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Processo n.º 603/13
3ª Secção
Relator: Lino Rodrigues Ribeiro
Acordam, em conferência, na 3ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), em que é reclamante A. e reclamado o Ministério Público, o primeiro reclamou, ao abrigo do artigo 76º, nº 4, da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), do despacho de 14 de junho de 2013 proferido pelo Vice-Presidente daquele Tribunal, que não admitiu recurso para o Tribunal Constitucional da decisão do STJ datada de 4 de junho de 2013.
2. Por decisão da 1ª instância, o ora reclamante foi condenado, em cúmulo jurídico, na pena única de 6 anos de prisão, pela prática de dois crimes de ofensa à integridade física qualificada, um crime de ofensa à integridade física grave e qualificada, e um crime de detenção de arma proibida. Inconformado, recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por acórdão datado de 08/01/2013, negou provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida. Ainda inconformado, interpôs o ora reclamante recurso para o STJ e, ao mesmo tempo, arguiu nulidades várias.
Por despacho de 26/03/2013, o Tribunal da Relação negou o requerimento de arguição de nulidades, e decidiu também não admitir o recurso interposto para o STJ, nos termos dos artigos 400.º, n.º1 al. f) e 432.º, n.º1, b), do CPP. Desta decisão, veio o arguido reclamar para o Presidente do STJ, alegando, para defender a admissibilidade do recurso, que o Tribunal da Relação não havia conhecido das nulidades arguidas.
Por despacho datado de 4 de junho de 2013, o Vice-Presidente do STJ indeferiu a reclamação, considerando que:
“(…) não é fundamento de admissibilidade do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça a questão que se pretende ver apreciada.
Com efeito, decorre das várias alíneas do n.º1 do art. 400.º do CPP, por remissão da alínea b) do n.º1 do art. 432.º do mesmo Código, que a recorribilidade para o Supremo Tribunal de Justiça se afere pela natureza da decisão – os acórdãos condenatórios da 2.º instância que condenem em pena privativa da liberdade de certa duração e também os que conheçam, a final, do objeto do processo
4. O arguido recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça do Acórdão da Relação que manteve a sua condenação na pena única de 6 anos de prisão (…).
No domínio dos recursos e das normas que disciplinam a competência em razão da hierarquia, a redação do art. 432.º, n.º1, alínea b), do CPP dispõe que há recurso para o Supremo Tribunal das decisões que não sejam irrecorríveis proferidas em recurso pelas relações nos termos do artigo 400.º.
E deste preceito destaca-se a alínea f) do n.º1 do mesmo preceito que estabelece serem irrecorríveis «os acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de primeira instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos».
O acórdão da Relação confirmou a decisão da 1ª instância, que condenara o arguido na pena única de 6 anos de prisão pela prática dos crimes enunciados.
É que havendo conformidade, como resulta diretamente da norma – no caso há conformidade total – o recurso só é admissível se for aplicada pena superior a 8 anos de prisão.
O recurso não é, assim, admissível (artigos 432.º, alínea b), e 400.º, n.º1, alínea f), do CPP).”
3. Desta decisão veio o ora reclamante interpor recurso para o Tribunal Constitucional, em requerimento do seguinte teor:
“A., arguida nos autos acima referidos,
Tendo sido notificado da douta decisão proferida por esse Egrégio Tribunal e não constando da mesma a apreciação da inconstitucionalidade deduzida pela recorrente em sede de motivações e conclusões do recurso e constituindo tal falta/omissão uma nulidade nos termos do art.º 374.º e 379.º, ambos do CPP e não existindo outro grau de recurso.
Vem, nos termos dos art.sº 70.º e 75-A, ambos da Lei do Tribunal Constitucional, interpor Recurso para o Tribunal Constitucional, formulando o seguinte requerimento de recurso em cumprimento do mencionado art.º 75-A:
1.A alínea ao abrigo da qual o presente recurso é interposto é a al. b) do n.º 1 do art.º 70.º;
2.As normas cuja inconstitucionalidade se pretende que o Tribunal Constitucional aprecie são o art.º 374.º e 379.º ambos do CPP, na interpretação que lhe foi conferida pelo Supremo Tribunal de Justiça e que se encontra prostrada na decisão recorrida, por violação do n.º 4 do art.º 20.º e art° 32.º ambos da Constituição da República Portuguesa.
