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Processo n.º 540/02
2ª Secção Relator - Cons. Paulo Mota Pinto
Acordam na 2ª secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório
1. O Ministério Público recorreu para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença proferida em 21 de Setembro de 2001 pelo Tribunal Tributário de 1ª Instância de Lisboa, que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida pela sociedade A., contra a liquidação de taxa pela renovação do licenciamento de publicidade relativo aos anos de 1997, 1998 e 1999, efectuada pela Câmara Municipal de Lisboa. O recorrente alegou que:
“Pela douta sentença recorrida foi entendido considerar improcedente a presente impugnação sustentando que se está perante uma taxa e não um imposto. Tem vindo a ser entendido pelo Tribunal Constitucional que as normas municipais regulamentares que criaram as taxas de publicidade sem prévia autorização legislativa são inconstitucionais, por violação do disposto nos art.ºs 106º, n.º
2 e 168º, n.º 1, al. i) da C.R.P.. Assim, as importâncias lançadas pela Câmara Municipal de Lisboa a título de taxas são verdadeiros impostos.”
2. Por acórdão de 15 de Maio de 2002, o Supremo Tribunal Administrativo decidiu negar provimento ao recurso. Para tanto, depois de notar que não existe uniformidade na jurisprudência daquele Tribunal sobre a questão de saber se as taxas de publicidade “têm a natureza de taxas ou de impostos”, e que “a problemática deverá ser repensada e decidida em face de novos, e pensamos que decisivos, argumentos que podem alinhar-se em favor da tese de que o tributo aqui em causa tem a natureza de taxa, e cuja valia jurídico-doutrinária nunca vimos repudiada, mormente pela nossa jurisprudência constitucional”, avançou os fundamentos seguintes:
«(...)
7.3. Vejamos então. Os conceitos de imposto e de taxa, que relevam para efeitos da sujeição ou não ao princípio da legalidade tributária de reserva de lei formal da Assembleia da República (ou de decreto-lei do Governo emitido a coberto de autorização do Parlamento), não se acham positivamente definidos. Trata-se de conceitos pré-constitucionais, de conceitos que foram sendo construídos ao longo dos tempos pela ciência e doutrina do direito fiscal. A nossa lei fundamental adquiriu-os com o sentido aí dominantemente construído, com um escopo específico sistemático-funcional. É consabido que, segundo o aí defendido, a diferença específica entre a taxa e o imposto reside, essencialmente, em que, na taxa, há um nexo sinalagmático – outros preferem falar de uma relação de bilateralidade ou um tributo com causa específica individualizada – entre a prestação do obrigado tributário e a contraprestação da autoridade pública, contraprestação esta que se traduz, segundo o defendido por toda a doutrina, na prestação de um serviço público ou no uso de bens públicos e, ainda, para uma parte da doutrina, porventura dominante pela qual alinha o nosso Tribunal Constitucional, na remoção de um limite ou obstáculo jurídico à possibilidade de efectiva utilização de bens semi-públicos por aquele obrigado tributário, ou, para outra parte da doutrina, com, apenas, pela remoção de um limite ou obstáculo jurídico à possibilidade da prática de certa actividade ou gozo de certa situação. No imposto, não se verifica essa sinalagmaticidade entre prestações, pois que o obrigado tributário não tem direito a obter por via e por causa da prestação efectuada uma contraprestação específica ou individualizada por parte da administração: o imposto é uma exacção pecuniária unilateral que é destinada por modo geralmente indiferenciado ao financiamento com os gastos públicos para a satisfação passiva das necessidades públicas. No mais, poder-se-á dizer não haver diferenças de relevo: ambos os tributos aparecem enquanto prestações coactivamente definidas e sem carácter de sanção.
7.4. A destrinça entre os dois tipos de tributos releva, primordialmente, como se sabe, pelo diferente grau de garantia jurídica e política que o sistema lhes dispensa. Nos impostos vigora, desde tempos que se perdem na história, o princípio da auto-tributação representativa ou da tributação consentida, apenas podendo ser lançados pelos representantes do Povo [actualmente o art.º 165°, n.º
1, al. i) da CRP] – princípio de legalidade tributária de reserva de lei formal do Parlamento. A garantia política exerce-se essencialmente através do voto nas eleições. A garantia jurídica individual consubstancia-se no direito de resistência ao pagamento dos impostos que não hajam sido criados nos termos da Constituição (actualmente, o n.º 3 do art.º 103° da CRP). É certo que também certas entidades que detêm o poder tributário de lançar taxas estão sujeitas à possibilidade de um controlo político – é o caso das autarquias locais e Regiões Autónomas cujos órgãos são preenchidos por pessoas eleitas segundo o princípio democrático – e que, hoje, após a revisão da Constituição de 1997, cabe, também,
à Assembleia da República legislar sobre o regime geral das taxas [art.º 165° n.º 1 al. i)]. Mas, além desta reserva de lei do Parlamento ter, no domínio das taxas, um alcance muito mais restrito, por abarcar apenas o seu regime geral, e mesmo assim introduzido apenas na revisão da Constituição de 1997, pois até aí, no domínio de vigência da Constituição de 1976, vigorou simplesmente o princípio da simples legalidade administrativa, acontece que, como diz Benjamim Silva Rodrigues, ‘Só que nem o sistema político está motivado para uma censura deste tipo, nem a estabilidade das finanças das pessoas colectivas de base menor territorial e de outras administrações autónomas a poderia permitir sem grave quebra do funcionamento dos serviços públicos que prestam’. Por isso, como diz o mesmo Autor, ‘...a garantia do contribuinte de não ser apoquentado com a exacção de taxas ilegais acaba por ser [essencialmente, escreveríamos hoje] simplesmente jurídica, só podendo assentar na própria natureza do tributo e numa dupla dimensão da mesma: a primeira é a de que à quantia exigida tem de corresponder sempre um benefício económico, traduzido na efectiva possibilidade de fruição de certos bens aptos a satisfazerem necessidades humanas – a prestação de uma actividade pública realizada através de uma prestação de serviços, o uso dos bens públicos ou a remoção dos obstáculos jurídicos existentes para o uso de uns ou outros, ou, para a outra doutrina que melhor atenderíamos, a remoção de um obstáculo ou limite jurídico à possibilidade de prática de certa actividade ou gozo de certa situação, embora nem sempre esse benefício aproveite a quem lhe deu a causa económica (o caso da taxa de justiça que é paga pelo condenado ou pelo vencido enquanto causante do funcionamento do serviço da justiça)’.
7.5. Mas além do sempre reafirmado, não é demais realçar, como acentua o mesmo Autor, que a contraprestação da autoridade pública se traduz, ao fim e ao cabo, numa ‘prestação satisfazente de uma necessidade humana individualizada num concreto sujeito sob a perspectiva de um homem médio e que só nesta medida é que pode ser vista como respeitante a uma necessidade objectiva’ e que, sendo assim, será necessário existir sempre uma ‘fruição individualizada de bens públicos sentível ou susceptível de ser sentida também individualizadamente pelo contribuinte médio, enquanto pacificando uma sua necessidade’. Vistas as coisas do lado da contraprestação pública, poderá, sem margem para dúvidas, afirmar-se que esta se traduz sempre numa prestação de utilidades económico-jurídicas, numa disposição fruível de bens jurídicos, capazes de satisfazer necessidades humanas individualizadas. Embora costumando-se identificar esses bens como de ‘prestação de um serviço público, uso de bens públicos ou, ainda, remoção de um limite ou obstáculo jurídico à possibilidade de efectiva utilização de bens semipúblicos pelo obrigado tributário’, o certo é que sempre estamos perante uma prestação de utilidades económico-jurídicas que são consubstanciadas, em última ratio, na disposição, imediata ou mediatamente, fruível ou de utilidades económico jurídicas que são propiciadas por bens públicos ou de utilidades que são dadas por serviços públicos.
