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Procº nº 7/2003.
3ª Secção. Relator:- BRAVO SERRA.
1. Em autos de processo comum com intervenção de juiz singular e em que figura como arguido A., o Juiz do 2º Juízo Criminal de Lisboa exarou, em 28 de Outubro de 2002, o seguinte despacho:-
“Os factos são de 11.3.1995.
O arguido foi notificado do despacho proferido nos termos do artigo 311 do CPP no dia 21.1.1999 (fls. 45).
O arguido não esteve presente na audiência de julgamento e não esteve presente na audiência de leitura da sentença, devendo por isso ter sido notificado pessoalmente da sentença (artigos 334, n. 8 do CPP, e 113, n. 7, ambos na versão da Lei n. 59/98, de 25.8, vigente à data daquelas audiências, e artigos 334, n. 6, e 113, n. 9, do CPP, na versão hoje vigente, do DL n.
320-C/2000, de 15.12, e ainda o artigo 373, n. 3 do CPP, na versão da Lei n.
59/98, de 25.8, vigente à data daquelas audiências e ainda hoje, este último artigo interpretado a contrario). A interpretação destas disposições no sentido de que o arguido que não esteve presente na audiência de julgamento e não esteve presente na audiência de leitura da sentença pudesse ser notificado da sentença na pessoa do seu defensor ou por qualquer outro meio que não a notificação pessoal, viola o artigo 32, n. 1 da CRP , que assegura todas as garantias de defesa e o direito ao recurso.
Assim, a sentença ainda não transitou, pois nunca foi notificada ao arguido, razão pela qual é aplicável o prazo de prescrição do procedimento criminal e não o prazo de prescrição da pena (artigo 121, n. 3, do CP/1982 e artigo 122, n. 2, do CP/995).
O arguido está acusado da prática de um crime de falsidade de declaração, p. e p. no artigo 359, ns. 1 e 2, do CP/1982.
O prazo de prescrição do procedimento criminal é de cinco anos e não se verificaram quaisquer factos que interrompessem ou suspendessem aquele prazo de prescrição, nos termos dos arts. 119 e 120 do CP/1982.
Com efeito, atenta a data dos factos, são aplicáveis os artigos 119 e
120 do CP/1982. Acresce que as causas de interrupção e de suspensão da prescrição do procedimento criminal previstas naqueles artigos se reportavam ao CPP/1929 e não podem ser aplicadas analogicamente ao CPP/1987, como tem decidido o Tribunal Constitucional (vd. Acórdãos do Tribunal Constitucional, n. 205/99, de 7.4.99 e n. 122/00, de 23.2.00, in respectivamente DR, II Série, de 5.11.1999 e de 6.6.2000).
Decorre, pois, desta jurisprudência constitucional a manifesta inconstitucionalidade, por violação do artigo 29, n. 1 e 3 da CRP , do acórdão do Pleno das secções criminais do STJ, n. 5/2001, de 1.3.2001 (in DR, I Série, de 15.3.2001), que consubstancia uma aplicação analógica a processos instaurados já nos termos do CPP/1987 de uma causa de suspensão e de interrupção prevista no CP/1982 para processos instaurados nos termos do CPP/1929 (notificação do despacho de recebimento da acusação proferido em processo correccional). Esta aplicação analógica é patente no argumento do STJ, expresso na fundamentação do acórdão, de que ‘o regime decorrente do despacho judicial que recebe a acusação e designa dia para julgamento tem a mesma natureza substancial e formal do que vigorava aquando da entrada em vigor do Código Penal de 1982’.
Ora, as causas de interrupção e de suspensão do procedimento criminal devem ser interpretadas restritivamente e constituem um catálogo apertado que se refere apenas aos institutos processuais vigentes à data da criação da lei que regulamenta a lei da prescrição, como manda a boa doutrina ( cfr . Adolf Schönke e Horst Shröder, Strafgesetzbuch Kommentar, Munchen, editora Beck, 1991, p. 945, e Eduard Dreher e Herbert Tröndle, Strafgesetzbuch Kommentar, München, editora Beck, 1995, p. 606), seguida uniformemente pela jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça alemão, o Bundesgerichtshof (BGH-Entscheidungen, vol. 4, p.