3.Dispõem os art.sº 379.º e 374.º, ambos do CPP que as decisões não fundamentadas são nulas.
4.O princípio da legalidade do processo e o estatuto do arguido (cfr., vg, os artºs 2.º, 56.º e ss, 374.º e 379.º todos do CPP), impedem que sejam consideradas decisões judiciais aquelas que não se encontram fundamentadas e de acordo com a CRP:
5.Entendimento contrário implicaria que pudessem ser tomadas em conta decisões, que não apreciam as pretensões do arguido, nomeadamente aquelas que não tratam e analisam as nulidades arguidas pelo arguido recorrente, a coberto de que não são admissíveis recursos onde estão vertidas essas mesmas nulidades.
6.É entendimento, modesto, do recorrente que a decisão recorrida viola em todas as linhas a C. R. P., mais concretamente o art.º 32.º da C. R. P., sendo que para efeitos de recurso para o Tribunal Constitucional o recorrente desde já argui a inconstitucionalidade dos art.ºs 374.º e 379.º do CPP e bem assim o art.º 400.º, todos do CPP, por violação dos artº 20.º, n.º 4 e 32.º, ambos da C. R. P. na interpretação dada pela Douta decisão recorrida, sendo que formula as seguintes conclusão de inconstitucionalidade: “Verifica-se serem inconstitucionais os art.ºs 374.º, 379.º e 400.º todos do CPP por violarem os art.sº 20.º, n.º 4 e 32.º, ambos da C. R. P. quando sejam interpretados no sentido de não poderem serem conhecidas as nulidades arguidas pelo arguido no decurso da apresentação de requerimento de recurso, mesmo que o recurso não seja admissível”.
7.O recorrente suscitou a questão da inconstitucionalidade acima aflorada em resumo, para cumprimento do art.º 75-A da Lei do Tribunal Constitucional, no recurso interposto da decisão da 1ª Instância que viola ela própria e numa 1ª fase o art.º 32.º da CRP, nos termos que acima se indicaram.
Pelo exposto, deve ser recebido o presente requerimento de recurso, porque formulado em tempo e porque cumpre os n.ºs 1 e 2 do art.º 75-A da Lei do Tribunal Constitucional”.
4. Por despacho datado de 14 de junho de 2013, o Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça não admitiu o recurso para o Tribunal Constitucional, com base nos seguintes fundamentos:
“O reclamante A. veio interpor recurso para o Tribunal Constitucional ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do art. 70.º da LTC para que seja apreciada a inconstitucionalidade das normas dos artigos 374º e 379º do CPP, por violação dos artigos 20º, nº 4 e 32º, nº 1 da CRP.
Acontece que estas normas não foram aplicadas no despacho que conheceu da reclamação de fls. 75 e segs.
Esta decisão fundamentou a inadmissibilidade do recurso para o STJ, no artigo 432º, nº 1, alíneas a) e b),e 400º, nº 1, alínea f) do CPP.
Assim sendo, não admito o recurso interposto para o Tribunal Constitucional por as normas artigos 374º e 379º do CPP, não ter sido aplicada na decisão impugnada, o que inviabiliza qualquer julgamento por parte do TC, porquanto os recursos de constitucionalidade desempenham uma função instrumental, só podendo o Tribunal Constitucional conhecer de uma questão de constitucionalidade quando exerça influência no julgamento da causa [cf., entre outros, os Acórdãos do T.C. n.ºs 68/99, 383/2003 e 133/2009, respetivamente, de 03.02.1999, 15.07.2003 e 12.93.2009 (disponíveis em www.tribunal constitucional.pt )]”.
5. Inconformado com o teor de tal despacho, vem o arguido dele reclamar, nos termos do artigo 76º, nº 4, da LTC, nos seguintes termos:
“1º O reclamante entendeu, salvo o devido respeito, que as decisões antecedentes não cumpriram com os art.ºs 374.º do CPP e 379.º do CPP.
2.º Nessa medida, arguiu a nulidade dessas mesmas decisões e invocou que o entendimento dessas decisões, porque violadoras dessas disposições legais, mostravam elas próprias a violação das normas constitucionais mencionadas no douto despacho de não admissão do recurso para o Tribunal Constitucional.
3.º No entanto e não obstante a decisão de não admissão do recurso para o TC a verdade é que se mostram violadas as normas da Constituição da República Portuguesa pela interpretação levada a efeito dessas disposições legais mencionadas.