7.6. Estaremos, no caso sub judicio, perante um tributo que seja possível enquadrar no tipo tributário da taxa? Se for possível surpreender aquela bilateralidade de prestações – do lado do obrigado tributário, uma prestação pecuniária e, do lado da administração, utilidades económico-jurídicas propiciadas por bens semipúblicos ou por serviços públicos – decerto que a resposta será positiva. A taxa impugnada foi cobrada ao abrigo do disposto nos art.ºs 3° e 16° do Regulamento de Publicidade da Câmara Municipal de Lisboa. Dispõem essas normas pelo seguinte modo:
Artigo 3°
(Licenciamento prévio )
1. A afixação ou inscrição de mensagens publicitárias em bens ou espaços afectos ao domínio público, ou deles visíveis, fica sujeita a licenciamento prévio da Câmara Municipal.
2. Exceptuam-se do disposto no número anterior as marcas, objectos e quaisquer referências a bens ou produtos expostos no interior do estabelecimento e nele comercializados.
Artigo 16°
(Taxas)
1. São aplicáveis ao licenciamento e renovações previstos neste regulamento as taxas estabelecidas na Tabela de Taxas, Licenças e Outras Receitas Municipais.
2. Salvo disposição legal em contrário, as entidades legalmente isentas do pagamento de taxas às Autarquias não estão isentas do licenciamento a que se refere este Regulamento.
7.7. Como se vê da tipificação legal [artigo 3º do Regulamento de Publicidade da Câmara Municipal de Lisboa], a taxa só é devida pela ‘afixação ou inscrição de mensagens publicitárias em bens ou espaços afectos ao domínio público, ou deles visíveis’. Dado o acima precisado quanto à natureza da contraprestação pública não existirá qualquer objecção, pensamos nós, quanto à qualificação como taxa do tributo que seja cobrado pelo município de Lisboa pela afixação ou inscrição de mensagens publicitárias’ que seja feita em bens do seu domínio e deles visível, qualquer que seja a doutrina que se adopte quanto à espécie de contraprestação pública possível. Sendo a publicidade feita em bens que pertençam ao município estamos perante a disposição imediatamente fruível de utilidades económico-jurídicas que são propiciadas por esses bens semipúblicos. A questão apenas poderá pôr-se, com algum grau de dificuldade, quanto àqueles casos em que a publicidade visual é
‘afixada ou inscrita’ em suportes físicos que são inteiramente do domínio particular, mas que não deixam de fisicamente ocupar ainda o espaço público aéreo das estradas e das vias públicas, incluindo as ruas com os respectivos passeios, os jardins, as pontes e os viadutos, e deles são também visíveis ou, com maior grau de dificuldade, ainda, em relação à publicidade que está fisicamente afixada em bens do domínio particular, mas cuja específica utilidade apenas advém essencialmente do facto de poder ser vista dos bens ou espaços afectos ao domínio público.
7.8. Naquelas situações em que os suportes físicos da publicidade ocupam, também fisicamente, o espaço aéreo daquele primeiro tipo de bens que se deixou enunciado, não pode deixar de entender-se haver aqui uma contraprestação da administração traduzida numa utilidade de fruição de tais bens públicos. Na verdade, pertencem ao domínio público as estradas, assim como todas as vias públicas, incluindo as ruas, com os respectivos passeios, jardins, viadutos e pontes [art.º 84º, n.ºs 1, als. d) e f), e 2 da CRP]. Se tais anúncios pendem, ainda de qualquer modo, sobre esse tipo de bens públicos, conquanto estejam afixados fisicamente ao prédio ou bem particular, como sejam as fachadas dos imóveis ou outras partes dos mesmos, não é legítimo afirmar que não existe aqui contraprestação da administração que está traduzida na utilidade de fruição individualizada ou sentível pelo beneficiário particular do espaço aéreo superior aos bens públicos e que deles se tem de ter por elemento constitutivo, mesmo numa lógica de puro domínio privado. A publicidade não deixa de restringir, aqui, com aproveitamento apenas para o beneficiário, o leque de utilidades fruíveis dos bens públicos relacionadas com a utilização do espaço aéreo que corresponde a esse tipo de bens. Digamos que, nessas situações a publicidade ocupa, simultaneamente, bens privados e públicos.
7.9. Mas, no entender deste Supremo, a conclusão não poderá ser diferente, qualquer que seja a natureza que se atribua ao direito privado de edificação, naquelas hipóteses em que o suporte físico da publicidade está afixado ou inscrito no prédio particular, mas utiliza o espaço aéreo superior a tais bens para além da dimensão que está consentida como área, espaço de construção ou de edificação privada pelos planos de ordenamento do território, entre os quais se contam os planos municipais, e em que aquele é instalado ou usado para ser visível, essencial ou predominantemente, dos espaços públicos, como acontecerá, normalmente, com os anúncios nos telhados ou nos terraços dos edifícios que sejam propriedade de particulares. Na verdade, segundo decorre do art.º 84° n.º
1 al. b) da Constituição, pertencem ao domínio público ‘as camadas aéreas superiores ao território acima do limite reconhecido ao proprietário ou superficiário’. O limite reconhecido ao proprietário ou superficiário, a que se refere este comando constitucional, só pode ser entendido como aquele que os planos de ordenamento do território prevêem para a utilização privada dos imóveis. E isso é assim, porque o ordenamento do território constitui uma imposição constitucional e é esse ordenamento que define quais os modos de utilização do espaço territorial, mesmo privado [cfr. art.ºs 9° al. e), 65° e
66° da CRP e 72°, 73° e 84° do DL. n.º 380/99, de 22/9], ao determinar «o destino básico dos terrenos», mediante a sua classificação como solo rural ou urbano, e ao regular «o aproveitamento (do solo) em função da utilização dominante que nele pode ser instalada e desenvolvida, fixando os respectivos usos e, quando admissível, a sua edificabilidade». Nesta perspectiva, poderá dizer-se, com o Professor Fernando Alves Correia, que o direito de edificar é «o resultado de uma atribuição jurídico-pública’ decorrente dos planos de ordenamento do território, ou seja enquanto ‘direito que apenas existe ali onde os planos municipais de ordenamento do território o reconheçam» ou como «poder que acresce à esfera jurídica do proprietário, nos termos e nas condições definidas pelas normas urbanísticas». Nesta óptica, a contraprestação da administração equivale-se à utilidade que é propiciada por um bem que se tem de haver por público por estar já para além do conteúdo do direito de edificação da propriedade privada e que se insere no domínio público aéreo. Repetindo o que diz o mesmo Professor de Direito, poder-se-á com pertinência sustentar ‘... embora pertença aos particulares «o espaço aéreo correspondente à superfície» dos imóveis de privados, por ser abrangido pelo respectivo direito de propriedade (cfr. o art.º 1344° n.º 1 do Código Civil), o limite superior desse espaço aéreo privado é, no tocante aos imóveis onde tenham sido erigidos edifícios, a cobertura que aí foi levantada ou seja, o respectivo telhado ou terraço. O espaço aéreo acima da cobertura do edifício, esse – repete-se – tem já a natureza de bem do domínio público. É espaço aéreo público, susceptível, no entanto, de uma utilização individualizada pelos particulares que sejam titulares de necessária licença. É, consequentemente, um bem semipúblico.
