentam com a mesma proporção dos mandatos atribuídos no plenário».
3. Após discussão em Plenário do memorando apresentado pelo Presidente do Tribunal Constitucional, nos termos do artigo 63.º, n.º 1, da LTC, e fixada a orientação do Tribunal, cumpre agora decidir de harmonia com o que então se estabeleceu.
II – Fundamentação
A) Questões prévias
a) Legitimidade processual dos requerentes
4. No presente processo, um grupo de deputados representativo de 46,8% da totalidade da atual composição da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira vem requerer a fiscalização abstrata da constitucionalidade e da legalidade de um conjunto de normas constantes do Regimento da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, aprovado pela Resolução da Assembleia Legislativa Regional n.º 1/2000/M, de 12 de janeiro, com as alterações introduzidas pelas Resoluções da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira n.º 19-A/2005/M, de 25 de novembro, n.º 17/2007/M, de 21 de agosto, n.º 16-A/2008/M, de 15 de julho, n.º 2/2009/M, de 15 de janeiro, e n.º 5/2012/M, de 17 de janeiro de 2012, com fundamento na violação dos artigos 232.º, n.º 4, 231º, n.º 3, e 114.º, todos da Constituição, e dos artigos 46.º e 58.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira, respetivamente.
O pedido foi formulado ao abrigo do disposto nas alíneas a) e d) do n.º 1 e da alínea g) do n.º 2, ambos do artigo 281.º da Constituição da República Portuguesa.
A alínea g) do n.º 2 do artigo 281.º da Constituição atribui a um décimo dos deputados à Assembleia Legislativa das regiões autónomas dos Açores e da Madeira legitimidade para requerer a fiscalização da constitucionalidade de normas com fundamento na violação dos direitos das regiões autónomas, bem como a fiscalização da legalidade de normas com fundamento na violação dos respetivos Estatutos Político-Administrativos.
Ao contrário do que sucede com o poder de iniciativa atribuído aos demais órgãos enumerados no n.º 2 do artigo 281.º da Constituição, aquele que é conferido às entidades mencionadas na respetiva alínea g), não é geral, mas limitado, resultando essa limitação dos específicos requisitos a que se encontra sujeita a respetiva causa de pedir.
O poder de requerer a fiscalização abstrata da constitucionalidade de normas conferido a um décimo dos deputados à Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira pressupõe, na verdade, que esteja em causa uma eventual violação de direitos das regiões autónomas consagrados na Constituição, isto é, dos “direitos constitucionalmente reconhecidos às regiões face à República' (cf. Gomes Canotilho / Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. II, 4ª ed., Coimbra, 2010, pg. 967).
Deste modo, 'não basta invocar simplesmente a inconstitucionalidade de uma norma jurídica, uma vez que o poder de impugnação está constitucionalmente circunscrito e pressupõe uma legitimidade qualificada pela violação de direitos da região”, ou seja, “aqueles que, no próprio texto constitucional, configuram e concretizam o princípio da autonomia regional' (cf. Jorge Miranda / Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo III, Coimbra, 2007, pg. 807).
O Tribunal Constitucional já teve oportunidade de afirmar diversas vezes que, sendo o pedido de declaração de inconstitucionalidade, o poder de iniciativa conferido pela alínea g) do n.º 2 do artigo 281.º da Constituição aos deputados à Assembleia da Região Autónoma se encontra circunscrito, para efeitos de legitimidade processual ativa, à violação dos “direitos que conformarem constitucionalmente de modo direto a autonomia político-administrativa das regiões” (cf. Acórdão n.º 634/2006. Vide igualmente Acórdãos n.ºs 403/89, 198/2000, 615/2003, 75/2004, 491/2004, 239/2005 e 411/2012).
Aliás, na sequência da perspetiva expressa pela Comissão Constitucional, no Parecer n.º 25/80 – de acordo com o qual o poder das assembleias legislativas das regiões autónomas “é um poder circunscrito na natureza e no objeto” que se destina, enquanto “poder instrumental de garantia dos poderes substantivos em que se traduz o regime político-administrativo dos Açores e da Madeira”, à “defesa das correspondentes normas constitucionais”, e apenas pode por essa razão incidir “sobre normas legislativas ou outras que com elas, porventura, colidam” (Pareceres da Comissão Constitucional, 13.º vol., pg. 143) –, este Tribunal vem entendendo que “o exercício pelos órgãos regionais da faculdade de impugnação da inconstitucionalidade de normas dimanadas de órgãos de soberania pressupõe uma legitimidade qualificada pela violação de direitos das regiões”: na medida em que o “critério de determinação do âmbito do pedido” é fornecido precisamente pela “circunstância de ser acionado, por esta via, um poder de garantia dos poderes das regiões”, apenas podem ser “consideradas as normas que […] violem direitos constitucionalmente conferidos às regiões [...]' (cf. Acórdão n.º 403/89).
Daí que, 'constituindo a norma constitucional uma atribuição de legitimidade para suscitar os mecanismos da fiscalização abstrata pelos deputados regionais, em função da defesa dos direitos constitucionais das regiões”, se não verifique “tal legitimidade quando as normas questionadas não interfiram diretamente com tal razão defensiva' (Acórdão n.º 198/2000).
Por conseguinte, só 'com fundamento em normas constitucionais que definam poderes jurídicos conferidos às regiões autónomas enquanto pessoas coletivas territoriais, em concretização do princípio da autonomia político-administrativa regional”, poderão “as entidades mencionadas no artigo 281.º, n.º 2, alínea g), da Constituição, requerer ao Tribunal Constitucional a declaração de inconstitucionalidade de quaisquer normas' (cf. Acórdão n.º 615/03).
5. No caso em apreço, os requerentes impugnam a constitucionalidade de um conjunto de normas insertas no Regimento da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, acusando-as de violarem os artigos 114.º, 180.º, 231.º, n.º 3, e 232.º, n.º 4, todos da Constituição.
Incluído no Título dedicado à consagração dos princípios gerais em matéria de Organização do Poder Político, o artigo 114.º da Constituição afirma a função democrática dos partidos políticos (n.º 1), reconhece às minorias o direito de oposição democrática (n.º 2) e constitucionaliza alguns desses direitos de oposição, designadamente o direito à informação regular e direta sobre os principais assuntos de interesse público, estendendo-os, não só aos partidos políticos representados na Assembleia da República que não façam parte do Governo, como também aos partidos políticos representados nas Assembleias Legislativas das regiões autónomas e em quaisquer outras assembleias designadas por eleição direta relativamente aos correspondentes executivos de que não façam parte (n.º 3).
Em qualquer dos enunciados normativos que contempla, o artigo 114.º da Constituição é um preceito relativo aos direitos dos partidos políticos e das oposições e não aos poderes ou direitos autonómicos das regiões.
Mesmo na parte em que estende aos partidos políticos representados nas Assembleias Legislativas das regiões autónomas o conjunto de faculdades compreendidas no direito de oposição, o artigo 114.º da Constituição continua a ser uma norma geral de especificação dos mecanismos democráticos de proteção das minorias em face ao executivo – no caso, do Governo Regional correspondente – e não uma norma que defina qualquer parcela dos poderes jurídicos constitucionalmente conferidos às regiões autónomas enquanto pessoas coletivas territoriais, em concretização do princípio da autonomia político-administrativa regional.
A sua alegada violação não integra, por isso, a causa de pedir a que se encontra constitucionalmente subordinada a legitimidade do acionamento da fiscalização abstrata pelos deputados regionais.
O mesmo vale, por identidade de razão, relativamente às prescrições contidas no artigo 180.º da Constituição.
Tendo por objeto a enunciação dos direitos dos grupos parlamentares em que admite possam constituir-se os deputados da Assembleia da República eleitos por cada partido ou coligação de partidos, o artigo 180.º da Constituição é completamente estranho, desde logo no plano organizacional, ao quadro constitucional de definição dos direitos das regiões autónomas face à República, o que determina que a respetiva violação não possa constituir fundamento idóneo para um pedido de fiscalização abstrata da constitucionalidade, quando formulado pelas entidades referidas na alínea g) do n.º 2 do artigo 281.º da Constituição.
6. Pelo contrário, os artigos 231.º e 232.º da Constituição inscrevem-se sistematicamente no Título que, no âmbito da Parte relativa à Organização do Poder Político, é dedicado às Regiões Autónomas.
Na medida em que a autonomia político-administrativa constitucionalmente conferida às regiões autónomas não consiste apenas “na concessão formal de um conjunto maior ou menor de poderes ou direitos”, mas “também, ou sobretudo, no exercício desses poderes ou direitos por órgãos democraticamente legitimados das regiões” (cf. Jorge Miranda / Rui Medeiros, ob. cit., Tomo III, Coimbra, 2007, pg. 317), a Constituição associa ao reconhecimento da existência de interesses regionais a promover e defender (cf. artigo 225.º, n.º 2) “a constituição de órgãos representativos capazes de definir com legitimidade esses mesmos interesses e habilitados a prossegui-los por si mesmos (idem, pg. 399).
Inserido no âmbito da definição constitucional da estrutura orgânica das regiões autónomas que às leis estatuárias cabe densificar (cf. Gomes Canotilho / Vital Moreira, ob. cit., pg. 698), o n.º 3 do artigo 231.º, juntamente com o respetivo n.º 4, estabelece o sistema de governo das regiões autónomas de acordo com o modelo “parlamentar típico” (idem, pg. 699), tornando o Governo Regional responsável perante a Assembleia Legislativa respetiva e não também perante o Representante da República, que é nomeado e exonerado pelo Presidente da República, ouvido o Governo (cf. artigo 230.º, n.º 2, da Constituição).
Sem integrar diretamente o âmbito da definição da competência exclusiva das Assembleias Legislativas das regiões autónomas a que se propõe o artigo 232.º da Constituição, o respetivo n.º 4 – aditado pela LC n.º 1/89 – estende àquelas Assembleias o “regime constitucional da Assembleia da República relativo à constituição de comissões parlamentares, permanentes ou eventuais [artigo 175.º, alínea c)], as regras constitucionais sobre a composição de comissões (…) (artigo 178.º, n.ºs 1 a 6), as normas reguladoras da comissão permanente, com as exceções lógicas dos poderes relativos ao Presidente da República [artigo 179.º, alínea f)] e ainda as normas respeitantes a grupos parlamentares (artigo 180.º) […]” (cf. Gomes Canotilho / Vital Moreira, ob. cit., pg. 704).
7. Embora as democracias regionais – que resultam da existência, por imposição constitucional, de órgãos de governo próprio de cada Região Autónoma – exerçam “um inquestionável efeito limitador do princípio democrático nacional” (cf. Jorge Miranda / Rui Medeiros, ob. cit., pg. 399), nem todas as injunções normativas extraíveis dos artigos 231.º e 232.º da Constituição poderão ser qualificadas, para efeitos de aferição da legitimidade dos deputados regionais, como elementos definidores dos poderes das regiões face a outras entidades que lhes são externas, maxime o Estado.
No que diz respeito ao n.º 3 do artigo 231.º da Constituição, trata-se, conforme já referido, da afirmação de que o sistema de governo das regiões autónomas assenta na responsabilidade política do Governo Regional perante a Assembleia Legislativa da respetiva região autónoma e apenas perante esta, o que constitui uma “diferença estrutural entre o sistema de governo regional e o sistema de governo da República” (cf. Jorge Miranda / Rui Medeiros, ob. cit., pg. 403) uma vez que, conforme estabelecido no artigo 190.º, o Governo da República é duplamente responsável, quer perante o Parlamento, quer em face do Presidente da República.
