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Proc. n.º 211/03
3ª Secção Relator: Cons. Gil Galvão
Acordam, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
I – Relatório
1. A. intentou, no Tribunal de Comarca de Angra do Heroísmo, contra o Governo dos Estados Unidos da América, acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, emergente de contrato individual de trabalho, em que pedia que fosse declarada a ilicitude do despedimento de que foi objecto por parte do réu e que este fosse condenado a pagar-lhe uma indemnização global no valor de Esc.
5.722.573$00, acrescidos dos respectivos juros de mora até efectivo pagamento.
2. O Juiz daquele Tribunal, por despacho de 22 de Janeiro de 2003, considerou territorialmente competente o Tribunal de Trabalho de Lisboa. Para assim decidir, recusou, por inconstitucionalidade, a aplicação do n.º 1 do art.º 17º constante do Acordo Laboral, incluído no Acordo de Cooperação e Defesa entre Portugal e os Estados Unidos da América, aprovado para ratificação pela Resolução da Assembleia da República n.º 38/95, de 11 de Outubro, e ratificado pelo Decreto do Presidente da República n.º 72/95, de 11 de Outubro, entrado em vigor em 21 de Novembro de 1995, de acordo com o Aviso n.º 23/96, emanado do Ministério dos Negócios Estrangeiros.
Na fundamentação desta decisão pode ler-se, a dado passo e para o que agora importa:
“[...] B. O Acordo Laboral de 1995, estando as partes acordantes determinadas em promover e manter condições de trabalho que garantissem a segurança e igualdade de tratamento de todos os trabalhadores, pretendeu regular as relações de emprego entre as Forças dos Estados Unidos da América nos Açores e os seus trabalhadores portugueses - cfr. o Preâmbulo e art.º 1º, n.º 1, do Acordo referido. Contudo, a propalada igualdade não é assegurada, se tivermos em consideração a posição de qualquer outro trabalhador na ordem jurídica portuguesa que não preste o seu trabalho às Forças americanas. Nomeadamente, e para o que aqui nos interessa, em termos processuais.
É que dispunha do seguinte modo o Código de Processo de Trabalho em vigor em
1998 (DL 272-A/81, de 30/09), data da entrada em juízo da presente acção:
- Art.º 14º, n.º 1: ‘As acções devem ser propostas no tribunal do domicílio do réu, sem prejuízo do disposto nos artigos seguintes’.
- Art.º 15º, n.º 1: ‘As acções emergentes de contrato de trabalho intentadas por trabalhador contra a entidade patronal podem ser propostas no tribunal do lugar da prestação de trabalho ou do domicílio do autor’. As regras de determinação da competência territorial obedecem a critérios de justiça e de razoabilidade, norteando-se igualmente pela comodidade das partes e pelo interesse da boa administração da justiça (nesse sentido, Antunes Varela,
‘Manual de Processo Civil’, 2ª Ed., pág.219). Cumulativamente, e no direito laboral, acresce o interesse e a conveniência do trabalhador, tendo em conta a estrutural debilidade contratual existente entre aquele e a sua entidade patronal (Leite Ferreira, ‘Código de Processo do Trabalho Anotado’, 4ª Ed., pág.
87). O princípio da igualdade está sobejamente tratado na jurisprudência do Tribunal Constitucional.
