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Processo n.º 165/13
3.ª Secção
Relator: Conselheira Catarina Sarmento e Castro
Acordam, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional
I - Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, A. interpôs dois recursos para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, doravante designada por LTC).
2. No Tribunal Constitucional, foi proferida Decisão sumária de não conhecimento do recurso.
Na fundamentação de tal decisão, refere-se, nomeadamente, o seguinte:
“(…) O Tribunal Constitucional tem entendido, de modo reiterado e uniforme, serem requisitos cumulativos da admissibilidade do recurso, da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, a existência de um objeto normativo – norma ou interpretação normativa - como alvo de apreciação; o esgotamento dos recursos ordinários (artigo 70.º, n.º 2, da LTC); a aplicação da norma ou interpretação normativa, cuja sindicância se pretende, como ratio decidendi da decisão recorrida; a suscitação prévia da questão de constitucionalidade normativa, de modo processualmente adequado e tempestivo, perante o tribunal a quo (artigo 280.º, n.º 1, alínea b), da Constituição da República Portuguesa; artigo 72.º, n.º 2, da LTC).
Vejamos, então, se os aludidos requisitos – de necessária verificação cumulativa - se encontram preenchidos in casu, quanto aos recursos interpostos.
(…) Relativamente ao recurso interposto em 15 de março de 2012
Não obstante o recorrente não identificar, de forma inequívoca, a decisão recorrida, conclui-se - pela análise do conteúdo do requerimento de interposição de recurso, conjugado com a circunstância de o mesmo se encontrar enxertado em peça processual dirigida ao Tribunal da Relação de Coimbra – que tal decisão corresponde ao acórdão de 29 de fevereiro de 2012.
Os pressupostos de admissibilidade do recurso deverão, assim, ser apreciados, por referência ao aludido aresto.
Como já referimos, nos termos do n.º 2 do artigo 70.º da LTC, a admissibilidade dos recursos, previstos na alínea b) do n.º 1 do mesmo normativo, depende do esgotamento dos recursos ordinários.
O pressuposto da prévia exaustão dos recursos ordinários apenas se verifica quando a decisão recorrida já não admita recurso ordinário, por a lei o não prever ou por já haverem sido esgotados todos os que no caso cabiam, salvo os destinados a uniformização da jurisprudência, entendendo-se que se encontram esgotados todos os recursos ordinários, para este efeito, quando tenha havido renúncia, haja decorrido o respetivo prazo sem a sua interposição ou os recursos interpostos não possam ter seguimento por razões de ordem processual (n.º 4 do artigo 70.º da LTC).
A jurisprudência constitucional tem entendido que, no conceito legal de “recurso ordinário”, se incluem os incidentes pós-decisórios, desde que não sejam manifestamente anómalos ou inidóneos, nomeadamente por não estarem previstos no ordenamento jurídico ou por servirem fins intencionalmente dilatórios.
A consagração do requisito de admissibilidade em análise corresponde à adoção do princípio da exaustão das instâncias, que visa restringir o acesso ao Tribunal Constitucional, limitando-o apenas às pretensões que já tenham sido previamente analisadas pela hierarquia judicial correspondente, o que redundará no resultado de o objeto de recurso de constitucionalidade ser circunscrito ao âmbito da decisão definitiva, da última pronúncia dentro da ordem jurisdicional a que pertence o tribunal a quo.
Assim, quando o recorrente interpõe recurso ordinário ou deduz arguições de vícios da decisão recorrida, dentro da ordem jurisdicional respetiva, deve aguardar a decisão que venha a ser proferida na sequência da utilização de tais meios processuais impugnatórios, não sendo admissível que antecipe o momento do recurso para o Tribunal Constitucional (cfr. Acórdãos n.os 534/04, 24/06, 286/08 e 331/08, todos disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).
Ora, no presente caso, verifica-se que o recorrente, notificado do acórdão de 29 de fevereiro de 2012, apresentou, concomitantemente com o requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade, requerimento arguindo a nulidade do acórdão proferido e peticionando o seu esclarecimento, reforma e correção.
Acresce que, por requerimento de 14 de junho de 2012 – posterior à notificação do acórdão que indeferiu a arguição de nulidade, esclarecimento, reforma e correção – veio ainda o recorrente interpor recurso do acórdão condenatório de 29 de fevereiro de 2012 para o Supremo Tribunal de Justiça.
Pelo exposto, à data da interposição do recurso de constitucionalidade – data relevante para aferição dos respetivos pressupostos de admissibilidade – a decisão recorrida não se apresentava como uma decisão definitiva, por não estarem ainda esgotados os meios impugnatórios acionados pelo recorrente, no âmbito da ordem jurisdicional respetiva. Aliás, tal circunstância parece ser implicitamente reconhecida pelo próprio recorrente quando expressamente refere interpor o recurso ad cautelam.
