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Processo n.º 950/13
2ª Secção
Relator: Conselheiro Pedro Machete
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório
1. Nos presentes autos vem A. reclamar da não admissão no Supremo Tribunal de Justiça do recurso de constitucionalidade que, com base no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (adiante referida simplesmente como “LTC”) interpôs do indeferimento pelo mesmo Supremo Tribunal da reclamação de decisão de não admissão de anterior recurso interposto de um acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa.
Na verdade, este último, apreciando um recurso interposto pelo arguido ora reclamante, negou-lhe provimento, confirmando a decisão da primeira instância, que, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, o condenara na pena de 6 meses de prisão, substituída por prisão por dias livres. Inconformado, o arguido recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça, mas tal recurso não foi admitido pelo relator no Tribunal da Relação de Lisboa, “nos termos do disposto noa artigos 432º, nº 1, alínea b) e 400º, nº 1, alínea e), do C.P. Penal” (cfr. fls. 13). Mais uma vez inconformado, o arguido reclamou desta decisão para o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, ao abrigo do disposto no artigo 405.º daquele Código. E, no Supremo Tribunal de Justiça, a reclamação foi indeferida, porque se entendeu que a decisão da Relação era irrecorrível, por força do disposto nos artigos 432º, nº 1, alínea b),do artigo 400.º, n.º 1, alínea f) do Código de Processo Penal (cfr. fls. 20 e ss.).
É esta a decisão que constitui objeto do recurso de constitucionalidade, interposto mediante requerimento com o seguinte teor (cfr. fls. 26):
« A., casado, maior, residente na Rua … .. – Lote .., ...º B, 1… – 000 Lisboa, Recorrente nos Autos á margem identificados, não se conformando com o Acórdão proferida pelo douto Tribunal, em que manteve a Decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa, vem assim interpor o presente recurso para o Tribunal Constitucional, o que faz nos seguintes termos:
- O recurso é interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na redação dada pela Lei n.º 85/89, de 07 de Setembro;
- Pretende-se ver apreciadas a inconstitucionalidade das normas com a interpretação com que foi aplicada na decisão recorrida;
- Tal como as normas que violam os artigos da Constituição bem como os princípios constitucionais consagrados naquela que também foram violados, nessa mesma decisão;
- A questão da inconstitucionalidade foi suscitada nos Autos no Recurso ora Apresentado pelo Recorrente junto do Douto Tribunal ou seja junto do Supremo Tribunal de Justiça; […].»
O recurso de constitucionalidade não foi admitido no Supremo Tribunal de Justiça, por despacho de 24 de junho de 2013, a fls. 28, com base no seguinte fundamento:
« […]
Face ao disposto no n.º 2 do art.º 72.º da LTC, o recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do art.º 70.º da LTC só pode ser interposto pela parte que haja suscitado a questão da inconstitucionalidade “de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer”.
Apesar do recorrente não identificar concretamente no requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional a norma ou normas cuja inconstitucionalidade se pretende que o tribunal aprecie, e a indicação da norma ou princípio constitucional que se considera violado, não é caso de formular o convite a que se reporta o n.º 5 do art.º 75.º-A da LTC, tendo em conta que para fundamentar a reclamação não foi suscitada qualquer questão de inconstitucionalidade, uma vez que não foi identificada qualquer norma como sendo inconstitucional.»
2. No seu visto, o Ministério Público pronunciou-se no sentido do indeferimento da reclamação, nos seguintes termos:
« […]
5. Apesar de algumas deficiências formais do requerimento de interposição de recurso, não se justifica, em nossa opinião e tal como se entendeu no douto despacho reclamado, que seja proferido despacho-convite, nos termos do artigo 75.º-A, n.º 5, da LTC.
6. Efetivamente, constatando a ausência de requisitos materiais de admissibilidade, tal redundaria num ato desprovido de utilidade processual.
7. Um dos requisitos de admissibilidade do recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º, consiste em a questão de constitucionalidade ser suscitada “durante o processo”.