É que, como sublinhou o Tribunal Constitucional no seu Acórdão n.º 329/99, o direito de edificar (rectius, o direito de urbanizar, lotear e edificar) não faz parte da essência do direito de propriedade. Escreveu-se nesse aresto que, «ainda quando estes direitos assumam a natureza de faculdades inerentes ao direito de propriedade do solo, não se trata de faculdades que façam parte da essência do direito de propriedade, tal como ele é garantido pela Constituição: é que essas faculdades, salvo, porventura, quando esteja em causa a salvaguarda do direito de habitação própria, já não são essenciais à realização do homem como pessoa». O direito de edificar é, por isso – repete-se –, «o resultado de uma atribuição jurídico-pública» decorrente dos planos. Ou seja: é um direito que apenas existe ali onde os planos municipais de ordenamento do território o reconheçam. E existe no modo como esses planos o reconheçam. São, de facto, os planos municipais de ordenamento do território que fixam o regime de uso do solo (cfr. o artigo 71° n.º 1 do Decreto-Lei n.º 80/99, de 22 de Setembro), isto é, «as vocações e os destinos das parcelas de terreno, incluindo a urbanização e a edificação». É nestes planos «que se encontra a resposta à questão de saber se, numa concreta parcela de terreno, é possível construir e, em caso afirmativo, quais os indicadores e parâmetros urbanísticos», pois só pode construir-se nos solos que os planos municipais qualificam como solo urbano: «solo urbanizado» ou solo cuja urbanização esteja programada».
.............................. Por isto ser assim, o direito de propriedade urbana é ‘um direito planificado’; e os planos urbanísticos são instrumentos que definem ‘o conteúdo e limites do direito de propriedade do solo’, desse modo o conformando. Conformam-no, designadamente, no sentido de que o direito de propriedade privada, quando o seu objecto sejam solos urbanizados, termina, em altura, na cobertura dos edifícios que neles tiverem sido legalmente erigidos – é dizer: construídos nos solos que, segundo os planos urbanísticos, forem destinados a construção, e construídos no modo por que essa construção for autorizada pelos mesmos planos. Mas, então, como os edifícios só podem ser construídos com a altura determinada pelos planos, os direitos do proprietário privado só vão até aí – até à altura do edifício cuja construção o plano consente. Daí para cima – repete-se – o espaço aéreo é um espaço aéreo público. O espaço aéreo acima dos edifícios que sejam propriedade de privados pode, é certo, ser utilizado pelos particulares que pretendam fazer publicidade. Esta, no entanto, carece de licença – é dizer: depende de prévia autorização da respectiva câmara municipal, uma vez que – como se sublinha no art. 1º, n.º 2 da Lei n.º 97/88, de 17 de Agosto – está em causa a ‘salvaguarda do equilíbrio urbano e ambiental’. A licença só deve, por isso, ser concedida, se a instalação do suporte destinado
à publicidade «não provocar obstrução de perspectivas panorâmicas», nem «afectar a estética ou o ambiente dos lugares e da paisagem»; «não prejudicar a beleza ou o enquadramento de monumentos nacionais, de edifícios de interesse público ou outros susceptíveis de ser classificados pelas entidades públicas»; «não causar prejuízos a terceiros»; «não afectar a segurança das pessoas ou das coisas, nomeadamente na circulação rodoviária ou ferroviária»; «não apresentar disposições, formatos ou cores que possam confundir-se com os da sinalização do tráfego» e «não prejudicar a circulação dos peões, designadamente dos deficientes» (cfr. as várias alíneas do n.º 1 do art.º 4° da citada Lei n.º
97/88, de 17 de Agosto)’.
7.10. Mas existem outras razões que vão no mesmo sentido, mesmo para quem se posicione do lado da doutrina mais restritiva quanto à espécie da contraprestação pública possível na exigência da taxa. É que, hoje, não é possível deixar de ver o ambiente sadio e ecologicamente equilibrado para além de um direito constitucional (art.º 66°, n.º 1 da CRP), também como um bem público ou uma utilidade comummente procurada e exigida pelos cidadãos, na medida em que este é, hoje simplesmente, o produto do ordenamento do território e de outras acções conformadoras do ambiente que o Estado e, maxime, os municípios promovem. E as pessoas procuram, cada vez mais, esse ambiente humanamente não agressivo, constrangente ou repulsivo. Ora, compete, essencialmente, aos municípios, por mor da sua função constitucional e ordinária de especiais defensores dos interesses locais, especialmente, relativos à área do urbanismo, à salubridade e saúde públicas, a tarefa de intervir positivamente na criação e manutenção de um ambiente sadio. Este será sempre o resultado da intervenção que os municípios tenham sobre os factores que concorrem para o seu melhoramento ou para a sua destruição. A intervenção dos municípios tanto se poderá concretizar através da realização de acções directamente sobre o ambiente, como no domínio do planeamento do seu espaço territorial e na execução de obras que concorram para melhorá-lo, como através da regulação e fiscalização das actividades particulares que interferem com esse ambiente, ou seja, sobre tudo o que interfere com a tranquilidade pública, do sossego público, dos bons costumes, da segurança e da estética urbana (art.º 1° da Lei n.º 97/88, de
17/8), entre eles se contando a emissão de sons ou ruídos e a instalação de mostruários, letreiros, painéis ou cartazes. Digamos, nesta óptica, que o ambiente é o resultado da actuação dos municípios na área do urbanismo e da intervenção positiva sobre os factores que o influenciam, tendo esse as características ou qualidades que essa intervenção modelar e salvaguardar. Segundo este ponto de vista, ‘a afixação ou a inscrição de publicidade para ser vista do espaço público’ corresponde a uma utilização individual concreta, ocorrida no domínio e um círculo bem delimitado de pessoas (não sendo, por isso, legítimo o pretenso paralelismo com a utilização das ruas públicas pelas pessoas), do bem colectivo ‘ambiente’ para cuja caracterização concorrem cuja gestão e defesa cabe, em especial, o município. Só esta visão das coisas explica que em todas as leis de finanças locais, da actual era democrática, tenha sido prevista a possibilidade de lançamento de taxas pela ‘autorização para o emprego de meios de publicidade destinados a propaganda comercial’ [Lei n.º 1/79 – art.º 13°, n.º 1 al. h); DL. n.º 98/84 – art.º 8°, al. h); Lei n.º 1/87, art.º 11°, al. h); Lei n.º 42/98 – art.º 19°, al. h)]. Bem redutor e minimalista, e quase indispensável, seria um tal preceito, sucessivamente reafirmado, se, no sucessivo pensamento legislativo, estivesse em vista só a possibilidade de legal lançamento de taxas apenas pela autorização e manutenção de publicidade nos imóveis do município. A legalidade de uma situação dessas poder-se-ia distrair, já, directa e imediatamente, apenas da sua capacidade constitucional e legal de administrar os seus bens próprios, não havendo necessidade de um preceito a facultar o lançamento da taxa de publicidade.