O n.º 3 do artigo 231.º da Constituição contém, assim, duas proposições diferenciáveis: i) a de que o Governo Regional responde politicamente perante a Assembleia Legislativa da respetiva região autónoma (dimensão interna ou intrarregional); e ii) a de que o Governo Regional responde apenas perante a Assembleia Legislativa da respetiva região autónoma (dimensão externa ou relativa ao plano das relações entre as regiões autónomas e os órgãos de soberania);
Enquanto a segunda dimensão constitui inegavelmente uma concretização do princípio da autonomia político-administrativa regional, a primeira diz somente respeito às relações dos órgãos de governo próprio das regiões autónomas entre si, não representando por isso qualquer concretização ou projeção dos direitos constitucionalmente reconhecidos às regiões face à República a que se refere a alínea g) do n.º 2 do artigo 281.º da Constituição. Conforme se escreveu no Acórdão n.º 198/2000, as questões relativas à “distribuição interna de competências entre os diversos órgãos regionais” não permitem configurar “um problema atinente aos direitos constitucionais das regiões em face do Estado”, não se revelando, em tal situação, “nem o fator estrutural do relacionamento direto de uma competência regional com as do Estado nem qualquer significado de defesa da região perante o Estado”.
Considerados os fundamentos que acompanham o pedido de declaração de inconstitucionalidade de certas das normas constantes do Regimento da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, esta é, todavia, a dimensão paramétrica em que a norma constante do n.º 3 artigo 231.º da Constituição é convocada pelos requerentes.
Em tal dimensão, a norma parâmetro não define qualquer direito autonómico regional, o que retira aos deputados regionais subscritores do pedido de declaração de inconstitucionalidade a legitimidade qualificada exigida pela alínea g) do n.º 2 do artigo 281.º da Lei Fundamental.
8. O mesmo se verifica em relação à norma constante do n.º 4 do artigo 232.º da Constituição.
Ao mandar aplicar às Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas e aos respetivos grupos parlamentares, com as devidas adaptações, “as normas que, no âmbito da Assembleia da República, versam, quer sobre a constituição, presidência, funcionamento e poderes da comissão permanente e das restantes comissões (…), quer sobre os grupos parlamentares” (cf. Jorge Miranda / Rui Medeiros, ob. cit., pg. 419), o n.º 4 do artigo 232.º da Constituição não comporta qualquer definição dos poderes jurídicos que, em concretização do princípio da autonomia político-administrativa regional, são constitucionalmente conferidos às regiões autónomas enquanto pessoas coletivas territoriais, pelo que a invocação da respetiva violação não permite perspetivar uma questão de inconstitucionalidade fundada na violação dos direitos autonómicos da Região.
Assim, na medida em que nenhuma das normas paramétricas mobilizadas conforma “constitucionalmente de modo direto a autonomia político-administrativa das regiões” (cf. Acórdãos n.º 198/00, 615/03, 75/04 e 239/05), deve concluir-se pela ilegitimidade dos requerentes para requerer a fiscalização abstrata da constitucionalidade das normas regimentais impugnadas.
b) Delimitação do objeto do pedido de declaração de ilegalidade
9. No requerimento em que foi pedida a fiscalização abstrata da legalidade, os requerentes concluem no sentido de que, “por violação dos artigos (…) 46.º e 58.º do Estatuto Político Administrativo da Região Autónoma da Madeira”, deverão ser considerados “ilegais pela fundamentação que antecede, por violação dos direitos das Regiões Autónomas, maxime da Região Autónoma da Madeira, os artigos acima referidos constantes do Regimento da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira alterado e republicado pela Resolução n.º 5/2012/M, de 17 de janeiro».
Conforme resulta do próprio teor do requerimento apresentado, na posição de “acima referidos” encontram-se diversos conjuntos de preceitos do Regimento da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira Regimento, não coincidentes entre si.
O primeiro conjunto indicado no requerimento é composto pelas normas constantes dos artigos sobre os quais incidiram as alterações ao Regimento da Assembleia Legislativa da Região Autónoma aprovadas pela Resolução n.º 5/2012/M da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, de 17 de janeiro de 2012. Tal conjunto, mencionado no requerimento sob a epígrafe “objeto”, é integrado pelos “artigos 9.º, 24.º, 60.º, 66.º, 69.º, 78.º, 81.º, 84.º, 85.º, 89.º a 92.º, 94.º, 97.º, 100.º, 101.º, 105.º, 136.º, 162.º e 236.º do Regimento aprovado pela Resolução n.º 1/2000/M de 12 de janeiro (sucessivamente alterado pelas Resoluções 19-A/2005/M de 25 de novembro, l7/2007/M de 21 de agosto, 16 A/2008/M de 15 de julho e 2/2009/M de 15 de janeiro)”, na versão resultante das alterações introduzidas pela Resolução n.º 5/2012/M.
O segundo conjunto de preceitos referidos pelos requerentes é composto por aqueles que acolhem as “normas regimentais respeitantes à relação entre Assembleia Legislativa e Governo Regional”, integrando os artigos 8.º, n.º1, alíneas g), h), i) e j), 12.º, n.º1, alíneas d), f) h), i), n) e o), 23.º, alínea h), 41.º, alíneas e), h) e i), 67.º, n.ºs 1, 2, 3 e 4, 97.º, n.º 1, alíneas a), b), c) e d), e n.º 2, 107.º, n.ºs 1 e 4, 179.º 180.º, n.ºs 1, 2 e 3, 187.º, n.º1, 188.º, n.ºs 1 e 2, 189.º, n.ºs 1 e 2, 192.º, n.ºs 1, 2, 3 e 4, 193.º, n.ºs 1 e 2, 195.º, n.ºs 1 e 2, 196.º, n.ºs 1, 2, 3 e 4, 198.º, n.ºs 2, 3 e 4, 199.º, n.ºs 1 e 2, 200.º, 204.º, 205.º, n.ºs 1, 2, 3, 4 e 5, 206.º, n.ºs 1, 2, e 3, 217.º, n.ºs 1 e 2, e 236.º, n.ºs 2, alíneas a), b) e c), todos do Regimento da Assembleia Legislativa da Região Autónoma, na versão resultante das alterações aprovadas pela Resolução n.º 5/2012/M, de 17 de janeiro de 2012.
Considerado o decaimento, por ilegitimidade dos requerentes, da parte do pedido relativa à declaração de inconstitucionalidade, o terceiro conjunto que importa identificar para o efeito de delimitação do objeto do pedido é integrado pelos preceitos expressamente mencionados no excerto do requerimento que, sob a epígrafe “Ilegalidade”, trata da explanação dos fundamentos que deverão conduzir a que esta seja declarada. Tal conjunto é integrado pelos artigos 164.º, 164.º-A, 164.º-B, 164.º-C, 164.º-D e 164.º-E, todos do Regimento da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, relativos à discussão, na generalidade (artigos 164.º e 164.º-A) e na especialidade (artigos 164.º-B, 164.º-C, 164.º-D e 164.º-E), dos projetos ou propostas de Resolução.
Sendo este terceiro o único bloco normativo a que, de forma direta e expressa, os requerentes reportam quer os fundamentos, quer os parâmetros que deverão compor o reivindicado juízo de ilegalidade, não restam dúvidas de que os preceitos “acima referidos” não poderão deixar de integrar o conjunto que agrega os artigos 164.º, 164.º-A, 164.º-B, 164.º-C, 164.º-D e 164.º-E, todos do Regimento da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira.
10. Identificado, nos referidos termos, o conjunto de preceitos onde se encontra sediado o conteúdo normativo impugnado, a delimitação do objeto do pedido de declaração de ilegalidade pressupõe ainda que tal conteúdo seja aí concretamente precisado.
Neste segundo momento, importará ter presente que, para os requerentes, a ilegalidade determinada pela violação dos n.ºs 1 e 2 do artigo 46.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira (EPARAM), aprovado pela Lei n.º 13/91, de 5 de junho, e revisto pelas Leis n.º 130/99, de 21 de agosto, e 12/2000, de 21 de junho, atingirá a(s) norma(s) do Regimento da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira que, excecionando a regra que integra o processo legislativo comum, determina(m) que a discussão e votação dos projetos ou propostas de Resolução se efetua no seio das comissões especializadas, só subindo a plenário no caso de a proposta ou projeto de resolução ter merecido o voto favorável.
Integram, assim, o objeto do pedido de declaração de ilegalidade os artigos 164.º, 164.º-A, 164.º-B, 164.º-C, 164.º-D e 164.º-E, todos do Regimento da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, na parte em que determinam que a discussão e votação dos projetos ou propostas de Resolução se efetua no seio das comissões especializadas, só subindo a plenário no caso de a proposta ou projeto de resolução ter merecido o voto favorável.
Na medida em que o objeto do pedido de fiscalização da legalidade das normas constantes do Regimento da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira é delimitável nos termos acabados de descrever e estes coincidem integralmente com aqueles que, sob a epígrafe “A legalidade dos preceitos regimentais sobre o procedimento parlamentar de aprovação das resoluções”, foram tidos em conta pelo autor das normas na resposta oferecida (ponto VII. da resposta), nada deverá obstar, do ponto de vista do princípio do pedido, ao conhecimento da pretensão de ver apreciada a legalidade dos artigos 164.º, 164.º-A, 164.º-B, 164.º-C, 164.º-D e 164.º-E, todos do Regimento da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, na parte em que determinam que a discussão e votação dos projetos ou propostas de Resolução se efetua no seio das comissões especializadas, só subindo a plenário no caso de a proposta ou projeto de resolução ter merecido o voto favorável.
11. Além do bloco normativo sediado nos artigos 164.º, 164.º-A, 164.º-B, 164.º-C, 164.º-D e 164.º-E, todos do Regimento da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, poder-se-á admitir que o objeto do pedido de fiscalização da legalidade, tal como conformado pelos requerentes, tenha a pretensão de incluir ainda os enunciados regimentais indiretamente mencionados no ponto 33. do requerimento, isto é, aqueles dos quais vem sendo alegadamente deduzido o entendimento segundo o qual “a presença do Governo Regional nas sessões plenárias, mesmo quando estamos em presença de processos de fiscalização política, é facultativa porque dependente da vontade do Governo”.
Apesar de a epígrafe do segmento argumentativo onde se inclui tal referência sugerir que o controlo aqui pretendido é apenas um controlo de constitucionalidade, poder-se-á aceitar que a afirmação de que aquele entendimento constitui 'uma inconstitucionalidade por violação do artigo 231.º, n.º 3, da CRP (e uma ilegalidade por violação do artigo 58.º do EPARAM)” contém ainda, apesar do recurso ao parêntesis, a alegação de que o mesmo é incompatível com a norma estatutária indicada.
Nesta hipótese, em que o objeto do pedido se estenderá à questão de legalidade originada pela confrontação do entendimento imputado ao Presidente da Assembleia Legislativa Regional com o disposto no artigo 58.º do EPARAM, o problema que começa por colocar-se diz respeito à identificação do conteúdo normativo efetivamente impugnado.
No ponto 33. do requerimento sustenta-se a invalidade das “normas regimentais acima referidas, na medida em que têm vindo a ser interpretadas e aplicadas no sentido de que a presença do Governo Regional nas sessões plenárias, mesmo quando estamos em presença de processos de fiscalização política, é facultativa porque dependente da vontade do Governo” (itálico nosso).
