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Proc. n.º 202/03
2.ª Secção Conselheiro Benjamim Rodrigues
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
A – O relatório
1. A., identificado com os demais sinais dos autos, recorre para este Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no art.º 70.º, n.º 1, al. b) da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versão (doravante designada apenas por LTC), do despacho proferido pelo Conselheiro Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, de 17 de Fevereiro de 2002, que lhe indeferiu a reclamação apresentada contra o despacho do Relator da Relação do Porto que não lhe admitiu o recurso interposto para aquele Supremo Tribunal.
2. O ora recorrente interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça do Acórdão da Relação do Porto que julgou parcialmente procedente o recurso por si interposto da decisão de 1.ª instância e o condenou apenas pela prática de um crime de homicídio por negligência, p. e p. pelo art.º 137.º, n.º
2 do Código Penal, na pena de dezoito meses de prisão.
3. Esse recurso não foi admitido por despacho do Relator do Tribunal da Relação, nos termos do art.º 400.º, n.º 1, alínea e) do Código de Processo Penal (doravante designado apenas por CPP).
4. O recorrente reclamou desse despacho para o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, sustentando que o recurso era admissível, dado que vinha acusado por um concurso de crimes cuja soma das penas aplicáveis era superior a cinco anos, e que a interpretação dada pelo despacho reclamado ao art.º 400.º, n.º 1, alínea e) do CPP era inconstitucional por violação dos art.os 32.º, n.º 1 e 20.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa (doravante indicada apenas por CRP) e, bem ainda, do art.º 13.º, aqui, por permitir que “através do expediente consagrado pelos art.os 16.º, n.º 3 e 400.º, n.º 1, alínea e), in fine, do CPP se possa ab initio, moldar o processo, extinguindo-se a possibilidade de recorrer de uma decisão penal condenatória que, em concreto, pode ser mais gravosa do que outra aplicada noutro processo em que o Ministério Público não tenha lançado mão do expediente previsto nos artigos citados”.
5. Essa reclamação foi indeferida pelo despacho, ora recorrido, do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, abonando-se na seguinte fundamentação:
« II. Cumpre apreciar e decidir. Como resulta do disposto no art.º 400°, n.º 1 alínea e) do CPP, para que seja admissível recurso é necessário que o acórdão proferido, em recurso, pelas relações, respeite a processo por crime a que seja aplicável pena de prisão superior a cinco anos, mesmo em caso de concurso de infracções. O referido artigo, quando se refere a acórdãos proferidos em recurso pelas relações, em processo por crime a que seja aplicável pena de multa ou de prisão não superior a cinco anos, não tem em vista, como sustenta o ora reclamante, os crimes indicados na acusação, uma vez que esta apenas releva para o julgamento a que o arguido é submetido em 1ª instância, nem os crimes pelos quais aí foi condenado. Assim sendo, em sede de admissão de recurso e por o objecto deste ser a decisão recorrida há somente que atender ao conteúdo desta e não à decisão da 1ª instância que foi afastada. E pelo principio da proibição de reformatio in pejus já não seria possível em recurso interposto pelo arguido volver àquela primeira condenação. Como, na hipótese em análise, está em causa um acórdão do Tribunal da Relação referente a crime a que é aplicável pena de multa ou de prisão não superior a cinco anos, p. e p. pelo art.º 137.°, n.º 2, do CP não é o recurso admissível para este Supremo Tribunal de Justiça. Quanto à alegada inconstitucionalidade pelo ora reclamante, cabe dizer o seguinte: após a revisão levada a efeito pela Lei Constitucional n.º 1/97, de 20 de Setembro, na sequência da jurisprudência do Tribunal Constitucional, o direito ao recurso foi expressamente referenciado como uma garantia de defesa do processo criminal, no n.º 1 do art.º 32° da CRP. Todavia, como o T.C. também tem sustentado, a Constituição não impõe que tenha de haver recurso de todos os actos do juiz, como também não exige que se garanta um triplo grau de jurisdição (cf., por todos, os Acórdãos do T.C. de 19-06-90, BMJ, 398, p.152, e de 19-11-96, DR, II Série, de 14-03-97). Ora, a admitir-se recurso para este S.T.J., estar-se-ia a garantir um triplo grau de jurisdição, o que a Constituição não impõe, por se bastar com um segundo grau, já concretizado aquando do julgamento pela Relação. Acresce que não se visualiza nenhuma situação de desigualdade perante terceiros, uma vez que em situações como a dos autos a ninguém é conferida a possibilidade de recorrer. Não se julga, assim, inconstitucional a norma do art.º 400.º, n.º 1, alínea e) do CPP. III. Pelo exposto, indefere-se a presente reclamação.».