[...] No caso em análise, constata-se uma discrepância entre o tratamento dado ao trabalhador por conta da Força americana e o trabalhador em geral. A este são disponibilizados, para sua conveniência no acesso à justiça laboral e em alternativa, três foros competentes para apreciação do litígio que mantenha com a sua entidade patronal; ao primeiro somente um e que, para mais, nenhuma conexão razoável mantém com a fonte do litígio. Desta forma, o trabalhador ordinário que houvesse prestado trabalho na Base Aérea n.º 4, sita na freguesia das Lages, Praia da Vitória, por conta, v. g., da Força Aérea portuguesa e tivesse ido residir para Bragança, poderia intentar uma acção laboral na Praia da Vitória e em Bragança (sendo Réu o Estado português, ao domicílio do réu substitui-se o do domicílio do autor - art.º 86º, n.º 1, do CPC, ex vi art.º 1º, n.º 2, al. a), do CPT). O trabalhador por conta das Forças dos Estados Unidos teria forçosamente de instaurar a sua acção em Angra do Heroísmo. Tal discrepância não encontra arrimo em qualquer diferença existente na prestação laboral levada a cabo por uns e por outros. Se o objectivo buscado pelas partes acordantes foi o de ‘promover e manter condições de trabalho que garantissem a segurança e igualdade de tratamento de todos os trabalhadores, regulando-se as relações de emprego entre as Forças dos Estados Unidos da América nos Açores e os seus trabalhadores portugueses’, a necessidade de criar uma determinada relação jurídica reguladora das relações entre a Força americana e os seus trabalhadores civis portugueses adveio da específica natureza da entidade empregadora – uma força militar de um Estado estrangeiro sediada em território nacional - não das diferenças existentes entre o contrato de trabalho celebrado entre as partes, pois, quanto a este, nada distingue o previsto no art.º 6º, n.º 1, do Acordo Laboral de 1995 do [ ] art.º
1º da LCT (DL 49.408, de 24/11/69). Poder-se-ia argumentar que o Acordo de 1995, como fonte de direito supra legal, não estaria vinculado à regulamentação mais favorável ao trabalhador levada a cabo por um instrumento que lhe é hierarquicamente inferior. Contudo, e como vimos, aquele deve obediência aos ditames constitucionais; ora, face a este diploma, não existe critério diferenciador que autorize distinto tratamento para os trabalhadores por ele vinculados; ou seja, e por outras palavras, o Acordo Laboral poderia estabelecer direitos diferentes dos consagrados para os trabalhadores em geral, não menos direitos, não uma sua posição mais fragilizada face aos demais. Por outro lado, o Acordo Laboral ao restringir a um só o foro competente para decidir das causas dele emergentes - o de Angra do Heroísmo - cria um verdadeiro impedimento de o trabalhador da Base aceder em termos razoáveis e proporcionais
à justiça laboral, já que atribui competência a um foro que com aquela problemática nenhuma conexão mantém, retirando-a ao foro ‘naturalmente’ competente: o previsto nos art.º 14º e 15º do CPT. É de referir que menos desproporcionado do ponto de vista que tratamos era o foro estabelecido no Acordo Laboral de 1984, já que previa o seu art.º 94º o recurso ao tribunal com jurisdição sobre a Base Aérea n.º4, não se encontrando no Acordo de 1995 qualquer fundamentação para a alteração entretanto operada. Esta arbitrariedade legislativa não tem, cabe concluir, um fundamento razoável. Se a área territorial da Base Aérea é coberta por um tribunal com jurisdição laboral – o da comarca da Praia da Vitória – por que razão foi alterada essa competência pelo Acordo de 1995? Como tal, e por acordo Laboral descriminar negativamente os trabalhadores abrangidos pelo Acordo de 1995 face a todos os outros trabalhadores e restringir arbitrariamente o seu acesso aos tribunais, é de recusar a aplicação ao caso sub judice da norma do seu art.º 17º, n.º 1, com fundamento na inconstitucionalidade material da mesma – art.º 204º da CRP - por violação do princípio constitucional da igualdade. III. Tribunal territorialmente competente. Qual então o tribunal territorialmente competente para apreciar a presente acção? Abra-se aqui uma nota para referir que a questão da competência internacional se encontra já resolvida, por decorrência directa do Acordo Laboral. Há que recorrer às regras laborais gerais para o determinar, mais concretamente ao art.º 14º, n.º 1, do CPT, a qual atribui como regra geral a competência ao tribunal do domicílio do réu. O réu, nestes autos, são os Estados Unidos da América, um estado soberano, o qual não tem, por natureza, domicílio, pelo que aquela regra não tem aqui aplicação. Cabe lançar mão então das regras subsidiárias do CPC, por força do que dispõe o art.º 1º, n.º 2, al. a), do CPT. Contudo, nem as regras especiais constantes dos art.ºs 73º a 84º daquele diploma nem as gerais dos art.ºs 85º e 86º nos fornecem solução, pois a situação sub judice não encontra nelas directa previsão nem existe qualquer outro critério adequado à situação, o que não será de estranhar se se tiver presente a aludida Imunidade Jurisdicional dos Estados Estrangeiros. Poder-se-ia considerar que o art.º 86º, n.º 1, do CPC forneceria uma saída, se interpretado extensivamente no sentido de que, onde se lê ‘o Estado’, se poderia ler ‘um Estado’. Contudo, não pode tal interpretação colher, dado que a ratio que presidiu à sua elaboração foi a ‘consideração de que ao Estado é indiferente a circunscrição judicial em que é demandado, uma vez que em todas lhe está assegurada defesa, através dos órgãos que o representam em juízo (Jacinto Rodrigues Bastos, in ‘Notas ao Código de Processo Civil’, Iº Vol., 3ª Ed., pág.