Da concatenação do que se invoca no ponto 33. do requerimento com o que é afirmado no ponto 27. resulta que, para este efeito – isto é, para o efeito de precisar o(s) enunciado(s) normativo(s) visado(s) por aquela alegação –, as normas regimentais acima referidas só poderão ser as constantes dos artigos 23.º, alínea h), 67.º, n.º 4, 107.º, n.º 4, 179.º, 187.º, n.º 1, e 199.º, n.º 2, por serem aquelas que alegadamente vêm sendo interpretadas pelo Presidente da Assembleia Legislativa Regional como “conferindo um direito de veto ao Presidente do Governo Regional, já que não dando [este] o seu acordo, as sessões que consubstanciam direitos dos Grupos parlamentares e exercício de poderes de fiscalização política não se realizam”.
Nesta parte, o objeto do pedido de declaração de ilegalidade, por violação do disposto no artigo 58.º do EPARAM, será, assim, constituído pelas normas constantes dos artigos 23.º, alínea h), 67.º, n.º 4, 107.º, n.º 4, 179.º, 187.º, n.º 1, e 199.º, n.º 2, todos do Regimento da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira – normas essas que se integram, de resto, no segundo dos conjuntos de preceitos acima identificados (vide supra 9.) –, quando interpretadas, conforme alegadamente vem sendo feito pelo Presidente da Assembleia Legislativa Regional, no sentido “de que a presença do Governo Regional nas sessões plenárias, mesmo quando estamos em presença de processos de fiscalização política, é facultativa porque dependente da vontade do Governo.”
12. Assim sendo, independentemente da questão de saber se a interpretação imputada ao Presidente da Assembleia Legislativa Regional da Madeira tem, ou não, um suporte mínimo no enunciado dos preceitos impugnados, a verdade é que, no caso presente, falta de todo qualquer acto formalizado a que possa ser reportada a interpretação impugnada.
Ao contrário do que sucede no controlo difuso, concreto e incidental de atos normativos – no âmbito do qual o Direito vivente consta de uma decisão judicial da qual se recorre –, no controlo concentrado e abstrato de normas, a este Tribunal não é possível aferir se a forma como determinada norma é alegadamente aplicada – ou seja, o Direito vivente – coincide com o que é afirmado pelo requerente, na medida em que do processo não constam quaisquer elementos de prova nesse sentido. Estamos pois perante a imputação de uma alegada prática aplicativa de normas regimentais, mas sem possibilidade de a relacionar com qualquer manifestação concretizadora e enunciativa, suscetível, além do mais, de a documentar, o que obsta decisivamente ao conhecimento do objecto do pedido.
Em consequência, o Tribunal fica dispensado, nesta sede, de resolver as sérias dúvidas de legitimidade que sempre se suscitariam pelo facto de a norma estatutária invocada como parâmetro de legalidade constituir mera reprodução de uma norma formal e materialmente constitucional.
Em conclusão, não se deve conhecer do pedido de declaração de ilegalidade das normas constantes dos artigos 23.º, alínea h), 67.º, n.º 4, 107.º, n.º 4, 179.º, 187.º, n.º 1, e 199.º, n.º 2, todos do Regimento da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira.
13. O mesmo não se pode dizer da norma constante do n.º 3 do artigo 196.º daquele Regimento, já que o vício que lhe é apontado reside na circunstância de, no âmbito do processo de orientação e fiscalização política a que dá origem a apresentação de moções de censura ao Governo (cf. artigos 195.º a 197.º do Regimento), se isentar de qualquer limite temporal as intervenções do Presidente daquele órgão previstas para o debate. Em relação a esta parte do pedido, o vício tem como objeto, sem margem para dúvidas, uma norma enunciativamente constante de um preceito legal e não apenas uma dimensão interpretativa presumivelmente adotada como critério de decisões quanto à condução, pelo Presidente e pela Mesa, dos trabalhos da Assembleia Legislativa Regional.
Sendo assim, é aqui de resolução imperativa a questão, acima enunciada (supra 12.), relativa à legitimidade dos requerentes.
A este propósito, são duas as posições já manifestadas na jurisprudência deste Tribunal.
A primeira apontaria para que fosse negada aos requerentes legitimidade para o pedido de declaração da ilegalidade com fundamento na violação do artigo 58.º do EPARAM, sob o argumento de que o reconhecimento dessa legitimidade implicaria a aceitação de que, por efeito da sua reprodução no Estatuto, o princípio da responsabilidade política do Governo Regional perante a Assembleia Legislativa Regional, consagrado no n.º 3 do artigo 231.º da Constituição, passasse a poder intervir no controlo de validade das normas impugnadas como parâmetro de mera legalidade, abrindo-se com isso ao legislador ordinário a possibilidade de, através da reprodução das normas constitucionais nos estatutos político-administrativos das regiões autónomas, modificar o resultado do funcionamento das regras de legitimidade definidas pelo legislador constitucional no âmbito da fiscalização abstrata sucessiva. Dessa forma, passaria a ser invocável um parâmetro de invalidação materialmente constitucional, sem dependência da verificação de uma qualquer “violação dos direitos das regiões autónomas” (cf. artigo 281.º, n.º 2, alínea h), da Constituição).
A esta perspetiva, outra se pode opor.
Conforme resulta do voto de vencido aposto ao referido Acórdão n.º 198/2000, poder-se-á considerar que, para além dos elementos literal e histórico subjacentes ao artigo 281.º, n.º 2, alínea h), da Constituição, aponta para uma interpretação contrária ao entendimento ali maioritariamente sufragado um argumento retirado da “consideração da autonomia da força paramétrica do estatuto regional em relação à da Constituição – embora evidentemente submetido aquele a esta”. De acordo com tal perspetiva, uma vez que “a ilegalidade por violação de estatuto não pode ser reduzida apenas a um minus em relação à inconstitucionalidade, sendo sim um aliud”, a «introdução de uma norma num estatuto, pelo menos quando tal norma tem natureza ou vocação “intrinsecamente estatutária” (…), tem (…) o sentido de a autonomizar enquanto parâmetro, também em relação ao parâmetro constitucional – que, porém, como todas as normas, aquele tem de respeitar –, se e na medida em que sejam de reconhecer diferenças de regime jurídico (…) relativamente à legitimidade para desencadear o processo de reconhecimento da sua violação», não ocorrendo, além do mais, qualquer defraudação da “limitação de legitimidade para invocar a inconstitucionalidade (…) através da reprodução de normas constitucionais nos estatutos das regiões autónomas” na medida em que, não só a “violação de estatuto regional” é irredutível à “invocação de uma inconstitucionalidade” mesmo que a “norma estatutária coincida com uma norma constitucional”, como, no âmbito da ilegalidade, “a ligação com a região autónoma e a defesa do seu estatuto político administrativo está sempre assegurada – ao contrário do que acontece com a invocação da inconstitucionalidade – pelo facto de estar em questão apenas a ilegalidade justamente por violação de estatuto regional”.
Aderindo a esta segunda orientação, o Tribunal deve tomar conhecimento, nesta parte, do objeto do pedido de ilegalidade, apreciando e resolvendo a questão de saber se é ou não contrária ao princípio da responsabilidade política do Governo Regional perante a Assembleia Legislativa Regional, consagrado no artigo 58.º do EPARAM, a ausência de limites temporais às intervenções do Presidente do Governo Regional, no âmbito do debate das moções de censura ao Governo, tal como expressamente assegurada pelo n.º 3 do artigo 196.º do Regimento da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira (supra 10.).
c) Sindicabilidade do conteúdo normativo questionado
14. Além da violação do princípio do pedido, o autor das normas cuja legalidade é posta em causa opõe à possibilidade de fiscalização do conjunto de regras internas sobre o funcionamento da Assembleia Legislativa da Madeira constantes do respetivo regimento parlamentar a sua alegada insindicabilidade.
Importa, portanto, averiguar se o comando segundo a qual a discussão e votação dos projetos ou propostas de Resolução se efetua no seio das comissões especializadas, só subindo a plenário no caso de a proposta ou projeto de resolução ter merecido o voto favorável, inserto nos artigos 164.º, 164.º-A, 164.º-B, 164.º-C, 164.º-D e 164.º-E, todos do Regimento da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, é sindicável no âmbito da fiscalização da legalidade, isto é, por violação do estatuto político-administrativo da região autónoma da Madeira.
Para responder a esta questão impõe-se, por um lado, averiguar qual a natureza jurídico-constitucional dos comandos inseridos nos regimentos das Assembleias Legislativas das regiões autónomas e, por outro lado, indagar se os estatutos político-administrativos das regiões autónomas dispõem, na matéria em causa, de um valor paramétrico autónomo ou se se limitam a reproduzir normas por natureza constitucionais.
Começando pela natureza do regimento da Assembleia Legislativa da região autónoma da Madeira, importa referir que, no artigo 232.º, n.º 3, a CRP atribui à Assembleia Legislativa da região autónoma – enquanto manifestação dos princípios da auto-organização e da auto-vinculação – competência para “elaborar e aprovar o seu regimento, nos termos da Constituição e do respectivo estatuto político-administrativo”. Por seu turno, o artigo 119.º, n.º 1, al. f), da CRP exige a publicação dos regimentos da Assembleia Legislativa das regiões autónomas.
Constituindo o objecto do regimento a organização e funcionamento da Assembleia Legislativa da região autónoma, dele depende quer a liberdade de actuação dos deputados quer a realização do princípio representativo quer a virtualidade de o órgão parlamentar manifestar o seu poder frente aos demais órgãos do poder político (neste sentido, Jorge Miranda / Rui Medeiros, ob. cit., p. 419).
Assim sendo, o regimento deve ser configurado como um verdadeiro estatuto com normas directamente executivas da Constituição e do estatuto político administrativo das regiões autónomas, como sejam as referentes ao procedimento legislativo (neste sentido, Gomes Canotilho, Direito Constitucional e teoria da Constituição, 7.ª ed., Coimbra, 2003, p. 855 e 856).
O Tribunal já teve ocasião de se pronunciar sobre o regimento da Assembleia da República, o qual desempenha no sistema jurídico-constitucional português uma função paralela ao regimento das Assembleias Legislativas das regiões autónomas. Assim, no Acórdão n.º 63/91, o Tribunal considerou que, fixando o Regimento “as normas necessárias ao funcionamento e organização da Assembleia da República”, de acordo com o estabelecido no artigo 175.º, alínea a), da Constituição, no mesmo “se cont[inham] variadíssimas normas que implica[vam] diretamente com os poderes e direitos dos deputados, grupos parlamentares e partidos representados no Parlamento, poderes e direitos esses expressamente consagrados na Constituição”, pelo que “seria absurdo que eventuais normas que contendessem com aqueles poderes e direitos não pudessem ser passíveis de sindicabilidade por este Tribunal, ainda que perspetiváveis como interna corporis”.
Segundo aí se concluiu, «face às características estatutárias do Regimento da Assembleia da República e à possibilidade de as respetivas normas poderem diretamente desrespeitar regras constitucionais expressas que visem a organização e funcionamento daquele órgão de soberania (…), a expressão “regimento” não servirá, só por si, para eximir as suas normas do controlo de constitucionalidade», devendo, ao invés, ver-se nele «um ato normativo específico ou sui generis (embora não um ato legislativo), expressão de autonomia normativa interna (cfr. Gomes Canotilho / Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 2.ª ed., pp. 235 e 236, e Jorge Miranda, Estudos sobre a Constituição, 1.º vol., pg. 294).
