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Proc. 652/02
1ª Secção Relator: Cons. Carlos Pamplona de Oliveira
Acordam no Tribunal Constitucional
A.. interpôs, ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 134/98 de 15 de Maio, no Tribunal Administrativo de Círculo de Coimbra, recurso contencioso a pedir a anulação da deliberação da Câmara Municipal da Lousã que adjudicara a empreitada de rectificação da EM351 entre ............. e o limite do concelho à sociedade B.
No entanto, o Tribunal solicitado rejeitou o recurso por extemporaneidade, considerando que fora excedido o prazo fixado no artigo 3º, n.º2 do citado Decreto-Lei n.º 134/98 (15 dias) para ser proposto tal pedido contencioso.
Inconformada, a Recorrente recorreu para o Supremo Tribunal Administrativo que, por acórdão de 4 de Setembro de 2002, negou provimento ao recurso, confirmando aquela decisão.
É do assim decidido que vem interposto o presente recurso para o Tribunal Constitucional ao abrigo do artigo 70º, nº1, alíneas b) e f) da LTC.
A Recorrente alegou, formulando as seguintes conclusões:
“1. O nº 5 do artº 35º da LPTA conjugado com o artigo 150º do C.P.C. estabelece prazos distintos de apresentação de petições de recurso, permitindo aos subscritores-advogados que não tenham escritório na comarca onde se encontram instalados os Tribunais Administrativos de Circulo, a possibilidade da sua remessa por registo postal, valendo neste caso como data do acto processual a da efectivação do respectivo registo postal, mas nega tal possibilidade/faculdade aos signatários-advogados que tenham escritório nessas mesma comarcas.
2. Esta regra jurídica está eivada quer do vício de inconstitucionalidade material, por constituir uma afronta a princípios constitucionais estruturantes do Estado de Direito Democrático, como são os princípios da igualdade, do acesso ao direito e da tutela jurisdicional efectiva, da justiça e da proporcionalidade, quer de ilegalidade por ofensa ao previsto nos artigos 2º e
3º-A do Código do Processo Civil e artº 54º do Estatuto da Ordem dos Advogados.
3. A dita regra jurídica viola o princípio da igualdade tal como este é entendido pelo Tribunal Constitucional, ou seja, no sentido de que o mesmo se reconduz a uma proibição de arbítrio, sendo inadmissíveis quer a diferenciação de tratamento sem qualquer justificação razoável, de acordo com critérios objectivos constitucionalmente relevantes, quer a identidade de tratamento para situações manifestamente diferentes.
4. A dita norma jurídica, ao ter como critério para entrega das petições dos recursos contenciosos de anulação (pessoalmente ou por via postal), o facto de o subscritor-advogado possuir ou não escritório na comarca onde estão instalados os Tribunais Administrativos de Círculo, procede a uma diferenciação de tratamento entre profissionais do mesmo ofício, sem qualquer justificação razoável e compatível com critérios objectivos e constitucionalmente relevantes, o que a torna incoerente com o sistema jurídico em vigor.
5. Prova do alegado reside no facto do legislador, aquando da recente reforma feita ao regime jurídico do processo nos Tribunais Administrativos, ter uniformizado procedimentos nesta matéria, ajustando-os às regras constantes no Código do Processo Civil, o que constituiu um importante passo no sentido de dar coerência ao sistema jurídico.
6. O nº 5 do artº 35º da ainda em vigor LPTA viola também o princípio da igualdade de armas, due process of law, enquanto manifestação do Estado de Direito Democrático, uma vez que coloca uma das partes – a que estiver representada por advogado com escritório em Lisboa, Porto, Coimbra, Funchal ou Ponta Delgada – em situação de desvantagem decorrente do facto de lhe impor a entrega pessoal dos recursos previstos nos artigos 24º e seguintes da LPTA, mesmo que exista uma impossibilidade decorrente de facto ou motivo juridicamente não atendível de acordo com as regras do artigo 146º do C.P.C. ex vi o artº 1º da LPTA
7. Aquela norma jurídica é materialmente inconstitucional, porque também desrespeita o princípio da justiça, entendido como parâmetro aferidor da conformidade constitucional das normas jurídicas, mas que pressupõe, porém, que esteja em causa uma solução normativa absolutamente inaceitável que afecte uma dada dimensão do núcleo fundamental dos interesses essenciais da pessoa humana e que colida com os valores estruturantes do ordenamento jurídico, como é seguramente o caso do citado nº 5 do artº 35º da LPTA.