6. No requerimento de interposição de recurso para este Tribunal Constitucional, o recorrente «requer [...] se digne considerar interposto o presente recurso para o Tribunal Constitucional para apreciação da inconstitucionalidade:
a) do art.º 400.º, n.º 1, alínea e), parte final, do Código de Processo Penal;
b) do art.º 400.º, n.º 1, alínea e), parte inicial, do Código de Processo Penal, na interpretação dada pelo douto despacho do Venerando Juiz Conselheiro Presidente do Supremo Tribunal de Justiça ao disposto na primeira parte do art.º 400.º, n.º 1, alínea e) do Código de Processo Penal».
Não obstante ter expressamente cingido a tanto o objecto do recurso, não deixou o ora recorrente de afirmar no mesmo requerimento, sob os pontos 6 e
7 o seguinte:
« 6.º - Acresce que a primeira parte do art.º 16.º, n.º 1, alínea e)
[quis dizer-se art.º 16.º, n.º 3] do Código de Processo Penal é igualmente inconstitucional na interpretação dada pelo douto despacho do Venerando Juiz Conselheiro Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, por não corresponder à letra da lei e violar os princípios constitucionais de exercício do direito ao recurso e acesso aos tribunais (art.os 20.º, n.º1 e 32.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa).
7.º Não tendo sido anteriormente suscitada pelo arguido por não lhe ser exigível que antevisse tal decisão, pelo que não necessita de demonstração».
7. Nas alegações de recurso para este Tribunal Constitucional, o recorrente refutou o juízo feito pelo despacho recorrido quanto à conformidade constitucional do referido preceito do art.º 400.º, n.º 1, alínea e), sintetizando as razões aduzidas nas seguintes proposições conclusivas:
«1º - A interpretação dada pelo despacho de fls.,346 ao art.º 400.º, n.º
1, al. e) do Código de Processo Penal e o próprio preceito é inconstitucional, limitando os princípios constitucionais dos direitos e garantias de defesa do arguido e acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legítimos e ainda o da igualdade,
2º - Por violação do disposto nos art.os 13.º, 20.º, n.º 1 e 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.
3º - Na verdade, ao lançar-se mão do art.º 16.º, n.º 3, do Código de Processo Penal no início do processo, extingue-se a possibilidade do arguido recorrer de uma decisão penal condenatória para o Supremo Tribunal de Justiça por força do art.º 400.º, n.º 1, al. e), in fine, desse Código.
4º - Ou seja, em dois processos que pelos mesmos factos dão origem à mesma pena, num processo é possível o recurso até ao Supremo Tribunal de Justiça e no outro apenas até à Relação quando se tenha usado a faculdade do art.º 16.º, n.º 3, do Código de Processo Penal.
5º - Não fosse o art.º 16.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, o arguido poderia ter recorrido até ao Supremo Tribunal de Justiça.
6º - Assim, pelas razões expostas, o art.º 400.º, n.º 1, al. e), in fine, do Código de Processo Penal deve ser declarado inconstitucional.
7º - A primeira parte do art.º 400.º, n.º 1, al. e) do Código de Processo Penal
é igualmente inconstitucional na interpretação dada pelo douto despacho do Venerando Juiz Conselheiro Presidente do Supremo Tribunal de Justiça,
8º - Por não corresponder à letra da lei e viola novamente os princípios constitucionais de exercício do direito ao recurso e acesso aos tribunais, pois tal interpretação limita a possibilidade de recurso,
9º - Pois tal norma refere 'em processos por crime em que seja aplicável'
10º - Determinando que a possibilidade de recurso se afere em função da pena aplicável em abstracto ao crime julgado.
11º - Atento o exposto, deve ser declarada a inconstitucionalidade do art.º
400.º, n.º 1, al. e), do Código de Processo Penal, na interpretação dada pelo douto despacho recorrido.».