15. Esta posição é partilhada pela doutrina constitucional.
Ainda que por referência ao regimento da Assembleia da República, prevalece entre os autores o entendimento de que é, em si mesmo, um ato normativo vinculado à Constituição e sujeito, como tal, à fiscalização prevista no artigo 281.º da Constituição (cf. Gomes Canotilho, Direito constitucional…, pg. 857, e, no mesmo sentido, Jorge Miranda, Estudos sobre a Constituição, 1.º Volume, Livraria Petrony, 1977, pg. 294).
Tendo em consideração, desde logo, o evidente paralelo que a referência do artigo 232.º, n.º 2, da Constituição, à competência das Assembleias Legislativas para elaboração e aprovação dos respetivos regimentos tem no disposto no artigo 175.º, alínea a), relativo à competência da Assembleia da República – trata-se, em ambos os casos, de uma manifestação dos “princípios da auto-organização e da autovinculação” tipicamente reconhecidos aos órgãos parlamentares (cf. Jorge Miranda / Rui Medeiros, ob. cit., pg. 418) –, a mesma conclusão valerá, mutatis mutandis, para os regimentos das Assembleias Legislativas regionais referidos naquele preceito.
Segundo Gomes Canotilho / Vital Moreira, o regimento através de cuja aprovação as Assembleias Legislativas regionais exercem o “poder de autoordenação e regulamentação” que, sob reserva, lhes é constitucionalmente atribuído deve respeitar a “Constituição e o estatuto regional respetivo” e, “tal como o regimento da Assembleia da República, não tem efeitos meramente internos (isto é, não se trata apenas de ato interna corporis), podendo ser objeto de fiscalização da inconstitucionalidade e da ilegalidade (desconformidade com o estatuto regional)” (ob. cit., pg. 704).
As disposições estatutárias que versem sobre direito parlamentar constituirão, assim, “um parâmetro de validade do Regimento da Assembleia Legislativa”, o qual se encontra por isso “sujeito não apenas a fiscalização da constitucionalidade, mas também a fiscalização da ilegalidade (por desconformidade com o Estatuto)” (cf. Rui Medeiros / Tiago Freitas / Rui Lanceiro, em Enquadramento da reforma do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores, ed. pol. de dezembro de 2006, pg. 45).
Nos presentes autos, a natureza normativa associável às prescrições constantes dos regimentos das assembleias político-legislativas para efeitos de controlo da respetiva constitucionalidade e/ou legalidade pode ser facilmente reconhecida no conteúdo diretamente questionado pelos requerentes.
No comando, extraível dos artigos 164.º, 164.º-A, 164.º-B, 164.º-C, 164.º-D e 164.º-E, todos do Regimento da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, segundo o qual a discussão e votação dos projetos ou propostas de Resolução se efetua no seio das comissões especializadas, só subindo a plenário no caso de a proposta ou projeto de resolução ter merecido o voto favorável, está em causa a modelação do procedimento de aprovação das resoluções a que se referem a alínea e) do artigo 119.º da Constituição e o artigo 43.º do EPARAM.
16. Note-se ainda que “a Constituição confere aos estatutos político-administrativos das regiões autónomas um papel fundamental na concreta conformação do regime autonómico regional. Daí que os estatutos (…) assumam um papel fundamental na concretização da autonomia político-administrativa instituída pela Constituição” (Jorge Miranda / Rui Medeiros, ob. cit., p. 285). É, pois, a Constituição que convoca os estatutos político-administrativos das regiões autónomas para concretizarem e a tornar exequíveis os diversos poderes das regiões autónomas, designadamente o poder de organização e funcionamento das Assembleias Legislativas das Regiões.
Assim sendo, a matéria sobre a qual versam os preceitos em análise é, por natureza, estatutária e, como tal, o EPARAM deve servir como parâmetro autónomo de validade.
Deve, pois, concluir-se pelo caráter normativo do comando regimental em apreço e pela sua sindicabilidade, uma vez que a matéria sobre que versa é por natureza estatutária.
B) Questões de fundo
17. A fiscalização peticionada pelos requerentes pressupõe a confrontação do comando, extraível dos artigos 164.º, 164.º-A, 164.º-B, 164.º-C, 164.º-D e 164.º-E, todos do Regimento da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, segundo o qual a discussão e votação dos projetos ou propostas de Resolução se efetua no seio das comissões especializadas, só subindo a plenário no caso de a proposta ou o projeto de resolução ter merecido o voto favorável, com um parâmetro de validade retirado do artigo 46.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira (EPARAM), aprovado pela Lei n.º 13/91, de 5 de junho, e revisto pelas Leis n.º 130/99, de 21 de agosto, e 12/2000, de 21 de junho, onde se dispõe que “o processo legislativo comum”, que é o “adotado para a discussão e votação dos decretos legislativos regionais” (n.º 1), “se aplica aos diplomas propostos com a forma de resolução” (n.º 2).
Tal confrontação desenvolve-se em dois planos relativamente autonomizáveis, respeitando o primeiro à delimitação do âmbito paramétrico da norma estatutária mobilizada e o segundo ao grau de conformação da modelação regimental das formas do processo legislativo ao conteúdo prescritivo naquela integrado.
18. Ao contrário do que sucede com o procedimento legislativo parlamentar da República, o procedimento legislativo que tem lugar no seio das Assembleias Legislativas regionais não se encontra especificamente regulado na Constituição. É, assim, aos estatutos político-administrativos das regiões autónomas que incumbe a definição dos “grandes princípios de direito parlamentar” (cf. Rui Medeiros / Tiago Freitas / Rui Lanceiro, ob. cit., pg. 44) aplicáveis ao procedimento legislativo regional.
Ocupando uma posição privilegiada no plano da hierarquia das fontes (cf. J. J. Gomes Canotilho, Direito constitucional…, pg. 781), os estatutos político-administrativos das regiões autónomas são leis de valor reforçado de existência necessária, sob reserva absoluta de competência da Assembleia da República (ainda que mediante iniciativa das assembleias legislativas regionais) e sujeitas a um procedimento legislativo agravado, que prevalecem, por força do seu caráter de vinculatividade genérica, sobre os outros atos legislativos – artigos 112.º, n.º 3, 161.º, alínea b), 226.º e 227.º, n.º 1, todos da Constituição (cf. Acórdão n.º 238/2008, e, no mesmo sentido, Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo V, 4.ª edição, pgs. 393-395).
O efeito de supraordenação das normas estatutárias resulta do seu valor paramétrico geral (artigo 112.º, n.º 3, da Constituição), concretizando-se este na previsão constitucional de um controlo de legalidade a que são sujeitáveis as normas constantes de atos legislativos que se não encontrem em conformidade com os estatutos regionais – trate-se de diploma regional ou de diploma emanado dos órgãos de soberania [cf. artigos 280.º, n.º 2, alíneas b) e c), e 281.º, n.º 1, alíneas c) e d), da CRP] – e, nos termos já vistos, os regimentos aprovados pelas Assembleias Legislativas regionais, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 232.º da Constituição.
Conforme consensualmente reconhecido na jurisprudência e na doutrina constitucionais, a superioridade hierárquica das disposições constantes dos estatutos só deve ser reconhecida em relação às normas materialmente estatutárias (cf. Acórdãos n.º 291/99, 567/2004, 581/2007 e 238/2008 e, no mesmo sentido, Jorge Miranda / Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo III, Coimbra Editora, 2007, pg. 295), isto é, àquelas que disponham sobre matérias que só os estatutos regionais podem regular (cf. Acórdão n.º 162/99).
Para que a determinada norma estatutária possa ser reconhecido valor material reforçado não bastará, assim, que a mesma conste de um estatuto regional: perante a insuficiência do critério da sediação, apenas terão valor supralegislativo – e, com ele, a prerrogativa de inalterabilidade por fonte normativa diversa – as normas constantes do Estatuto que pertençam ao “âmbito material estatutário” (cf. Acórdão n.º 162/1999).
Embora a Constituição não enuncie de modo expresso as matérias “estatutárias por natureza” (Acórdão n.º 460/99) –, é consensualmente aceite que as mesmas deverão ser identificadas a partir do princípio segundo o qual o “estatuto regional é o estatuto de uma pessoa coletiva” – uma pessoa coletiva territorial (cf. artigo 227.º, n.º1, da Constituição) – “e, neste sentido, uma lei organizatória (cf. J. J Gomes Canotilho / Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, II, 4.ª ed., Coimbra Editora, pg. 650).
19. Tendo em conta o que acaba de se afirmar, a questão de saber se o conjunto das normas estatutárias relativas ao funcionamento das Assembleias Legislativas regionais integra o “âmbito material estatutário” deve resolver-se em sentido afirmativo.
Na medida em que se encontram constitucionalmente vinculados à complementação do quadro organizatório regional definido na Lei Fundamental (cf. Maria Lúcia Amaral, A Forma da República, Uma introdução a estudo do direito constitucional, Coimbra Editora, 2005, pg. 373), os estatutos político-administrativos tenderão naturalmente a conter os princípios do direito parlamentar aplicável às Assembleias Legislativas respetivas (cf. Rui Medeiros / Tiago Freitas / Rui Lanceiro, ob. cit., pg. 44).
Além disso, ao explicitar que a competência para a elaboração e aprovação dos Regimentos atribuída às Assembleias Legislativas regionais deverá ser exercida nos termos, não apenas da Constituição, mas também do respetivo Estatuto político-administrativo, o próprio legislador constitucional não exclui que os estatutos, na sua tarefa de regular o sistema de governo regional e o funcionamento dos órgãos de governo próprio, versem, em certa medida, sobre as regras que deverão conformar o exercício do poder de auto-organização constitucionalmente atribuído àquelas Assembleias (cf. Jorge Miranda / Rui Medeiros, ob. cit., pg. 419).
20. A medida em que os estatutos político-administrativos se encontram constitucionalmente habilitados a dispor sobre o funcionamento da Assembleia Legislativa da respetiva região não é, no entanto, ilimitada, devendo esse limite determinar-se, não positiva, mas negativamente, resultando, em última instância, do âmbito da reserva de regimento consagrada no n.º 3 do artigo 232.º da Constituição: uma vez que a Constituição atribui às Assembleias Legislativas regionais competência para a elaboração e aprovação do seu próprio regimento, a modelação estatutária das regras relativas ao respetivo funcionamento, se não deixará de implicar a fixação dos “grandes princípios de direito parlamentar” (cf. Rui Medeiros / Tiago Freitas / Rui Lanceiro, Enquadramento, cit., pg. 44), não pode, em qualquer caso, atingir um grau de densificação tal que comprometa o poder de auto-organização constitucionalmente assegurado àquelas Assembleias.
21. Por conterem regras de direito parlamentar, pode dizer-se que as normas constantes da secção do EPARAM dedicada ao funcionamento da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira (Secção IV do Capítulo I do Título II) se inscrevem, quanto à matéria sob que incidem, no âmbito da reserva de estatuto, não se colocando, desse ponto de vista, um problema de cavaleiro estatutário.
Deste modo, a questão relativa à determinação do valor paramétrico da norma constante do artigo 46.º do EPARAM apenas poderá relacionar-se com o grau de intervenção conformadora da respetiva estipulação normativa.
Tratar-se-á concretamente de saber se, ao dispor que o processo legislativo adotado para a discussão e votação dos decretos legislativos regionais (processo legislativo comum) se aplica aos diplomas propostos sob a forma de resolução, o artigo 46.º do EPARAM se mantém dentro do âmbito da definição dos grandes princípios de direito parlamentar que às leis estatutárias cumpre fixar, ou, pelo contrário, contende já com os termos da respetiva concretização, atingindo por essa via o poder de auto-organização constitucionalmente reconhecido às Assembleias Legislativas Regionais através da atribuição sob reserva da competência para a elaboração e aprovação do respetivo regimento.