135, vol. 18, p. 278, vol. 26, p. 83, e vol. 28, p. 281). Esta doutrina e esta jurisprudência são particularmente significativas, porque o Código Penal português de 1982 reproduz praticamente o sistema alemão previsto nos §§ 78, 78 a, 78 b, 78 c, 79, 79 a, e 79 b do Código Penal alemão, sendo ainda mais restrito do que este direito, por prever menos causas de suspensão e de interrupção. O intérprete português não pode, portanto, ignorar o elemento interpretativo sistemático e teleológico que inspirou o legislador português em
1982, sob pena de se estar a substituir ao legislador .
Coloca-se ainda o problema de saber qual das suas questões de inconstitucionalidade deve este Tribunal conhecer primeiro, o que não é irrelevante para efeitos da interposição do recurso desta decisão. É manifesto que a questão atinente à inconstitucionalidade do sistema de notificação da sentença é prévia à questão da inconstitucionalidade do regime das causas de suspensão e interrupção da suspensão da prescrição do procedimento criminal e não da prescrição da pena, tendo-se concluído pela prescrição do procedimento criminal.
Deste modo fica salvaguardada a prioridade lógica do recurso obrigatório para o Tribunal Constitucional da decisão de inconstitucionalidade da interpretação dos artigos 334, n. 8 do CPP, e 113, n. 7, ambos na versão da Lei no 59/98, de 25.8, vigente à data daquelas audiências, e artigos 334, n. 6, e 113, n. 9, do CPP, na versão hoje vigente, do DL n. 320-C/2000, de 15.12, que não se encontra decidida por qualquer acórdão de fixação de jurisprudência.
Aliás, mesmo em relação à questão da inconstitucionalidade da interpretação dos artigos 119, n. 1, al. b) e 120, n. 1, al. c) do CP/1982, nos termos em que foi decidida pelo acórdão n. 5/2001, a prioridade do recurso para o STJ da decisão que negue a aplicação da interpretação fixada no assento com base na sua inconstitucionalidade poderia ter como consequência a manutenção pelo STJ da sua posição, revogando a decisão recorrida e não podendo Tribunal Constitucional conhecer da própria inconstitucionalidade suscitada em relação à interpretação firmada no assento. Este movimento circular, em que o STJ é o
último juiz da inconstitucionalidade da interpretação fixada nos assentos que profere, conduziria em linha recta a uma interpretação das disposições do n. 5 do artigo 70 da Lei n. 28/82, na versão do artigo 1, da Lei n. 13-A/98, de 26.2, em violação do disposto no artigo 280, n. 1, al. a) da Constituição da República e representaria uma fraude ao sistema constitucional de garantia da Constituição.
Pelo exposto:
1. não aplico, por os julgar inconstitucionais, os artigos 334, n. 8 do CPP, e 113, n. 7, ambos na versão da Lei n. 59/98, de 25.8, vigente à data daquelas audiências, e artigos 334, n. 6, e 113, n. 9, do CPP, na versão hoje vigente, do DL n 320-C/2000, de 15.12, quando interpretados no sentido de que o arguido que não esteve presente na audiência de julgamento e não esteve presente na .audiência de leitura da sentença pudesse ser notificado da sentença na pessoa do seu defensor ou por qualquer outro meio que não a notificação pessoal, e
2. em consequência da não aplicação destas disposições com este sentido, declaro o arguido não notificado da sentença e esta não transitada.
3. Não aplico, por os julgar inconstitucionais, o artigo 311 do CPP e os artigos 119, n. 1, al. b) e 120, n. 1, al. c) do CP/1982, na interpretação dada pelo STJ no acórdão de fixação de jurisprudência n. 5/2001, e
4. em consequência, declaro prescrito o procedimento criminal e ordeno o oportuno arquivamento dos autos. Notifique”.