7.11. Neste âmbito há que notar que o conceito de bem económico e jurídico padece de uma profunda reformulação, ultrapassando-se, de vez, o conceito romanístico, quer quanto à natureza dos bens, quer quanto ao conteúdo do respectivo direito de propriedade. Assim, há que achar lugar para os bens criados pelas novas tecnologias, cuja prestação, quando pública, não pode deixar de justificar a cobrança de taxas ou de tarifas, e pelos novos modos de viver e de sentir da humanidade - para os bens que respondem a novas necessidades do Homem ou a novos moldes de necessidades já antigas. Entre estes conta-se, sem rebuço, o ambiente cujos parâmetros de qualidade e características a sociedade de hoje exige que estejam todos quase que pré-definidos normativamente e que se mantenham dentro de certos níveis de qualidade ou valores. Por outro lado, a aptidão social do direito de propriedade constitui, hoje, não uma limitação do direito mas uma função do próprio direito, surgindo as aptidões sociais do direito não como limites, mas antes como vectores de utilidades que andam a par com as dirigidas essencialmente ao titular privado dos bens. Que o ambiente é, hoje, um bem público resulta com insofismável certeza da extensa regulação que a lei lhe dispensa: o ambiente tornou-se, hoje, - como que a par do direito de propriedade - , objecto de protecção contravencional e criminal (art.s 46° e 47° da Lei n.º 11/87, de 7/4) e de responsabilidade extracontratual (art.s 40º, n.º
4 e 41° da mesma Lei). Por outro lado, trata-se de um bem público cuja defesa cabe prevalentemente ao Estado, mas que é levada a cabo essencialmente através das autarquias locais – art.s 37° a 40º da Lei n.º 11/87. Dada a especial natureza de tal bem público, pois interfere directa e imediatamente com a qualidade de vida de todos aqueles que se inserem nele, e numa relação de grande intensidade e tensão, entendeu a lei que não podia descurar, no quer que fosse, a sua defesa. Por isso, para que o atavismo daqueles que gerem a coisa pública não conduzisse a que ele fosse e permanecesse ofendido, a lei cometeu também a sua defesa a todos os cidadãos, membros da comunidade, erigindo-o, assim, à categoria de direito subjectivo público. É o que se colhe do art.º 40°, n.º 4 da Lei n.º 11/87, Inclusivamente, foi, aí, ao ponto de lhes conceder o direito à indemnização, desde que directamente lesados. E na perspectiva de salvaguardar
«o ambiente de vida humana, sadio e ecologicamente equilibrado», cujo direito o art.º 66°, n.º 1 da CRP garante a todos os cidadãos, o legislador tem interferido cada vez mais em sua defesa. É nesta linha que se posicionam o Decreto-Lei n.º 251/87, de 24/6 (regulamento geral sobre o ruído), depois alterado pelo Decreto-Lei n.º 292/89, de 2/9; a Portaria n.º 879/90, de 20/9 que estabelece disposições sobre poluição sonora resultante do exercício de certas actividades; o Decreto-Lei n.º 72/92, de 28/4, e o Decreto Regulamentar n.º
9/92, de 28/4, que o regulamenta, que contêm um quadro geral de normas de protecção dos trabalhadores contra os riscos decorrentes do ruído. E é, ainda, no mesmo caminho que alinha a Lei n.º 24/96, que estabelece o regime geral aplicável à defesa dos consumidores, assegurando o seu art.º 10° o direito à acção inibitória destinada a prevenir, corrigir ou fazer cessar práticas lesivas dos direitos do consumidor consignados nessa lei que, nomeadamente, atentem contra a saúde e segurança física. Também a citada Lei n.º 97/88, de 17/8, e o Código da Publicidade (aprovado pelo DL. n.º 330/90, de 23/10, e republicado pelo DL. n.º 275/98, de 9/9, depois de ter sido anteriormente alterado pelos Dls. n.ºs 74/93, de 10/3, 6/95, de 17/1 e 61/97, de 25/3) têm, como um dos principais objectivos, a salvaguarda de tal bem público, sendo que a defesa dos valores aí afirmados foi cometida essencialmente às câmara[s] municipais, relativamente à área de cada município. E, do mesmo modo, toda a legislação referente ao urbanismo comunga da mesma ideia da criação, manutenção e defesa de um ambiente ecologicamente sadio e equilibrado.
7.12. Finalmente, nesta mesma linha, há que acentuar que não pode ser em nome das exigências garantísticas, próprias da natureza das taxas, que acima se assinalaram, que será necessário ir tão longe, como tem ido o nosso Tribunal Constitucional. E este – acentue-se – é o diapasão pelo qual num Estado de Direito Fiscal deve, em última ratio, aferir-se a valia dos argumentos. Na verdade, não existem dúvidas que, na perspectiva do homem médio, do cidadão e contribuinte comuns, estamos perante uma utilização pelo concreto obrigado da taxa de uma utilização perfeitamente sentível das potencialidades físicas relativas a um bem público que é emergente, essencialmente, da actuação dos municípios na área do urbanismo, na defesa do sossego, saúde e tranquilidade públicas, e que é tido, comummente, por escasso na perspectiva da sua correcta utilização e cuja defesa – realce-se, mais uma vez – através da fiscalização de intervenções que intercedem negativamente com ele cabe aos municípios. É evidente a existência de uma fruição individualizada de uma utilidade económico-jurídica relativa a bens semi-públicos em termos de uma relação de intensidade perfeitamente perceptível e destrinçável por todos os cidadãos. Não se vê que o obrigado tributário possa invocar que paga um tributo sem uma causa específica ou por um uso comum e indiferenciado dos bens públicos. A melhor prova do acerto de uma posição destas é que o cidadão comum vê essa publicidade enquanto elemento que interfere com o seu habitat cuja conformação e defesa cabe, essencialmente, aos municípios. Aliás, não vemos que exista, no concreto tipo tributário aqui em análise, uma relação de intensidade conectiva entre o pagamento do obrigado tributário e as utilidades que são propiciadas pela contraprestação da administração menos sentível, perceptível e destrinçável, e nessa perspectiva menos garantística, do que aquela que se verifica nas taxas de realização por infra-estruturas urbanísticas ou na tarifa (taxa) de recolha do lixo cuja apreciação foi objecto dos acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 639/95, 357/99 e 22/2000, publicados, respectivamente, no D.R., II Série, de 19/3/96, de 2/3/2000 e de
24/3/2000, e em que se considerou estar-se perante uma taxa, ou nas situações em que intercede uma simples possibilidade da utilização dos bens semipúblicos em que, igualmente, se considerou, no acórdão do mesmo Tribunal n.º 354/98, publicado no D.R., II Série, de 15/7/98, caber ainda no conceito de taxa.