Nestes termos, havendo o recurso sido interposto ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC, dependendo a sua admissibilidade, como se referiu, da prévia exaustão dos recursos ordinários, (n.º 2 do artigo 70.º da LTC), conclui-se, in casu, pela não admissão do recurso interposto em 15 de março de 2012.
(…) Recurso interposto em 4 de fevereiro de 2013
O requerimento de interposição de recurso apresentado em 4 de fevereiro de 2013 reproduz o conteúdo do que havia sido apresentado anteriormente, apenas aditando que o entendimento, cuja inconstitucionalidade é invocada, foi seguido, não apenas no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28 de novembro de 2012, mas igualmente no acórdão proferido pelo mesmo Tribunal em 17 de janeiro de 2013.
Assim, apenas se apreciará este último requerimento, que se limita a renovar a pretensão do recorrente, alargando, aparentemente, o âmbito das decisões recorridas.
No requerimento de interposição de recurso, o recorrente delimita o objeto respetivo, nos seguintes termos:
“(…) três questões concretas e objetivas inerentes à recorribilidade, ainda que parcial e com restrição do âmbito objetivo do recurso:
I) inconstitucionalidade da dimensão normativa associada à interpretação da norma legal em causa [art. 400° nº 1 f) CPP], por violação maxime dos arts. 20º e 32º nº 1 CRP, tendo por base a não admissibilidade recursória de decisão proferida pelo Venerando Tribunal da Relação, com alteração da qualificação jurídica e em processo cuja pena única fixada se mostre unicamente aí alterada para medida inferior a 5 anos, mas em que se verifique decisão em primeira instância de questão nova (in casu aplicabilidade do instituto da suspensão da execução da pena de prisão), não analisada previamente pelo Tribunal de primeira instância em razão da inaplicabilidade legal (art. 50º nº 1 CP);
II) inconstitucionalidade da dimensão normativa associada à interpretação da norma legal em causa [art. 400° nº 1 f) CPP], por violação maxime dos arts. 20º e 32º nº 1 CRP, tendo por base a não admissibilidade recursória de decisão proferida pelo Venerando Tribunal da Relação a versar não sobre a condenação e medida da pena mas sim sobre questão nova proferida na senda de invocação de nulidade do acórdão aí proferido, atenta a omissão de pronúncia sobre questões delimitadas e individualizadamente plasmadas nas conclusões;
III) inconstitucionalidade da dimensão normativa associada à interpretação da norma legal em causa [art. 432° nº 1 a) CPP], por violação maxime dos arts. 20º e 32º nº 1 CRP, tendo por base a não admissibilidade recursória de decisão proferida pelo Venerando Tribunal da Relação a versar sobre questões novas, não alvo de decisão ou pronúncia anterior na decisão aí recorrida, assente na consideração de tal decisão como não sendo proferida em primeira instância pela Relação ou merecedora de tratamento análogo, em violação dos princípios da igualdade, tutela jurisdicional efetiva e proporcionalidade.(…)”
Face a tal delimitação, comecemos por analisar a natureza do objeto do recurso.
O recurso de constitucionalidade apenas pode incidir sobre a constitucionalidade de normas ou interpretações normativas e não de decisões, nomeadamente jurisdicionais, não compreendendo o nosso ordenamento jurídico a figura do recurso constitucional de amparo ou queixa constitucional.
Assim, impende sobre o recorrente o ónus de enunciar o critério normativo – regra abstrata tendente a uma aplicação genérica - cuja constitucionalidade pretende problematizar, de forma a que tal enunciação corresponda a um dos sentidos extraíveis da literalidade da disposição legal escolhida como suporte da norma ou interpretação normativa colocada em crise.
No presente caso, constata-se, desde logo, que as questões enunciadas em I) e II) não contêm uma verdadeira dimensão normativa.
Na verdade, quanto à primeira questão, o recorrente sintomaticamente constrói o respetivo enunciado com recurso às particulares circunstâncias casuísticas concretas, analisadas na subjetiva perspetiva do recorrente, sem qualquer preocupação de correspondência quer à literalidade do preceito em causa quer ao fundamento jurídico da solução encontrada pelo tribunal a quo. De facto, desde logo a alusão à decisão proferida pelo Tribunal da Relação como suposta “decisão em primeira instância de questão nova” decisivamente se afasta da previsão legal da alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal, cujo teor literal especificamente se reporta a acórdãos proferidos, em recurso, pelas Relações.
Conclui-se, desta forma, que a aparência normativa que o recorrente pretendeu conferir à enunciação da primeira questão colocada, referenciando-a como “dimensão normativa associada à interpretação da norma legal em causa” não tem a virtualidade de obnubilar que o que verdadeiramente é posto em crise é a concreta operação subsuntiva ínsita na decisão jurisdicional.
O critério de distinção entre controlo de decisões e fiscalização de normas ou critérios normativos não pode, obviamente, assentar no modo como os recorrentes equacionam a questão de constitucionalidade ou na maior ou menor habilidade para disfarçar a pretensão de apreciação da decisão jurisdicional, através da elaboração de uma aparência de norma sindicável pelo Tribunal Constitucional.