Pelo exposto, deveria o recurso para o Tribunal Constitucional ser admitido, o que se requer nesta fase o venha a ser”.
6. Neste Tribunal, os autos foram com vista ao Ministério Público, que se pronunciou pelo indeferimento da reclamação.
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
7. O ora reclamante formulou o objeto do recurso de constitucionalidade da seguinte forma: “verifica-se serem inconstitucionais os art.ºs 374.º, 379.º e 400.º todos do CPP por violarem os art.sº 20.º, n.º 4 e 32.º, ambos da C. R. P. quando sejam interpretados no sentido de não poderem serem conhecidas as nulidades arguidas pelo arguido no decurso da apresentação de requerimento de recurso, mesmo que o recurso não seja admissível”.
8. O Tribunal Constitucional tem reiteradamente afirmado que o recurso previsto na alínea b), do n.º 1, do artigo 70º da LTC pressupõe, designadamente, que a decisão recorrida tenha aplicado norma ou interpretação normativa arguida de inconstitucional como ratio decidendi no julgamento do caso.
Ora, a norma efetivamente aplicada pela decisão recorrida (decisão do STJ datada de 4 de junho de 2013) foi a resultante da conjugação dos artigos 432.º, alínea b), e 400.º, n.º1, alínea f), do CPP. A decisão assentou, assim, nas normas que determinam quais as decisões recorríveis para o STJ, fundamentando que essa recorribilidade se “afere pela natureza da decisão – os acórdãos condenatórios da 2.º instância que condenem em pena privativa da liberdade de certa duração e também os que conheçam, a final, do objeto do processo”. No caso, o arguido recorrera para o STJ do Acórdão da Relação que manteve a sua condenação na pena única de 6 anos de prisão. Nos termos das normas efetivamente aplicadas pela decisão do STJ de 4 de junho de 2013, esse aresto da Relação não seria recorrível porque “no domínio dos recursos e das normas que disciplinam a competência em razão da hierarquia, a redação do art. 432.º, n.º1, alínea b), do CPP dispõe que há recurso para o Supremo Tribunal das decisões que não sejam irrecorríveis proferidas em recurso pelas relações nos termos do artigo 400.º. E deste preceito destaca-se a alínea f) do n.º1 do mesmo preceito que estabelece serem irrecorríveis «os acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de primeira instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos”.
Como se denota do requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, o ora reclamante invoca a inconstitucionalidade de uma norma que não foi aplicada pelo Tribunal a quo – a norma resultante da conjugação dos artigos 374.º, 379.º e 400.º todos do CPP, “quando sejam interpretados no sentido de não poderem ser conhecidas as nulidades arguidas pelo arguido no decurso da apresentação de requerimento de recurso, mesmo que o recurso não seja admissível”.
Daqui se vê não existir correspondência entre a norma que constituiu a ratio decidendi da decisão recorrida e a norma que constitui o objeto do requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade perante o Tribunal Constitucional. O STJ limitou-se a decidir com base nas normas do CPP que determinam quais as decisões recorridas. O ora reclamante, pelo contrário, pretende ver discutida a constitucionalidade de uma norma de acordo com a qual as nulidades arguidas pelo arguido no decurso da apresentação de requerimento de recurso, mesmo em caso de recurso não admissível, não poderiam ser conhecidas. Não havendo coincidência entre a norma efetivamente aplicada pelo tribunal a quo, e aquela que constitui o objeto de recurso de constitucionalidade, um eventual juízo de inconstitucionalidade não teria quaisquer efeitos práticos na decisão do caso concreto, que continuaria a ser a de não admissibilidade do recurso do Acórdão do Tribunal da Relação para o STJ.
Mas se assim é, e atenta a natureza instrumental do recurso em sede de fiscalização concreta da constitucionalidade, falta um pressuposto essencial para que o mesmo, interposto ao abrigo da alínea b) do n.º1 do art. 70.º, possa ser conhecido – a norma objeto do recurso ter sido aplicada pela decisão recorrida.
Tanto basta para o recurso de constitucionalidade não poder ser aceite.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência, confirmar a decisão reclamada.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 8 de outubro de 2013.- Lino Rodrigues Ribeiro – Catarina Sarmento e Castro – Maria Lúcia Amaral