Do transcrito despacho recorreu para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea a) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, de
15 de Novembro, o Representante do Ministério Público junto daquele Juízo, por seu intermédio pretendendo, conforme requerimento apresentado na sequência de convite que foi formulado ex vi do nº 6 do artº 75º-A da mesma Lei, a apreciação, por um lado, do complexo normativo constituído pelos artigos 334º, nº 8, e 113º, nº 7, em conjugação com o artº 373º, nº 3, todos da versão do Código de Processo Penal emergente da Lei nº 59/98, de 25 de Agosto, na interpretação de harmonia com a qual o arguido que não esteve presente, nem na audiência de julgamento, nem na audiência de leitura da sentença, pode ser notificado na pessoa do seu defensor ou por qualquer outro meio que não a notificação pessoal; e, por outro, a apreciação da questão de constitucionalidade respeitante à norma constante do artº 311º do Código de Processo Penal, em conjugação com a alínea b) do nº 1 do artº 119º e a alínea c) do nº 1 do artº 120º, estes da versão originária do Código Penal de 1982, na interpretação que veio a ser fixada pelo acórdão de fixação de jurisprudência nº
5/2001, de 1 de Março de 2001, do Supremo Tribunal de Justiça (que veio a ser publicado na 1ª Série-A do Diário da República, de 15 de Março de 2001, interpretação essa segundo a qual instaurado “processo criminal na vigência do Código de Processo Penal de 1987, por crimes praticados antes de 1 de Outubro de
1995, a notificação ao arguido do despacho que designa dia para julgamento, proferida nos termos dos artigos 311.º a 313.º daquele diploma, na versão originária, suspende e interrompe a prescrição do procedimento criminal, de acordo com os artigos 119.º, n.º 1, alínea b), e 120,º, n.º 1, alínea c), ambos do Código Penal de 1982, também na sua versão originária”).
2. Em 10 de Fevereiro de 2003, o relator exarou despacho no qual, no que ora releva, exarou:-
“...............................................................................................................................................................................................................................................................
Acontece, porém, que, no que tange à interpretação fixada pelo aludido acórdão de fixação de jurisprudência, concernentemente ao artº 311º do Código de Processo Penal em conjugação com os artigos 119º, nº 1, alínea b), e 120º, nº 1, alínea c), da versão originária do Código Penal aprovado pelo Decreto-Lei nº
400/82 de 29 de Setembro, tendo em conta que a decisão recorrida veio a perfilhar um juízo que se posta como contrário a tal interpretação, está tal decisão sujeita a recurso obrigatório do Ministério Público, como se estabelece no artº 446º, nº 1, do vigente Código de Processo Penal.
Sendo assim, coloca-se a questão de saber se a presente situação, no que se reporta àquela norma (o artº 311º com a conjugação normativa já indicada), pode enquadrar-se na estatuição constante do nº 5 do artº 70º da Lei nº 28/82.
Ora, este Tribunal, nos seus Acórdãos números 281/2001 e 282/2001, já tomou posição sobre problema idêntico ao ora deparado, tendo concluído que haveria de não tomar conhecimento do objecto do recurso, precisamente por não ter sido previamente interposto o recurso obrigatório comandado no falado nº 1 do artº 446º do Código de Processo Penal.
Neste contexto, não se conhecerá do vertente recurso no que se refere à norma ínsita no artº 311º do Código de Processo Penal, conjugada com as dos artigos 119º, nº 1, alínea b), e 120º, nº 1, alínea c), da versão originária do Código Penal, na interpretação que veio a ser fixada pelo citado acórdão de fixação e jurisprudência nº 5/2001.
Ficará, assim, limitado o objecto da presente impugnação ao complexo normativo constituído pelos artigos 334º, nº 8, e 113º, nº 7, do Código de Processo Penal aprovado pelo Decreto-Lei nº 78/87, de 17 de Fevereiro, na versão emergente da Lei nº 59/98, de 25 de Agosto, na interpretação de harmonia com a qual o arguido que não esteve presente, nem na audiência de julgamento, nem na sessão da audiência em que se realizou a leitura da sentença, pode ser notificado desta na pessoa do seu defensor ou por qualquer outro meio que não a sua notificação pessoal”.