Pelo exposto, sendo certo que o Tribunal Constitucional apenas pode sindicar a constitucionalidade de normas ou interpretações normativas e não de decisões, nomeadamente jurisdicionais – como já referimos - concluindo-se pela inexistência de enunciação de uma verdadeira questão normativa, no presente caso, encontra-se prejudicada admissibilidade do recurso.
No que concerne à questão identificada em II), são aplicáveis idênticas considerações.
Desde logo, a referência do recorrente à “omissão de pronúncia sobre questões delimitadas e individualizadamente plasmadas nas conclusões”, no enunciado da questão colocada, traduz a subjetiva perspetiva do recorrente sobre as concretas circunstâncias do caso, afastando-se decisivamente do fundamento jurídico utilizado pelo tribunal a quo para a solução escolhida.
Igualmente a propósito desta questão, resulta manifesto que o recorrente pretende a sindicância da decisão jurisdicional, na sua dimensão de apreciação da situação concreta, não dispondo o enunciado apresentado de uma verdadeira dimensão normativa, enquanto regra abstrata tendente a uma aplicação genérica, recondutível a um sentido extraível da alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal.
Pelo exposto, atenta a inexistência de enunciação de uma verdadeira questão normativa, conclui-se pela não admissibilidade do recurso de constitucionalidade, igualmente nesta parte.
Relativamente à terceira questão colocada, o recorrente reporta a mesma ao disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 432.º do Código de Processo Penal.
Porém, nenhum critério normativo, extraível de tal preceito, foi aplicado como ratio decidendi pelo Supremo Tribunal de Justiça, em nenhum dos acórdãos proferidos.
Na verdade, a rejeição do recurso da decisão do Tribunal da Relação, pelo acórdão de 28 de novembro de 2012, apoiou-se fundamentalmente no disposto no artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal, não apresentando conexão com qualquer interpretação normativa extraível do preceito indicado pelo recorrente.
O acórdão de 17 de janeiro de 2013, pronunciando-se sobre a arguição de nulidade e o pedido de esclarecimento, correção e reforma, por maioria de razão, igualmente não aplicou qualquer critério normativo extraível da alínea a) do n.º 1 do artigo 432.º do Código de Processo Penal.
Assim, tendo o recorrente escolhido, como suporte desta terceira questão que erigiu como objeto do recurso, uma disposição legal não aplicada pelo tribunal a quo, ficou prejudicada a exigível coincidência entre a questão de constitucionalidade e o critério normativo utilizado como ratio decidendi de qualquer um dos dois acórdãos em análise.
Assim, sem necessidade de quaisquer outras considerações sobre os restantes pressupostos de admissibilidade do recurso – atenta a sua necessária verificação cumulativa – conclui-se, desde já, pela inadmissibilidade do recurso, igualmente quanto a esta terceira questão. ”
É esta a Decisão sumária que é alvo da presente reclamação.
3. O reclamante refere discordar da decisão reclamada, uma vez que, em síntese, relativamente ao recurso interposto em 15 de março de 2012, inexiste, neste momento, qualquer outro meio jurisdicional que possa ser acionado; quanto ao recurso interposto em 4 de fevereiro de 2013, por um lado, o Tribunal restringiu as questões a apreciar “aos três pontos gerais formulados” de I) a III), quando o requerimento de interposição de recurso tinha um âmbito mais vasto, e, por outro lado, decidiu não tomar conhecimento do recurso, sem dar a possibilidade ao recorrente de exercer o direito ao contraditório ou aperfeiçoar o seu requerimento.
Desenvolvendo tal argumentação, alega o reclamante que foi preterida a formalidade prevista nos n.os 5 e 6 do artigo 75.º-A da LTC, não lhe tendo sido dada, além disso, a possibilidade de se pronunciar sobre a eventualidade de ser proferida decisão sumária de não conhecimento. Igualmente não lhe foi dado conhecimento de qualquer parecer do Ministério Público, desconhecendo-se se terá sido proferido, caso em que se imporia a sua notificação.
Afirma o reclamante que é inconstitucional a “interpretação do n.º 1 do art. 78º-A LTC no sentido de ser admissível pelo Tribunal Constitucional, em sede de apreciação de recurso de constitucionalidade, a prolação de decisão sumária radicada no não conhecimento do objeto do recurso por alegada “ausência de verdadeira dimensão normativa” sem que previamente seja o recorrente notificado nos termos e para os efeitos do[s] n.ºs 5 e 6 do art. 75º-A LTC, visando-se a sua pronúncia e reformulação da respetiva enunciação com adequação aos requisitos legalmente plasmados e consagrados, assim se obstando à proferição de decisões-surpresa nefastas aos seus interesses e direitos.”
