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Processo n.º 221/2012
1.ª Secção
Relator: Conselheira Maria Lúcia Amaral
Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
I – Relatório
1. Nos presentes autos, “A., S.A.”, intentou ação declarativa de condenação emergente de contrato individual de trabalho, com processo comum, contra B., pedindo a condenação da Ré no pagamento à Autora da quantia de € 1 878, 94, a título de remunerações salariais e outras prestações laborais indevidamente pagas, tendo alegado que a Autora não prestou trabalho efetivo para si desde 01.11.2008 em virtude de exercer funções a tempo inteiro enquanto dirigente sindical no Sindicato dos Trabalhadores de Serviços de Portaria, Vigilância, Limpeza, Domésticas e Profissões Similares e Atividades Diversas (STAD), pelo que o contrato que a ambas vincula devia considerar-se suspenso, nos termos do disposto no artigo 403.º do Regulamento do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 35/2004, de 29 de julho – preceito que estabelece que quando as faltas determinadas pelo exercício de atividade sindical se prolongarem efetiva ou previsivelmente para além de um mês se aplica o regime da suspensão do contrato de trabalho por facto respeitante ao trabalhador.
Na contestação apresentada, alegou a Ré, na parte que releva para efeitos do presente recurso de constitucionalidade, que o artigo 403.º do Regulamento do Código do Trabalho é inconstitucional por se traduzir numa limitação inadmissível do exercício legítimo das funções de dirigente sindical, consagrado no artigo 55.º, n.º 6 da Constituição, e ainda por violação do artigo 112.º, n.º 2 da Constituição.
Por sentença proferida em 25.01.2012, foi a ação julgada parcialmente procedente e, em consequência, a Ré condenada a pagar à Autora a quantia de € 726, 63, a título de remunerações laborais indevidamente pagas, absolvendo-se a Ré do mais peticionado.
2. Dessa decisão veio B. interpor o presente recurso de constitucionalidade, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de fevereiro, sustentando que o artigo 403.º do Regulamento do Código do Trabalho é inconstitucional por violação dos artigos 55.º, n.º 6 e 112.º, n.º 2 da Constituição.
3. Notificada para o efeito, a recorrente apresentou as suas alegações, tendo sustentado que ao prever a suspensão do contrato de trabalho dos dirigentes sindicais nos casos em que as faltas dadas para o exercício de funções sindicais se prolongam por mais de 30 dias, o artigo 403.º do Regulamento do Código do Trabalho vem limitar a possibilidade das associações sindicais se organizarem de modo eficaz na defesa dos interesses dos seus associados, sem que se vislumbre qualquer justificação no quadro dos direitos potencialmente em conflito. A norma sub judicio configuraria, portanto, uma injustificada restrição de um direito, liberdade e garantia, em violação do artigo 55.º, n.º 6 e 18.º, n.º 2 da Constituição.
Além disso, no entender da recorrente, o artigo 403.º do Regulamento do Código do Trabalho é ainda inconstitucional por violação do artigo 112.º, n.os 2 e 7 da Constituição, na medida em que, como de modo expresso consta do seu preâmbulo, o Regulamento do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 35/2004, de 29 de julho, é uma norma regulamentar do Código do Trabalho de 2003, estando por isso limitado pelo estatuído nas normas constante deste último diploma, o que não se verifica relativamente à norma sub judicio que, em lugar de regulamentar as pertinentes normas do Código do Trabalho, introduz uma alteração limitativa dos direitos dos dirigentes sindicais.
4. Contra-alegou a recorrida, tendo sustentado que a norma que integra o objeto do presente recurso não é inconstitucional.
Cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
5. A questão que o Tribunal Constitucional é chamado a resolver é a da conformidade com a Constituição do artigo 403.º do Regulamento do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 35/2004, de 29 de julho – preceito que estabelece que quando as faltas determinadas pelo exercício de atividade sindical se prolongarem efetiva ou previsivelmente para além de um mês se aplica o regime da suspensão do contrato de trabalho por facto respeitante ao trabalhador.