Do transcrito despacho reclamou a entidade recorrente, tendo, na peça processual consubstanciadora da reclamação, dito, por um lado, que concordava que se excluísse do objecto do recurso a apreciação da norma constante do artº 311º do Código de Processo Penal, conjugada com a dos artigos
119º, nº 1, e 120, nº 1, alínea c), estes do Código Penal de 1982, na interpretação conferida pelo acórdão uniformizador de jurisprudência nº 5/2001; por outro, que, pelo que dizia respeito à delimitação do objecto do recurso referente à outra questão de constitucionalidade, entendia que, não sendo a decisão impugnada clara quanto à aplicação da lei no tempo, o recurso deveria também ser reportado aos preceitos que, actualmente - ou seja, após a vigência do Decreto-Lei nº 320-C/2000, de 15 de Dezembro -, regem sobre a matéria, em sucessão do regime previsto na versão do Código de Processo Penal advinda da revisão operada pela Lei nº 59/98, de 25 de Agosto, e que são os vertidos nos artigos 334º, nº 6, e 113º, nº 9, do dito corpo de leis actualmente em vigor, sendo que a interpretação normativa em causa só poderia ser plenamente apreendida e valorada se se tivesse em conta o regime constante do nº 3 do artº
373º do Código de Processo Penal ora vigente, que a decisão recorrida explicitamente considerava colidente com o nº 1 do artigo 32º da Constituição.
Por intermédio do Acórdão nº 94/2003, proferido de fls.
154 a 159 dos presentes autos, ficou definido o objecto do vertente recurso como sendo constituído pelas normas insertas no nº 8 do artº 334º e nº 7 do artº 113º da versão do Código de Processo Penal emergente da Lei nº 59/98, de 25 de Agosto, correspondentes às dos nº 6 do artº 334º e nº 9 do artº 113º da versão daquele Código resultante do Decreto-Lei nº 320-C/2000, de 15 de Dezembro, conjugadas com o nº 3 do artº 373º, ainda do mesmo Código, na interpretação segundo a qual o arguido que não esteve presente, nem na audiência de julgamento, nem na sessão em que se realizou a leitura da sentença, pode ser notificado desta na pessoa do seu defensor ou por qualquer outro meio que não a sua notificação pessoal.
3. Após o trânsito em julgado daquele Acórdão nº
94/2003, foi determinada a feitura de alegações.
O Ex.mo Procurador-Geral Adjunto em funções junto deste Tribunal rematou a alegação por si produzida com as seguintes «conclusões»:-
“1º - Por força do preceituado no nº 6 do artigo 32º da Constituição da República Portuguesa, a dispensa da presença do arguido na audiência de julgamento pressupõe que o regime legal estabelecido assegure, em termos bastantes, o direito de defesa do ‘ausente’.
2º - Não assegura, em termos suficientes os princípios das garantias de defesa e do direito ao recurso [u]m regime que se traduzisse em dispensar a notificação da sentença condenatória ao arguido, julgado na sua ausência, bastando-se com a notificação de tal decisão ao respectivo defensor, e contando-se desta o prazo para a dedução dos subsequentes meios impugnatórios, consentidos no caso de julgamento ‘à revelia’ ou ‘na ausência’.
3º - Termos em que deverão interpretar-se os preceitos desaplicados na decisão recorrida - e especificadamente no requerimento apresentado pelo Ministério Público - como consagrando a necessidade de a decisão condenatória ser notificada ao arguido ausente, em termos de lhe ser facultado o conhecimento ou cognoscibilidade da decisão contra ele proferida, contando-se de tal notificação o prazo para a dedução dos meios impugnatórios legalmente consentidos ao ausente”.
De seu lado, o arguido não apresentou alegação.
Cumpre decidir.
4. Uma primeira nota se impõe efectuar.
Reside a mesma em se vincar que poderia sustentar-se que o Juiz autor do despacho impugnado não referiu que era seu entendimento o de as normas em apreço somente poderem comportar uma interpretação segundo a qual o arguido que foi julgado na sua ausência não tinha de ser pessoalmente notificado da sentença.
Nesse contexto, assumiria plausibilidade um raciocínio segundo o qual a questão que, neste particular, se desenhou no despacho recorrido, mais não traduziria do que a mera colocação de um problema atinente a um hipotética, conjectural (para se usarem as expressões utilizadas pelo Ex.mo Procurador-Geral Adjunto em funções neste Tribunal) ou eventual conjunto normativo (ainda que alcançado por via interpretativa) que, a existir no ordenamento jurídico, seria desconforme com a Lei Fundamental e, por isso, ao mesmo deveria ser recusada aplicação.