Igualmente defende que é inconstitucional a “interpretação do n.º 1 do art. 78º-A LTC no sentido de ser admissível pelo Tribunal Constitucional, em sede de apreciação de recurso de constitucionalidade, a prolação de decisão sumária radicada no não conhecimento do objeto do recurso por alegada “ausência de verdadeira dimensão normativa” sem que previamente seja o recorrente notificado do parecer emitido pelo Ministério Público, sempre e quando tenha o mesmo tido lugar e sido proferido no sentido de não conhecimento do recurso interposto.”
No tocante à apreciação da admissibilidade do recurso interposto em 15 de março de 2012, refere o reclamante que a decisão sumária contém uma contradição insanável.
Para concretizar tal asserção, salienta que “se até poderia fazer algum sentido a justificação apresentada para a não admissão do recurso na data em que foi apresentado, tal obstáculo mostra-se arredado com a sua admissão a ter sido proferida apenas em março de 2013 e já após esgotamento de todo e qualquer recurso ordinário, real ou eventual, que pudesse existir”. De facto, à data da análise do recurso pelo Tribunal Constitucional, já se encontravam esgotados todos os recursos ordinários, sendo certo que o Supremo Tribunal de Justiça nenhuma decisão de mérito proferiu sobre a temática, pelo que o recurso sempre seria apresentado – como foi – no Tribunal da Relação de Coimbra.
Insurge-se, assim, o reclamante contra o entendimento de que a data relevante, para aferição dos pressupostos de admissibilidade do recurso, corresponde à data da respetiva interposição, não se admitindo a superveniente sanação de obstáculo processual ao seu conhecimento.
Nestes termos, insiste o reclamante que deve o recurso ser admitido, sob pena de “preterição das garantias de defesa do arguido, violadora da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, maxime direito a um processo equitativo e direito ao recurso, plasmados respetivamente nos arts. 6º e 13º”.
Mais alega que a interpretação do n.º 2 do artigo 70.º da LTC “no sentido de ser inadmissível recurso de constitucionalidade, com fundamento na ausência de prévio esgotamento dos recursos ordinários, quando à data de admissão, análise e julgamento de tal recurso se mostrem já esgotados todos os recursos ordinários e tidos por inadmissíveis os existentes à data da interposição do recurso de constitucionalidade, ocorrendo assim superveniente remoção de tal obstáculo processual, se mostrará disforme à Lei Fundamental”.
Acrescenta que, a fortiori, a interpretação do n.º 2 do artigo 70.º da LTC “no sentido de ser inadmissível recurso de constitucionalidade, com fundamento na ausência de prévio esgotamento dos recursos ordinários, quando à data de admissão, análise e julgamento de tal recurso se mostre decidido que tal possibilidade de recurso ordinário não era legal, por inadmissível, se mostrará inconstitucional”.
Salienta o reclamante que, no caso concreto, se não tivesse optado por interpor o recurso em análise, desde logo, talvez já não o pudesse fazer, uma vez que o Supremo Tribunal de Justiça não abordou tal temática.
Nestes termos, conclui que, na presente situação, “está cumulativamente em causa uma recorribilidade ficcionada para efeitos de recusa de conhecimento do recurso intentado em março de 2012 e o conhecimento expresso de tal douta decisão proferida de irrecorribilidade para efeitos de não conhecimento do recurso de fevereiro de 2013, sendo que algo não pode ser simultaneamente aquilo que é e o seu contrário.”
Relativamente ao recurso interposto em 4 de fevereiro de 2013, acrescenta o reclamante que a decisão sumária centra-se “unicamente nos pontos delimitados pelo recorrente”, sem valorar a parte restante do requerimento de interposição de recurso.
Assim, no tocante à primeira questão colocada, o reclamante defende que a mesma detém natureza normativa, concretizada no requerimento de interposição de recurso, sendo “descortinável qual a temática em causa, a norma legal violada, o sentido extraído na decisão recorrida e o sentido que se defende”. Ainda que assim não se entendesse, refere o reclamante que deveria ter sido proferido despacho de convite ao aperfeiçoamento.
Igualmente quanto à segunda questão, o reclamante produz idênticas considerações.
No que concerne à terceira questão, refere o reclamante que “se a recorribilidade se mostra afastada em nome da alínea f) do n.º 1 do art. 400º CPP entende-se que a mesma se mostra imposta pelo art. 432º n.º 1 a) de tal diploma legal.” Assim sendo, por não ser tal questão tão pacífica ou simples, deve admitir-se o recurso. Defende o reclamante que, ainda que assim não se entenda, “terá tal questão de ser valorada e tida como argumento a favor da recorribilidade e em abono de ambas e qualquer das outras duas questões enunciadas.”
Conclui, pelo exposto, o reclamante peticionando a revogação da decisão sumária proferida e a sua substituição por convite ao aperfeiçoamento ou pelo prosseguimento do processo para a fase de alegações.
4. O Ministério Público, em resposta, pugna pelo indeferimento da reclamação.
Para sustentar tal posição, refere, relativamente ao recurso interposto em 4 de fevereiro de 2013, que é no requerimento de interposição de recurso que o recorrente deve delimitar o objeto do recurso. Tal delimitação foi feita, no caso concreto, em termos claros, em três questões enunciadas, sendo que o desenvolvimento de tais questões, na parte restante do requerimento, não corresponde à sua delimitação.