22. Depois de definir o âmbito da competência política (artigo 36.º), legislativa (artigo 37.º), de fiscalização (artigo 38.º) e regulamentar (artigo 39.º) da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, o EPARAM tipifica, no respetivo artigo 41.º, o elenco dos atos que revestem a forma de decreto legislativo regional (n.º 1 do artigo 41.º), de moção (n.º 2 do artigo 41.º) e de resolução, recorrendo, neste último caso, a uma cláusula residual (n.º 3 do artigo 41.º).
Compaginando as normas estatutárias que definem as competências da Assembleia Legislativa regional (artigos 36.º a 40.º do EPARAM) com a que regula a forma dos atos (artigo 41.º) – cf. também o artigo 124.º do Regimento daquela Assembleia, que reproduz, em formulação muito aproximada, o conteúdo do n.º 1 do artigo 41.º do EPARAM – extrai-se que revestirão obrigatoriamente a forma de decreto legislativo regional os atos através dos quais aquela Assembleia, no exercício de funções políticas: i) aprovar o Programa do Governo Regional; ii) aprovar o Plano de Desenvolvimento Económico e Social Regional; iii) aprovar o Orçamento Regional, incluindo os dos fundos autónomos regionais e os programas de investimento de cada secretaria regional; e iii) autorizar o Governo Regional a realizar empréstimos internos e externos e outras operações de crédito de médio e longo prazo de acordo com o Estatuto e com a lei [cf. artigo 36.º, n.º 1, alíneas b), c) e d), do EPARAM].
A forma de decreto legislativo regional é ainda a prescrita para os atos através dos quais a Assembleia Legislativa regional, no exercício de funções legislativas: i) legislar, com respeito pelos princípios fundamentais das leis gerais da República, em matérias de interesse específico para a Região que não estejam reservadas à competência própria dos órgãos de soberania; ii) legislar, sob autorização da Assembleia da República, em matérias de interesse específico para a Região que não estejam reservadas à competência própria dos órgãos de soberania; iii) desenvolver, em função do interesse específico da Região, as leis de bases em matérias não reservadas à competência da Assembleia da República, bem como as previstas nas alíneas f), g), h), n) t) e u) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição; iv) exercer poder tributário próprio e adaptar o sistema fiscal nacional à Região nos termos do presente Estatuto e da lei; v) criar e extinguir autarquias locais, bem como modificar a respetiva área, nos termos da lei; vi) elevar povoações à categoria de vilas ou cidades; vii) criar serviços públicos personalizados, institutos, Fundos públicos e empresas públicas que exerçam a sua atividade exclusiva ou predominante na Região; e viii) definir atos ilícitos de mera ordenação social e respetivas sanções, sem prejuízo do disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição [cf. artigo 37.º, n.º1, alíneas c), d), e), f), g), h), i) e j), do EPARAM].
Revestirão, por último, a forma de decreto legislativo regional todos os atos através dos quais a Assembleia Legislativa regional proceder à regulamentação das leis gerais emanadas dos órgãos de soberania que não reservem para estes o respetivo poder regulamentar (cf. artigo 39.º do EPARAM).
A forma de resolução é, por seu turno, estatutariamente imposta para os “restantes atos previstos nos artigos 36.º, 37.º 3 38.º”, ou seja, para os atos através dos quais a Assembleia Legislativa regional, no exercício de funções políticas: i) estabelecer o limite máximo dos avales a conceder pelo Governo Regional em cada ano; ii) votar moções de confiança e de censura ao Governo Regional; iii) apresentar propostas de referendo regional acerca de questões de relevante interesse específico regional, nos termos deste Estatuto e da lei; iv) definir as grandes orientações de intervenção da Região no processo de construção europeia e acompanhar e apreciar a atividade desenvolvida nesse domínio pelo Governo Regional, designadamente através da aprovação de moções de orientação e de instrumentos de enquadramento do desenvolvimento económico e social; v) participar na definição das posições do Estado Português no âmbito do processo da construção europeia, em matérias do interesse específico da Região; vi) participar no processo de construção europeia nos termos da Constituição e do artigo 96.º do EPARAM; vii) estabelecer cooperação com outras entidades regionais estrangeiras e participar em organizações que tenham por objeto fomentar o diálogo e a cooperação inter-regional, de acordo com as orientações definidas pelos órgãos de soberania com competência em matéria de política externa; viii) eleger personalidades para quaisquer cargos que, por lei, lhe compete designar; e ix) participar através de seus representantes nas reuniões das comissões da Assembleia da República nos termos previstos no artigo 88.º do EPARAM [cf. artigo 36.º, n.º 1, alíneas e), f), g), h), j), l), m), n) e o), respetivamente].
Quanto aos atos praticados no exercício de funções legislativas, revestirão a forma de resolução aqueles através dos quais a Assembleia Legislativa: i) exercer, por direito próprio e exclusivo, o poder de elaborar, modificar e retirar projetos ou propostas de alteração do Estatuto Político-Administrativo da Região, bem como emitir parecer sobre a respetiva rejeição ou introdução de alterações pela Assembleia da República, nos termos do artigo 226.º da Constituição; e ii) exercer iniciativa legislativa mediante a apresentação de propostas de lei ou de alteração à Assembleia da República, bem como requerer a declaração de urgência do respetivo processamento [cf. artigo 37.º, n.º1, alíneas a) e b), respetivamente].
No âmbito do exercício das funções de fiscalização definidas no artigo 38.º do EPARAM, todos os atos praticados pela Assembleia Legislativa regional revestirão a forma de resolução. Será, assim, através de resolução que a Assembleia Legislativa regional cumprirá a função de: i) zelar pelo cumprimento da Constituição, do Estatuto e das leis e apreciar os atos do Governo e da administração regional; ii) aprovar as contas da Região respeitantes a cada ano económico e apreciar os relatórios de execução do Plano Regional de Desenvolvimento Económico e Social; iii) solicitar ao Tribunal Constitucional a declaração de inconstitucionalidade e de ilegalidade de normas emanadas dos órgãos de soberania por violação de direitos da Região, designadamente dos direitos previstos no Estatuto; e iv) fiscalizar a aplicação dos fundos estruturais na Região e de outros programas comunitários de âmbito regional ou de âmbito nacional com incidência na Região [cf. artigo 38.º, alíneas a), b), c) e d), respetivamente).
Além da delimitação das competências da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira e da prescrição da forma dos atos através de cuja prática aquelas são exercitáveis (Secção III do Capítulo I do Título II do EPARAM), o Estatuto contém ainda um conjunto de regras relativas ao funcionamento daquele órgão (Secção IV do Capítulo I do Título II do EPARAM), incluindo estas a tipificação das formas do procedimento legislativo admissíveis.
Distinguindo entre processo legislativo comum e processos legislativos especiais, o artigo 46.º do EPARAM estabelece que o procedimento legislativo comum é o adotado para a discussão e votação dos decretos legislativos regionais (n.º 1), determinando ainda que o mesmo é aplicável aos diplomas propostos sob a forma de resolução (n.º 2).
De acordo com o n.º 3 do artigo 46.º do EPARAM, a categoria dos procedimentos legislativos especiais é, por seu turno, integrada por aqueles que estiverem na base da aprovação de: i) projetos de alteração ao Estatuto Político-Administrativo da Região, ii) propostas de lei à Assembleia da República e iii) pedidos de autorização legislativa; residualmente, contempla ainda todos os demais que vierem a ser estabelecidos no Regimento da Assembleia Legislativa regional.
23. Tal como o EPARAM, o Regimento da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, aprovado pela Resolução da Assembleia Legislativa Regional n.º 1/2000/M, de 12 de janeiro, com as alterações introduzidas pelas Resoluções n.º 19-A/2005/M, de 25 de novembro, 17/2007/M, de 21 de agosto, 16-A/2008/M, de 15 de julho, 2/2009/M, de 15 de janeiro, e 5/2012/M, de 17 de janeiro de 2012, distingue entre processo legislativo comum e processos legislativos especiais.
À semelhança do Regimento da Assembleia da República (cf. Regimento da Assembleia da República n.º 1/2007, de 20 de agosto, com as alterações introduzidas pelo Regimento da Assembleia da República n.º 1/2010, de 14 de outubro), o Regimento da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira contém um Capítulo dedicado às formas do processo legislativo (Capítulo I do Título IV), que assenta também, de acordo com a sistematização adotada, na contraposição entre o processo legislativo comum, regulado nos artigos 124.º a 164.º-E (Secção I), e os processos legislativos especiais, tipificados nos artigos 165.º a 175.º (Secção II).
Em termos formais e expressos, a tipificação regimental dos processos legislativos especiais contempla apenas as três categorias de atos perspetivadas no Estatuto: i) projeto de alteração ao Estatuto Político-Administrativo da Região, previsto nos artigos 165.º a 170.º do Regimento; ii) propostas de lei a submeter à Assembleia da República, a que se referem os artigos 171.º a 173.º do Regimento; e iii) pedidos de autorização legislativa, cujo procedimento legislativo se encontra regulado nos artigos 174.º e 175.º do Regimento.
O processo legislativo adotado para a discussão e votação dos diplomas propostos sob a forma de resolução é regulado pelo Regimento no âmbito do processo legislativo comum, mas enquanto submodalidade deste. Na sistematização seguida pelo Regimento, corresponde-lhe a Divisão VII da Secção I do Capítulo I do Título IV, que integra os artigos 164.º a 164.º-E.
Para melhor compreender a amplitude da modelação regimental do processo legislativo comum, assim como a natureza e o relevo das especificidades introduzidas quanto aos diplomas propostos com a forma de resolução, importa ter presente que, enquanto “sucessão de atos de vária estrutura e relativamente autónomos encadeados para um fim” (cf. Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo V, 4.ª edição, pg. 258), o procedimento legislativo se desdobra numa série de fases procedimentais, diferenciáveis entre si de acordo com um “critério de ordem funcional” (idem, pg. 263).
Neste conjunto de frações do iter a percorrer pelas Assembleias, certa doutrina distingue quatro fases – a da iniciativa, a da apreciação ou consulta, a da deliberação ou da discussão e votação e a da promulgação e do controlo (ibid., pg. 263) –, identificando outra as seguintes cinco: (1) fase da iniciativa; (2) fase instrutória; (3) fase constitutiva; (4) fase de controlo; e (5) fase de integração de eficácia (cf. Gomes Canotilho, ob. cit., pg. 872).
Das fases que integram o processo legislativo comum, são as três primeiras – em especial a fase constitutiva – aquelas que maior relevância assumem no âmbito da confrontação das especificidades regimentais fixadas para os projetos ou propostas de resolução com um parâmetro de controlo retirado do artigo 46.º do EPARAM, onde se dispõe que “o processo legislativo comum”, que é o “adotado para a discussão e votação dos decretos legislativos regionais” (n.º 1), “se aplica aos diplomas propostos com a forma de resolução” (n.º 2).
