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Proc. nº 199/03 Acórdão nº 259/03
1ª Secção Relatora: Maria Helena Brito
Acordam, em conferência, na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
I
1. A. deduziu reclamação, ao abrigo do disposto no artigo 76º, nº 4, da Lei do Tribunal Constitucional, do despacho do Juiz da Comarca de Castro Daire que não admitiu o recurso que pretendia interpor para o Tribunal Constitucional do despacho proferido pelo mesmo Juiz, através do qual se decidira indeferir uma reclamação da conta de custas devidas pela deserção de um recurso por si anteriormente apresentado.
2. Resulta dos autos que:
2.1. Tendo sido julgado deserto, no Tribunal Judicial de Castro Daire, por falta de apresentação de alegações, um recurso interposto por A., foi elaborada a respectiva conta de custas, que consta de fls. 6 dos presentes autos de reclamação.
2.2. Notificado da referida conta, o recorrente deduziu reclamação, em que requereu “que seja ordenada a rectificação da conta de forma a que ao incidente da deserção seja aplicada metade da taxa de justiça fixada à presente causa” e,
“pela jurisprudência das cautelas”, invocou a “inconstitucionalidade na aplicação daquela norma do art. 19º, nº 1, al. a), do C.C.J., por violação dos arts. 202º, 203º e 204º da Constituição da República Portuguesa” (fls. 7 e vº destes autos).
2.3. Prestada informação pela secretaria do Tribunal da Comarca de Castro Daire e emitido parecer pelo Ministério Público no sentido de que não assistia razão ao reclamante, foi proferida decisão indeferindo a reclamação (despacho de fls. 11 e seguinte).
Lê-se no texto desse despacho:
“[...] uma vez que o reclamante/recorrente não apresentou alegações de recurso foi o mesmo julgado deserto e condenado nas custas a que deu causa, com taxa de justiça reduzida a metade, tal como preceitua o artigo 19º, nº 1, al. a) do Código das Custas Judiciais. Ora, nos termos do artigo 24° daquele Código «o documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça referida no artigo anterior é entregue ou remetido ao tribunal com a apresentação das alegações (...) de recurso». Por outra via, nos termos do artigo 11° do mesmo Código nos recursos o valor da causa assume-se como o da sucumbência, quando esta for determinável. Na verdade, daqui resulta que a interposição do recurso, e todo o processo de tramitação deste, é alvo de custas. E, de facto, para efeito de custas é um outro processo, distinto da causa principal, mas que a tem como referência para efeitos de cálculo do valor da acção, e, consequentemente, para efeitos de cálculo de custas em dívida a juízo. Nesta esteira, in casu, considerando que não houve sucumbência, levou-se em consideração, para almejar o cômputo de custas devidas a juízo pelo Reclamante, o valor decorrente do previsto no artigo 11° conjugado com o artigo 13° do CCJ. Ou seja, o do valor da acção/procedimento cautelar. E, salvo o devido respeito por melhor e douta opinião, procedeu-se da forma legalmente prevista e correcta. Aliás, é preciso não obnubilar que a condenação em custas decorrente da interposição de recurso, ou deserção do mesmo, implica a condenação naquelas independentemente do tipo de processo em que o mesmo se insere, a qual poderá ter por base o valor da acção, como no caso vertente.
[...] Pelo exposto, não procede a reclamação apresentada [...].”
2.4. A. interpôs então recurso para o Tribunal Constitucional, com fundamento na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, através de requerimento assim redigido (fls. 13):
“[...]
– Pretende-se ver apreciada a inconstitucionalidade da norma do artigo 19º, nº
1, alínea a), do Código das Custas Judiciais na interpretação com que foi aplicada no despacho recorrido [...]
– Tal interpretação, que tornou a referida norma aplicável ao despacho recorrido, violou o disposto nos artigos 202º, 203º e 204º da Constituição da República Portuguesa.
[...].”
2.5. O Juiz da Comarca de Castro Daire decidiu não admitir o recurso para o Tribunal Constitucional pelas razões a seguir indicadas (despacho de fls. 14),:
“[...] O recorrente havia invocado a questão da inconstitucionalidade da norma prevista no artigo 19º, nº 1, al. a), do Código das Custas Judiciais na redita reclamação apresentada. Porém, parece-nos que para suscitar o conhecimento da redita questão, de forma plenamente eficaz, o recorrente, para além de enunciar a norma que considera inconstitucional, deve indicar qual o princípio da Grundnorm que considera violado, bem como apresentar uma fundamentação, ainda que perfunctória, que sustente a razão da inconstitucionalidade. Na verdade, salvo mais douta e avisada opinião, parece-nos que a simples alegação que determinada norma viola preceitos constitucionais é insuficiente para, num sentido funcional, o Tribunal Constitucional conhecer da questão levantada pelo recorrente.