Entende a recorrente que tal preceito é inconstitucional, desde logo, por conter uma limitação inadmissível ao direito do exercício legítimo das funções de dirigente sindical, sem que se vislumbre qualquer justificação no quadro dos direitos potencialmente em conflito, em violação do artigo 55.º, n.º 6 da Constituição, segundo o qual «os representantes eleitos dos trabalhadores gozam do direito à informação e consulta, bem como à proteção legal adequada contra quaisquer formas de condicionamento, constrangimento ou limitação do exercício legítimo das suas funções».
Vejamos, pois.
6. A tutela constitucional dos representantes eleitos dos trabalhadores, expressamente consagrada no n.º 6 do artigo 55.º da CRP, tem, antes do mais, uma dimensão subjetiva, que decorre da liberdade sindical, na sua titularidade individual e coletiva. A própria localização sistemática do preceito a confirma. Justamente porque é reconhecido aos trabalhadores, individual e coletivamente considerados, o direito à constituição livre de sindicatos e o direito à consequente ação sindical (artigo 55.º, n.º 1 da CRP), é que, para garantir o exercício desse direito, se determina que “os representantes eleitos dos trabalhadores gozam do direito (…) à proteção legal adequada contra quaisquer formas de condicionamento, constrangimento ou limitação do exercício legítimo das suas funções” (artigo 55.º, n.º 6).
Porém, sem prejuízo dessa dimensão subjetiva, a tutela constitucional dos representantes eleitos dos trabalhadores contém, ainda, uma dimensão objetiva, consistente em uma imposição constitucional dirigida ao legislador ordinário no sentido de este concretizar as formas de proteção adequada dos dirigentes e delegados sindicais contra previsíveis represálias patronais, de forma a evitar quaisquer discriminações destinadas a não incentivar o desempenho de funções eletivas nas organizações sindicais.
Isto mesmo já disse o Tribunal no seu Acórdão n.º 1172/96, disponível em www.tribunalconstitucional.pt, que não julgou inconstitucional o n.º 1 do artigo 22.º da Lei Sindical, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 215-B/75, de 30 de abril, na interpretação segundo a qual “as faltas dadas pelos dirigentes sindicais, para além do crédito de horas que lhe é atribuído, podem ter, de acordo com tal preceito legal, reflexos, nomeadamente de ordem económica (quanto à atribuição de prémios de assiduidade e de participação nos lucros da entidade patronal), para além dos que resultam da perda de retribuição pelo tempo de serviço perdido”, tendo-se então afirmado que “[a] Constituição apenas impõe ao legislador que estabeleça regras de proteção quanto [aos trabalhadores que exercem funções de direção em associações sindicais], de forma a que não sejam impedidos ou constrangidos relativamente ao desempenho de tais funções”.
Tal significa que a apreciação da conformidade com a Constituição da norma sub judicio passa por analisar quais as medidas concretamente adotadas pelo legislador em cumprimento do referido mandato constitucional de proteção adequada dos representantes eleitos dos trabalhadores.
7. O regime jurídico de proteção dos representantes eleitos dos trabalhadores aplicável ao caso dos autos é o do Código do Trabalho de 2003, aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de agosto e do Regulamento do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 35/2004, de 29 de julho.
Das disposições pertinentes desses diplomas (cf. artigos 225.º, n.º 2, alínea g), 226.º, 454.º, 455.º e 505.º, n.os 1 e 2 do Código do Trabalho de 2003 e 399.º a 403.º do Regulamento do Código do Trabalho) retira-se que o legislador procura assegurar a proteção dos representantes eleitos dos trabalhadores de dois modos diferentes. Por um lado, estabelecendo um crédito de horas de que os representantes dos trabalhadores beneficiam; além disso, determinando que as ausências dos trabalhadores eleitos para as estruturas de representação coletiva no desempenho das suas funções e que excedam o crédito de horas se consideram faltas justificadas e contam, salvo para efeito de retribuição, como tempo de serviço efetivo (relativamente aos delegados sindicais, apenas se consideram justificadas, para além das que correspondam ao gozo do crédito de horas, as ausências motivadas pela prática de atos necessários e inadiáveis no exercício das suas funções, as quais contam, salvo para efeito de retribuição, como tempo de serviço efetivo).