155. Constatada a lacuna, cabe recurso à analogia, expediente a utilizar sempre que no caso omisso procedam as razões justificativas da regulamentação do caso previsto na lei - art.º 10º, n.ºs 1 e 2, do CC, e art.º 1, n.º 2, al. c), do CTP. O art.º 85º, n.º 3, parte final, do CPC, considera competente para a causa o tribunal de Lisboa naqueles casos em que nenhum outro factor de conexão territorial exista. Trata-se, claramente, de uma competência residual e subsidiária. Como no caso dos autos inexiste também qualquer factor territorial de conexão, cabe aplicar analogicamente aquela parte final do n.º 3 do art.º 85º do CPC, considerando-se competente o Tribunal de Trabalho de Lisboa [...]”.
3. Deste despacho recorreram, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do art.º 70º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, o Ministério Público, o autor A. e o Governo dos Estados Unidos da América, pretendendo a apreciação da inconstitucionalidade da norma ínsita no n.º 1 do art.º 17º do Acordo Laboral que é parte integrante do Acordo de Cooperação e Defesa entre Portugal e os Estados Unidos da América, aprovado pela Resolução n.º 38/95 da Assembleia da República e ratificado pelo Decreto do Presidente da República n.º 72/95.
4. Admitidos os recursos foram os recorrentes, já neste Tribunal, notificados para alegar, o que fizeram.
O Representante do Ministério Público concluiu a sua alegação da seguinte forma:
“1 - A norma desaplicada na decisão recorrida, ao estabelecer como tribunal competente para as acções resultantes de contrato de trabalho entre cidadãos portugueses e as Forças Armadas americanas, sediadas nas Lages, o de Angra do Heroísmo, não traduz solução arbitrária ou discricionária, nem implica restrição excessiva ou desproporcionada no acesso ao direito por parte dos trabalhadores, não padecendo d[a] apontada inconstitucionalidade material.
2 - Termos em que deverá proceder o presente recurso”.
Por sua vez, o autor concluiu a sua alegação dizendo:
“1. A excepção da incompetência territorial do Tribunal Judicial da Comarca de Angra do Heroísmo foi suscitada por razões totalmente alheias às que levaram à decisão do Tribunal a quo.
2. Foi suscitada com o fundamento de que, ao caso sub judice, era aplicável o disposto no artigo 95° do Acordo Laboral de 1984, aprovado pela Resolução da Assembleia da República [ ] 24/85, de 24.09, que estabelecia que o Tribunal Competente, para o efeito, era o da Praia da Vitória.
3. Só que o referido Acordo Laboral foi revisto em 1995, tendo sido aprovado pela Resolução da Assembleia da República n° 38/95, de 11.10, tendo este estabelecido que o Tribunal competente era o de Angra do Heroísmo. Cf. art.º
17°, n° 1.
4. A acção em apreço foi proposta em 1998, pelo que o Tribunal competente era de facto o de Angra do Heroísmo ‘a competência fixa-se no momento em que a acção se propõe...’. Cf. artigo 17°, n° 1 da LOTJ, com a redacção que1he foi dada pela lei n.º 24/90, de 04.08.
5. O artigo 17°, n° 1, do Acordo Laboral de 1995, que estabelece como competente o Tribunal de Angra do Heroísmo, não discrimina, nem positiva, nem negativamente, os trabalhadores e jamais pode estar ferido de inconstitucionalidade por violar o princípio da igualdade, consagrado no artigo
13° da CRP.
6. De facto ele constitui um passo importante e significativo na protecção dos direitos dos trabalhadores.
7. A sua consagração veio acabar com as dúvidas suscitadas pelo então artigo 95° do Acordo Laboral de 1984, nomeadamente clarificando que:
- todas e quaisquer acções resultantes dos contratos de trabalho podiam ser submetidas a tribunal português;
- o tribunal competente para apreciar tais acções era o de Angra do Heroísmo;
- o réu seria os Estados Unidos da América;
- as notificações no processo decorrerão em conformidade com a Convenção de Haia relativa à citação e notificação no Estrangeiro de actos judiciais e extrajudiciais em matéria civil e comercial de 15 de Novembro de 1965.