8. O argumento de que este modo de tratar situações diferentes de forma diferente em razão dos gravames da exterioridade, não é relevante nem pode obter vencimento, considerando a panóplia de meios de comunicação hoje ao dispor de todos os advogados para envio das peças processuais para os diferentes Tribunais.
9. Entendendo aquela norma com o sentido constante da decisão em recurso, verifica-se que a mesma constitui ainda um flagrante atropelo ao princípio constitucional da proporcionalidade, uma vez que postula uma patente inadequação entre os fins – o direito de acesso à justiça – e os meios – forma de exercício deste direito.
10. É além disso ilegal, porque infringe o previsto pelos artigos 2º e 3º A do CPC e artº 54º do Estatuto da Ordem dos Advogados, na medida em que limita o exercício do mandato judicial em plenas condições de igualdade de armas entre os litigantes.
11. O artigo 204º da Lei Fundamental impõe que os Tribunais, nos feitos que lhe sejam submetidos a julgamento, desapliquem as normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados, numa clara alusão de que deverá prevalecer a justiça material em detrimento da justiça formal.
12. O Tribunal a quo, ao fazer prevalecer a regra contida no nº 5 do artº 35º da LPTA, sobrepondo-a aos princípios constitucionais e às disposições legais citados, infringiu o disposto nos artigos 2º e 3º A do CPC e artº 54º do Estatuto da Ordem dos Advogados.”
Apresentaram contra-alegações a Câmara Municipal da Lousã e a B. concluindo pela improcedência do recurso por não existirem as alegadas inconstitucionalidade e ilegalidade.
Decidindo.
Recurso ao abrigo do artigo 70º, nº1, alínea f) da LTC:
O recurso interposto ao abrigo da alínea f) do n.º1 do artigo 70º da LTC só pode ter por objecto uma questão de ilegalidade normativa por violação de lei com valor reforçado, de estatuto de região autónoma ou (tratando-se de norma constante de diploma regional) de lei geral da República.
A Recorrente considera que a norma do n.º 5 do artigo 35º da LPTA, tal como foi aplicada pelo Supremo Tribunal Administrativo, é ilegal por violação do disposto nos artigos 2º e 3º-A do Código de Processo Civil e artigo 54º do Estatuto da Ordem dos Advogados.
Ora, nem o Código de Processo Civil nem o Estatuto da Ordem dos Advogados são leis de valor reforçado (artigos 70º, nº1, alíneas c) e f) da LTC e 112º, nº3, da Constituição) nem, obviamente, se reportam a estatuto de região autónoma, nem as questionadas normas se integram em diploma regional.
Não se verificam, pois, os requisitos que habilitam a Recorrente a interpor recurso ao abrigo da alínea f), do nº1 do artigo 70º da LTC, razão pela qual se não conhece desta matéria.
Recurso interposto ao abrigo do artigo 70º, nº1, alínea b) da LTC:
A questionada norma contida no artigo 35º, n.º5 da LPTA já foi objecto de apreciação por este Tribunal nos Acórdãos n.ºs 462/02 (inédito) e 46/03, publicado no Diário da República, II série, de 7/05/2003, aí se tendo concluído pela sua não inconstitucionalidade.
É esta jurisprudência que, por se não descortinarem razões para a abandonar, seguiremos de perto.
A regra geral no contencioso administrativo, consagrada no artigo 35º, nº1 da LPTA, é a de que o recurso contencioso deve ser interposto por via da entrega da respectiva petição na secretaria do tribunal à qual é dirigida.
Uma das excepções a esta regra é a que resulta do n.º 5 do mesmo artigo: a de o advogado signatário não ter escritório na comarca sede do tribunal à qual é dirigida, podendo, nesse caso, aquela peça ser enviada sob registo postal à secretaria do tribunal, caso em que valerá como data de entrada a do respectivo registo.
Ora é nesta diversidade de regimes que a Recorrente detecta um motivo de inconstitucionalidade que residiria na injustificada diferenciação de tratamento entre os mandatários forenses.