Em suma, o regime legal assegura que os trabalhadores eleitos para as estruturas de representação coletiva podem não comparecer ao trabalho para o desempenho das suas funções, prevendo, aliás, um crédito de horas que os mesmos podem gozar sem perda de remuneração.
Ora, através das medidas concretamente adotadas pelo legislador é satisfatoriamente cumprido o mandato constitucional de proteção adequada dos representantes eleitos dos trabalhadores contra previsíveis represálias patronais, de forma a evitar quaisquer discriminações destinadas a não incentivar o desempenho de funções eletivas nas organizações sindicais.
É certo que, ao estabelecer que quando as faltas determinadas pelo exercício de atividade sindical se prolongarem efetiva ou previsivelmente para além de um mês se aplica o regime da suspensão do contrato de trabalho por facto respeitante ao trabalhador, a norma sub judicio tem como consequência que o representante do trabalhador perde o direito às retribuições correspondentes ao crédito de horas. Simplesmente, a consequência associada à decisão de um trabalhador não prestar trabalho à entidade patronal por um período efetiva ou previsivelmente superior a um mês não é de molde a promover quaisquer discriminações destinadas a não incentivar o desempenho de funções eletivas nas organizações sindicais. Em nada afetando o regime legal de proteção dos representantes eleitos dos trabalhadores, designadamente a concessão de crédito de tempo remunerado bem como a natureza justificada das faltas ao trabalho que excedam o limite do crédito de horas, o artigo 403.º do Regulamento do Código do Trabalho não é de molde a desincentivar o desempenho de funções eletivas nas organizações sindicais.
8. Ora, na medida em que em nada afeta o regime legal de proteção dos representantes eleitos dos trabalhadores, o qual é composto por um complexo normativo que, como se viu (supra, ponto 7), cumpre satisfatoriamente o mandato constitucional de proteção adequada dos representantes eleitos dos trabalhadores contra previsíveis represálias patronais, de forma a evitar quaisquer discriminações destinadas a não incentivar o desempenho de funções eletivas nas organizações sindicais, a norma sub judicio não contém uma limitação inadmissível ao direito do exercício legítimo das funções de dirigente sindical, pelo que não se verifica qualquer violação do artigo 55.º, n.º 6 da Constituição.
9. Finalmente, e no que respeita à inconstitucionalidade, invocada pela requerente, do artigo 403.º do Regulamento do Código de Trabalho por violação do disposto no artigo 112.º da Constituição, só resta concluir pela sua manifesta falta de fundamento. Não obstante o nome, as normas constantes do Regulamento do Código de Trabalho não são normas provenientes do exercício da função administrativa do Estado; são normas legais, aprovadas – tal como as constantes do Código do Trabalho – por lei comum da Assembleia da República. A identidade formal dos atos que aprovaram os regimes (o do Regulamento e o do Código), tendo como consequência a perfeita equivalência entre ambos, exclui a possibilidade de existência, no caso, de quaisquer relações de subordinação hierárquica entre normas, sejam aquelas a que se referem o n.ºs 2 e 3 do artigo 112.º, seja aquela a que se refere o seu n.º 7.
Assim, e tal como se julgou no Acórdão n.º 29/2013, a cuja fundamentação se adere, só resta concluir pela não inconstitucionalidade da norma impugnada.
III – Decisão
Nestes termos, decide-se:
a) Não julgar inconstitucional o artigo 403.º do Regulamento do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 35/2004, de 29 de julho;
b) Consequentemente, negar provimento ao recurso;
c) Condenar a recorrente em custas, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) UCs.
Lisboa, 8 de outubro de 2013. – Maria Lúcia Amaral – Maria João Antunes – Maria de Fátima Mata-Mouros – José da Cunha Barbosa – Joaquim de Sousa Ribeiro.