Salienta o Ministério Público que “[s]e as questões não tivessem sido objetiva e claramente definidas, como foram, não caberia ao Tribunal Constitucional a tarefa de, substituindo-se ao recorrente, indagar qual seria o objeto do recurso”.
Porém, encontrando-se tais questões claramente identificadas, “não ficando a admissibilidade do recurso a dever-se a qualquer deficiência formal de que o mesmo enfermasse, antes à inverificação de requisitos materiais de admissibilidade”, não foi proferido qualquer despacho de convite ao aperfeiçoamento, que, no caso, revelar-se-ia inútil.
Os fundamentos da decisão sumária proferida mostram-se válidos, não sendo minimamente abalados pelos argumentos esgrimidos na reclamação.
Acrescenta o Ministério Público que, “vendo as três questões de inconstitucionalidade no conjunto do requerimento de interposição de recurso, as razões que levaram a considerar que faltavam pressupostos de admissibilidade do recurso, mantêm-se integralmente.”
Mais salienta que, na oportunidade processual de que o recorrente dispôs para suscitar as questões de constitucionalidade relativas à irrecorribilidade, não o fez de forma adequada, não aproveitando, desde logo, para tal efeito, a resposta ao parecer junto pelo Ministério Público, no Supremo Tribunal de Justiça.
No tocante ao recurso interposto em 15 de março de 2012, além dos fundamentos aduzidos na decisão sumária – a cuja justeza o Ministério Público adere – haveria ainda outros que igualmente conduziriam à inadmissibilidade do recurso.
De facto, - refere o Ministério Público - na motivação do recurso interposto para o Tribunal da Relação de Coimbra, o recorrente não suscita qualquer questão de inconstitucionalidade normativa reportada aos preceitos legais que menciona no requerimento de interposição do recurso. Acresce que, analisado o acórdão da Relação, que negou provimento ao recurso, constata-se que os enunciados das questões, que delimitam o objeto do recurso, não têm correspondência naquele aresto, circunstância que sempre determinaria o não conhecimento do recurso.
Os restantes reclamados, regularmente notificados, optaram por não apresentar resposta.
5. Por acórdão de 12 de junho de 2013, foi o recorrente convidado a pronunciar-se sobre a questão suscitada pelo Ministério Público, nos artigos 22 e seguintes da sua resposta.
Utilizando tal faculdade, o recorrente apresentou nova peça processual, manifestando a sua discordância relativamente à posição defendida pelo Ministério Público.
Argumenta o recorrente que o teor da motivação do recurso interposto para o Tribunal da Relação de Coimbra, sobretudo das conclusões G e Q, comprova que as questões de inconstitucionalidade foram suscitadas. A dimensão normativa, na opinião do recorrente, mostra-se clara, “faltando todavia a referência expressa às normas jurídicas violadas”, sendo que tal referência é feita, depois, aos artigos 203.º e 204.º, quanto à primeira questão, e ao artigo 86.º, n.º 1, alínea d) da Lei n.º 5/2006, quanto à segunda questão.
Igualmente não concorda o recorrente com a alegada falta de correspondência entre o acórdão recorrido e as questões colocadas, argumentando que “é precisamente a admissibilidade de tal prova indireta, deduções e induções, ditas objetiváveis, bem como auxílio das regras da experiência, a justificar uma ilação do facto e condenação pelo crime de furto”, sendo que o recorrente defende “no presente caso e para todos os demais similares” que “em nome dos princípios in dubio pro reo, proporcionalidade e da culpa, tal não poderá nunca bastar, havendo assim uma inobservância face aos mais elementares direitos e garantias de defesa”.
Relativamente à segunda questão, salienta o recorrente que importa ter presente que, em fase prévia ao recurso de constitucionalidade, expressamente alegou a nulidade do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, por omissão de pronúncia quanto a tal inconstitucionalidade, não lhe tendo sido dada razão. Assim, não tendo o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça sido admitido – sendo que, na respetiva peça processual, o recorrente suscitava a aludida questão, no corpo da motivação e na conclusão J) – não poderá o recorrente ser agora prejudicado por uma decisão de não conhecimento do recurso de constitucionalidade.
Cumpre apreciar e decidir.
II - Fundamentos
6. Relativamente ao recurso interposto em 4 de fevereiro de 2013, como resulta do teor da reclamação e do seu confronto com os fundamentos exarados na decisão sumária proferida, o reclamante não aduziu qualquer argumento que abale a correção do juízo decisório que conclui pela inadmissibilidade do recurso interposto.
De facto, sobre a parte que pretenda interpor recurso de constitucionalidade, recai o ónus de enunciar o específico critério normativo, cuja sindicância pretende, em termos tais que o Tribunal Constitucional, no caso de concluir pela sua inconstitucionalidade, possa reproduzir tal enunciação, de modo a que os respetivos destinatários e operadores do direito em geral fiquem cientes do concreto sentido normativo julgado desconforme com a Lei Fundamental.