[...].”
2.6. A. veio deduzir reclamação do despacho de não admissão do recurso, ao abrigo do disposto no artigo 76º, nº 4, da Lei do Tribunal Constitucional, através do requerimento de fls. 1 e 1 vº, onde sustentou:
“[...] o que auguramos ver apreciado é pura e simplesmente a forma como em sede interpretativa o despacho recorrido aplicou à reclamação em apreço a norma do art. 19º, nº 1, alínea a), do C.C.J.. Assim, a fundamentação da admissibilidade do recurso e a do próprio recurso, em sede de alegações, reside na reclamação sobre que incidiu o douto despacho recorrido [...]. Aduzido este à da prévia suscitação da questão da inconstitucionalidade e à menção das normas violadas, entendemos estarem preenchidos no requerimento de interposição do recurso os requisitos do art. 75º-A da L.T.C..
[...].”
2.7. O Juiz da Comarca de Castro Daire manteve o despacho reclamado (fls.
4).
3. No Tribunal Constitucional, o Ministério Público emitiu parecer, pronunciando-se no sentido de que “a presente reclamação é manifestamente infundada, já que o recorrente não suscitou, em termos procedimentalmente adequados, qualquer questão de inconstitucionalidade normativa idónea para servir de base ao recurso que interpôs” (fls. 16 vº).
Cumpre apreciar e decidir.
II
4. O ora reclamante pretendia interpor recurso de constitucionalidade da decisão proferida nos autos pelo Tribunal da Comarca de Castro Daire, com fundamento na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional.
O Juiz da Comarca não admitiu o recurso, por entender que não estavam verificados no caso os pressupostos processuais exigidos pela disposição invocada, designadamente por considerar que não foi indicado pelo ora reclamante o fundamento da inconstitucionalidade da norma que pretende submeter à apreciação do Tribunal Constitucional.
5. Não merece censura o despacho reclamado.
No caso dos autos, o ora reclamante não chegou a suscitar de modo processualmente adequado uma questão de inconstitucionalidade normativa, susceptível de constituir o objecto do recurso de fiscalização concreta previsto na alínea b) do nº1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional.
É certo que o ora reclamante se referiu, em momento que poderia considerar-se oportuno, à inconstitucionalidade de uma norma – a norma contida no artigo 19º, nº 1, alínea a), do Código das Custas Judiciais.
Simplesmente, pretendendo questionar uma determinada interpretação dessa norma, não identificou qual o sentido ou a dimensão normativa que considerava inconstitucional e que pretendia submeter ao julgamento do Tribunal Constitucional.
Em segundo lugar, não explicitou minimamente perante o tribunal recorrido qual o fundamento de tal desconformidade constitucional.
Na verdade, não pode considerar-se suficiente para cumprir o ónus de invocação da questão de inconstitucionalidade perante o tribunal recorrido a menção feita pelo ora reclamante, na reclamação da conta de custas (fls. 7 e vº), de que estariam a ser violados no caso “os artigos 202º, 203º e 204º da Constituição da República Portuguesa”. Tais preceitos constitucionais inserem-se no título relativo aos “tribunais”, definindo os princípios gerais do funcionamento dos tribunais, desde logo a sua independência e o dever que lhes incumbe de respeitarem a lei e a Constituição. A mera indicação de que tais preceitos constitucionais teriam sido violados no caso não chega para caracterizar uma questão de inconstitucionalidade reportada à norma contida no artigo 19º, nº 1, alínea a), do Código das Custas Judiciais.
Não tendo o ora reclamante suscitado de modo processualmente adequado uma questão de inconstitucionalidade normativa perante o tribunal recorrido, e sendo certo que teve oportunidade processual para o fazer, não podem dar-se como verificados os pressupostos processuais do tipo de recurso interposto.
III
6. Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide indeferir a presente reclamação.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em quinze unidades de conta. Maria Helena Brito Carlos Pamplona de Oliveira Rui Manuel Moura Ramos
Lisboa, 21 de Maio de 2003