7.13. Estas razões valem, também, segundo se pensa, para quem entenda, além de outros, com Freitas do Amaral, que o ius aedificandi é uma faculdade que compõe, naturaliter, o direito de propriedade do solo, e não uma atribuição dos planos urbanísticos e para quem opte pela dita doutrina mais restritiva do conceito de taxa por que alinha o Tribunal Constitucional. É que a utilidade essencial e determinante na óptica do utilizador que o obrigado do tributo obtém pela via do pagamento do tributo não é propriamente a utilidade traduzida na afixação ou inscrição dos anúncios nos bens do domínio privado mas sim, essencialmente, a utilidade dos mesmos poderem ser visíveis e tidos em conta por quem circula nos espaços públicos planificados pelos municípios e cuja preservação como ecologicamente sadios principalmente lhes compete. Também aqui se poderá dizer, como acima, que, na perspectiva do homem médio, do cidadão e contribuinte comuns, estamos perante uma utilização pelo concreto obrigado da taxa de uma utilização perfeitamente sentível das potencialidades físicas relativas a um bem público ou comunitário tido por escasso na perspectiva da sua correcta utilização local ou autárquica e cuja defesa de fiscalização de intervenções que intercedem negativamente com ele cabe aos municípios, bem esse que são as potencialidades reais do bem público constituído pelo espaço ambiental, planificado, aéreo e urbanístico ou seja do bem público ambiente enquanto produto da intervenção dos municípios. Não se descortina existir, aqui, qualquer perigo de ver o tributo degenerar-se num tributo sem causa individual específica, como acontece com os impostos e com a utilização indiferenciada dos bens que são objecto de satisfação passiva. Nesta óptica, será legítimo ver a contraprestação pública na susceptibilidade real de tirar um específico e diferente proveito das potencialidades desse concreto bem público. Estas características levam, por outro lado, a afastar, no caso, a qualificação do tributo como contribuição especial, tipo este que a doutrina tem em geral como imposto, em que não deixa de ser possível surpreender a existência de uma específica causa imediata que concorre com a da necessidade geral de arrecadar receitas. É que, qualquer que seja a definição que se dê dessas contribuições especiais, é seguro terem elas, todas, um tópico que não concorre na taxa aqui em questão: as contribuições especiais assentam sempre na manifestação de uma específica capacidade contributiva, revelada predominantemente por um aumento do valor dos bens; a taxa em questão não está conexionada ou dependente de qualquer específico aumento da capacidade contributiva, sendo o seu valor achado dentro, pelo menos, do princípio da equivalência jurídica.
7.14. Mas, ainda que não se possa ir tão longe, sempre o tributo em causa tem de ser qualificado como taxa quando visto pelo critério do art.º 4°, n.º 2 da Lei Geral Tributária. E esse critério não é de repudiar sem mais, só porque se lhe contrapõe uma outra tese doutrinária quanto à espécie de utilidades exigíveis para integrar a prestação pública. Tratando-se de um conceito construído doutrinariamente e que como tal foi assumido pela Constituição, ele deve ser admitido segundo a sua concepção mais ampla conquanto não saiam postergadas as exigências garantísticas que fundamentam a distinção funcional dos conceitos. E já acima vimos que isso não acontece seguramente. Ora, vistas as coisas por esse prisma, o certo é que sempre será possível descortinar aqui uma situação em que a licença representa não um tributo que é pago simplesmente para se aceder a utilidades que existem puramente nos bens privados, fora de qualquer intervenção conformadora do legislador, e em que se poderia falar em ‘obstáculo artificialmente levantado para, ao removê-lo, a Administração cobrar uma receita’ – que alguma doutrina que, também, acompanhamos, considera impostos – mas um tributo que se paga para remover um limite ou um obstáculo à livre actividade dos particulares que apenas é levantado por evidentes e incontestadas razões de interesse geral de conformação e de possibilidade de realização prática, e que alguma doutrina, em que nos situamos, enquadra na categoria das taxas. Trata-se de «um limite ou obstáculo substantivo, atinente sobretudo à concretização e realização prática da liberdade individual e à sua articulação com os interesses públicos de ordem geral». Tratam-se de casos em que a utilidade da actividade dos particulares só é verdadeiramente relevante, do ponto de vista da sua possibilidade de realização prática, precisamente porque a lei conforma, regula e limita o exercício de uma tal actividade. De algum modo,
é possível afirmar existir, aqui, um bem económico distinto, enquanto produto de uma certa conformação feita pela administração, do que seria o próprio da actividade simplesmente particular, quando exercida livremente. Se fosse permitido fazer livremente toda a publicidade, esta perderia, por um lado, grande parte da sua capacidade de motivação das pessoas e, por outro, deixava de preservar aquele bem público do ambiente ecologicamente sadio. Ora, a actividade publicitária encontra-se, hoje, regulamentada precisamente para defender e preservar o equilíbrio urbano e ambiental, os valores estéticos, paisagísticos, ambientais e de segurança (cfr. a citada Lei n.º 97/88, de 17/8, e no Código da Publicidade, aprovado pelo DL. n.º 330/90, de 23/10 e republicado pelo DL. n.º
257/98, de 9/9, depois de ter sofrido no inter in três alterações). E tais diplomas cometem a defesa destes valores às câmaras municipais relativamente à
área de cada município, sem prejuízo, obviamente, da intervenção necessária de outras entidades (cfr. art.º 1º, n.º 1 da Lei n.º 97/88). Aos municípios cabe, pois, a prossecução daqueles bens jurídicos, quer agindo positivamente, quer negativamente, aqui mediante o exercício do seu poder de polícia. Mas o que é certo é que, também, só de par com essa regulação é que a publicidade alcança a sua maior utilidade, conquanto cingida dentro dos parâmetros legalmente permitidos. Deste modo, as câmaras municipais, ao concederem as licenças para a colocação e permanência de publicidade, mesmo que em edifícios privados, mas visíveis dos espaços públicos, estão a remover um limite ou obstáculo jurídico imposto ao livre exercício da actividade dos particulares, limite este que é um limite substantivo porquanto a substância da actividade dos particulares acaba por estar conformada por força dessa intervenção, tendo um conteúdo que só verdadeiramente existe nos termos em que se apresenta por virtude da intervenção administrativa.
7.15. No caso dos autos, e segundo emerge do probatório, estamos perante uma licença concedida para a instalação e permanência nos anos de 1997, 1998 e 1999 de um reclamo e friso luminosos nas fachadas do prédio que está arrendado à impugnante e que vai do n.º 32-8 da Avenida do Uruguai, esquina com lote 1350 da Rua Professor Santos Lucas, em Lisboa. Ora, tal quadro de facto ajusta-se à hipótese acima apontada em que a publicidade acaba por ‘ocupar’ simultaneamente os bens privados e o domínio público - a propriedade privada enquanto afixada ao prédio urbano; o domínio público enquanto pendendo sobre o passeio e a rua públicos justapostos à parede do prédio. Por muito pouco que tal aconteça, não deixa de constituir facto notório, do conhecimento de todos os tribunais, que os reclamos e frisos luminosos aplicados sobre as fachadas dos prédios sobressaem sobre as paredes dos prédios ou partes das mesmas entrando no espaço aéreo público que está por cima dos passeios e ruas públicas, no caso, do município de Lisboa. A quantia liquidada à impugnante pelos serviços da Câmara Municipal de Lisboa tem, pois, a natureza de taxa. Como tal, a criação do tributo não estava sujeita ao princípio da legalidade de reserva de lei formal constante dos art.ºs 106º, n.º 2, e 168º, n.º 1, al. i), da CRP (na versão ao tempo da publicação do referido regulamento municipal).”
3. O Magistrado do Ministério Público junto do Supremo Tribunal Administrativo interpôs para este Tribunal Constitucional recurso do “douto acórdão de fls. 158 a 179, dos autos em referência, por no mesmo se ter aplicado norma (art.ºs 3º e
16º do Regulamento de Publicidade da Câmara Municipal de Lisboa, constante do Edital n.º 35/92) em desconformidade com o anteriormente decidido sobre a mesma questão por aquele Tribunal” (no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 346/01, de 10 de Julho, como nas suas alegações veio a consignar o Ministério Público no Tribunal Constitucional).