Ora, expressamente invocando o cumprimento do disposto nos n.os 1 e 2 do artigo 75.º-A da LTC, o reclamante delimitou, em termos inequívocos, as “três questões concretas e objetivas inerentes à recorribilidade”, integrantes do objeto do recurso.
Operada tal delimitação, não pode o reclamante pretender que o Tribunal Constitucional corrija a mesma, transformando o objeto inidóneo, plasmado nas duas primeiras questões colocadas, em objeto idóneo, ou dando a possibilidade de o reclamante o fazer. O convite ao aperfeiçoamento só se justifica quando o requerimento de interposição de recurso padece de deficiências formais e não quando se verificam vícios mais graves e insupríveis, nomeadamente quando o recorrente delimita de forma inequívoca o objeto do recurso, mas tal objeto não detém natureza normativa, sendo, por isso, inidóneo.
Sempre se dirá que do restante conteúdo do requerimento de interposição de recurso não resulta qualquer outra enunciação das questões de constitucionalidade, a que não fossem aplicáveis as conclusões aduzidas na decisão sumária, sobre a inidoneidade do objeto do recurso, quanto às duas primeiras questões, e sobre a falta de correspondência entre a terceira questão colocada e o critério normativo utilizado como ratio decidendi pelos acórdãos recorridos.
Quanto à invocação, por parte do reclamante, de um direito a pronunciar-se, previamente à prolação da decisão sumária, sobre a possibilidade de não conhecimento do recurso, a jurisprudência constitucional firmada é também clara, no sentido de que tal forma decisória simplificada não tem de ser precedida de prévia audição das partes.
Neste sentido, pode ler-se no Acórdão n.º 283/06 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt) o seguinte:
“ (…) A possibilidade de ser proferida decisão sumária, em recurso, no domínio processual civil foi justificada da seguinte forma no Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de dezembro:
“No que se reporta ao julgamento do recurso, amplia-se muito significativamente o elenco das competências atribuídas ao relator, permitindo-lhe inclusivamente julgar, singular e liminarmente, o objeto do recurso, nos casos de manifesta improcedência ou de o mesmo versar sobre questões simples e já repetidamente apreciadas na jurisprudência. Pretende-se, com tal faculdade, dispensar a intervenção – na prática, em muitos casos, puramente formal – da conferência na resolução de questões que podem perfeitamente ser decididas singularmente pelo relator, ficando os direitos das partes acautelados pela possibilidade de reclamarem para a conferência da decisão proferida pelo relator do processo.”
Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 704.º do Código de Processo Civil, introduziu-se uma especificidade no regime de decisão sumária prevista no n.º 2 do artigo 701.º/artigo 705.º do mesmo Código: antes de proferir decisão sumária, o relator “ouvirá cada uma das partes, pelo prazo de 10 dias” se entender que não pode conhecer do objeto do recurso.
Acontece que, na Lei do Tribunal Constitucional, a possibilidade de ser proferida decisão sumária – no sentido de decisão anterior à produção de alegações (embora não decisão singular) – era anterior, resultando já da Lei n.º 85/89, de 7 de setembro (retificada no Diário da República, I Série, de 21 de setembro, e de 3 de novembro desse ano), prevendo-se no n.º 1 do então aditado artigo 78.º-A que o relator fizesse “uma sucinta exposição escrita do seu parecer” e mandasse “ouvir cada uma das parte por cinco dias.”
A obrigação de audição das partes no âmbito das decisões sumárias surgiu, pois, na jurisdição constitucional, daí passando para a civil. Porém, o legislador de 1998 (Lei n.º 13-A/98, de 26 de fevereiro) decidiu alterar o figurino de tais decisões sumárias especificamente no recurso de constitucionalidade. Assim, na versão do referido artigo 78.º-A decorrente dessa intervenção legislativa, a audição das partes deixou de ser referida nas previsões respeitantes às decisões sumárias, permitindo-se, porém, ao recorrente, nos termos do n.º 3, reclamar dessas decisões para a conferência.
É verdade que se poderia defender que a desnecessidade de audição prévia resultava de, por essa altura, já haver uma previsão idêntica no direito subsidiariamente aplicável, que tornava dispensável a referência na própria lei orgânica do Tribunal. A mera consideração das restantes disposições do artigo 78.º-A, resultantes da revisão de 1998, mostra, porém, que essa não é a melhor interpretação: a reclamação da decisão sumária para a conferência também está prevista na legislação processual civil, tal como o estão as circunstâncias em que pode ser proferida decisão sumária, e no entanto a nova redação do referido artigo 78.º-A não dispensou, por isso, previsões expressas de idêntico sentido.