Recorrendo à sistematização proposta por Gomes Canotilho, pode dizer-se que, quanto à fase da iniciativa, a modelação regimental do processo legislativo comum contempla não apenas a reprodução das normas estatutárias relativas à titularidade do poder de iniciativa legislativa e aos seus limites (cf. artigos 44.º e 45.º, ambos do EPARAM, e artigos 125.º, 126.º, n.º1, 127.º, n.º 2, 128.º, todos do Regimento), como ainda, em simultâneo com o desenvolvimento e a concretização daquelas (cf. artigos 126.º, n.º 2, e 127.º, n.º 1), a previsão de um conjunto de prescrições respeitantes à renovação, cancelamento e exercício da iniciativa (cf. artigos 129.º, 130.º e 131.º, respetivamente), aos requisitos formais dos projetos e propostas de decreto legislativo regional (cf. artigo 132.º), ao processo de admissão dos projetos e propostas (cf. artigo 133.º) e ao recurso da decisão que sobre eles recaia (cf. artigo 134.º), assim como à natureza das propostas de alteração (cf. artigo 135.º).
De acordo com a modelação regimental do processo legislativo comum, a fase instrutória – isto é, aquela que tem “por finalidade recolher e elaborar os dados e elementos que permitam analisar a oportunidade do procedimento legislativo bem como do respetivo conteúdo” (cf. Gomes Canotilho, ob. cit., pg. 874) – inicia-se com o envio do texto do projeto ou proposta admitido para apreciação pela Comissão Especializada, que analisará se o mesmo se encontra em condições de ser enviado para Plenário (cf. artigo 136.º, n.ºs 1 e 2). Tal como sucede no âmbito do processo legislativo comum desenvolvido no seio da Assembleia da República (cf. artigos 129.º e ss. do Regimento da Assembleia da República), competirá à Comissão Especializada emitir parecer devidamente fundamentado (cf. artigo 136.º, n.ºs 2 e 3, alínea a), e artigo 140.º), podendo, inclusivamente, sugerir ao Plenário a substituição por outro do texto do projeto ou da proposta recebidos, tanto na generalidade como na especialidade (cf. artigo 142.º, n.º1).
Á semelhança, uma vez mais, do que ocorre no âmbito do processo legislativo comum desenvolvido no seio da Assembleia da República (cf. artigos 129.º e ss. do Regimento da Assembleia da República), a fase constitutiva definida no Regimento – isto é, aquela em que se determina o conteúdo do ato principal ao qual se reportam os efeitos jurídicos essenciais (cf. Gomes Canotilho, ob. cit., pg. 875) – compreende uma discussão e votação na generalidade, efetuadas no Plenário, tendo como objeto “os princípios e o sistema de cada projeto ou proposta” (cf. artigo 149.º, n.ºs 1 e 2), e uma discussão e votação na especialidade, que se segue à aprovação na generalidade pelo Plenário (artigo 151.º, n.º 1), cabendo à comissão competente em razão da matéria (artigo 151.º, n.º 2) e versando sobre cada artigo do projeto ou proposta em questão (artigo 152.º, n.º 1) ou, tratando-se de votação, sobre cada artigo, número ou alínea (artigo 152.º, n.º 2). O Plenário preserva, no entanto, a faculdade de, a todo o tempo, avocar para si a discussão e/ou votação na especialidade, a requerimento, em qualquer os casos, de pelo menos 10 deputados regionais (cf. artigo 155.º).
Finda a discussão e aprovação na especialidade, procede-se à votação final global (cf. artigo 156.º, n.º 1), sendo o texto enviado para Plenário, se aprovado em comissão, para votação final global na segunda reunião posterior à sua publicação no Diário ou à sua distribuição em folhas avulsas aos deputados (cf. artigo 156.º, n.º 2).
24. Conforme claramente resulta do amplo conjunto de normas ordenadoras do procedimento legislativo comum constante do Regimento, a tipificação estatutária das formas do processo legislativo não implicou a subtração à Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira de qualquer relevante fração do poder de auto-organização que constitucionalmente se lhe encontra atribuído.
Pelo contrário: ao definir a pluralidade das formas do processo legislativo regional, o legislador estatutário manteve sob reserva de Regimento um amplo espaço de intervenção conformadora que a Assembleia Legislativa regional não deixou de concretizar através da definição do elenco dos atos que integram cada uma das formas de processo legislativo admitidas e da caracterização da relação entre uns e outros de acordo com as várias fases incluídas no procedimento.
Considerada a amplitude dos poderes de conformação do processo legislativo que o legislador da República manteve reservados à Assembleia Legislativa regional, é manifesto que a definição estatutária da pluralidade das formas de processo legislativo admissíveis não corresponde a um momento de regulamentação final e acabada do procedimento, antes se contendo no âmbito da definição dos grandes princípios de direito parlamentar que integram a dimensão material da reserva de estatuto.
O tipo de conformação do processo legislativo regional implicado na categorização das formas do procedimento admissíveis não pode ser por isso considerado excessivo ou inadequado do ponto de vista da reserva de regimento, o que é suficiente para impor o reconhecimento de um padrão supraordenador na norma paramétrica mobilizada.
25. Encontrando-se a Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira obrigada a respeitar, na elaboração do respetivo Regimento, a tipificação das formas do processo legislativo, tal como estas se encontram prescritas no texto estatutário, a questão que cumpre em seguida resolver consiste em saber se as especificidades introduzidas no âmbito do processo legislativo comum para a aprovação das propostas ou projetos de resolução (cf. artigos 164.º a 164.º-E do Regimento) correspondem a uma mera simplificação ou flexibilização da disciplina que integra essa forma de processo, sem afetar a sua caracterização tipológica, ou, pelo contrário, representam desvios que a desfiguram ou descaracterizam substantivamente, em termos de resultar frustrada a razão de ser da sujeição ao processo comum dos diplomas propostos com a forma de resolução.
Os desvios que o Regimento, nas normas impugnadas, introduz situam-se na fase constitutiva do procedimento de discussão e votação da resolução, também designável por fase deliberativa, dispositiva ou da decisão.
Ao contrário do que ocorre no âmbito do processo legislativo comum propriamente dito, a fase constitutiva do procedimento dirigido à produção de atos normativos sob a forma de resolução desenvolve-se sem a intervenção obrigatória do Plenário da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira.
A regra, prevista para o processo legislativo comum, segundo a qual a discussão e a votação na generalidade – isto é, aquela que “incide sobre os princípios e o sistema de cada projeto ou proposta” (cf. Gomes Canotilho, ob. cit., pg. 875) – são efetuadas no Plenário (artigo 149.º do Regimento) dá lugar, em relação aos projetos ou propostas de resolução, à regra contrária: quando se trate de projetos ou propostas apresentados sob a forma de resolução, é à Comissão, e não ao Plenário, que, de acordo com o prescrito nos n.ºs 1 e 3 do artigo 164.º-A do Regimento, caberá a discussão e votação na generalidade.
Assim, enquanto no processo legislativo comum previsto para a aprovação de decretos legislativos regionais o projeto ou proposta apresentado apenas será remetido à comissão, para discussão e votação na especialidade, depois de obtida a aprovação na generalidade, pelo Plenário (cf. artigo 151.º, n.º1, do Regimento), no processo legislativo comum previsto para aprovação de resoluções, a Comissão substitui-se ao Plenário na discussão e votação na generalidade, passando, por via disso, a caber-lhe a realização de ambas as discussões e votações contempladas no Regimento: a discussão e votação na generalidade (artigo 164.º, n.ºs 1 e 3, do Regimento) e a discussão e votação na especialidade (artigo 164.º-C).
A concentração na Comissão da discussão e votação dos projetos ou propostas tanto na generalidade como na especialidade significa que, em se tratando da aprovação de projetos ou propostas apresentados sob a forma de resolução, o Plenário apenas intervirá no âmbito da votação final global, o que se verificará se o texto tiver sido aprovado em comissão (cf. artigo 164.º-E, n.ºs 1 e 2).
26. Apesar da similitude que globalmente se verifica entre os procedimentos legislativos regionais e o procedimento legislativo parlamentar da República, as especificidades que o Regimento da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira associa à discussão e votação de projetos ou propostas apresentados sob a forma de resolução não têm paralelo no Regimento da Assembleia da República: contrariamente àquele, este não contém, no âmbito da Secção dedicada ao “Processo Legislativo Comum” (Secção I do Título I do Capítulo IV), qualquer Divisão especialmente dedicada aos diplomas a aprovar sob a forma de resolução.
Tal como regimentalmente tipificado, o processo legislativo parlamentar concretiza, assim, em toda a sua extensão, o comando constante dos n.ºs 1 a 3 do artigo 168.º da Constituição, que impõe que, na forma comum, quer a discussão e a votação na generalidade, quer a votação final global sejam realizadas em Plenário (cf. Jorge Miranda / Rui Medeiros, ob. cit., Tomo II, Coimbra Editora, 2006, pg. 564)
Ainda que, contrariamente ao que se verifica no processo legislativo parlamentar, o procedimento legislativo regional não se encontre regulado na Constituição, as prescrições constitucionais para aquele previstas são expressivas da centralidade de que se reveste a fase constitutiva do procedimento.
Apesar de não ser cronologicamente a última, a fase da discussão e votação é a fase culminante do procedimento legislativo. É integrada, tanto no âmbito do procedimento legislativo parlamentar, como no âmbito do procedimento legislativo definido pelo regimento da Assembleia Legislativo da Região Autónoma da Madeira, por três momentos: discussão e votação na generalidade, discussão e votação na especialidade e votação final global.
Conforme nota Gomes Canotilho (cf. ob. cit., pg. 876), estas três votações obedecem a lógicas diferentes: “(1) a votação na generalidade incide sobre a oportunidade e sentido global do projeto ou proposta de lei; (2) a votação na especialidade incide sobre as soluções concretas a aprovar no texto da norma; (3) a votação final global concentra-se no texto apurado na especialidade, fazendo-se um juízo definitivo sobre o projeto ou proposta de lei submetidos a discussão ou votação”.
Das três votações previstas, é a votação na generalidade que corporiza a decisão de legislar (ou de não legislar): segundo refere Jorge Miranda, esta decisão é tomada na votação na generalidade, sendo as outras votações “consequenciais” (cf. ob. cit., pg. 295).
Ora, é justamente no âmbito da discussão e votação dos projetos e propostas na generalidade que se situa o desvio à configuração do processo legislativo comum que o Regimento associa ao vasto conjunto dos atos, relativos ao exercício de funções políticas, legislativas e de fiscalização, para os quais é estatutariamente imposta a forma de resolução (vide supra 20.)
Conforme já se salientou, e de acordo com as especificidades previstas nos artigos 164.º a 164.º-E daquele Regimento, quando se trate de propostas ou projetos de resolução, tanto a discussão como a votação na generalidade deixarão de caber ao Plenário para passarem a caber à Comissão.
Ora, tanto do ponto de vista estrutural, como do ponto de vista funcional, este desvio representa uma entorse ao regime correspondente ao processo legislativo comum de tal significado que obriga a julgar que resulta afetado o núcleo duro da modelação do processo que o n.º 2 do artigo 46.º do EPARAM manda aplicar às resoluções.
A substituição do Plenário pela Comissão, no âmbito da discussão e votação das propostas ou projetos na generalidade, desacompanhada da atribuição de qualquer faculdade de avocação semelhante àquela que não deixa de ser prevista no âmbito do processo legislativo comum para a própria discussão e votação na especialidade (cf. artigo 155.º do Regimento), não só traduz uma substituição de intervenientes na fase culminante do procedimento, como reconfigura nessa substituição a relação entre o Plenário e a Comissão no processo de formação da vontade do órgão colegial Assembleia Legislativa regional, desvalorizando a intervenção do primeiro a um ponto que a própria Constituição veda à modelação regimental do processo legislativo parlamentar (cf. artigo 168.º, n.ºs 1 a 3, da Constituição).