8. Tratou-se de clarificação importantíssima para salvaguarda do direito dos trabalhadores ao recurso aos Tribunais.
9. Precisou tão só que, nas questões laborais ocorridas na BA 4, o Tribunal competente é o de Angra do Heroísmo e não outro.
10. Foi medida legislativa com o objectivo de consagrar de forma inequívoca e uniforme o acesso aos tribunais por parte dos traba1hadores portugueses por conta das Forças Armadas dos Estados Unidos da América na Base das Lajes.
11. Norma que não está em desacordo com os artigos 14° e 15° do CPT em vigor em
1998, quer com os artigos 13° e 14° do CPT vigente.
12. Nem constituiria maior garantia de acesso aos tribunais a possibilidade do acesso aos dois tribunais existentes na Ilha Terceira - Comarca de Angra do Heroísmo e Comarca da Praia da Vitória - consoante o domicílio do trabalhador, porquanto os mesmos distam a não mais de 20 Km.
13. Jamais o que é possível, e o que as leis vigentes permitem, é concluir que o tribunal competente é o do Traba1ho de Lisboa, sob pena de se estar, na prática, a inviabilizar o acesso, aos Tribunais por parte dos trabalhadores da BA 4.
14. O citado artigo, 17°, n° 1, do Acordo Laboral não consagra qualquer discriminação negativa dos trabalhadores da BA4.
15. Não constitui um acto arbitrário com consequências negativas para os trabalhadores.
16. Quando muito constitui uma clarificação e unificação favoráveis aos trabalhadores.
17. Jamais fere o princípio constitucional da igualdade.
18. Jamais deveria ter sido recusada a sua aplicação ao caso sub judice.
19. Deve pois considerar-se constitucional a norma do artigo 17°, n° 1, do Acordo Laboral de 1995, tendo sido dada uma interpretação errada aos artigos 3°, n.º 3; 13°; 204° e 277°, todos da Constituição da República Portuguesa”.
Por seu turno, disse o Governo dos Estados Unidos da América, a concluir:
“1ª O julgamento da constitucionalidade da norma do art.º 17º, 1 do Acordo Laboral de 1995 terá de ser feito face ao disposto no art.º 13º da CRP
(princípio da igualdade);
2ª O princípio da igualdade é aqui, porém, indissociável de outros normativos constitucionais, designadamente, o art.º 20º CRP, na sua vertente de igualdade no acesso aos tribunais;
3ª A mera constatação de que nas acções interpostas contra as respectivas entidades patronais há certos trabalhadores que têm opção entre três foros competentes (art.º 14º e 15º CPT 1981) e certos outros trabalhadores a quem é aberto um foro competente (art.º 17º, 1 Acordo Laboral de 1995) é insuficiente para revelar se existe ou não violação do princ[í]pio da igualdade (art.º 13º CRP);
4ª Com efeito, o princípio da igualdade traduz-se, designadamente, no tratamento igual das situações iguais como também no tratamento desigual das situações desiguais, como na proibição de diferenciações que não tenham causa legítima;
5ª Assim, não repugna a tal princípio que os trabalhadores por contra de outr[e]m tenham vias não iguais de acesso a tribunal, designadamente, quanto aos tribunais competentes para a interposição de acções;
6ª Assim sucede no caso de trabalhadores da função pública, por confronto com os trabalhadores do sector privado, como sucederá se a situação de determinado grupo de trabalhadores for substancialmente diversa da situação de outros grupos de trabalhadores;
7ª Os trabalhadores abrangidos pela norma do art.º 17º, 1 do Acordo Laboral de
1995, constituem no ordenamento jurídico português em caso singular e único, merecendo e requerendo tratamento específico e não necess[a]riamente formalmente igual ao do conjunto dos demais trabalhadores por contra de outr[e]m:
8ª Assim, quer no que toca à fonte do direito (convenção internacional), à natureza do seu empregador (forças armadas de um estado estrangeiro estacionadas em território português) e ao local da sua prestação de trabalho (instalações numa base aérea portuguesa adstritas ao serviços dessas forças armadas estrangeiras);