Todavia, o tratamento diverso que é dado ao caso conforme os mandatários forenses tenham ou não o seu escritório na sede da comarca do tribunal tem uma
óbvia justificação material, apresentando-se - ao contrário do que defende a Recorrente - como uma solução racional e não arbitrária.
De facto, dado o reduzido número de tribunais administrativos de círculo existentes no País (e consequente afastamento geográfico entre eles), os advogados cujos escritórios se não situassem na sede da comarca encontrar-se-iam em evidente desvantagem relativamente aos seus colegas que, tendo o seu escritório nessa localidade, com muito maior facilidade se podem deslocar à secretaria do tribunal. Por outro lado, no âmbito dos seus poderes de livre conformação, o legislador determinou, que, nesses casos, possibilitando-se o envio da petição por via postal, se consideraria como data de entrada dos papeis a do respectivo registo postal.
Pretende-se, manifestamente, evitar maior onerosidade na entrega das petições quanto aos advogados que, tendo o escritório fora da sede da comarca do tribunal, se veriam em princípio obrigados a deslocações, provavelmente mais difíceis, para apresentar as petições de recurso na secretaria do tribunal, o que até poderia implicar uma injustificada redução do prazo processual dentro do qual deveria ser praticado o acto.
Pode indiscutivelmente entender-se que melhor solução legislativa seria a de atribuir indiscriminadamente a todos os mandatários forenses a faculdade de remeter as petições de recurso contencioso sob registo postal, valendo como data da entrada a do registo postal, como acontece no processo civil (artigo 150º do Código de Processo Civil) e como provavelmente ficará consagrado no futuro Código de Processo nos Tribunais Administrativos. Mas tal juízo não tem qualquer relevância para a questão da constitucionalidade: uma pior solução legislativa não determina por si só a respectiva inconstitucionalidade.
É que, como este Tribunal tem sublinhado, a ideia de igualdade não se opõe à existência de regimes jurídicos diferenciados, pois o que o princípio da igualdade recusa é o arbítrio legislativo. São, por isso, constitucionalmente admissíveis (= sem ofensa do princípio da igualdade) as diferenças de tratamento material e racionalmente justificadas pela diversidade das situações reguladas, como é o caso em apreço.
A norma do artigo 35º, n.º 5 da LPTA não confere, assim, aos seus destinatários um benefício racionalmente infundado, limitando-se a disciplinar realidades diversas, com a finalidade de eliminar a eventual ocorrência de situações injustificadamente desfavoráveis. Não se mostra, em suma, ferido o princípio da igualdade.
O que se deixa dito quanto à não violação do princípio da igualdade vale também para a invocada violação do princípio da justiça. Com efeito, os fundamentos apontados que demonstram a racionalidade da norma em causa são suficientes para se concluir que se não consagra uma solução injusta.
Igualmente se não verifica a violação do princípio da proporcionalidade porquanto a diferença de tratamento não é excessiva, desproporcionada ou clara e manifestamente inadequada.
Por último, relativamente ao princípio da igualdade de armas, e como o Tribunal Constitucional já afirmou diversas vezes (cfr. Acórdão 514/98, in Diário da República, II série, de 10 de Novembro de 1998 e jurisprudência aí citada) este“(...) apenas recusa distinções de tratamento arbitrárias, irrazoáveis, carecidas de fundamento racional, que conduzam a que uma das partes fique, injustificadamente, colocada em posição de inferioridade processual. Só nesse caso, com efeito, se destrói o equilíbrio postulado pelo dito princípio.”.
Tendo em conta o que já se disse não é, claramente, o que se verifica no caso da norma em apreciação.
Pelo exposto e em conclusão, decide-se:
a) Não tomar conhecimento do recurso interposto ao abrigo da alínea f) do nº1 do artigo 70º da LTC b) Negar provimento ao recurso interposto ao abrigo da alínea b) do nº1 do artº
70º da LTC
Custas pela Recorrente. Taxa de justiça: 15 UC. Lisboa, 29 de Maio de 2003 Carlos Pamplona de Oliveira Rui Manuel Moura Ramos Artur Maurício Maria Helena Brito Luís Nunes de Almeida