No Tribunal Constitucional, o recorrente alegou, dizendo, sobre a argumentação do acórdão recorrido, parecer-lhe:
“(...) evidente que a simples aposição de um reclamo e friso luminoso na fachada de um prédio não representa simultânea ‘ocupação’ minimamente relevante do
‘espaço público’: é que – pela lógica da decisão recorrida – seria possível
‘tributar’ com taxas qualquer pormenor arquitectónico de prédio particular que
‘sobressaindo’ (ainda que apenas em poucos centímetros da fachada) ‘invadisse’ ligeiramente (em termos, aliás, não precisados, no caso dos autos), o ‘espaço aéreo do domínio público’. No nosso entendimento – e desde logo como decorrência dos princípios constitucionais da proporcionalidade e da adequação – tal ‘intromissão’ em bens públicos tem que ter necessariamente um mínimo de relevância que, neste caso, nos parece estar manifestamente ausente. Por outro lado, impõe-se distinguir claramente os planos ‘tributários’ e
‘ambiental’ ou de ‘polícia das edificações’: naturalmente que se não questiona que, no exercício das tarefas cometidas às autarquias em sede de licenciamento de edificações urbanas, devam ser submetidas necessariamente a licenciamento ou autorização quaisquer inovações que alterem a estética visível das fachadas de imóveis pertencentes a particulares. Porém, no caso dos autos, é manifesto que não está em causa a cobrança de uma
‘taxa’ que seja ‘contrapartida’ do primitivo licenciamento ou autorização, mas a periódica remuneração da autarquia pela mera permanência do reclamo e friso luminoso, inicialmente licenciado e autorizado: tal implica que a taxa periodicamente devida não tem qualquer conexão relevante com a tutela dos valores estéticos e ambientais, mas corresponde inteiramente, na sua feição estritamente tributária, a ‘remunerar’ uma inexistente utilização de bens públicos ou semi-públicos.” E concluiu:
“1ª – Conforme jurisprudência reiterada deste Tribunal Constitucional, não se enquadram no conceito jurídico-constitucional de ‘taxa’ as importâncias exigidas por quaisquer entidades públicas a um particular, como mera condição de remoção de um obstáculo jurídico à utilização dos seus bens próprios, sem lhe conferir direito à utilização de bens semi-públicos ou colectivos.
2ª – Não constituindo ‘contraprestação’, susceptível de integrar aquele conceito, o mero exercício de actividades gerais de polícia por tais entes públicos, com vista à fiscalização do cumprimento pelo particular dos condicionamentos ou requisitos a certa e específica utilização dos bens de que é proprietário, estabelecidos por lei ou regulamento.
3ª – Termos em que deverá proceder o presente recurso.” Cumpre apreciar e decidir. II. Fundamentos
4. O objecto do presente recurso é a apreciação da constitucionalidade das normas constantes dos artigos 3º e 16º do Regulamento de Publicidade do Município de Lisboa, publicado pelo edital n.º 35/92, que prevêem uma “taxa” pela renovação do licenciamento pela afixação, nos anos de 1997, 1998 e 1999, de um reclamo e friso luminosos nas fachadas de um prédio urbano sito em Lisboa.
5. Importa recordar a jurisprudência deste Tribunal, que, sobre normas que prevêem “taxas de publicidade” análogas à que está em causa, e, mesmo, sobre a que se encontra prevista nas normas ora em questão, se tem pronunciado, uniformemente, sempre no sentido da inconstitucionalidade. Assim, o Acórdão n.º 558/98 (publicado em Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 41º, págs. 55 e segs.) julgou inconstitucional, por violação dos artigos
106º, n.º 2, e 168º, n.º 1, alínea i), da Constituição, a norma constante do artigo 62º do Regulamento e Tabela de Taxas Municipais da Câmara Municipal de Guimarães, em conjugação com a 13ª das Observações consignadas aos artigos 57º a
64º do mesmo Regulamento. Depois de se recordar nesse aresto que a lei prevê uma série de restrições à actividade publicitária, para protecção de interesses de vária ordem, escreveu-se:
«(...)
2.2. Simplesmente, não será do simples facto de o licenciamento da actividade publicitária competir, na área dos respectivos municípios, às câmaras municipais, que decorre, desde logo e sem mais, que o tributo cobrado pelas edilidades aos responsáveis pela afixação e inscrição das mensagens de propaganda, haja de ser considerado como uma ‘taxa’. Efectivamente, não passa este Tribunal em claro que, como se disse no citado Acórdão n.º 313/92, ‘mesmo nas hipóteses em que a actividade dos particulares sofre uma limitação, aqueloutra actividade estadual, consistente na retirada do obstáculo à mencionada limitação mediante o pagamento de um tributo, é vista pela doutrina como a imposição de uma «taxa» somente desde que tal retirada se traduza na dação de possibilidade de utilização de um bem público ou semi-público (cfr., sobre o ponto, Teixeira Ribeiro na citada Revista)’, acrescentando-se que, ‘[s]e este último condicionalismo não ocorrer, deparar-se-á uma situação subsumível à existência de um encargo ou de uma compensação, tributo que se aproximará da figura do «imposto» nos termos que a seguir se verão, sem que com isto se queira significar que a imposição de contributo só é recondutível à dicotomia de «taxas» ou «impostos».’ Na realidade, assente uma relação sinalagmática característica da ‘taxa’, o que, como é claro, implica uma contrapartida de diferentes naturezas por parte do ente público impositor do tributo, tem a doutrina entendido que são essencialmente três os tipos de situações em que essa contrapartida se verifica e que se consubstanciam na utilização de um serviço público de que beneficiará o tributado, na utilização, pelo mesmo, de um bem público ou semi-público ou de um bem do domínio público e, finalmente, na remoção de um obstáculo jurídico ao exercício de determinadas actividades por parte dos particulares (...). Ora, quando em causa se encontra a terceira daquelas situações (rememore-se, a que consiste no levantamento do obstáculo jurídico ao exercício de determinada actividade por parte do tributado), defende a doutrina que o encargo pela remoção – in casu, a concessão de licenciamento para a afixação ou inscrição de publicidade – só pode configurar-se como ‘taxa’ se com essa remoção se vier a possibilitar a utilização de um bem semi-público (vide autores por último citados e Sousa Franco in Finanças Públicas e Direito Financeiro, 4ª ed., vol.
1, 33, que, em vez de bens semi-públicos, fala de bens colectivos, quer públicos ou privados de uma perspectiva de provisão pública, quer de bens colectivos impuros). Neste contexto, e não olvidando que a norma sub specie se reporta a painéis publicitários afixados ou inscritos, não em quaisquer bens ou locais públicos ou semi-públicos, mas sim em veículos de transporte colectivo ou em veículos particulares (e são desta última espécie os veículos da recorrente), não se lobriga, por um lado, que forma de utilização de um bem semi-público esteja em causa e, por outro, que o ente tributador venha a ser a ser constituído numa situação obrigacional de assumpção de maiores encargos pelo levantamento do obstáculo jurídico. Mas, mesmo que o tributo criado pela norma em análise, possa ser visualizado como aquilo que certa doutrina (designadamente estrangeira) apelida de contribuições especiais ou tributos especiais (cfr. Perez de Ayala e Eusebio Gonzalez, Curso de Derecho Tributário, 1º Tomo, 208), o que é certo é que a doutrina nacional, quase diríamos sine discrepante, tem sustentado que tais contribuições ou tributos não devem, do ponto de vista do seu tratamento, ser vistas diferenciadamente dos ‘impostos’. Em face do exposto, e porque se não vê, por um lado – perspectivando o tributo em causa como um encargo derivado pelo levantamento de obstáculos jurídicos ao exercício ou ao desenvolvimento de uma actividade por parte de um particular – que haja da sua parte a utilização de um bem semi-público (ou colectivo na linguagem de Sousa Franco) e, por outro, que, mesmo na óptica de nos situarmos perante uma contribuição ou um tributo especial, ele devesse ter um tratamento sui generis diferente do que deve ser conferido aos impostos, uma só solução se nos anteolha. É ela a de a respectiva imposição haver de obedecer aos ditames que pela Lei Fundamental são dirigidos aos ‘impostos’. E daí que a norma impositora do encargo em apreciação, porque criada por diploma não emanado pela Assembleia da República (ou pelo Governo devidamente credenciado por aquela), deva ser considerada como enfermando do vício de inconstitucionalidade orgânica.” No Acórdão n.º 63/99 (publicado em Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol.