8. Por seu lado, o Senhor Procurador-Geral Adjunto neste Tribunal contra-alegou, concluindo pelo seguinte modo:
«1º - A norma constante da alínea e) do n.º 1 do art.º 400.º do Código de Processo Penal, ao condicionar o acesso ao Supremo do arguido – cuja condenação foi confirmada pela Relação - à gravidade objectiva dos crimes que ditaram a respectiva condenação, não afronta qualquer preceito ou princípio da Constituição.
2º - Termos em que deve improceder o recurso.».
9. Também os assistentes B. e mulher C. contra-alegaram defendendo o juízo de não inconstitucionalidade feito pelo despacho recorrido.
Cumpre decidir.
B – A fundamentação
10. A questão decidenda
É a de saber se a alínea e) do n.º 1 do art.º 400.º do CPP é inconstitucional, por violação do disposto nos art.os 20.º, n.º 1, 32.º, n.º 1 e
13.º da CRP.
Preliminarmente coloca-se a questão de saber qual o âmbito do concreto recurso de fiscalização concreta de inconstitucionalidade, em face do que acima se deixou relatado no n.º 6.
11. Do objecto do recurso
Embora pareça, à primeira vista, que o recorrente pretende questionar a constitucionalidade do art.º 16.º, n.º 3 do CPP, o certo é que não
é esse o sentido que se extrai do contexto quer do seu requerimento de interposição de recurso quer das suas alegações. Na verdade, independentemente do juízo de inadmissibilidade que a pretensão de recorrer pudesse merecer por aquela norma não haver sido aplicada pela decisão recorrida, constata-se que o recorrente limitou o seu pedido de apreciação da inconstitucionalidade, logo naquele requerimento, aos dois segmentos que compõem a alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP.
Acresce, também, que, nas alegações de recurso e respectivas conclusões, o recorrente nada diz em fundamento da inconstitucionalidade a se da norma do art.º 16.º, n.º 3 do CPP.
O que se depreende dos dois textos é que o recorrente se limita, tão só, a invocar os efeitos que decorrem da aplicação do art.º 16.º n.º 3 do CPP como argumento tendente a demonstrar a existência de uma situação de desigualdade em que o arguido ficaria colocado relativamente a outros em relação aos quais o Ministério Público não aplique aquele preceito e por essa via a demonstrar a inconstitucionalidade da parte final daquela alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP por violação do princípio da igualdade consagrado no art.º
13.º da CRP.
Conclui-se, deste modo, que o recorrente não questiona a inconstitucionalidade do referido art.º 16.º, n.º 3 do CPP.
De resto, mesmo que se considerasse que ela estaria incluída no objecto do recurso, sempre a solução adoptanda seria a da sua não apreciação por haver de entender-se que a questão teria sido, então, abandonada pelo recorrente, em virtude de sobre ela nada discretear nas alegações e respectivas conclusões.
12. Do mérito do recurso de inconstitucionalidade
A norma do CPP cuja inconstitucionalidade o recorrente defende tem a seguinte redacção:
«Artigo 400.º
1. Não é admissível recurso: a)... b)... c)... d) e) De acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, em processo crime a que seja aplicável pena de multa ou pena de prisão não superior a cinco anos, mesmo em caso de concurso de infracções, ou em que o Ministério Público tenha usado da faculdade prevista no art.º 16.º, n.º3;
[...]».
A questão decidenda não é nova. Sobre ela já se pronunciou este Tribunal Constitucional, pelo menos, no seu Acórdão n.º 49/03, embora aqui o Ministério Público não tenha feito aplicação do disposto no art.º 16.º n.º 3 do CPP. Mas a questão já foi abordada, também, a propósito de casos subsumidos às hipóteses previstas nas alíneas c) e f) do mesmo preceito (cf. Acórdãos n.os
189/01, 369/01 e 435/01, todos inéditos).
Como resulta do relatado, o que o recorrente defende é a possibilidade da existência, em concreto, de um terceiro grau de recurso. Mas não tem razão.
A propósito de um caso abrangido pela alínea f) do art.º 400.º do CPP, escreveu-se no Acórdão n.º 189/01:
«6. – A Constituição da República Portuguesa não estabelece em nenhuma das suas normas a garantia da existência de um duplo grau de jurisdição para todos os processos das diferentes espécies.
Importa todavia averiguar em que medida a existência de um duplo grau de jurisdição poderá eventualmente decorrer de preceitos constitucionais como os que se reportam às garantias de defesa ao direito de acesso ao direito e à tutela judiciária efectiva.