9ª Por notórias razões geográficas como pela disciplina que decorre do regime jurídico que lhes é aplicável, tais trabalhadores são em esmagadora maioria senão na totalidade originários e/ou residentes na Ilha Terceira, sendo obrigatório o seu recrutamento local (art.º 24º. e 26º. do Regulamento de Trabalho de 1997), não podendo ser substituídos por trabalhadores norte americanos (art.º 5.º do Acordo Laboral de 1995);
10ª Até à celebração do Acordo Laboral de 1984 não existia uma norma expressa de sujeição dos Estados Unidos da América à jurisdição dos Tribunais Portugueses;
11ª Assim, por força da regra da imunidade de jurisdição - um Estado soberano não pode ser determinado como R[é]u perante os tribunais de outro Estado Soberano - os trabalhadores portugueses não tinham, na prática, acesso à via judicial contra a sua entidade patronal;
12ª No Acordo Laboral de 1984, as partes contratantes estipulam, também, um pacto de jurisdição, no seu art.º 95º, segundo o qual, embora com algumas restrições os Estados Unidos aceitaram submeter-se à jurisdição portuguesa e ambas as partes designaram como foro competente o Tribunal da Praia da Vitória;
13ª No Acordo em vigor, o Acordo Laboral de 1995, a norma do art.º 17,1, do mesmo modo é um pacto de jurisdição com indicação do Tribunal competente;
14ª Esse pacto de jurisdição indica qual o foro competente, não se limitando a remeter genericamente para a jurisdição dos tribunais portugueses, deixando às normas internas de competência a posterior designação de qual o tribunal em concreto que viria a ser competente;
15ª Deste modo, a norma do art.º 17º, 1 do Acordo Laboral de 1995 é um pacto atributivo de jurisdição com designação do tribunal material e territorialmente competente: como em qualquer convenção de competência significa uma escolha com abandono das outras escolhas poss[í]veis;
16ª A escolha feita não viola o princípio da igualdade consagrado no art. 13º. da CRP, antes garante, perante a situação única dos trabalhadores portugueses ao serviço das Forças dos Estados Unidos estacionadas na Base das Lages, a sua igualdade de acesso aos tribunais (art.º 20º CRP), à justiça acess[í]vel, célere e eficaz de que gozam os outros demais trabalhadores;
17ª Com efeito, o foro escolhido, do Tribunal de Angra do Hero[í]smo, corresponde ao tribunal de maior dimensão da Ilha onde os trabalhadores vivem, são recrutados e trabalham, tribunal de c[í]rculo e de comarca, sediado na capital da Ilha Terceira, tribunal que, por ser português, está submetido à lei constitucional e processual portuguesa que é a lei nacional dos trabalhadores e tem competência para conhecer quanto à matéria de todas as questões laborais que lhe sejam postas;
18ª O Acordo Laboral de 1995, aprovado pela Assembleia da República nos termos e ao abrigo do art.º 164 alínea j) (actual art.º 161º) e 169º, n.º 5 (actual art.º
166º) da Constituição e ratificado por Decreto do Presidente da República nos termos do art.º 138º, alínea b) (actual art.º 135º) da Constituição, é uma convenção internacional, nos termos e para os efeitos do art.º 8º da Constituição, configurando um tratado solene;
19ª Como tal vigora na ordem interna e prevalece sobre as normas de direito interno anteriores ou posteriores, designadamente, sobre os art.ºs 14º, 15º e
19º do CPT 1981;
20ª A norma do art.º 17º., 1 do Acordo Laboral de 1995 não é inconstitucional”.
Dispensados os vistos, dado que correu vistos o processo n.º 212/03, em tudo paralelo ao presente, cumpre decidir.
II. Fundamentação.
5. A questão de constitucionalidade que agora vem colocada é exactamente a mesma que foi suscitada no processo n.º 212/03 desta 3ª secção do Tribunal Constitucional, num caso em tudo paralelo (são, aliás, idênticas a substância da decisão e o teor das alegações dos recorrentes). Nesse processo, o Tribunal teve oportunidade de se pronunciar pela não inconstitucionalidade da norma ora objecto do recurso.