E quando esta mesma questão foi suscitada perante o Tribunal, sempre tem este entendido que a opção do legislador fora a de prever a possibilidade de um contraditório, caso as partes o entendessem necessário, no momento da reclamação da decisão para a conferência: assim, logo nos acórdãos n.ºs 19/99, publicado no Diário da República, II Série, de 11 de março de 1999, e 80/99, 550/99, 567/99, 223/2001 e 265/2002 (todos disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).
Reiterando esse seu constante entendimento, reafirma agora o Tribunal que desde a alteração legislativa introduzida pela Lei n.º 13-A/98, deixou de haver a obrigação de audição prévia nas decisões sumárias previstas na Lei do Tribunal Constitucional, sendo o regime das Decisões Sumárias de que o legislador de 1998 quis dotar o Tribunal Constitucional tendencialmente completo e fechado, não sendo, por isso, de aplicar subsidiariamente normas de processo civil à sua tramitação. Este regime, como o Tribunal Constitucional sempre tem entendido (nas decisões referidas) não viola qualquer norma ou princípio constitucional, na medida em que sempre é permitida reclamação para a conferência (de que, aliás, se tem tomado conhecimento mesmo quando não aparece fundamentada, e se limita a expressar a discordância com a decisão sumária), reclamação, essa, na qual o recorrente pode expor os motivos pelos quais entende que deve tomar-se conhecimento do recurso.”
No mesmo sentido, podia ler-se, já no Acórdão n.º 714/98 (disponível no sítio da internet já aludido), o seguinte:
“(…) A decisão sumária reclamada foi proferida no uso dos poderes que o artigo 78-A nº. 1 da Lei n.º 28/82, na redação que lhe foi dada pela Lei nº. 13-A/98, de 26 de fevereiro, confere ao relator.
Este regime substituiu um outro em que o relator, verificando que se não podia conhecer do objeto do recurso ou que a questão a decidir era simples, elaborava uma sucinta exposição escrita do seu parecer e mandava ouvir cada uma das partes por cinco dias- seguidamente, o processo ou era logo julgado (pelo colégio dos juízes) ou continuado para alegações.
O regime que passou a vigorar com a Lei nº. 13-A/98 visou uma maior celeridade na decisão dos recursos, sem perda dos direitos de audiência das partes.
Estes direitos estão convenientemente assegurados com a faculdade que é dada às partes de reclamar para a conferência nos termos do artigo 78º-A nº. 3 da LTC, podendo, designadamente, o recorrente defender, nessa reclamação, que não deveria ter havido lugar a decisão sumária, caso em que, a obter vencimento, se seguirão os termos previstos no nº. 5 do mesmo artigo 78º-A.
A própria razão de ser da norma contida no artigo 78º-A nº. 1 da Lei nº. 28/82 e o caráter provisório, ou precário, da decisão sumária (ela só se converte em definitiva se não for reclamada), afastam, pois, a aplicação do artigo 3º nº. 3 do CPC, no sentido pretendido pelo reclamante - a decisão do Tribunal, com a sua formação colegial, nunca constituirá, para o recorrente, uma decisão-surpresa.”
Conclui-se, pelo exposto, que os critérios normativos extraíveis do artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, e aplicados, na decisão reclamada, não enfermam de qualquer desconformidade com a Lei Fundamental.
Não estando legalmente prevista a existência de parecer do Ministério Público, em momento prévio à prolação da decisão sumária, fica prejudicada a apreciação das questões colocadas pelo reclamante sobre a ausência de notificação de tal - inexistente – parecer.
Nestes termos, reafirmando a fundamentação constante da decisão reclamada, julga-se inadmissível o recurso interposto em 4 de fevereiro de 2013, pelo que se indefere a reclamação deduzida.
7. No tocante ao recurso interposto em 15 de março de 2012, foi o recorrente notificado para se pronunciar sobre a invocação, por parte do Ministério Público, de outros fundamentos de não conhecimento do recurso.
Observado o princípio do contraditório, analisemos tais fundamentos.
O cumprimento do requisito de admissibilidade do recurso, previsto no artigo 72.º, n.º 2, da LTC, pressupõe que a questão de constitucionalidade seja levantada, junto do tribunal a quo, de uma forma expressa, direta e clara, acompanhada de uma fundamentação, minimamente concludente, com um suporte argumentativo que inclua a indicação das razões justificativas do juízo de inconstitucionalidade defendido, de modo a tornar exigível que o tribunal a quo se aperceba e se pronuncie sobre a questão jurídico-constitucional, antes de esgotado o seu poder jurisdicional (cfr. v.g. Acórdãos do Tribunal Constitucional n.os 708/06 e 630/08, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).
Acresce que a norma ou interpretação normativa, cuja inconstitucionalidade se pretende suscitar, tem necessariamente de assentar num preceito ou conjunto de disposições legais, que deverão ser individualizados e especificados, uma vez que “a indicação do concreto preceito legal sob cuja veste a norma aparece no nosso sistema jurídico é elemento essencial para o conhecimento da questão de constitucionalidade, não podendo ter-se por adequadamente suscitada uma questão de constitucionalidade sem uma tal identificação” (cfr. Acórdão n.º 175/06, disponível no mesmo sítio da internet).