Não pode deixar de se referir que a jurisprudência do Tribunal Constitucional tem tratado destas matérias estando sedimentados os seus pontos essenciais.
Assim a jurisprudência do Tribunal tem perspectivado a problemática do direito ao recurso em termos substancialmente diversos relativamente ao direito penal, por um lado, e aos outros ramos do direito, pois sempre se entendeu que a consideração constitucional das garantias de defesa implicava um tratamento especifico desta matéria no processo penal. A consagração após a Revisão de 1997 no artigo 32.º n.º 1 da Constituição do direito ao recurso mostra que o legislador constitucional reconheceu como merecedor de tutela constitucional expressa o princípio do duplo grau de jurisdição no domínio do processo penal, sem dúvida por se entender que o direito ao recurso integra o núcleo essencial das garantias de defesa.
Porém, mesmo aqui e face a este específico fundamento da garantia do segundo grau de jurisdição no âmbito penal, não pode decorrer desse fundamento que os sujeitos processuais tenham o direito de impugnar todo e qualquer acto do juiz nas diversas fases processuais: a garantia do duplo grau existe quanto ás decisões penais condenatórias e também quanto às respeitantes à situação do arguido face à privação ou restrição da liberdade ou a quaisquer outros direitos fundamentais (veja-se neste sentido o Acórdão n.º 265/94 in
'Acórdãos do Tribunal Constitucional' 27.º V. pág. 751 e ss).
Embora o direito de recurso conste hoje expressamente do texto constitucional o recurso continua a ser uma tradução das garantias de defesa consagradas no n.º 1 do artigo 32.º (O processo criminal assegura todas as garantias de defessa incluindo o recurso). Daí que o Tribunal Constitucional não só tenha vindo a considerar como conformes à Constituição determinadas normas processuais penais que denegam a possibilidade de o arguido recorrer de determinados despachos ou decisões proferidas na pendência do processo (v.g. quer de despachos interlocutórios quer de outras decisões Acórdãos n.os 118/90
259/88 353/91 in Acórdãos do Tribunal Constitucional n.os 15.º, pg. 397; 12.º pg. 735 e 19.º pg. 563, respectivamente, e Acórdão n.º 30/2001 sobre a irrecorribilidade da decisão instrutória que pronuncie o arguido pelos factos constantes da acusação particular quando o Ministério Público acompanhe tal acusação ainda inédito) como também tenha já entendido que, mesmo quanto às decisões condenatórias, não tem que estar necessariamente assegurado um triplo grau de jurisdição, assim se garantindo a todos os arguidos a possibilidade de apreciação da condenação pelo STJ (veja-se neste sentido o Acórdão n.º 209/90 in Acórdãos do Tribunal Constitucional 16.º pg. 553)
Uma tal limitação da possibilidade de recorrer tem em vista impedir que a instância superior da ordem judiciária accionada fique avassalada com questões de diminuta repercussão e que já foram apreciadas em duas instâncias. Esta limitação à recorribilidadade das decisões penais condenatórias tem assim um fundamento razoável.
7. [...]
O artigo 400.º do CPP foi alterado pela Lei n.º 59/98 de 25 de Agosto diploma que veio introduzir modificações no processo penal e deu à alínea f) a redacção que ainda mantém. De acordo com a proposta de revisão do processo penal (Lei n.º 157/VII Diário da Assembleia da República IIª Série-A n.º 27 de
28 de Janeiro de 1998) as modificações introduzidas na legislação processual penal visavam obter melhorias nos objectivos de economia processual de eficácia e de garantia que já informavam a anterior regulamentação.
Assim e nos termos da exposição de motivos daquela proposta de lei introduziram-se modificações destinadas a dar mais consistência e eficácia aos meios disponíveis de entre elas se assinalando as de maior relevo para o caso: pretendeu-se restituir ao STJ a função de tribunal que apenas conhece de direito mas com excepções; manteve-se a tramitação unitária dos recursos mas sem haver um único modelo de recurso; faz-se um uso discreto do princípio da «dupla conforme» harmonizando objectivos de economia processual com a necessidade de limitar a intervenção do STJ a casos de maior gravidade; retoma-se a ideia da diferenciação orgânica apenas fundada no princípio de que os casos de pequena e média gravidade não devem por norma chegar ao Supremo Tribunal de Justiça etc.
