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Processo n.º 298/13
2ª Secção
Relator: Conselheiro Pedro Machete
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório
1. A., recorrente nos presentes autos em que é recorrido o Ministério Público, interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, com fundamento no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (adiante referida como “LTC”), do acórdão proferido nos presentes autos pelo Tribunal da Relação do Porto, em 16 de janeiro de 2013, posteriormente objeto de aclaração por acórdão de 27 de fevereiro de 2013, que confirmou a decisão do 1.º Juízo do Tribunal de Execução de Penas do Porto. Este último, por decisão de 9 de dezembro de 2011, não considerou justificadas as faltas dadas pelo ora recorrente no decurso da execução da prisão por dias livres em fins de semana.
2. Pela Decisão Sumária n.º 254/2013 foi decidido não conhecer do objeto do presente recurso de constitucionalidade, por se considerar não ter o recorrente suscitado qualquer questão de inconstitucionalidade normativa. Com efeito, depois de proceder a uma sumária descrição da função e dos pressupostos do recurso de constitucionalidade interposto ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), (cfr. o n.º 3 da citada Decisão), considerou o relator:
«4. No presente caso a não suscitação de qualquer questão de inconstitucionalidade normativa é desde logo indiciada pelos termos em que o recorrente formula a sua pretensão recursória: a apreciação da inconstitucionalidade material decorrente da aplicação de certos preceitos legais. E, na verdade, a verdadeira e única questão, para o recorrente, é a própria decisão que julgou injustificadas as faltas de apresentação no estabelecimento prisional por parte do arguido e a consequente determinação do cumprimento da pena de prisão, pelo período que faltar, como as conclusões da motivação do recurso para o tribunal recorrido acima transcritas evidenciam (cfr. supra o n.º 1).
De resto, foi isso mesmo que aquele tribunal entendeu e foi exclusivamente tal decisão que o mesmo tribunal apreciou à luz de alguns dos princípios constitucionais invocados pelo ora recorrente (cfr. fls. 195):
“[N]ão basta a existência de um qualquer sintoma denunciador de uma doença para que se considere esta como impeditiva do cumprimento de uma pena de prisão, pois a ser assim e sempre que um condenado revelasse tal sintomatologia, como seja um ferimento num dedo, através de um ligeiro corte, o mesmo teria que ver suspensa a execução de tal pena e ser restituído à liberdade. Por outro lado, não nos podemos esquecer que os serviços prisionais prestam igualmente serviços de cuidados de saúde a quem se encontra em regime prisional.
Nesta conformidade, a existência de uma doença só será causa justificativa do cumprimento de um período de prisão por dias livres quando essa circunstância seja superveniente e totalmente impeditiva de ser executada através da privação da liberdade, em virtude desta e das condições do seu cumprimento se revelarem como um tratamento cruel, degradante ou desumano.Tal posicionamento mostra-se proporcional com os direitos fundamentais do condenado, mormente com o direito à sua integridade física e moral, colocando-o ainda em plano de igualdade (25.º e 13.º da Constituição), com os demais condenados em regime de prisão, mas executado de modo contínuo.
No caso em apreço a mera existência de dores lombares, reveladoras de um síndrome de lombo-octalgia, não integra uma circunstância impeditiva de execução de um período de prisão por dias livres, já que qualquer condenado numa pena de prisão pode vir a padecer da mesma, sem que, para o efeito, o mesmo tenha que ser restituído à liberdade. Não existe, por isso, qualquer censura a fazer à decisão recorrida”.
É contra o assim decidido que o recorrente se insurgiu no recurso interposto da primeira instância e, atento o não provimento do mesmo, vem de novo, agora junto deste Tribunal, procurar remédio contra a confirmação da mesma decisão. Compreende-se, assim, que nas aludidas alegações apresentadas no Tribunal da Relação do Porto o recorrente não tenha suscitado qualquer questão de inconstitucionalidade normativa e que, portanto, aquele Tribunal também não tenha decidido qualquer questão de tal natureza.
Do mesmo modo, e à luz do objetivo do recorrente, é igualmente compreensível que este no requerimento de interposição do presente recurso de constitucionalidade apenas tenha feito menção da “aplicação” de certos preceitos, em termos de as instâncias terem considerado como “não justificadas” as faltas do ora recorrente no decurso da execução da prisão por dias livres. Contudo, e pelas razões mencionadas supra no n.º 3, a “inadequação de tal decisão” e a consequente determinação do cumprimento da pena de prisão, pelo período que faltar, em regime contínuo não constituem objeto idóneo daquele tipo de recurso.»
3. Notificado de tal Decisão, o recorrente, em requerimento dirigido ao relator, pediu a sua aclaração. Este pedido, depois de ouvido o Ministério Público, foi indeferido (cfr. o despacho de fls. 233-234, datado de 5 de junho de 2013).
4. Vem agora o recorrente apresentar reclamação, ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 3 da LTC, nos seguintes termos:
« A douta decisão reclamada prejudica os interesses processuais do rogante e foi proferida apenas pelo Exmo. Relator, pelo que assiste-lhe o direito que exerce de “requerer que sobre a matéria do despacho recaia um acórdão”, na literalidade do nº 3, do art. 700º do CPC).
E tal porque, com o devido respeito, o requerente discorda da argumentação expendida no douto despacho em referência por se considerar existir uma inconstitucionalidade material decorrente da aplicação dos artigos 45º, nº 4, 125º, nº 4 e 138º, nº 4 do CP, e por violação dos princípios constitucionais da proporcionalidade e igualdade consagrados pelos arts. 13º, 18º e 32º da CRP, disposições normativas estas feridas de inconstitucionalidade que o arguido suscitou na interposição do recurso para este Venerando Tribunal. […]»
O Ministério Público pronunciou-se no sentido do indeferimento da reclamação nos seguintes termos:
«4º
Parece-nos evidente, como de forma clara e inequívoca se demonstra na douta Decisão Sumária, a não verificação daqueles dois requisitos de admissibilidade do recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC.
5.º
Na reclamação agora apresentada o recorrente não impugna os fundamentos da decisão reclamada, antes afirmando que a mesma prejudica os seus interesses e requerendo que sobre a mesma recaia acórdão. (…)»
II. Fundamentação
5. Como resulta evidente do enunciado da reclamação, o recorrente limita-se a exprimir a sua discordância com a decisão reclamada. Discorda, mas nem sequer tentativamente, procura alinhar qualquer argumento tendente a refutar os respetivos fundamentos.
Pelas razões indicadas na mencionada decisão, é claro que o recorrente, com o presente recurso de constitucionalidade, apenas reage contra a decisão concreta tomada pelo acórdão recorrido, e que nem nas alegações apresentadas no tribunal recorrido nem no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade suscitou qualquer questão de inconstitucionalidade normativa. Consequentemente, o tribunal a quo também não aplicou qualquer “norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo”, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a reclamação apresentada e condenar o reclamante nas custas, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) UC, ponderados os critérios referidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de outubro (cfr. o artigo 7.º do mesmo diploma).
Lisboa, 26 de Setembro de 2013. – Pedro Machete – Fernando Vaz Ventura – Joaquim de Sousa Ribeiro.