E, a ser assim, convir-se-á que, em tal contexto, a desaplicação normativa efectivada pelo despacho recorrido, que abriria a intervenção do Tribunal Constitucional, seria destituída de razoabilidade, pois que, na realidade das coisas, não era verdadeiramente por força dos preceitos vigentes no ordenamento que a decisão (a de entender que, enquanto não ocorresse notificação pessoal do arguido da sentença condenatória, a mesma não transitaria) ínsita no despacho foi tomada, consequentemente não tendo a resolução da questão de (in)constitucionalidade um efeito útil repercutível na
«causa».
Admite-se, contudo, e numa outra leitura da peça processual em causa, que a interpretação do conjunto normativo em análise da qual resultava a desnecessidade de notificação pessoal do arguido, teria sido, não fora a alegada violação de normas ou princípios constitucionais, utilizada pelo Juiz a quo para decidir, conforme se poderá depreender, embora de forma, ao menos, implícita, da parte decisória do despacho impugnado.
É, pois, e tão só em face deste último entendimento, que o Tribunal tomará conhecimento do vertente recurso.
5. Cabe assinalar, em primeiro lugar que, no caso sub iudicio, se procedeu à realização da audiência de julgamento sem a presença do arguido com expressa base no preceituado no artº 334º, números 3 e 6, da versão do Código de Processo Penal decorrente da Lei nº 59/98, de 25 de Agosto, o que significa, bem ou mal (e isso é questão que escapa aos poderes cognitivos deste Tribunal), que se entendeu que, muito embora os factos que indiciariamente eram imputados ao arguido se reportassem a data anterior à da entrada em vigor daquela Lei, o regime processual que dela emanava era imediatamente aplicável, assim possibilitando aquela realização.
De um tal entendimento, resultou, desta arte, a efectivação de actos processuais que, por não impugnados, se haverão de considerar firmes nos vertentes autos ou, como assinala o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto na sua alegação, estamos, perante decisões que “obviamente”,
“transitaram em julgado, constituindo caso julgado formal”.
6. Mas, se assim é, ou seja, se a realização da audiência de julgamento sem a presença do arguido se fundou expressamente no regime decorrente dos aludidos números 2 e 3 do artº 334º do diploma adjectivo criminal, por se ter considerado que ao caso dos autos era aplicável a redacção conferida àqueles preceitos pela Lei nº 59/98, então é-se levado a concluir que o nº 8, ainda do mesmo artigo (dita redacção), também cobrará aplicação, isto é, que a sentença proferida relativamente ao arguido, que foi julgado como
«ausente», deve ser-lhe notificada logo que detido ou se apresentar voluntariamente, contando-se o prazo previsto para a interposição do recurso ou para requerer novo julgamento (cfr. artº 380º-A da mencionada versão) da notificação efectuada em último lugar, sendo que essa notificação que deve ser feita pessoalmente não só ao arguido como também ao seu advogado ou defensor nomeado (cfr. nº 7 do artº 113º, ainda da mesma versão).
E a tal conclusão não obsta o preceituado no nº 3 do artº 373º - que comanda que o arguido que não estiver presente à leitura da sentença se considera notificado da sentença depois de esta ter sido lida perante o defensor nomeado ou constituído - e no nº 4 do artº 334º (sempre na indicada versão) - que estipula que sempre que a audiência tiver lugar na ausência do arguido, este é representado, para todos os efeitos possíveis, pelo defensor. E isto porque, como parece límpido, um e outro daqueles preceitos não entra em contradição com o mencionado nº 8, primeira parte, do artº 334º, ou seja, com a imposição da notificação pessoal, ao arguido, da sentença, mal seja detido ou se apresente voluntariamente.
Se assim não fosse - isto é, se se considerasse que a sentença proferida relativamente a um arguido que foi julgado sem estar presente
à audiência de julgamento se havia de ter por notificada com a mera dação de conhecimento ao defensor -, revestir-se-ia de perfeita inutilidade a primeira parte do nº 8 do artº 334º, mormente se se atentar que na segunda parte daquele número se preceitua que o prazo previsto para a interposição de recurso ou para requerer novo julgamento só se inicia a partir da notificação ao arguido
(notificação pessoal a este, naturalmente, porque é a essa notificação que se alude na sua primeira parte), sendo de vincar que, de todo o modo, no dito nº 8 se ressalvam os casos previstos nos números 1 e 2 do mesmo artº334º, justamente aqueles que se referem às situações a que corresponderia processo sumaríssimo, mas que foi reenviado para processo comum, e em que o arguido, por impossibilidade de comparecer à audiência, requereu ou consentiu na realização dela na sua ausência.