(cf. Sobre esta matéria Maia Gonçalves Código de Processo Penal Anotado 12.ª Edição pg. 754).
[...] Como já se referiu mesmo em processo penal a Constituição não impõe ao legislador a obrigação de consagrar o direito de recorrer de todo e qualquer acto do juiz e mesmo admitindo-se o direito a um duplo grau de jurisdição como decorrência no processo penal da exigência constitucional das garantias de defesa tem de aceitar-se que o legislador penal possa fixar um limite acima do qual não seja admissível um terceiro grau de jurisdição: ponto é que com tal limitação se não atinja o núcleo essencial das garantias de defesa do arguido.
Ora no caso dos autos o conteúdo essencial das garantias de defesa do arguido consiste no direito a ver o seu caso examinado em via de recurso mas não abrange já o direito a novo reexame de uma questão já reexaminada por uma instância superior.
Existe assim alguma liberdade de conformação do legislador na limitação dos graus de recurso. No caso o fundamento da limitação – não ver a instância superior da ordem judiciária comum sobrecarregada com a apreciação de casos de pequena ou média gravidade e que já foram apreciados em duas instâncias
– é um fundamento razoável não arbitrário ou desproporcionado e que corresponde aos objectivos da última reforma do processo penal.
[...]
8. – Mas também não viola o princípio do acesso ao direito e à tutela judicial efectiva constante do artigo 20.º nem o princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º , ambos da Constituição.
De facto o artigo 20.º estabelece que 'a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos' e ainda que 'todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo' (n.os 1 e 4). Ora no caso em apreço a questão foi objecto de apreciação por duas instâncias pelo que não se pode afirmar que tenha havido violação do preceito uma vez que dele apenas resulta que o legislador terá de assegurar imperativamente e sem restrições o acesso a um grau de jurisdição.
Também quanto ao princípio da igualdade não foi violado uma vez que a limitação estabelecida na norma questionada não se afigura como arbitrária ou desproporcionada sendo admissível desde que não atinja o conteúdo essencial das garantias de defesa do arguido que como se referiu não abrangem o direito ao exame de questão já reexaminada em duas instâncias.
Por último importa referir que a situação paralela mencionada pelo recorrente – a do critério para fixação da competência dos tribunais para julgamento - não tem que ser invocada para apreciar a limitação a um triplo grau de jurisdição uma vez que não se trata de situações essencialmente iguais que exijam tratamento igual. No caso do artigo 14.º trata-se da distribuição da competência funcional e material entre o tribunal colectivo e o tribunal singular. No caso do artigo 400.º trata-se de uma limitação do direito de recurso cujos parâmetros e finalidades são inteiramente diferentes dos que subjazem á questão da distribuição de competência pelo que não faz sentido invocar aqui o princípio da igualdade».
Por seu lado, num caso em que o preceito aplicado foi o mesmo cuja inconstitucionalidade aqui se cogita, escreveu-se no referido Acórdão n.º 49/03:
«4. A jurisprudência do Tribunal Constitucional tem tido oportunidade para salientar por diversas vezes que o direito ao recurso constitui uma das mais importantes dimensões das garantias de defesa do arguido em processo penal.
Este direito assenta em diferentes ordens de fundamentos.
Desde logo a ideia de redução do risco de erro judiciário. Com efeito mesmo que se observem todas as regras legais e prudenciais a hipótese de um erro de julgamento – tanto em matéria de facto como em matéria de direito – é dificilmente eliminável. E o reexame do caso por um novo tribunal vem sem dúvida proporcionar a detecção de tais erros através de um novo olhar sobre o processo. Mais do que isso o direito ao recurso permite que seja um tribunal superior a proceder à apreciação da decisão proferida o que naturalmente tem a virtualidade de oferecer uma garantia de melhor qualidade potencial da decisão obtida nesta nova sede. Por último está ainda em causa a faculdade de expor perante um tribunal superior os motivos – de facto ou de direito – que sustentam a posição jurídico-processual da defesa. Neste plano a tónica é posta na possibilidade de o arguido apresentar de novo e agora perante um tribunal superior a sua visão sobre os factos ou sobre o direito aplicável por forma a que a nova decisão possa ter em consideração a argumentação da defesa. Resulta do exposto que os fundamentos do direito ao recurso entroncam verdadeiramente na garantia do duplo grau de jurisdição. A ligação entre o direito ao recurso e o duplo grau de jurisdição é pois evidente [...].