42º, págs. 291 e segs.), por sua vez, foi julgada inconstitucional, também por violação dos artigos 106º, n.º 2, e 168º, n.º 1, alínea i), da Constituição
(versão de 1982), a norma constante do artigo 18º da Tabela de taxas e outras receitas municipais da Câmara Municipal de Lisboa (publicada no Diário Municipal, 2º suplemento, de 15 de Setembro de 1989). Estava em causa a liquidação de uma quantia, efectuada pela Câmara Municipal de Lisboa, a título de licença sobre um reclamo luminoso, colocado no telhado de um prédio urbano, em Lisboa. Depois de se recordar os fundamentos do citado Acórdão n.º 558/98, acrescentou-se:
“não está em causa a utilização de veículos para publicidade, mas a colocação de reclamos luminosos em telhados de prédios urbanos. Tal, porém, em nada impede a aplicação da doutrina fixada no citado Acórdão n.º 558/98, porquanto, também aqui, se não está perante a utilização de bens ou locais públicos ou semi-públicos, mas sim de bens ou locais pertencentes a particulares, conforme iniludivelmente decorre do disposto no artigo 1344º do Código Civil, já que ‘a propriedade dos imóveis abrange o espaço aéreo correspondente à superfície’. Há, assim, que concluir pela inconstitucionalidade orgânica da norma questionada
(no mesmo sentido, cfr. P. Pitta e Cunha, J. Xavier de Basto e A. Lobo Xavier, Os Conceitos de Taxa e Imposto - A propósito de licenças municipais, in Fisco, nº 51-52, Fev./Mar. 93, págs. 13 e segs.).” No Acórdão n.º 33/2000 (publicado em Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol.
46º, págs. 299 e segs.) foram julgadas inconstitucionais, por violação também das mesmas normas constitucionais, as normas constantes dos artigos 14º e 22º do Regulamento sobre Publicidade da Câmara Municipal de Lisboa (publicado pelo Diário Municipal, n.º 15.616, de 26 de Abril de 1989, com as alterações introduzidas pelo Edital n.º 7/90, de 26 de Fevereiro), e do artigo 18º da Tabela de Taxas, Licenças e outras Receitas Municipais (publicada pelo Edital n.º 100/89, Diário Municipal n.º 15.714, 2º Suplemento, de 15 de Setembro de
1989, com as alterações dos Editais n.ºs 140/89, de 26 de Outubro de 1989, e
26/90, de 16 de Março de 1990). Depois de se recordar passos dos citados arestos do Tribunal Constitucional, e de se notar a similitude com o de 1999, escreveu-se no Acórdão n.º 33/2000:
“tratando-se de hipótese inteiramente similar da que foi tratada no acórdão transcrito – reclamos luminosos instalados em telhados de/ou nos próprios prédios urbanos – não se está perante a utilização de bens ou locais públicos ou semi-públicos, mas de bens ou locais pertencentes a particulares, como resulta do artigo 1344º do Código Civil, pois que ‘a propriedade dos imóveis abrange o espaço aéreo correspondente à superfície’. Acresce que o facto de, no caso em apreço, se tratar de renovações, em nada altera a conclusão a que se chegou quanto à natureza da importância exigida pela Câmara Municipal. De facto, para além de a renovação da licença – se o prazo para que foi concedida for igual ou superior a 30 dias – ser ‘automática e sucessiva’, o Regulamento respectivo determina que a tais renovações se aplica a mesma ‘taxa’ que se exige para o licenciamento: ou seja, à renovação da licença
é aplicável a mesma obrigatoriedade de pagamento de uma dada importância a título de ‘taxa’ que é exigida para o licenciamento prévio, que ficam assim totalmente equiparados. No sentido de que este tipo de taxa criado pela norma que vem questionada é inconstitucional, veja-se o trabalho de P. Pitta e Cunha, J. Xavier de Basto e A. Lobo Xavier, Os Conceitos de Taxa e Imposto – A propósito de licenças Municipais, in Fisco, n.º 51-52, Fev.-Mar. 93, pág. 13 e ss). Tem, pois, de se concluir pela inconstitucionalidade orgânica das normas questionadas: os artigos 14º e 22º do Regulamento sobre Publicidade da Câmara Municipal de Lisboa, e o artigo 18º da Tabela de Taxas, Licenças e Outras Receitas Municipais.”
E pelo Acórdão n.º 346/2001 (ainda inédito), este Tribunal veio a julgar inconstitucionais, por violação dos artigos 106º, n.º 2, e 168º, n.º 1, alínea i), da Constituição da República Portuguesa, na versão de 1989, os “artigos 3º e
16º do Regulamento de Publicidade do Município de Lisboa, publicado no Edital n.º 35/92, do Diário Municipal n.º 16336, de 19.03.92” – isto é, exactamente as mesmas normas que estão em causa no presente recurso. Depois de se citar os precedentes referidos, escreveu-se no Acórdão n.º 346/2001:
“No presente recurso, não está em causa a utilização de veículos para publicidade, mas a colocação de reclamos luminosos em fachadas de prédios urbanos. Esta diferença não impede, porém, a aplicação da doutrina fixada no mencionado Acórdão n.º 558/98 e depois reiterada nos Acórdãos n.º 63/99
(publicado no Diário da República, II, n.º 76, de 31 de Março de 1999, p. 4769 s) e 32/00 (publicado no Diário da República, II, n.º 57, de 8 de Março de 2000, p. 4574 ss). Com efeito, também no caso dos autos se não está perante a utilização de bens ou locais públicos, mas sim de bens ou locais pertencentes a particulares. Há assim que concluir pela inconstitucionalidade das normas questionadas – na parte em que se referem à tributação da utilização de espaços pertencentes a particulares –, por violação dos artigos 106º, n.º 2, e 168º, n.º 1, alínea i), da Constituição da República Portuguesa, versão de 1989 (artigos 103º, n.º 2, e
165º, n.º 1, alínea i), na versão actualmente em vigor). E, tal como refere o Ministério Público nas alegações produzidas neste Tribunal,
‘não pode relevar o facto de, porventura, a Lei Geral Tributária ter, no artigo
4º, n.º 2, lançado mão de um conceito amplo de taxa, susceptível de abarcar a remoção de quaisquer obstáculos jurídicos ao comportamento dos particulares, mesmo que não lhes consentindo a utilização de bens semi-públicos’, sendo certo que não é lícito ‘interpretar os preceitos e princípios constitucionais em função do direito infraconstitucional em vigor’.” Por último, também o Acórdão n.º 92/2002 (ainda não publicado), desta 2ª Secção, veio julgar organicamente inconstitucionais, por violação do disposto nos artigos 106º, n.º 2 e 168º, n.º 1, alínea i), da Constituição, na versão anterior à Revisão de 1997, as normas dos artigos 3º e 16º do Regulamento de Publicidade da Câmara Municipal de Lisboa e 28º da Tabela de Taxas e outras Receitas Municipais da mesma Câmara, remetendo na sua fundamentação para os citados arestos. Todos estes arestos, no sentido da inconstitucionalidade das normas em questão, foram decididos sem qualquer voto de vencido.