7. O que se deixou dito referentemente aos normativos adjectivos criminais decorrentes da Lei nº 59/98 não é alterado perspectivando a alteração que, ao Código de Processo Penal, foi introduzida pelo Decreto-Lei nº
320-C/2000.
Neste aspecto, adere-se à entidade recorrente quando a mesma afirma que não “se vê facilmente a que título e com que fundamento - tais normas poderiam ser convocáveis e aplicáveis à dirimição da concreta situação procedimental debatida , face, nomeadamente, ao preceituado no artigo 5º do Código de Processo Penal: aplicação imediata, da lei nova sem prejuízo da validade dos actos realizados na vigência da lei anterior; ora, tendo a audiência assentado precisamente na expressa invocação do regime que constava do nº 3 do artigo 334º (fls. 86), disposição derrogada pelo Decreto-Lei nº
320-C/2000 (passando a situação de ‘notificação edital, aí prevista, a diluir-se nos casos de ‘regular notificação’’ do arguido para a audiência, previstos no artigo 333º, nº 1, como decorrência do novo regime de notificação presumida no domicílio do notificando, mediante carta simples (artigo 313º, nº 3, da versão actual do Código de Processo Penal), não se vê a que título seria possível
‘convolar’ do regime adjectivo, vigente em 1998, para o subsequente do Decreto-Lei nº 320-C/2000”, e que serão “irrelevantes as alterações legislativas introduzidas em 2000 no regime de notificações para a audiência já que - como se referiu - no caso dos autos o arguido foi pessoalmente notificado da data em que a mesma se iria realizar (o que naturalmente nos dispensa de apreciar as questões da suficiência, para tal fim, quer da notificação ‘edital’ prevista no nº 3 do artigo 334º, na versão de 1998, quer da notificação por carta simples, estabelecida no actual artigo 313º, nº 3, do Código de Processo Penal”.
8. Significa isto que a aplicação dos normativos acima focados aponta para que, nos casos em que o arguido foi julgado na sua ausência
(e é esta a hipótese do caso sub specie, pois que se não trata, no mesmo, de uma situação em que o arguido esteve presente nas sessões de audiência, excepto na da leitura da sentença, situação essa em que, eventualmente, se poderia colocar a questão de saber se do nº 3 do artº 373º da indicada versão do Código de Processo Penal resultava a desnecessidade de notificação pessoal desse arguido da sentença) o mesmo deve ser notificado pessoalmente da sentença logo que for detido ou se apresentar voluntariamente, não se podendo contar o prazo para impugnar a sentença ou para requerer novo julgamento se essa notificação não for levada a efeito .
Mas, se assim é, então concluir-se-á que se não vislumbra em que medida é que tais normativos poderão contender com o disposto nos números 1 e 6 do artigo 32º da Constituição.
Em consequência, a interpretação que se deixou efectuada, porque se não mostra desconforme com indicados preceitos constitucionais, deverá ser aquela que, no vertente processo, deverá ser aplicada (nº 3 do artº 80º da Lei nº 28/82).
9. Em face do exposto, o Tribunal determina que, in casu, sejam os preceitos constantes dos artigos 334º, nº 8, e 113º, nº 7, da versão do Código de Processo Penal emergente da Lei nº 59/98, de 25 de Agosto, correspondentes às dos artigos 334º, nº 6, e 113º, nº 9, daquele Código resultante do Decreto-Lei nº 320-C72000, de 15 de Dezembro, conjugadas com o nº
3 do artº 373º, ainda do mesmo Código, interpretados no sentido de que consagram a necessidade de a decisão condenatória ser pessoalmente notificada ao arguido ausente, não podendo, enquanto essa notificação não ocorrer, contar o prazo para ser interposto recurso ou requerido novo julgamento.
Em consequência, determina-se a reforma da decisão recorrida em conformidade com o agora decidido.
Lisboa, 28 de Maio de 2003. Bravo Serra Gil Galvão Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Alberto Tavares da Costa Luís Nunes de Almeida