No presente caso, pretendendo o recorrente ver apreciadas questões que referencia como atinentes à interpretação do artigo 127.º, n.º 1, do Código de Processo Penal e do artigo 87.º, n.º 1, alínea d) em conjugação com o artigo 97.º da Lei 5/2006, respetivamente, deduz-se que a admissibilidade de ulterior recurso para o Tribunal Constitucional estaria dependente, desde logo, da circunstância de o recorrente ter enunciado, na motivação do recurso interposto do acórdão condenatório da 1.ª Instância, de forma adequada - expressa, direta e clara – os específicos sentidos interpretativos, que crê inconstitucionais, selecionando as concretas disposições legais em que tais critérios normativos assentam.
Ora, analisada tal peça processual, – em que o recorrente deveria ter suscitado ou renovado a suscitação das questões de constitucionalidade – conclui-se que, em nenhum momento, é autonomizada e enunciada qualquer questão de constitucionalidade normativa, a propósito da interpretação dos referidos preceitos, nem sequer com expressa referência aos mesmos.
O recorrente limita-se a impugnar o juízo de prova a que chegou o julgador, concluindo que “sempre se terá por inconstitucional a presunção (…) de que a mera posse ou utilização de qualquer bem que tenha sido alvo de prática de crime contra a propriedade ou património faça incorrer o seu possuidor ou utilizador, de forma automática e sem qualquer outra prova cabal e sustentada, de modo a suprir a dúvida razoável, na prática de tal crime” (asserção que repete na conclusão G).
Relativamente à conclusão Q – igualmente referenciada pelo recorrente, na última peça processual apresentada – extrai-se do seu teor que “a punibilidade da detenção de um carregador e simples munições, tratando-se de posse estéril por ausência de qualquer arma de fogo, sempre se mostraria devida e cabalmente tratada no âmbito do direito contraordenacional ou justiça reparadora mediante confisco e destruição, sendo a previsão legal a título de direito penal inconstitucional por violação dos princípios de ultima ratio e subsidiariedade de tal ramo do Direito, igualdade e proporcionalidade, e ainda pela inexistência de qualquer cláusula geral de salvaguarda que permita que alguém que detenha tais munições como recordação dos tempos de tropa incorra numa pena sem que se tenha de avaliar e ponderar em conjunto todo o circunstancialismo de prática dos factos e personalidade do agente para efeito de avaliação de especial censurabilidade justificante da punição a título de crime”.
Nenhum dos referidos excertos – ao contrário do que defende o reclamante - corresponde à adequada suscitação de uma questão verdadeiramente normativa, que se reporte à interpretação do artigo 127.º, n.º 1, do Código de Processo Penal e do artigo 87.º [ou 86.º], n.º 1, alínea d) em conjugação com o artigo 97.º da Lei n.º 5/2006, não existindo, desde logo, uma expressa referência a tais preceitos, como suporte legal das questões enunciadas.
Saliente-se que, não estando em causa qualquer interpretação insólita ou surpreendente que, sendo adotada de forma imprevisível pelo tribunal a quo, poderia legitimar uma não suscitação prévia da mesma, não se encontrava o recorrente dispensado do cumprimento de tal ónus, que teria forçosamente de ocorrer antes da prolação da decisão recorrida, ao contrário do que parece defender-se na última peça processual apresentada pelo reclamante.
Acresce que, como refere o Magistrado do Ministério Público, a questão colocada, a propósito da prova do crime de furto, não encontra sequer projeção na decisão recorrida.
Além de não deter natureza normativa, incidindo, antes, sobre aspetos casuísticos, verifica-se que difere da avaliação dos factos constante do acórdão de 29 de fevereiro de 2012.
Em tal aresto, não se extrai o juízo de culpabilidade de prática de crime de furto “da mera posse pelo arguido de bens ou objetos alvo de tal crime”, conjugando-se, ao invés, tal circunstância com outras. Explica o tribunal a quo que estamos perante “um caso de prova indireta, porque incide sobre factos diversos do tema de prova, mas que permitem, a partir de deduções e induções objetiváveis e com o auxílio de regras da experiência, uma ilação da qual se infere o facto a provar”
Conclui-se, nestes termos que, independentemente do fundamento aduzido na decisão sumária reclamada, sempre o recurso não seria admissível por não preencher os pressupostos de admissibilidade agora analisados.
Em consequência, sem necessidade de quaisquer outras considerações, indefere-se a reclamação deduzida.
III - Decisão
8. Pelo exposto, decide-se indeferir a reclamação apresentada e confirmar a decisão sumária proferida no dia 15 de março de 2013.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta, ponderados os critérios referidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de outubro (artigo 7.º do mesmo diploma).
Lisboa, 8 de outubro de 2013. – Catarina Sarmento e Castro – Maria José Rangel de Mesquita – Maria Lúcia Amaral