8. No caso, o momento processual próprio era o da reclamação apresentada nos termos do artigo 405.º do Código de Processo Penal […].
9. Lendo essa peça processual, designadamente os artigos 7.º e 8.º, referidos pelo reclamante como neles se suscitando a questão, constata-se que, o ali afirmado não constitui à enunciação de uma questão de inconstitucionalidade normativa.
10. Por outro lado, nessa peça questiona-se a irrecorribilidade reportada ao artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Penal porque, efetivamente, fora essa a norma aplicada no despacho da Relação que não admitiu o recurso (vd. nº 2).
11. Ora, a decisão reclamada proferida no Supremo Tribunal de Justiça aplica o artigo 400.º, n.º 1, alínea f), daquele Código.
12. Se o recorrente não tivesse gozado de oportunidade processual de suscitar a questão face à “novidade” daquela decisão, teria de invocar e demonstrar que estava isento do ónus da suscitação prévia.
13. Porém, não foi esse o seu comportamento, antes afirmando no requerimento de interposição do recurso e insistindo agora, na presente reclamação, que suscitou a questão quando reclamou para o Senhor Presidente do Supremo Tribunal de Justiça.
14. Assim, mesmo que tivesse sido suscitada adequadamente a questão de inconstitucionalidade, teria sido em relação a uma norma que não fora a aplicada na decisão objeto do recurso para o Tribunal Constitucional.
15. Por tudo o exposto, deve indeferir-se a reclamação.»
3. No que ora releva, em sede de reclamação do despacho de não admissão do recurso interposto do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa para o Supremo Tribunal de Justiça, invocou o então recorrente que:
« […]
7.º
Diga-se em abono da verdade o Tribunal da Relação de Lisboa quando confirmou a decisão da Primeira Instância, deveria de ter analisado em primeiro lugar que não foi respeitado na íntegra o Principio do Contraditório, logo não podendo ser exercido o Principio do Contraditório houve assim uma grave violação de uma norma prevista consagrada na Constituição, logo sendo violada a Constituição há como é obvio uma nulidade completamente insanável,
8.º
Além dessa nulidade existe uma outra nulidade na referida Acórdão revogando aquele Tribunal a decisão da Primeira Instância, vai implicar como é óbvio uma violação de um Direito Constitucionalmente consagrado, que é o Direito á Liberdade, violando-se o Direito á liberdade, mais uma vez violou-se Constituição, violando-se aquela implica a existência de outra nulidade completamente insanável (…).»
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
4. Em sede de reclamações deduzidas ao abrigo do disposto no artigo 76.º, n.º 4, da LTC – como é a presente – cumpre sindicar a rejeição do recurso de constitucionalidade pelo tribunal a quo.
No caso dos presentes autos, o recurso de constitucionalidade integra, no seu objeto, “a inconstitucionalidade das normas com a interpretação com que foi aplicada na decisão recorrida”.
O recurso foi interposto com base no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC. Este preceito abrange os recursos de decisões judiciais que tenham aplicado norma cuja inconstitucionalidade foi suscitada durante o processo.
Ora, nos presentes autos, o recorrente não suscitou a questão da inconstitucionalidade de norma. Não o fez durante o processo, perante o tribunal recorrido, e persiste em tal omissão em sede de reclamação, invocando apenas que suscitou na íntegra questões de constitucionalidade nos pontos 7.º e 8.º da reclamação que apresentou perante o Supremo Tribunal de Justiça. Ora, nesses trechos processuais não existe qualquer invocação de inconstitucionalidade normativa. A inconstitucionalidade é imputada diretamente à decisão de negar provimento ao recurso interposto da sentença proferida pela primeira instância
Pelo que resta concluir, sem necessidade de maiores considerações, pela improcedência da presente reclamação.
III. Decisão
Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, decide-se indeferir a presente reclamação.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) UC, ponderados os critérios estabelecidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de outubro (cfr. o artigo 7.º do mesmo diploma).
Lisboa, 26 de setembro de 2013. – Pedro Machete – Fernando Vaz Ventura – Joaquim de Sousa Ribeiro