Não existem quaisquer razões para que o Tribunal não siga o mesmo entendimento que, nesse processo, perfilhou. Por isso, se remete para a fundamentação aí expendida, salientando-se, agora, apenas o seguinte:
“[...] No aludido Acordo Laboral, ficou, inter alia e para o que ora releva, estipulado [...] que o Tribunal de comarca de Angra do Heroísmo é o tribunal competente para apreciar eventuais acções resultantes dos Estados Unidos da América, acções essas em tal País figuraria como réu, na sua qualidade de entidade patronal (art.º 17º, números 1 e 2). [...]
4. Na decisão ora impugnada foi entendido que a norma constante do n.º 1 do art.º 17º do Acordo Laboral assinado em 1 de Junho de 1995 enfermava de inconstitucionalidade, por violação do princípio da igualdade consagrado no artigo 13º da Lei Fundamental, por isso que, por intermédio de tal norma, era fixada, para as acções emergentes de contrato de trabalho celebrados entre os trabalhadores portugueses que desempenhavam o seu labor ao serviços das Forças dos Estados Unidos da América estacionadas na Base Aérea n.º 4, sita nas Lages, na Ilha Terceira, uma competência territorial de jurisdição diversa da que se consagrava nos artigos 14º e 15º do Código de Processo de Trabalho aprovado pelo Decreto-Lei n.º 272-A/81, de 30 de Setembro. Esta, pois, a questão que importa dilucidar.
[...]
5. Sendo o réu os Estados Unidos da América (cfr. o já aludido n.º 2 do art.º
17º do Acordo Laboral de 1995), e se não foram os acordos internacionais celebrados entre aquele País e Portugal (para o que ora releva, os Acordos de
1985 e de 1995), em princípio aquele Estado soberano não poderia ser demandado perante os tribunais de outro Estado soberano - no caso, Portugal (cfr., verbi gratia, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 11 de Junho de 1961, in Acórdãos Doutrinais, ano I, 659). Todavia, de harmonia com as convenções pactícias constantes dos indicados Acordos, os Estados Unidos da América assumiram uma postura de renúncia à sua imunidade, aceitando, assim, submeterem-se à jurisdição portuguesa para efeitos de resolução jurisdicional de conflitos ocorridos entre os trabalhadores portugueses ao serviço das Forças dos Estados Unidos da América estacionadas na Base Aérea n.º 4 e esse mesmo País. Como se viu, de acordo com a convenção que se traduziu no Acordo Laboral de 1995 e, para o que ora interessa, atendendo ao prescrito no n.º 1 do seu art.º 17º, designou-se como territorialmente competente para apreciação de tais conflitos o Tribunal de comarca de Angra do Heroísmo.
[...]
7. Definidos [...] os contornos a partir dos quais se deverá perspectivar o princípio da igualdade, então uma só conclusão, quanto ao problema de que se cura, deverá ser retirada.
É ela, justamente, a de que a norma em apreço se não deve antolhar como algo representativo de uma arbitrariedade ou, se se quiser, como um normativo que foi tomado sem que, para tanto, se colocasse um fundamento racional e objectivo.
[...] A falta de similitude das situações dos trabalhadores portugueses ao serviços das Forças dos Estados Unidos da América estacionadas na Base Aérea n.º 4 e a dos demais trabalhadores, a especificidade decorrente de uma das «partes» (nos conflitos laborais que surgirem entre aqueles e a sua entidade empregadora) ser um Estado soberano e, por fim, a circunstância de a solução advinda da norma
ínsita no art.º 17º, n.º 1, do Acordo Laboral de 1995 nem sequer poder ser visualizada como arbitrária, irrazoável ou destituída de fundamento, pois que não cria nos trabalhadores sacrifícios incomportáveis ou acentuados para acederem ao tribunal competente para decidir os seus litígios laborais, apontam para que aquela solução não possa ser perspectivada como ferindo o princípio da igualdade. E nem se vislumbra que a mesma viole qualquer outra norma ou princípio vertidos no Diploma Básico.[...].”
6. É esta jurisprudência – para cuja fundamentação, como se disse, se remete – que, por manter inteira validade, agora há que reiterar.
III. Decisão
Nestes termos, decide-se conceder provimento aos recursos, determinando-se a reformulação da decisão recorrida em conformidade com o precedente juízo de constitucionalidade.
Sem custas. Lisboa, 28 de Maio de 2003 Gil Galvão Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Alberto Tavares da Costa Bravo Serra Luís Nunes de Almeida