Essa desvalorização atenta contra o sentido e alcance da equiparação, estatutariamente imposta, quanto à forma de processo legislativo, entre os decretos legislativos regionais e as resoluções. Esse regime reflete a natureza e relevo das funções políticas e legislativas que podem ser exercitadas através de resolução (cf. supra 21.), visando-se, nessa medida, assegurar uma idêntica garantia da mais alargada participação e da mais efetiva publicidade da discussão política dos representantes da vontade popular em torno das propostas e projetos de diplomas. Só no âmbito do Plenário, a discussão e votação na generalidade tem assegurada essas condições.
Daí a essencialidade da preservação desse elemento caracterizador, para a manutenção do regime dentro do iter traçado para a forma comum do processo legislativo. Essencialidade demonstrada pelo facto de ele se encontrar constitucionalmente reservado ao Plenário, no que concerne ao processo legislativo parlamentar.
O facto de a discussão na generalidade ser travada em Comissão traduz uma variação que contende com a tipificação estatutária das formas de processo e é suscetível de comprometer, do ponto de vista substantivo, as finalidades subjacentes à paridade de regimes, estabelecida no n.º 2 do artigo 46.º do EPARAM, quanto à forma do processo legislativo, entre decretos legislativos regionais e resoluções.
Nessa medida, o Tribunal deve concluir pela ilegalidade, por violação dos n.ºs 1 e 2 do artigo 46.º do EPARAM, das normas constantes dos artigos 164.º, 164.º-A, 164.º-B, 164.º-C, 164.º-D e 164.º-E, todos do Regimento da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, na parte em que determinam que a discussão e votação dos projetos ou propostas de Resolução se efetua no seio das comissões especializadas, só subindo a plenário no caso de a proposta ou projeto de resolução ter merecido o voto favorável.
27. No que diz respeito ao pedido de declaração de ilegalidade da norma constante do n.º 3 do artigo 196.º do Regimento da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira com fundamento na violação do artigo 58.º do EPARAM, o princípio da responsabilidade política do Governo Regional perante a Assembleia Legislativa da região autónoma, consagrado no artigo 58.º do EPARAM, se tem o sentido de impor que o Regimento desta Assembleia contemple a previsão de mecanismos destinados a permitir a efetivação daquela responsabilidade, não dispõe, contudo, de um conteúdo programático suscetível de, uma vez assegurada a possibilidade de apresentação e discussão de moções de censura ao Governo, interferir na regulamentação do tempo de duração de cada uma das intervenções previstas no âmbito da discussão, designadamente em termos de se opor a que a intervenção do representante máximo do órgão pretendido censurar possa ser ilimitada.
Em consequência, o Tribunal conclui pela improcedência do pedido, nesta parte.
III – Decisão
Pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide:
a) não tomar conhecimento do pedido de declaração de inconstitucionalidade de qualquer uma das normas regimentais impugnadas;
b) não tomar conhecimento do pedido de declaração de ilegalidade das normas constantes dos artigos 23.º, alínea h), 67.º, n.º 4, 107.º, n.º 4, 179.º, 187.º, n.º 1, e 199.º, n.º 2, todos do Regimento da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, quando interpretadas no sentido “de que a presença do Governo Regional nas sessões plenárias, mesmo quando estamos em presença de processos de fiscalização política, é facultativa porque dependente da vontade do Governo”;
c) declarar a ilegalidade, por violação do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 46.º do EPARAM, das normas constantes dos artigos 164.º, 164.º-A, 164.º-B, 164.º-C, 164.º-D e 164.º-E, todos do Regimento da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, na parte em que determinam que a discussão e votação na generalidade dos projetos ou propostas de Resolução se efetua no seio das comissões especializadas e não no Plenário;
d) não declarar a ilegalidade da norma constante do n.º 3 do artigo 196.º do Regimento da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira.
Lisboa, 7 de outubro de 2013.- Ana Guerra Martins – Maria João Antunes (votei vencida, quanto ao conhecimento, relativamente às normas enunciadas na alínea c) da decisão, por entender que os requerentes não tinham legitimidade, pelas razões constantes da declaração aposta ao Acórdão nº 187/2012) – José da Cunha Barbosa – Catarina Sarmento e Castro – João Cura Mariano – Fernando Vaz Ventura – Carlos Fernandes Cadilha (vencido quanto ao conhecimento no tocante à decisão da alínea d) pelas razões constantes da declaração aposta ao acórdão nº 187/2012) – Pedro Machete (vencido quanto às alíneas b) e d) da decisão, conforme declaração que junto) – Maria de Fátima Mata-Mouros (vencida quanto às alíneas b) e d) e com dúvidas quanto à alínea c) de acordo com a declaração junta) – Maria José Rangel de Mesquita (vencida quanto à alínea d) da Decisão, nos termos da declaração de voto que se junta) – Maria Lúcia Amaral (vencida, nos termos da declaração de voto junta) – Joaquim de Sousa Ribeiro.
Esta decisão tem voto de conformidade do Senhor Conselheiro Vítor Gomes, que não assina porque, entretanto, cessou funções neste Tribunal.
Ana Guerra Martins
DECLARAÇÃO DE VOTO
Vencido quanto às alíneas b) e d) da decisão, no essencial, pelas seguintes razões:
1. No que se refere à alínea b) da decisão, a mesma funda-se nas considerações de ordem metódica tecidas no n.º 12 da fundamentação. Afigura-se-me, todavia – e contrariamente ao que aí se afirma – que o presente pedido de fiscalização respeita diretamente às normas contidas nos artigos 23.º, alínea h), 67.º, n.º 4, 107.º, n.º 4, 179.º, 187.º, n.º 1, e 199.º, n.º 2, todos do Regimento da Assembleia Legislativa Regional da Madeira, pois não só é esse necessariamente o sentido objetivo do impulso processual dos requerentes, como do teor dos citados artigos se retira um sentido normativo inequívoco. A alegação de que a leitura daqueles preceitos feita pelos requerentes tem sido confirmada pela prática, correspondendo, desse modo, ao «direito vivente», tem um alcance meramente ilustrativo, não devendo relevar para a conformação do objeto do pedido. Consequentemente, ao Tribunal Constitucional competia confrontar os preceitos em causa com o princípio estatutário da responsabilidade política Governo Regional perante a Assembleia Legislativa Regional (cfr. o artigo 58.º do Estatuto regional). Com efeito, os artigos em causa, destinados a regular a presença de membros do Governo Regional em reuniões da Assembleia Legislativa Regional ou de comissões parlamentares, colocam na dependência de um acordo prévio do Governo Regional ou do seu Presidente a participação de membros do Governo Regional nessas reuniões. Contudo, a exigência de um tal acordo é dificilmente conciliável com a liberdade de iniciativa indispensável à efetivação da aludida responsabilidade política.
2. Relativamente à alínea d) da decisão, entendo que é inerente à ideia de responsabilidade política um equilíbrio nos procedimentos destinados à sua efetivação, o qual não se mostra acautelado pela previsão de um tempo limitado para as intervenções de quem controla e de um tempo ilimitado de resposta ou de intervenção por parte de quem «responde politicamente» e, nessa medida, é controlado. O desequilíbrio consagrado no artigo 196.º, n.º 3, do Regimento da Assembleia Legislativa Regional da Madeira é tanto mais chocante, quanto tal solução só se encontra prevista com referência à abertura e ao encerramento dos debates de moções de censura ao Governo Regional, não encontrando paralelo na disciplina normativa de outros atos parlamentares prevista no mesmo Regimento.
Pedro Machete
DECLARAÇÃO DE VOTO
Fiquei vencida no que respeita às alíneas b) e d), no essencial, pelas razões invocadas na declaração de voto do Senhor Conselheiro Pedro Machete.
No que respeita à alínea a) da decisão, o presente acórdão levanta-me dúvidas quanto à afirmação da ilegitimidade dos requerentes para o pedido de fiscalização abstrata da constitucionalidade das normas regimentais formulado.
Sem questionar que o artigo 281.º, n.º 2, alínea g), da Constituição restringe a legitimidade para o pedido de fiscalização de constitucionalidade dos titulares dos órgãos aí referidos – na medida em que esse pedido se deve fundar na “violação dos direitos das regiões”, creio que a matéria em discussão no presente caso justificava uma interpretação daquele preceito diferente da que fez vencimento.
Por um lado, porque encontrando-se, embora, condicionada pela violação dos direitos da região, a legitimidade processual ativa dos requerentes não pode deixar de ser aferida pelo pedido (e não pela causa de pedir). Nesta exigência de uma legitimidade qualificada, é o âmbito (ou a natureza) do pedido que é condicionado pela necessária violação de direitos das regiões, não, a causa de pedir (ou o parâmetro violado), pelo que tenho dificuldade em seguir a fundamentação expendida nos pontos 5. a 8. do acórdão.
Por outro lado, como referido no voto de vencido do Senhor Conselheiro Paulo Mota Pinto no Acórdão n.º 198/2000 «pode questionar-se se a violação da repartição interna de competências, constitucional e estatutariamente prevista, de órgãos da região é ainda de considerar como “violação dos direitos das regiões autónomas” para efeitos do artigo 281º, n.º 2, alínea g), da Constituição, compreendendo nessa violação a ofensa à separação interna de poderes e às competências do seu órgão mais representativo. Mesmo, porém, sem adotar tal entendimento – que contraria a jurisprudência deste Tribunal e o presente aresto –, o que me parece claro é que, neste caso, sempre estava em causa, não propriamente uma violação de direitos da região autónoma, mas ainda a defesa desta – a defesa da repartição interna de competências e das normas do estatuto da região que a preveem é ainda, certamente, defesa da região autónoma».
No caso presente, é pedido ao Tribunal Constitucional a apreciação, não propriamente da violação da repartição interna de competências, mas de uma questão mais abrangente de possível violação do próprio sistema de governo regional constitucionalmente previsto (a separação de poderes entre órgãos de governo da região), pois o que é questionado é a efetiva responsabilização do Governo Regional face à Assembleia. Ora, uma tal questão respeita à autonomia política da região, na medida em que esta pressupõe o direito da região autónoma à organização política interna democrática prevista na Constituição. Diante deste quadro, para efeitos do artigo 281.º, n.º 2, alínea g), da Constituição, não deveria a reclamação de um tal direito ser considerada defesa de um direito da região autónoma? Que caberia à República assegurar?
Maria de Fátima Mata-Mouros
DECLARAÇÃO DE VOTO
Divergi da decisão expressa na alínea d) da Decisão do presente Acórdão no que respeita à norma constante do n.º 3 do artigo 196.º do Regimento da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira pelas razões essenciais que de seguida se explicitam.
O sistema de governo das regiões autónomas configura-se, à luz da Constituição, como um sistema de governo parlamentar já que assenta na responsabilidade política do Governo Regional perante a Assembleia Legislativa da respetiva Região Autónoma – e apenas perante esta –, pelo que aquele sistema assenta no primado da Assembleia Legislativa das Regiões Autónomas.
O sistema de governo da Região Autónoma da Madeira, assim configurado, tem expressão no Estatuto político-administrativo respetivo, do qual consta o princípio da responsabilidade política do Governo Regional perante a Assembleia Legislativa da Região (cfr. artigo 58.º) – com expressão na fiscalização daquele por esta (cfr. artigo 13.º), nomeadamente através da discussão e votação de uma moção de censura ao Governo (cfr. artigo 61.º), expressão da supremacia da Assembleia Legislativa da Região Autónoma sobre o órgão executivo de condução da política regional.