5. A norma impugnada pela recorrente – contida na alínea e) do n.º 1 do artigo
400.º do Código de Processo Penal – exclui nos casos nela previstos a possibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de acórdãos proferidos em recurso pela relação. Importa ter presente todavia que tais acórdãos resultam justamente da reapreciação por um tribunal superior (o tribunal da relação) perante o qual o arguido tem a possibilidade de expor a sua defesa. Por outras palavras o acórdão da relação proferido em 2.ª instância consubstancia a garantia do duplo grau de jurisdição indo ao encontro precisamente dos fundamentos do direito ao recurso.
[...] Se o direito ao recurso em processo penal não for entendido em conjugação com o duplo grau de jurisdição sendo antes perspectivado como uma faculdade de recorrer – sempre e em qualquer caso – da primeira decisão condenatória ainda que proferida em recurso deveria haver recurso do acórdão condenatório do Supremo Tribunal de Justiça na sequência de recurso interposto de decisão da Relação que confirmasse a absolvição da 1.ª instância. O que ninguém aceitará. A verdade é que estando cumprido o duplo grau de jurisdição há fundamentos razoáveis para limitar a possibilidade de um triplo grau de jurisdição mediante a atribuição de um direito de recorrer de decisões condenatórias. Tais fundamentos são a intenção de limitar em termos razoáveis o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça evitando a sua eventual paralização e a circunstância de os crimes em causa terem uma gravidade não acentuada. Esta segunda justificação aliás explica a diferença entre as alíneas e) e f) do n.º 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal; com efeito se ao crime em causa for aplicável pena de prisão 'não superior a oito anos' (alínea f)) – não sendo hipótese abrangida pela alínea e) naturalmente – só não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão condenatório proferido pela Relação se este confirmar 'decisão de 1.ª instância'».
Ora, são essencialmente transponíveis para o caso dos autos (sendo que a al. e) do n.º 1 do art.º 400.º do CPP foi também objecto de alteração efectuada pela referida Lei n.º 59/98 de 25 de Agosto) os argumentos expendidos nos excertos que se deixaram transcritos destes dois arestos e cuja doutrina se pode sintetizar deste modo:
O direito de recurso conta-se entre “todas as garantias de defesa” conferidas pelo art.º 32.º, n.º 1 da CRP. Todavia, no domínio do processo penal, esse direito ao recurso basta-se com a existência de um duplo grau de jurisdição. Do art.º 20.º, n.º 1 da CRP não resulta que os interessados tenham de ter assegurados todos os graus de recurso abstractamente configuráveis ou um direito irrestrito ao recurso. Numa hipótese, como a da alínea e) do n.º 1 do art.º 400.º do CPP, em que mostra assegurado um duplo grau de jurisdição não poderá dizer-se que não esteja assegurado em termos constitucionalmente justificados o direito de acesso aos tribunais. A limitação dos graus de recurso, na situação a que se reporta a alínea e) do n.º 1 do art.º 400.º do CPP, justifica-se por estarem em causa crimes que são punidos com penas leves ou de média gravidade e pela necessidade de limitar a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça a casos de maior gravidade, por razões de capacidade de resposta do sistema judiciário e de economia processual.
Para ajuizar se ocorre a alegada violação do princípio da igualdade consagrado no art.º 13.º da CRP não se poderá convocar como “tertium comparationis” o regime que decorre do art.º 16.º n.º 3 do CPP. Na verdade, tal regime está funcionalizado aos interesses de determinação da competência do tribunal singular, construída a partir da susceptibilidade de aplicação de um máximo da pena passível de ser ditada em concreto. Tais interesses são manifestamente distintos dos que subjazem ao regime legal constante do art.º
400.º, n.º 1, alínea e) do CPP, pois aqui trata-se de estabelecer uma limitação ao direito de recurso das decisões da Relação, para atender aos interesses de celeridade processual e da necessidade de reservar a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça apenas para os casos de maior gravidade. Não se trata, assim, de situações essencialmente iguais que exijam tratamento igual.
C – A decisão
13. Destarte, atento tudo o exposto, este Tribunal Constitucional decide negar provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente, com taxa de justiça que se fixa em 15 UC. Lisboa, 15 de Julho de 2003 Benjamim Rodrigues Paulo Mota Pinto Maria Fernanda Palma Rui Manuel Moura Ramos