6. No presente caso, existindo já dois acórdãos anteriores do Tribunal a julgar inconstitucionais as mesmas normas que estão agora em questão, seria eventualmente caso de proferir decisão sumária, nesse sentido, nos termos do artigo 78º-A, n.º 1, da Lei do Tribunal Constitucional, remetendo simplesmente para os fundamentos destes arestos. Em atenção à circunstância de na decisão recorrida se invocarem “novos, e (...) decisivos, argumentos que podem alinhar-se em favor da tese de que o tributo aqui em causa tem a natureza de taxa”, e de “valia jurídico-doutrinária” alegadamente nunca “repudiada, mormente pela nossa jurisprudência constitucional”, afigura-se, porém, que, após alegações, deve passar-se em revista este argumentário.
7. Adiantando a conclusão, entende-se que, mantendo-se o conceito de taxa que vem sendo adoptado por este Tribunal – e seguido nos citados arestos –, nenhum dos argumentos referidos na decisão recorrida justifica a alteração do sentido da jurisprudência constitucional sobre a matéria.
É o caso, antes de mais, da referência, feita pelo tribunal a quo, ao conceito de taxa adoptado pela Lei Geral Tributária (artigo 4º, n.º 2). Deve, antes, notar-se que, como refere o Ministério Público e se disse no citado Acórdão n.º
346/2001, tal circunstância não pode ser decisiva, não sendo lícito, logo devido ao princípio da constitucionalidade, que se substitua a aferição da conformidade constitucional do direito ordinário por uma interpretação dos “preceitos e princípios constitucionais em função do direito infraconstitucional em vigor”. Isto, sendo certo, aliás, que a apreciação da questão da constitucionalidade da aludida norma da Lei Geral Tributária não constitui objecto do presente recurso.
8. Afigura-se, igualmente, improcedente a invocação dos limites ao direito de propriedade resultantes das restrições urbanísticas, bem como a alegada existência de uma ocupação do espaço público. Quanto a esta, estando em causa a afixação de um reclamo e de um friso luminosos na fachadas de um prédio urbano (e não, por exemplo qualquer faixa ou pendão que atravesse a rua, ou se suporte, por exemplo, numa instalação pública, como um poste de iluminação), tem de concordar-se com o Ministério Público, quando afirma que tal afixação não constitui qualquer “ocupação” minimamente relevante do “espaço público” – que só poderia ser o espaço aéreo. Aliás, como também salienta o recorrente, por tal lógica poder-se-ia “tributar” com “taxas” qualquer saliência arquitectónica ou outra instalação de prédio particular que também sobressaísse do edificado e “invadisse” (mesmo que em poucos centímetros da fachada) ligeiramente tal “espaço aéreo do domínio público”. Esta alegada intromissão, pela afixação de um reclamo e de um friso na fachada – intromissão, aliás, dada como facto notório pelo tribunal recorrido – não apresenta, pois, à luz dos princípios constitucionais da proporcionalidade e da adequação, o mínimo de relevância indispensável. No presente caso, não se encontra, aliás, qualquer elemento concreto que permita afirmar a existência de uma intromissão no espaço público, para além do referido
“facto notório” e da consideração genérica, apoiada na invocação dos limites ao direito de propriedade resultantes das restrições urbanísticas, de que tal espaço aéreo, para além do edificado, seria de considerar espaço público. Ora, independentemente da apreciação da valia de eventuais teses doutrinárias nesse sentido – e, também, da sua coerência com a consideração de que o jus aedificandi não é elemento essencial do direito de propriedade –, importa recordar – como se recordou nos citados arestos anteriores relativo às “taxas” em questão –, não só o princípio, estabelecido no artigo 1344º do Código Civil, de que “a propriedade dos imóveis abrange o espaço aéreo correspondente à superfície”, como que o plano da tributação é distinto do da polícia ou controlo do ambiente ou das regras urbanísticas. Como refere o recorrente nas suas alegações, não se põe em questão que, “no exercício das tarefas cometidas às autarquias em sede de licenciamento de edificações urbanas, devam ser submetidas necessariamente a licenciamento ou autorização quaisquer inovações que alterem a estética visível das fachadas de imóveis pertencentes a particulares”. Os critérios gerais para esse licenciamento encontram-se previstos no artigo 4º da Lei n.º 97/88, de 17 de Agosto, que regulou a afixação e a inscrição de mensagens de publicidade e propaganda (sobre a afixação ou inscrição de publicidade na proximidade das estradas nacionais fora dos aglomerados urbanos, v. o Decreto-Lei n.º 105/88, de
24 de Abril), incluindo “não provocar obstrução de perspectivas panorâmicas ou afectar a estética ou o ambiente dos lugares ou da paisagem”, “não prejudicar a beleza ou o enquadramento de monumentos nacionais, de edifícios de interesse público ou outros susceptíveis de ser classificados pelas entidades públicas”,
“não causar prejuízos a terceiros”, e não afectar a segurança ou a circulação – v. também distinguindo a taxa pela afixação de publicidade e imposição de coimas pela falta do respectivo licenciamento, os Acórdãos n.ºs 434/2002 e 270/2003 (o primeiro publicado no Diário da República, II série, de 17 de Dezembro de 2002). Ora, a tutela dos valores ambientes e urbanísticos efectua-se pelo licenciamento. Não se divisa, porém, a existência de qualquer contrapartida específica, na utilização de um bem semipúblico, para a remuneração periódica da mera permanência do reclamo e friso em questão. A periodicidade da remuneração, em contraste com a permanência da afixação, implica, como nota o recorrente,
“que a taxa periodicamente devida não tem qualquer conexão relevante com a tutela dos valores estéticos e ambientais”, e antes corresponde a uma
“remuneração” de uma inexistente utilização de bens semipúblicos. Pode, aliás, também duvidar-se da consideração de que o “ambiente” seria o “bem semipúblico” cuja fruição constituiria a contrapartida proporcionada pela entidade pública que cobra a “taxa”. Na verdade, tal bem não só não é fruto apenas da actividade da entidade que efectua este licenciamento específico, mas de muitos outros factores, como é fruído genericamente por todos os cidadãos, não sendo objecto de uma contrapartida específica a favor do anunciante. Improcede, pois, também a consideração de que a entidade pública que cobra a
“taxa” o faz em contrapartida da utilização de qualquer bem semipúblico pelo particular anunciante, bem com a possibilidade de, por esta razão, qualificar o presente tributo como taxa. III. Decisão Pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide:
a) Julgar inconstitucional, por violação dos artigos 106º, n.º 2, e 168º, n.º
1, alínea i), da Constituição (versão posterior à Lei Constitucional n.º 1/89), os artigos 3º e 16º do Regulamento de Publicidade do Município de Lisboa, publicado pelo edital n.º 35/92; b) Consequentemente, conceder provimento ao recurso e determinar a reforma da decisão recorrida, no que à questão de constitucionalidade respeita.
Lisboa, 30 de Setembro de 2003
Paulo Mota Pinto Maria Fernanda Palma Mário José de Araújo Torres Rui Manuel Moura Ramos