Ora a norma em causa, integrada no artigo 196.º do Regimento da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, relativo ao «Debate» em matéria de moções de censura ao Governo, e que respeita às relações entre os órgãos de governo próprio da Região Autónoma, dispõe que «O Presidente do Governo tem direito a intervir imediatamente após e antes das intervenções previstas no número anterior, sem limite de tempo». O mecanismo previsto na referida norma, ao conferir ao Presidente do órgão objeto de fiscalização pela Assembleia Legislativa um direito de intervenção – imediatamente após e antes das intervenções de abertura e de encerramento do debate pelo primeiro dos signatários da moção (estas aliás com duração não superior a 30 minutos) – sem limite de tempo afigura-se contrário à opção fundamental, contida no Estatuto político-administrativo da Região Autónoma em causa, do primado da Assembleia Legislativa e da subordinação do Governo Regional, em termos de responsabilidade política – e correspondente fiscalização através dos mecanismos previstos para o efeito, como é o caso da moção de censura –, ao órgão representativo da vontade popular eleito por sufrágio universal, direto e secreto.
Atendendo ao exposto a nossa pronúncia foi no sentido da ilegalidade da norma do n.º 3 do artigo 196.º do Regimento da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira por violação do artigo 58.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira.
Maria José Rangel Mesquita
DECLARAÇÃO DE VOTO
1. O Estado português é um Estado unitário com duas regiões autónomas dotadas de estatutos político-administrativos próprios (artigo 6.º da CRP). Precisamente por isso existe em Portugal uma única ordem constitucional: a condição jurídica fundamental das pessoas – de todas elas, residam no continente ou nas ilhas – é, assim, aquela (e só aquela) que a CRP define; o modo de exercício do poder político soberano, que vale para todo o território nacional, é aquele (e só aquele) que a Constituição consagra. Aos estatutos político-administrativos, que nos seus termos se elaboram para valer como leis básicas das regiões, cabe apenas regular o modo de exercício do poder regional, que se exerce com autonomia no território de cada região.
A meu ver, é antes do mais a partir deste quadro que se deve compreender a “restrição”, feita na alínea g) do n.º 2 do artigo 281.º da CRP, à “legitimidade” das entidades regionais para endereçar ao Tribunal Constitucional pedidos de controlo abstrato de normas. Diz-se que tal “restrição” incide sobre a “causa de pedir”, uma vez que, de acordo com os termos literais do preceito constitucional, as entidades regionais aí referidas só podem colocar ao Tribunal questões de constitucionalidade se o seu fundamento for a violação de direitos das regiões; e questões de legalidade, se o seu fundamento for a violação de normas constantes dos estatutos político-administrativos. Mais se diz, em jurisprudência reiterada do Tribunal, que, no último caso – no caso de pedidos de declaração de ilegalidade, por eventual violação de normas constantes dos estatutos –, a uma ulterior delimitação se deve proceder. Se as normas estatutárias cuja violação é invocada só o forem “em sentido formal”, por não conterem mais do que a mera repetição de princípios constitucionais, não haverá que conhecer da ilegalidade, uma vez que, em substância, ela se “consumiu” na questão de constitucionalidade.
É esta construção, que de modo inequívoco decorre de jurisprudência anterior do Tribunal, que no presente acórdão se retoma, abrindo-se porém uma “exceção” (fundamentada apenas numa declaração de voto feita em decisão anterior), quanto à tese do não conhecimento de pedidos de declaração de ilegalidade que se fundem em violação de normas estatutárias que replicam normas constitucionais.
Entendo que o acórdão deveria ter fundamentado substancialmente as razões pelas quais adotou a exceção atrás mencionada. Segundo creio, tais razões substanciais decorrem naturalmente da estrutura unitária do Estado, e da função que nessa estrutura desempenham os estatutos polítco-administrativos das regiões.
2. Na verdade, havendo em Portugal uma única ordem constitucional, as questões que a essa ordem dizem respeito – como são aquelas que decorrem da eventual violação das normas constantes das Partes I e II da CRP, ou da sua Parte III, relativa ao modo de exercício do poder soberano – só podem ser colocadas à jurisdição competente para delas conhecer por “entidades” nacionais. É que os problemas de constitucionalidade que dizem respeito a todos os cidadãos portugueses devem ser formulados, ou por órgãos representativos desses mesmos cidadãos (alíneas a), b, c) e f) do n.º 2 do artigo 281.º), ou por órgãos vocacionados para a garantia da integridade da ordem jurídica, no seu todo (alíneas d) e f)). Resta às entidades regionais – às quais naturalmente não competirá nem a representação do todo nacional nem a função de garantia da integridade da ordem jurídica – aceder à jurisdição constitucional nas situações em que tal se justifique. E uma vez que a essas entidades só cabe a representação das populações regionais e a defesa da integridade da “ordem regional”, as situações em que se que justifica o acesso da sua parte à justiça constitucional são precisamente essas que a alínea g) do nº 2 do artigo 280.º identifica: para defesa da Constituição, se estiverem em causa os “direitos das regiões”; para defesa dos Estatutos Político-Administrativos ( das leis básicas das regiões), se estiver em causa ofensa, por atos provindos da República ou dos próprios órgãos regionais, de normas deles constantes.
3. Entre estas duas situações (a da defesa da constituição para efeitos de autonomia, e a defesa da legalidade estatutária) pode haver, contudo, alguma comunicação. Conceber as duas “categorias” – a da constitucionalidade e a da legalidade – como se de realidades estanques, e entre si mutuamente excludentes, se tratassem, é, a meu ver, compreender mal o sistema da CRP. Aliás, segundo creio, o caso que neste acórdão o Tribunal teve que julgar corporiza bem a necessidade de ver em comunicação (e não em disjunção sistemática) as duas figuras.
4. Com efeito, neste caso, estavam em juízo disposições constantes do regimento da assembleia parlamentar da Madeira.
Apesar de ser, como todos os regimentos parlamentares, uma expressão do poder de auto-organização da assembleia regional (e de, por isso mesmo, deter a forma de resolução), o regimento do parlamento madeirense é um ato sindicável pela justiça constitucional. O Tribunal assim o decidiu, e a meu ver bem: não tanto por dever ser considerado o regimento um ato externa corporis do Estado (a categoria dogmática remonta ao século XIX, e, portanto, a um estádio da ciência do Direito Público anterior à emergência do Estado constitucional) mas por se saber hoje o quanto as deliberações democráticas são condicionadas pelas regras que definem os seus procedimentos. Distribuir tempos de discussão dos problemas pelos diferentes membros de uma assembleia deliberativa; organizar os procedimentos dos debates; garantir com essa organização o aparecimento sem obstáculos de argumentos e contra-argumentos e o seu atempado reexame – eis o que, sabe-se hoje, não releva apenas dos “direitos dos deputados”, dos “direitos dos grupos parlamentares” ou do espaço da auto-organização de um poder que se quer separado e autónomo. Releva antes de um domínio que é fundamental para a concretização do conceito constitucional de democracia: o dos pressupostos que devem estar reunidos para que as deliberações que são tomadas por maioria espelhem tanto quanto possível a razão pública, o interesse geral, a vontade de todos. Nesta medida, as normas constantes dos regimentos parlamentares serão naturalmente “normas” para efeitos do controlo de constitucionalidade por parte da justiça constitucional. O seu “efeito externo” estará mais do que demonstrado.
Sendo este o relevo das normas regimentais, e dele decorrendo o motivo pelo qual tais normas devem ser escrutinadas pela justiça constitucional, o mais natural é que o parâmetro da sua validade se encontre em princípios que, sendo estruturantes do sistema político democrático, tenham como sede própria a Constituição. Foi por esse caminho que se orientou, no caso concreto, o pedido apresentado ao Tribunal por um grupo de deputados ao parlamento regional. Em causa estava – alegavam os requerentes – a violação, por parte das normas regimentais, de princípios constitucionais como os relativos ao direito de oposição (artigo 114.º da CRP), à atuação dos grupos parlamentares (artigo 180.º), e ao específico modo de organização do poder político na região, através da fixação de um “sistema de governo parlamentar” (artigo 231.º). No entanto o Tribunal, retomando uma vez mais a sua interpretação sobre a “restrição da legitimidade” das entidades regionais para lhe endereçar pedidos de declaração de invalidade de normas, acabou por dizer que, por não estarem em causa direitos das regiões a serem defendidos contra o Estado, as questões que lhe eram colocadas não podiam ser qualificadas como questões de constitucionalidade; e, ao admitir que algumas dessas questões pudessem ser qualificadas como questões de “legalidade”, abriu exceções na tese seguida pela jurisprudência, segundo a qual todas as normas estatutárias que se limitem a replicar princípios constitucionais não são idóneas para servir de parâmetro autónomo de validade. A meu ver, todo este caminho argumentativo – que se seguiu nos pontos 4 a 15 da fundamentação – não enquadrou devidamente a questão que estava em juízo, por ter dela uma visão excessivamente formal.
5. A alínea g) do nº 2 do artigo 281.º da CRP emprega a expressão “direitos das regiões”. O preceito emprega a expressão para significar autonomia. As regiões terão assim, e antes do mais, “direito” à sua própria “autonomia”. Mas não se trata, evidentemente, de uma autonomia qualquer. Com efeito, o direito à autonomia não pode deixar de ser o direito a uma organização democrática de governo tal como a Constituição o prescreve. E o que a Constituição prescreve é que a região seja governada por um sistema parlamentar, cujo traço essencial é a responsabilidade política exclusiva do governo perante a assembleia (artigo 231.º). Tal pressupõe um parlamento dotado de uma estrutura organizativa que permita o confronto livre entre maioria e oposição, em ordem a um eficaz controlo do governo (artigo 232.º, n.º 4 e artigo 180.º) e de harmonia com o reconhecimento geral do direito de oposição democrática (artigo 114.º). Todos estes “parâmetros” – que detêm sede constitucional – serão, por isso, naturalmente aplicáveis ao caso.
Contudo, e porque todos eles são princípios [constitucionais] relativos ao modo de organização do poder político autonómico, a sede própria da sua concretização e do seu desenvolvimento encontra-se nos Estatutos Político-Administrativos e não na Constituição. É que as regiões não detêm apenas o “direito” a uma autonomia organizada de acordo com os princípios constitucionais que predeterminam a sua forma de governo; mais do que isso, as regiões detêm o direito a uma autonomia estatuariamente definida (artigo 6.º e artigo 226.º). Todos os “parâmetros” atrás invocados, e que se disse serem naturalmente aplicáveis ao caso, são mediados pelos Estatutos Político-Administrativos que, sendo a Lei Básica da região, servem para isso mesmo: para organizar o sistema de governo regional, incorporando, desenvolvendo e completando os princípios constitucionais que informam aquele mesmo sistema. É esta a razão pela qual no caso as normas estatutárias, apesar de replicarem normas constitucionais, continham os “parâmetros” aplicáveis às disposições impugnadas, constantes do regimento da assembleia parlamentar da Madeira.
Face a esses parâmetros, não tive dúvidas em considerar ilegal a norma constante do nº 3 do artigo 196.º do Regimento, nos termos da qual, no debate da noção de censura ao governo, o presidente [deste último] “tem direito a intervir imediatamente após e antes das intervenções (…) sem limite de tempo”. Maria Lúcia Amaral.
[ documento impresso do Tribunal Constitucional no endereço URL: http://www.tribunalconstitucional.pt/tc//tc/acordaos/20130645.html ]